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CARDOSO, João Muralha, REIS, Mário, MAGALHÃES, Carla & Batarda, António (2021): Trabalhos arqueológicos no sítio do Texugo (Vila Nova de Foz Côa)

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locais igualmente enunciados no PIPA aqui referido.
Desta forma, tornou-se premente a formação de uma
parceria entre estes dois projectos.
1. O Sítio; georeferenciação, caracterização, partici-
pantes, datas e enquadramento.
O sítio do Texugo, de um ponto de vista geomorfoló-
gico, localiza-se num cabeço de aspecto cónico, em
esporão, sobranceiro ao rio Côa, na sua margem es-
querda. É um local visualmente imponente, com en-
costas inclinadas e rochosas à excepção do seu an-
co Oeste, onde se abre o colo de acesso ao sítio. Tem
uma cota de 295m acima do nível do mar. Localiza-se
entre as pedreiras do Poio e o monte do Fariseu.
Geologicamente, localiza-se em terrenos do Super-
grupo Diúrico-Beirão (“Complexo xisto-grauváqui-
co”) na formação da Desejosa, composta por litos
cloríticos com intercalações de metagrauvaques e
rochas calcossilicatadas. Esta é uma formação alóc-
tone (Ribeiro 2001).
O acesso ao sítio é feito por caminho de terra batida
desde a estrada que dá acesso às pedreiras do Poio
e depois por caminho de pé posto, atravessando a
Quinta do Texugo.
Este sítio foi identicado no Verão de 2005 por Mário
Reis, um dos colaboradores deste projecto de inves-
tigação, no âmbito do seu trabalho de prospecção de
arte rupestre no Parque Arqueológico do Vale do Côa
Trabalhos arqueológicos
no sítio do Texugo
(Vila Nova de Foz Côa)
João Muralha Cardoso1, Mário Reis2,
Carla Magalhães3 e António Batarda4
0. Introdução
O presente trabalho diz respeito à segunda inter-
venção arqueológica do Projecto de Investigação
denominado “Uma investigação sobre a Pré-história
Recente do Vale do Côa. Dinâmicas de uso e ocupação
do território”5, que tem como objectivo principal o
estudo das dinâmicas de povoamento da Pré-histó-
ria Recente no Vale do Côa. O trabalho de campo foi
realizado no sítio do Texugo.
Em artigo recente, relativo à intervenção arqueológica
nas Pedreiras do Poio (Magalhães et al. 2020:103-104),
elaboramos uma pequena síntese sobre o estado da
arte dos projectos que se têm dedicado à Pré-história
Recente no Vale do Côa. Não a iremos aqui repetir,
mas torna-se agora importante acrescentar a existên-
cia de novos estudos a decorrer naquele vale. Esses
projectos foram seleccionados por júri internacional
no âmbito do concurso “Projetos de Investigação
Cientíca e Desenvolvimento Tecnológico para a Pro-
moção de atividades de I&D de âmbito interdisciplinar
e pluridisciplinar a realizar na região do Vale do Côa”.
Um desses projectos, LandCraft - os contextos socio-
culturais da arte da Pré-história Recente no vale do Côa,
compreende a análise de contextos arqueológicos de
1 CEAACP/UC, Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciên-
cias do Património/Universidade de Coimbra.
2 Fundação Côa Parque; CEAACP/UC.
3 Fundação Côa Parque.
4 Direcção Geral do Património Cultural; CEAACP/UC.
5 Na fase nal de preparação deste artigo, foram os autores
surpreendidos, assim como todos aqueles que se interessam
pelo Vale do Côa, pela triste notícia do falecimento súbito de
Bruno Navarro, Presidente da Fundação Côa Parque. Tendo este
projecto sido acarinhado e apoiado desde o início por Bruno Na-
varro, os autores prestam assim pública e sincera homenagem
a quem soube impor a investigação cientíca em várias áreas
do conhecimento como um dos rumos de futuro para o Vale do
Côa.
Fig. 1: Enquadramento do sítio do Texugo entre o vale da
Figueira e o vale do Videiro, visto da margem Norte do
Rio Côa
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Trabalhos arqueológicos no sítio do Texugo (Vila Nova de Foz Côa) | João Muralha Cardoso, Mário Reis, Carla Magalhães, António Batarda
Os trabalhos decorreram entre 26 e 31 de Outubro de
2020 e contaram com a presença de Mário Reis e João
Muralha. Carla Magalhães por razões de saúde e Antó-
nio Batarda por motivos prossionais, não estiveram
presentes. No entanto, todos os elementos participa-
ram na organização e logística da intervenção arqueo-
lógica. Mário Reis fez todos os registos fotográcos e
João Muralha ocupou-se dos registos grácos.
Como já referido na introdução, estes trabalhos en-
quadram-se no projecto PIPA, apresentado e apro-
vado pela tutela no ano de 2019, cando vigente até
2022.
Toda a logística de trabalho de campo (escavação,
organização e sistematização de materiais) foi asse-
gurada pela Fundação Côa Parque, (entidade enqua-
drante), a qual cedeu instalações para tratamento
dos materiais (lavagem e contentorização adequa-
da), providenciou o transporte para o campo e o ní-
vel óptico. Os meios necessários aos diversos regis-
tos (fotográcos e grácos) foram fornecidos pelos
investigadores do projecto.
Os custos nanceiros da intervenção foram pratica-
mente nulos. Os poucos gastos existentes foram su-
portados pela equipa de projecto.
O levantamento fotográco com Drone foi feito com
fundos provenientes da parceria entre este projecto
e os trabalhos de investigação do LandCraft (como
já referido na introdução), liderado pela Doutora
Lara Bacelar Alves.
Além deste levantamento fotográco, esta parceria
incluiu a georreferenciação de pontos no terreno
com sistema GNSS e a produção de Modelo Digital
de Superfície.
2. Objectivos, estratégia e metodologia
O grande objectivo dos trabalhos arqueológicos
consistia na caracterização arqueológica da ocupa-
ção do sítio do Texugo. Em várias visitas ao local, an-
tes da intervenção arqueológica, houve três factores
que nos levaram a escolher este local, como um dos
sítios a intervencionar no âmbito deste projecto:
a) A existência de uma estrutura semicircular qua-
se no topo do cerro. Esta estrutura parecia con-
gurar um murete;
(e, na altura, também ao serviço do ex-CNART – Cen-
tro Nacional de Arte Rupestre). O local não se encon-
trava assinalado na base de dados de sítios arqueo-
lógicos do PAVC. A sua escolha para ser prospectado
deveu-se à conjugação de dois factores. Em primeiro
lugar, a sua excelente implantação, como cabeço iso-
lado sobre o Côa, com um topo achatado. Em segun-
do lugar, o facto de estar sobranceiro a dois sítios de
arte rupestre já então conhecidos, Vale de Figueira e
Vale de Videiro, com rochas decorados do Paleolíti-
co Superior e da Pré-história Recente na base do ca-
beço, no início de uma imensa falésia integralmente
rochosa e que se prolonga até ao topo da encosta,
sendo assim o topo do cabeço o acesso mais exequí-
vel aos painéis superiores desta falésia. Na altura, na
parte superior do cabeço, foram encontrados alguns
materiais cerâmicos, muito desgastados, manuais e
de difícil caracterização cronológica. No entanto na
altura apontou-se para uma cronologia da Pré-histó-
ria Recente. Na área mais elevada do cabeço, na zona
de acesso ao topo, detectou-se o que aparentava ser
um grande derrube de uma eventual estrutura anti-
ga, de cronologia desconhecida.
Fig. 2: Localização da intervenção arqueológica (pequeno
ponto vermelho), em cartograa CMP 1:25000, folha -
141, com as seguintes coordenadas: Latitude – 41º 02’’ 38,1’’’;
Longitude W (Greenwich) 07’ 10,3’’; Altitude 297 m
(ponto médio)
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Ciência
A metodologia de escavação seguiu os princípios
de estratigraa e registo preconizados por Barker
(1978) e Harris (1989). Durante o processo de esca-
vação e sempre que a natureza dos contextos iden-
ticados o exigia, ajustamos os procedimentos con-
siderando as propostas de Angelucci (2003).
3. Descrição e interpretação dos trabalhos realizados
a) Limpeza da área onde as prováveis estruturas
são visíveis.
A área de trabalho encontrava-se coberta com
vegetação rasteira e arbustiva. Toda a zona de
trabalho foi limpa com recurso a enxada e serra
manual. A faixa ocupada pelo que parecia ser
um derrube de estrutura antiga, foi limpa de
ervas e cortados alguns ramos de pequenas ár-
vores que porventura dicultariam o trabalho.
b) Abertura de uma sondagem de 2m por 1m no sen-
tido de perceber se ainda existia alguma estrati-
graa e recolher o máximo possível de dados.
Depois da desmatação efectuada, marcou-se
no terreno uma grelha quadriculada de 6m
por 2m tendo em consideração a zona dispo-
nível para trabalhar e a existência de indícios
de estruturas. À quadrícula montada mais a
Este foi dada a designação de F10, crescendo
a numeração para Oeste; F11 e F12 (quadrículas
de 2X2m). Se houvesse necessidade de abrir a
malha quadriculada para Norte ou Sul, a desig-
b) Os materiais arqueológicos recolhidos à super-
fície. Apesar de serem poucos e bastante rola-
dos e erodidos, era possível integrá-los generi-
camente na Pré-História Recente;
c) A excelente implantação geomorfológica do
sítio.
Por outro lado, sabíamos que este monte cónico
tinha sido um local de extracção de pedra e que
a Quinta existente no colo de acesso ao cerro,
tinha sido construída com muitas lajes prove-
nientes daquela área, contribuindo para uma
eventual destruição do sítio. No entanto, sem
uma intervenção arqueológica, não consegui-
ríamos explicitar melhor a cronologia das pro-
váveis estruturas.
A caracterização arqueológica deste sítio, passava
assim por uma estratégia de trabalho de campo que
nos permitisse aceder a informação pouco perturba-
da, recolher o máximo possível de materiais e suge-
rir uma delimitação do sítio arqueológico.
Com este objectivo em mente utilizamos a seguinte
estratégia de campo:
Limpeza da área onde as prováveis estruturas
são visíveis;
Abertura de uma sondagem de 4m por 1m, no
sentido de perceber se ainda existia alguma
estratigraa e recolher o máximo possível de
dados;
Prospecção imediatamente em redor do sítio ar-
queológico, para tentar perceber a área de dis-
persão de materiais, com o objectivo, se possí-
vel, de aferir a área original do sítio arqueológico;
Prospectar a envolvência maior do sítio arqueo-
lógico;
Considerando a parceria com o projecto LandCraft,
surgiram dois novos objectivos:
O Levantamento topográco com drone e
georreferenciação de pontos no terreno com
sistema GNSS;
A produção de um modelo Digital de Superfície
que englobasse os sítios com pinturas existen-
tes no sopé do cerro, quer a Norte, quer a Sul;
os sítios de Vale Videiro e Vale Figueira.
Fig. 3: Área de trabalho, no topo do cerro, depois da sua
limpeza
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de pequeno calibre (menores de 0,05m). Esta uni-
dade foi identicada nas quadrículas F10 e F11, e
a segunda (02) só existia na quadrícula F12 e cor-
respondia a um nível de lajes de xisto de médio a
grande calibre (entre 0,05m a 0,25m e maiores).
Apresentava raros sedimentos e, quando existiam,
encontravam-se muito soltos. Não tinha materiais
arqueológicos. Considerando a questão sedimen-
tar e a identicação da disposição das lajes aquan-
do do seu desmonte, interpretamos esta unidade
estratigráca como sendo um antigo moroiço, ou
muro construído por agricultores. Esta estrutura
encontrava-se numa área de cerca de 8m em redor
do acesso ao topo do monte. A sua disposição no
terreno criava um pequeno patamar que retinha
sedimentos.
A unidade estratigráca 03 encontrava-se imediata-
mente por debaixo da 01 na quadrícula F11. Corres-
pondia a um sedimento muito solto, castanho, com
muita pedra de pequeno e médio calibre. Não tinha
materiais arqueológicos. O processo de formação
desta unidade parece corresponder a um nível sedi-
mentar que reecte uma agricultura não intensiva e
não mecânica, ao longo de muitos anos. O tamanho
das pedras e das lajes, a inclusão de algumas raízes
e o facto de o sedimento se encontrar solto e pouco
consistente, ajudou na nossa interpretação. Desta
forma explicava-se a existência da estrutura que ro-
deava parte do topo do cerro a Oeste como uma es-
trutura tipo patamar, para retenção de sedimentos e
igualmente como moroiço.
Os poucos materiais encontrados, foram recolhidos
na unidade estratigráca 05. Correspondia a um
sedimento argiloso, compacto com inclusões de pe-
dras e lajes de pequeno, médio e grande calibre e de
cor castanha escura. Esta unidade estava perfeita-
mente identicada na quadrícula F12 assentando em
cima de uma outra unidade, a 06 que correspondia à
desagregação do substrato geológico.
nação cresceria precisamente no sentido Sul/
Norte.
A metodologia de escavação utilizada considerava o
registo gráco e fotográco de todas as unidades es-
tratigrácas identicadas e a sua completa remoção
individualmente.
A unidade estratigráca 01 (UE 01) foi assim de-
senhada e fotografada nos quadrados F10, F11 e
F12 (ver Figura 4). Foram logo identicadas duas
unidades estratigrácas (01 e 02), corresponden-
do precisamente a primeira a uma camada humo-
sa de formação recente, de cor castanha escura,
com grandes inclusões de raízes, ervas e pedras
Fig. 4: Plano inicial. Unidades estratigrácas 01 e 02
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Trabalhos arqueológicos no sítio do Texugo (Vila Nova de Foz Côa) | João Muralha Cardoso, Mário Reis, Carla Magalhães, António Batarda
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Ciência
d) Prospectar a envolvência do sítio arqueológico.
Além da prospecção nas imediações do sítio
arqueológico, também procedemos a uma
prospecção arqueológica na parte superior
adjacente de Vale Videiro. A gura 8 cartogra-
fa as áreas de prospecção na envolvente do sí-
tio do Texugo. Considerando os resultados da
escavação, optámos por prospectar o monte
localizado a Oeste do sítio e o colo de acesso
ao topo do Texugo. Considerando igualmen-
te a existência de uma rocha com pinturas no
Vale Videiro e uma quantidade interessante
de painéis de xisto, decidimos vistoriar o má-
ximo de painéis possíveis existentes nessa
área. Não se detectaram novas ocorrências
de arte rupestre.
c) Prospecção imediatamente em redor do sítio ar-
queológico para tentar perceber a área de disper-
são de materiais, com o objectivo, se possível, de
aferir a área original do sítio arqueológico.
Todo o cabeço foi prospectado, assim como
grande parte das plataformas que existem a
Norte e Este do topo do cerro e o colo de aces-
so ao topo. Essa prospecção não se traduziu
numa grande quantidade de achados, (apesar
da visibilidade do terreno ser boa), mas além
dos raros materiais cerâmicos recolhidos,
produziu dois achados com algum interesse.
Um foi uma grande mó de granito encontra-
da num muro de propriedade. O segundo foi
a superfície decorada com algumas covinhas
na parte superior do cabeço do Texugo, quase
no topo, e um pouco acima da zona escolhi-
da para escavação. É legítimo armar que não
existe uma área precisa de dispersão de ma-
teriais, mas sim materiais avulsos, dispersos
pelo cabeço.
Fig. 5: Quadrado F12 com a delimitação das várias
unidades estratigrácas
Fig. 6: Dormente em granito encontrado no muro da
antiga Quinta do Texugo
Fig. 7: Enquadramento paisagístico do aoramento que
tem a superfície decorada com covinhas
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cabeço. A prospecção feita no local, assim como na
envolvente, produziu igualmente poucos dados.
Percebemos igualmente que num passado recente,
foi praticada uma agricultura não mecanizada. Esta
ideia é atestada pela unidade estratigráca 03 e pela
grande quantidade de pequenos muros de conten-
ção de terras que formam pequenas plataformas,
onde se plantaram oliveiras e onde poderia ser feita
uma agricultura não intensiva.
A pedreira antiga também é visível, não só nos ao-
ramentos geológicos que têm linhas de clivagem de
corte em formato de laje, como pela quantidade de
pedra espalhada pelo cerro que deverão correspon-
der a escombreiras antigas. Ainda hoje, a pedreira
do Poio labora a menos de 1km de distância.
Com estes resultados, o que fazer? Como pensá-los?
Em primeiro lugar temos o achado da rocha com co-
vinhas.
O aoramento escolhido para esta decoração é um
bloco de forma sub-rectangular emergente do solo,
cujo topo é uma superfície plana e de disposição
quase perfeitamente horizontal, que se ergue apro-
ximadamente um metro acima do solo. Divide-se em
alguns painéis, separados por linhas de fractura que,
numa situação, também denem dois diferentes
planos horizontais. As covinhas detectadas são em
escassa quantidade, apenas cinco, e dividem-se por
dois dos painéis da rocha: quatro na periferia de um
painel de maior dimensão, e uma isolada no centro
de um painel mais pequeno. Para além de poucas,
as covinhas caracterizam-se também pela pequena
dimensão e baixa profundidade, sendo visualmente
inconspícuas e passando facilmente despercebidas.
Este novo achado vem juntar-se ao conjunto da arte
rupestre da região do Côa, integrando-se no peque-
no conjunto de sítios com (poucas) rochas decora-
das com covinhas. Mas é também mais um elemen-
to de uma nítida tendência que se observa nestes
sítios e nestas rochas; a sua associação a contextos
ocupacionais e/ou artísticos da Pré-história Recen-
te (Reis 2014: 43). Nalguns casos as rochas com co-
vinhas surgem no interior da área de dispersão de
materiais arqueológicos do sítio em que se inserem,
como sucede com as rochas no Fumo, Tambores ou
Ponto da Serra, assim como esta nova rocha do Te-
4. Observações Finais
Considerando todos os dados provenientes e re-
colhidos no sítio do Texugo, podemos armar que
a área do topo do monte foi objecto de algum tipo
de povoamento na Pré-história Recente, provavel-
mente durante o Calcolítico regional. Os poucos
materiais arqueológicos recolhidos à superfície e em
estratigraa (unidade estratigráca 05) corroboram
esta ideia. No entanto, e apesar da excelente implan-
tação geomorfológica do local, este não é um sítio
de ocupação perene. Não foram descobertas estru-
turas mais antigas que os moroiços e muros de con-
tenção de terras, nem os materiais encontrados nos
remetem para uma ocupação intensiva do local e ex-
tensiva no cerro. Foi certamente um local de passa-
gem sistemático e terá sido um sítio com ocupações
breves e provavelmente descontinuadas na área do
Fig. 8: Cartograa das áreas de prospecção arqueológica
em cartograa CMP 1:25000, folha nº141
Fig. 9: Vista geral da área prospectada no Vale Videiro
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Trabalhos arqueológicos no sítio do Texugo (Vila Nova de Foz Côa) | João Muralha Cardoso, Mário Reis, Carla Magalhães, António Batarda
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coavisão.23.2021
Ciência
de um pequeno conjunto de exemplos numa região
limitada. Basta olhar para a realidade conhecida no
distrito de Vila Real, por exemplo, para notar a varie-
dade de situações, contextuais e cronológicas (Alves
& Reis 2009). Assim, de momento, é suciente cons-
tatar a tendência existente na região do Côa e áreas
circundantes, a associação, mais ou menos directa,
de rochas decoradas com covinhas a contextos ar-
queológicos da Pré-história Recente, de que a nova
rocha do Texugo é o mais recente exemplo.
Em segundo lugar, e considerando a escassez de da-
dos arqueográcos, torna-se interessante reectir
precisamente sobre o facto de este não ser um lo-
cal de ocupação permanente, mas sim um local que
terá sido alvo de uma ocupação esparsa no espaço
do cabeço e breve, nos vários tempos de ocupação.
Estamos assim a falar da mobilidade destas comuni-
dades.
Quando falamos de mobilidade de comunidades da
Pré-história Recente, nesta área geográca do Alto
Douro, estamos a falar da relação do homem com a
paisagem. Estamos a falar de um processo de terri-
torialização. A movimentação entre sítios, principal-
mente ao longo do 3º milénio a.C., é um processo de
estruturação de um território. Os sítios são pontos
importantes numa paisagem, mas a mobilidade entre
eles é fundamental. Alguns destes locais tiveram uma
ocupação que perdurou no tempo, caso de Casta-
nheiro do Vento e Castelo Velho de Freixo de Numão,
outros tiveram uma ocupação menos continuada (ver
Cardoso 2010:384-396), caso do sítio do Texugo. Esta
diversidade aliada às diferentes implantações geo-
morfológicas são uma forma de viver a paisagem, de
arquitecturar um território (Cardoso 2020).
O tempo da mobilidade não é um esforço na procu-
ra de caminhos óptimos entre sítios, é um tempo de
conhecimento de espaços e de consolidação do sis-
tema agropastoril destas comunidades. A relação do
homem com a paisagem acontece em muitos luga-
res e particularmente nos percursos entre eles.
O sítio do Texugo, no cimo de um cabeço, caindo
em ribanceira sobre o rio Côa, não é um ponto de
passagem, mas sim um nódulo de chegada e parti-
da. A visibilidade extraordinária que possui, a área
que visualmente alcança e acima de tudo o territó-
xugo. Noutros casos encontram-se nas proximida-
des directas dessas áreas de dispersão de materiais,
como sucede com a rocha 2 da Cavalaria ou com a
rocha 2 de São Gabriel, esta última bastante perto
de uma outra rocha decorada com pintura esque-
mática. Há também algumas situações em que o
contexto é ambíguo, como na rocha 2 da Ribeira da
Volta, relativamente perto de um sítio com materiais
cerâmicos da Pré-história Recente, mas rodeada de
gravuras da Idade do Ferro, ou ainda do conjunto de
rochas com covinhas do Alto das Malhadas, inseri-
das num contexto arqueológico simultaneamente
da Pré-história Recente e da Idade do Ferro. Mas
estas excepções não afastam a tendência evidente
de associação contextual de rochas com covinhas
a contextos da Pré-história Recente nesta área do
Côa. Essa tendência prolonga-se para outros sítios
na região circundante, como testemunham o acha-
do de blocos soltos ou aoramentos com covinhas
em outros sítios da Pré-história Recente; Castanhei-
ro do Vento (Cardoso 2010:230 e Vale et al. 2011:156),
Castelo Velho de Freixo de Numão (Coixão 2014:27),
Abrigo 3 da Painova (Coixão 2014:27) e Vale Ferreiro
(Coixão 2014:31). É de realçar ainda o achado isola-
do de uma grande laje de xisto com cerca de 1,50m
por 1,00m com uma grande gura antropomórca e
mais de duas dezenas de covinhas, no sítio do Caga
Cão (Cardoso 2010:437-438), a cerca de 1000m da im-
portante estação arqueológica de Castelo Velho de
Freixo de Numão.
É necessária alguma prudência na interpretação
destes dados. Uma primeira análise das cronologias
conhecidas para os contextos associados a estas ro-
chas com covinhas sugere uma prevalência de sítios
inseríveis entre os 3º e 2º milénios a.C., mas vários
destes sítios não foram ainda alvo de investigação
arqueológica desenvolvida. O conjunto de sítios e
rochas aqui referidos não é muito elevado, e seria
necessária uma investigação alargada de múltiplos
sítios arqueológicos para melhor contextualizar a
relação entre rochas com covinhas e outros sítios ar-
queológicos. E seria um erro evidente da nossa parte
tentar generalizar uma interpretação para as elusi-
vas covinhas, um fenómeno tão amplo a nível mun-
dial e com contextualizações tão diversas, a partir
110
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rio que observa terá contribuído para a identidade
de uma, ou várias comunidades, com um território;
com o seu território. Este sítio não marca a paisagem
da Pré-história Recente deste território, como terão
marcado Castanheiro do Vento e Castelo Velho de
Freixo de Numão, ou mesmo a Zaralhôa e Montes
(Cardoso 2019), mas faz parte de um conjunto de
nódulos que marcam a territorialização desta paisa-
gem. A especicidade deste tipo de sítio não é a sua
monumentalidade arquitectural, mas a sua quase in-
visibilidade. É um outro tipo de sítio que em conjun-
to com todos os outros sedimenta a dinâmica iden-
titária destas comunidades, com uma paisagem que
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Imprensa da Universidade de Coimbra, pp. 51-94.
coavisão.23.2021
Trabalhos arqueológicos no sítio do Texugo (Vila Nova de Foz Côa) | João Muralha Cardoso, Mário Reis, Carla Magalhães, António Batarda
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RESUMO: Desde a sua descoberta que a arte rupestre da região do Côa não tem cessado de aumentar os seus números, que se traduzem neste momento em mais de 80 sítios, com uma quantidade de rochas historiadas que ultrapassa bastante o milhar de registos. Nas primeira e segunda partes deste trabalho apresentamos uma descrição dos sítios dispersos ao longo dos dois eixos principais da distribuição da arte rupestre, os rios Côa e Douro, respectivamente. Nesta terceira e última parte apresentamos o ponto da situação do inventário e as conclusões, com uma resenha sobre o conhecimento obtido sobre cada um dos quatro períodos cronológicos da arte do Côa, e ainda uma adenda com os novos dados do inventário entretanto obtidos. Palavras-chave: Arte Rupestre; Vale do Côa; Prospecção. ABSTRACT: Since its discovery, the rock art of the Côa region has not ceased to increase its numbers, which are reflected at this point in more than 80 sites, with a quantity of engraved rocks that quite exceeds one thousand records. In the first and second parts of this paper we presented a description of the sites scattered along the two main axes of the rock art distribution, the rivers Côa and Douro, respectively. In this third and last part we present an inventory update and the final conclusions, with a review on the knowledge obtained on each of the four chronological periods of the Côa rock art, and also an addendum with the new inventory data obtained in the meantime. Keywords: Rock-art; Côa Valley; Archaeological Survey.
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This article intends to disclose the archaeological intervention carried out in late 2019, in Pedreira do Poio, as part of the Research Project “An investigation on the Late Prehistory of the Côa Valley. Dynamics of use and occupation of the territory”. The site was identified by archaeologists from the Côa Park Foundation. It is located in the middle of the exploration area of the Poio quarry and, when recognized, it was already quite destroyed. The main objective of this intervention was to recover as much information as possible. At the end of the work two ideas emerge: 1 – the site chronologically falls within Late Prehistory; 2 – its type is unprecedented in the region: a pit site.
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Castanheiro do Vento is an archaeological site with an occupation that covers the entire 3rd millennium and the first half of the 2nd BC. It’s located in the municipality of Vila Nova de Foz Côa, district of Guarda and has been investigated by a vast team. With this paper, we intend to present some reflections on how to build in Castanheiro do Vento and share some ideas on the relationship between doing architecture on the site and the idea of architecting a larger space, a territory. If we accept that building is a way of being in the world, architecture will always have connections to that world and consequently to its organization. It is important to bear in mind that during recent prehistory, the landscape of the Alto Douro was being changed by communities in the process of consolidating an agro-pastoral system. This territorialization process led to a diversified occupation of the landscape. Some points of this landscape were marked by the construction of walled enclosures, others, which are almost invisible and still others, which occupy great natural markers of the landscape.
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Resumo: O Norte de Portugal vem sendo considerado por numerosos investigadores como uma área onde convergem duas tradições pré-históricas de 'arte rupestre' que se distribuem de forma diferenciada no espaço peninsular e permitem aferir conotações supra-regionais: Arte Atlântica e Arte Esquemática. Estes são conceitos generalistas que se fundamentam numa certa homogeneidade de índole morfo-tipológica mas que carecem de definição mais criteriosa no que respeita ao seu enquadramento no devir histórico das comunidades que marcaram simboli-camente a paisagem por meio da aposição de gravuras e pinturas sobre formações rochosas na-turais. Nesta perspectiva, Trás-os-Montes Ocidental configura uma área de transição (ou de fronteira) entre as duas regiões de maior concentração de ocorrências pertencentes a ambas as tradições: a Arte Atlântica é dominante no Noroeste português e Galiza e a Arte Esquemática dominante em Trás-os-Montes Oriental, como prolongamento da realidade do interior peninsular. No entanto, o acervo documental actualmente disponível sobre a região ocidental de Trás-os-Montes, aportado por inúmeras referências esparsas e poucos estudos monográficos, revela a existência de uma imensa diversidade temática e a presença de importantes descontinuidades espacio-temporais que urge contextualizar. Pretende-se, assim, ensaiar uma primeira tentativa de síntese sobre a realidade de Trás-os-Montes Ocidental, partindo de uma revisão bibliográfica e de uma análise da evolução dos conhecimentos e enquadrando-a nas principais problemáticas que se colocam hoje à arte rupestre Holocénica do Norte de Portugal. Palavras-chave: Norte de Portugal; Trás-os-Montes Ocidental; Arte rupestre. Abstract: Northern Portugal has been considered by many researchers as an area of convergence of two Prehistoric rock-art traditions-Atlantic Art and Schematic Art-which echo wider connections at an European scale. In Northwestern Iberia, their distribution seems to be largely complementary. Atlantic Art and Schematic Art are general concepts, grounded upon a Revista Aquae Flaviae, N.º41-Chaves 2009 Pág. 45
Arte Rupestre do Castro de São Jurge
  • António Coixão
COIXÃO, António, (2014) -Arte Rupestre do Castro de São Jurge (Ranhados -Mêda), Mêda, Câmara Municipal de Mêda.
Um Recinto Monumental do 3º e 2º milénio a.C.: Problemáticas do Sítio e das suas Estruturas à Escala Regional
  • J Cardoso
  • Muralha
CARDOSO, J. Muralha, (2010) -Castanheiro do Vento (Horta do Douro, Viula Nova de Foz Côa). Um Recinto Monumental do 3º e 2º milénio a.C.: Problemáticas do Sítio e das suas Estruturas à Escala Regional, Palma de Maiorca, Vessants, arqueologia i cultura, SL.
Um sítio, uma paisagem, ed. por Susana Lopes. Olhares sobre Castelo Velho de Freixo de Numão: Revisitar um Recinto Pré-histórico do Alto Douro Português
  • João Cardoso
  • Muralha
CARDOSO, João Muralha, (2019) -Castelo Velho de Freixo de Numão. Um sítio, uma paisagem, ed. por Susana Lopes. Olhares sobre Castelo Velho de Freixo de Numão: Revisitar um Recinto Pré-histórico do Alto Douro Português, DigitAR Extra Número 1, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, pp. 51-94.