Available via license: CC BY-NC-ND 4.0
Content may be subject to copyright.
revista de teoria da história 25|2 • 2022
70
A R T I G O
O passado como distração
MODOS DE VESTIR A
HISTÓRIA NO
NEOPOPULISMO
BRASILEIRO
MATEUS HENRIQUE DE FARIA PEREIRA
Universidade Federal de Ouro Preto
Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil
mateus.pereira@ufop.edu.br
orcid.org/0000-0001-7489-7365
VALDEI ARAUJO
Universidade Federal de Ouro Preto
Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil
valdei354@gmail.com
orcid.org/0000-0001-8913-2509
Neste artigo, analisamos como o movimento populismo
bolsonarista engaja a história de uma forma que ativa a sua
base política heterogênea. Esses engajamentos parecem ser
diferentes de alguns aspectos das cronosofias modernas,
como no abandono da sincronização e da apresentação
coerente de uma história nacional. Não afirmamos a
inexistência de coerência no bolsonarismo em geral, ou em
seu discurso político, mas na inexistência de uma coerência
de tipo moderno em suas historicidades. Assim,
defendemos que historicidade da nova extrema direita
brasileira se baseia mais no apego afetivo, em uma
performance histórica pragmática e altamente fragmentada
que, como defendemos, mais se assemelha a uma
historicidade atualista. Para demonstrar a afinidade que
vemos entre essa historicidade atualista e o bolsonarismo,
este artigo está dividido em três partes. Primeiro,
apresentamos o conceito e a teoria do atualismo. Em
seguida, caracterizamos as dimensões neopopulistas do
bolsonarismo, ou seja, o movimento cultural e político
representado por Jair Bolsonaro. Por fim, analisamos o
novo populismo brasileiro em seus engajamentos com a
história, especialmente os engajamentos com a história de
três secretários de cultura do governo Bolsonaro e de como
a desfactualização da realidade ganha força, criando as
condições de possibilidade de o passado ser como um
grande guarda-roupa cheio de imagens e modelos prêt-à-
porter.
Atualismo; Neopopulismo brasileiro; Bolsonarismo; Bolsonaro.
revista de teoria da história 25|2 • 2022
71
A R T I C L E
The past as a distraction
WAYS OF DRESSING
HISTORY IN BRAZILIAN
NEO-POPULISM
MATEUS HENRIQUE DE FARIA PEREIRA
Universidade Federal de Ouro Preto
Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil
mateus.pereira@ufop.edu.br
orcid.org/0000-0001-7489-7365
VALDEI ARAUJO
Universidade Federal de Ouro Preto
Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil
valdei354@gmail.com
In this article, we analyze how the Bolsonarista populism
movement engages history in a way that activates its
heterogeneous political base. These engagements appear to
be different from some aspects of modern chronosophies,
such as the abandonment of synchronization and the
coherent presentation of a national history. We do not
affirm the lack of coherence in Bolsonarism in general, or
in its political discourse, but the lack of a modern type of
coherence in its historicities. Thus, we argue that the
historicity of the new Brazilian extreme right is based more
on affective attachment, on a pragmatic and highly
fragmented historical performance that, as we argue, is
more similar to an actualist historicity. To demonstrate the
affinity that we see between this actualist historicity and
Bolsonarism, this article is divided into three parts. First, we
present the concept and theory of actualism. Next, we
characterize the neo-populist dimensions of Bolsonarism,
that is, the cultural and political movement represented by
Jair Bolsonaro. Finally, we analyze the new Brazilian
populism in its engagements with history, especially the
engagements with the history of three secretaries of culture
in the Bolsonaro government and how the defactualization
of reality gains strength, creating the conditions of
possibility for the past to be like a large wardrobe full of
pictures and ready-to-wear models.
Actualism; Brazilian neo-populism; Bolsonarism; Bolsonaro.
Apoio: FAPEMIG, CNPq, CAPES, UFOP e INCT-
PROPRIETAS. Agradecemos a Berber Bevernage, Eline Mestdagh,
Walderez Ramalho, Marie-Gabrielle Verbergt pela leitura, diálogo, críticas
e sugestões.
revista de teoria da história 25|2 • 2022
72
A Revolução Francesa se via como uma Roma ressurreta. Ela citava a Roma antiga como a
moda cita um vestuário antigo. A moda tem um faro para o atual, onde quer que ele esteja na
folhagem do antigamente. Ela é um salto de tigre em direção ao passado. Somente, ele se dá
numa arena comandada pela classe dominante.
Walter Benjamin, Teses sobre o conceito de história (1940)
No presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais.
Belchior, Velha Roupa Colorida (1976)
Figura 1: Bolsonaro Medieval
Fonte: Google imagens
Acima vemos uma imagem do presidente brasileiro de extrema-direita
Jair Messias Bolsonaro (2019-2022) retratado como um soldado das Cruzadas.
Como interpretar os engajamentos com a história encarnados por imagens
como esta? É um uso tradicional do passado para um projeto ideológico
coerente? Ou é outra coisa? Acreditamos que essa imagem, e mais amplamente
os compromissos bolsonaristas com a história, revelam certas dimensões da
historicidade contemporânea, isto é, sobre os modos de articulação do passado,
presente e futuro. Neste ensaio analisamos como o movimento populista
encarnado por Bolsonaro se engaja com a história de uma forma que ativa sua
base político-social heterogênea.
Esses engajamentos parecem ser diferentes de alguns aspectos das
cronosofias modernas, como o abandono da sincronização e a apresentação
coerente de uma história nacional. Em vez disso, a nova historicidade populista
da extrema direita brasileira se baseia mais no apego afetivo, uma performance
histórica pragmática e altamente fragmentada que, como defendemos, mais se
assemelha a uma historicidade atualista. Denominamos atualismo essa
historicidade em que um presente vazio e autocentrado relaciona-se vaga e
revista de teoria da história 25|2 • 2022
73
pragmaticamente com o passado, enquanto o futuro é desejado como reserva
para a expansão linear deste presente em constante atualização repetidora.
Para demonstrar a afinidade que vemos entre essa historicidade
atualista e a versão específica bolsonarista do neopopulismo, o artigo está
dividido em três partes. Primeiro, apresentamos o conceito e a teoria do
atualismo. Em seguida, caracterizamos as dimensões neopopulistas do
bolsonarismo, ou seja, o movimento cultural e político representado por Jair
Bolsonaro. Depois, analisamos o novo populismo brasileiro em seus
engajamentos com a história, especialmente as performances com a história de
três secretários de cultura do governo Bolsonaro. Demonstraremos como a
desfactualização da realidade ganha força nesses engajamentos, criando as
condições de possibilidade do passado se apresentar como um guarda-roupa
cheio de imagens e modelos prêt-à-porter.
Compreendendo melhor as especificidades do que definimos como
sendo a experiência atualista, podemos, portanto, conhecer algumas das
estruturas fundamentais do populismo bolsonarista, como a natureza de suas
conexões com o tempo histórico e a dissolução e/ou desarticulação de alguns
aspectos da experiência moderna da história.
O ATUALISMO COMO PARTE DA HISTORICIDADE CONTEMPORÂNEA
Nos termos desenvolvidos no livro Atualismo 1.0 (Araujo e Pereira,
2019), atualismo é uma categoria que busca compreender alguns aspectos da
historicidade contemporânea. A categoria parte do nosso descontentamento
com as teorias sobre o presentismo, a partir de uma interpretação de Ser e
Tempo (Martin Heidegger) e a partir de uma descoberta empírica: em várias
línguas ocidentais, palavras com significados próximos de “atualização”
(aggiornamento, actualización, por exemplo) ganharam destaque a partir de meados
da década de 1960, com o significado de melhoria de algo por meio de sua
adaptação ao presente, isto é, através de versões mais recentes.
1
Na base de dados Google Ngram descobrimos que os campos
semânticos em torno da palavra “atualização” vêm crescendo continuamente
desde o final da década de 1960, com uma perda proporcional de energia em
palavras como “progresso” e “modernização” (Araujo e Pereira 2020, 10-17).
Para entender o que essa mudança de vocabulário significa para a experiência
do tempo no mundo contemporâneo, acreditamos que a descrição
heideggeriana da temporalidade da “abertura” [Erschlossenheit] desenvolvida em
Ser e tempo fornece elementos cruciais.
Grande parte da literatura sobre historicidade tem tratado o presente
como uma realidade singular e auto-evidente. Veremos que podemos abordá-lo
de outra forma, revelando suas diversas possibilidades de compreensão nos
processos de temporalização. Heidegger (2010) chama a forma específica do
presente que se temporaliza na compreensão imprópria como o gegenwärtigen no
sentido de atualização. O fazer presente ou atualizar seria a resposta à
1
O rápido crescimento do uso de “atualização” está naturalmente associado ao surgimento
da era digital. Muitos autores destacaram os efeitos temporais dessa nova situação, segundo
Berry: “Isso leva a um foco em um ‘agora’ radical, na medida em que a coleta e o
processamento em massa de dados criam uma mudança do pensamento histórico para uma
fetichização do presente” (Berry 2014, 14-15).
revista de teoria da história 25|2 • 2022
74
experiência do tempo como uma sucessão vazia de agoras, a maneira pela qual
o Dasein pretende manter diante de si essa sucessão. O mundo, então, pode
estar presente porque se atualiza automaticamente, como se fosse da natureza
das coisas essa manutenção quase mágica de sua própria presença. A essa
espera que se faz presente ou que se atualiza continuamente [gegenwärtigen des
gewärtigen] corresponderia naturalmente certos passados. Heidegger chama esta
última de “recordação” [Erinnerung], descrita como parte constituinte da espera
que se “torna presente”.
2
É claro que, para Heidegger, o Dasein não é desprovido de futuro e
passado no modo da Decadência, mas o contínuo fazer presente ou atualização
do presente atual, o que gostaríamos de chamar de atualismo, impede o Dasein
de “voltar a si” (1996, 319). Cheio de novidades que criam a sensação de uma
aceleração crescente, mas incapazes de transformar ou abrir a realidade para
possibilidades de diferença, ao cair como presa das news, o Dasein é sempre
novo, atualizado com uma realidade em constante emergência. Uma realidade
vivida como desconexão, distração e dispersão. Ou seja, uma história agitada e
sem rumo. Por isso, a atualização automática que parece simplesmente surgir
em nossos celulares e computadores torna-se uma metáfora irresistível e uma
estrutura arquetípica das temporalizações atualistas.
As sociedades tipicamente historicistas do século XIX também se
moviam em grande parte pelo cotidiano atualizante, mas algo impedia que essa
dimensão dominasse a autorrepresentação social. Da mesma forma, não
podemos afirmar que hoje temos maior oportunidade de distração, mas a
distração parece ter se tornado a maior demanda social. Como se a vida fosse
um interminável programa de variedades ou um reality show, "mesmo que se
tenha visto de tudo, a curiosidade inventa coisas novas" (1996, 319).
A pressão para estar atualizado, ser contemporâneo de seu próprio
tempo, não é estranha à modernidade historicista. Desde o século XIX essa
pressão foi temperada por noções de história compartilhadas coletivamente
que pareciam fazer sentido e estabilizaram a pressão para mudar. Instituições e
novas profissões surgiram para orientar os cidadãos em sua tarefa de estar no
seu próprio tempo, que era a nação, o moderno, o civilizado. À medida que essas
diretrizes mediadoras enfraquecem, a pressão para estar no nosso tempo acelera a
ponto de se tornar paradoxal.
A emergência da palavra atualização como conceito de relevância
sociopolítica pode ser tomada como um fenômeno revelador de novas formas
de temporalização no mundo atual, especialmente como a aceleração temporal
pode ser desvinculada da decisão, da utopia, da modernização e de uma noção
totalizante de progresso.
A experiência atualista está incorporada no cotidiano na estratégia das
grandes empresas do capitalismo de vigilância em oferecer produtos e serviços
em constantes atualizações (Zuboff 2019). Em nosso tempo, porém, não são
apenas objetos e programas que “precisam” ser atualizados, o ser humano
também vive constantemente sob a pressão do medo e do desejo de
2
O sentido temporal de Gegenwärtigen segundo Heidegger engloba precisamente o tipo de
experiência temporal subjacente à ideia de atualização, ou seja, a experiência de um presente
que se atualiza automaticamente. Portanto, manteremos a expressão “tornar presente” que
Joan Stambaugh emprega em sua tradução de Ser e Tempo: “Em contraste com o Momento
como presente autêntico, chamaremos o presente inautêntico ‘tornar presente’ [Gegenwärtigen]”
(Heidegger 2010, 323ss).
revista de teoria da história 25|2 • 2022
75
atualização. Os sujeitos se percebem e são percebidos pelos outros como mais
ou menos atualizados ou obsoletos em relação à forma como lidam com a
pressão desse movimento de repetição sem a percepção de uma real
transformação estrutural e positiva.
As transformações do mundo técnico alteraram a nossa relação com o
futuro, porque esse gradualmente deixou de ser o lugar da transformação e da
esperança para se tornar uma cópia atualizada do presente e, por isso, o futuro
é, em tese, melhor do que o presente, mas não diferente dele. Enquanto as
teorias do presentismo (Hartog, Gumbrecht, Assmann, Lübbe, Rosa e outros)
insistem na predominância de expectativas catastróficas em relação ao futuro, a
historicidade atualista assume o futuro como uma expansão linear do presente.
Dito de outra forma, o futuro atualizado é o presente 2.0.
Se, por um lado, certos aspectos da historicidade atualista parecem se
assemelhar a uma radicalização das tendências modernas, enquadrando-se na
perspectiva de uma hiperaceleração (Cf., entre outros, Turin 2019), por outro,
o questionamento, a desregulamentação e a perda de autonomia de
subsistemas, como a religião, a política e a mídia, revelam um lado do presente
que parece dissolver estruturas fundamentais da modernidade, deixando em
seu lugar um vazio continuamente ativado por uma agitação sem direção, mais
do que apenas diferentes acelerações.
Um dos efeitos do tempo que consideramos atualista é a crença de que
estar atualizado com as últimas notícias é o mesmo que estar certo. A expansão
dos canais de notícias 24 horas, novas plataformas e redes digitais são
alimentadas por esse impulso de atualização. Nesse ambiente, fake news,
informações erradas e desinformação produzidas, disseminadas e
impulsionadas em escala industrial tendem a desempenhar um papel decisivo
em nossas vidas. Ao invés de checar as fontes, procurando suas origens e
consequências, toda nossa energia é captada pelo fluxo contínuo de notícias e
seus comentaristas (Morgan e Clulow 2010, 258-9; Briiggle 2010,: 170; Lee
2014, 107; Araujo e Pereira 2022).
Frédéric Clavert (2018, 186) afirma que o tempo de atualização se
confunde com o chamado “tempo real” das redes sociais e, nesse sentido,
“essa experiência do tempo não é mais centralizada no quadro de um contexto
midiático marcado pela televisão e rádio, mas distribuído, o que tem profundas
consequências na percepção do presente mas também na do passado”. O
tempo atarefado do atualismo combina dois significados usuais da palavra
atualização que, em alguns momentos, podem parecer contraditórios: atividade
desordenada e/ou regular. O movimento aparentemente regular, mas
imprevisível das ondas do mar é talvez uma imagem melhor do que a metáfora
da história como um rio para caracterizar essa experiência do tempo histórico
na modernidade. O movimento em ondas transporta energia sem deslocar
matéria, tudo parece muito agitado, mas o quadro geral do movimento
permanece o mesmo. Evoca-se muito o passado, e mesmo o futuro, mas o
presente permanece pobremente transformado.
Nas próximas seções, demonstraremos como essa teoria do atualismo
nos ajuda a compreender aspectos críticos dos engajamentos com a história
propostos por grupos bolsonaristas no Brasil.
revista de teoria da história 25|2 • 2022
76
A ASCENSÃO DO NEOPOPULISMO BOLSONARISTA
Em 2018, Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil após uma
campanha altamente controversa. Em um dos episódios mais dramáticos, o
então candidato foi esfaqueado durante um comício de campanha. Nesta
análise temos que ter em mente que “Jair Bolsonaro é, sem dúvida, o
presidente de direita mais radical do mundo que foi eleito democraticamente
[2018] nas últimas décadas” (Rocha, Solano e Medeiros 2021, 13. Cf., também,
Aarão Reis 2020; Oliveira 2018; Oliveira e Pinha 2020). Entendido como líder
de um movimento plural de defesa de uma agenda política, Bolsonaro
conseguiu ativar sua base respondendo à demanda existencial de presença e
sentido no tempo. Navegando em um ambiente comunicacional atualista, o
bolsonarismo é uma espécie de realidade compartilhada e simulada que torna
obsoletos aspectos fundamentais da modernidade historicista. Questões como
quem somos e para onde vamos são respondidas por meio de uma gramática
que, embora simule certas estruturas do historicismo moderno, difere dele em
alguns aspectos importantes.
O estilo da política populista do bolsonarismo é acoplado a elementos
do discurso neoliberal e sua rejeição ao Estado. Moffitt (2017) argumenta que
o populismo como um estilo de performance política pode ser analisado por
meio de interações entre “líderes” como performers, “o povo” como público da
performance e “a mídia” como o palco em que essa performance é
representada
3
. A rejeição da tecnocracia (Moffitt 2019, 54-5) pelo bolsonarismo
está mais preocupada com os agentes públicos e estatais do que com as
grandes corporações. Esse traço se reflete na historicidade do bolsonarismo
por meio de uma ambivalência que oscila entre uma dimensão nostálgica e
outra que libera a agitação destrutiva da cultura corporativa contemporânea,
que sonha em substituir os técnicos tradicionais por algoritmos (Isaac 2019).
A fantasia tecnológica incorporada na Gig Economy, por exemplo,
cumpre o impulso populista pelo fim da mediação. Isso explica como no
eleitorado bolsonarista podemos encontrar tantos cristãos
conservadores/homens brancos, que se sentem obsoletos e sonham com a
restauração dos costumes (Burity 2021) quanto motoristas de empresas como a
Uber, que se consideram empreendedores atualizados. Para eles, a tecnocracia
3
O autor define o estilo político da seguinte forma: “os repertórios de performances
corporificadas, simbolicamente mediadas, feitas para audiências que são usadas para navegar
pelos campos de poder que compõem o político, estendendo-se desde o domínio do governo
até a vida cotidiana” (Moffitt 2017: 38). Assim, o estilo populista gira em torno de três
aspectos: apelar a seus apoiadores, “o povo”, para estar continuamente contra certas “elites”;
rejeição das convenções do discurso político ou mesmo polido; e encoraja uma narrativa de
crise, colapso ou ameaça. Então, se definirmos populismo nos termos de Moffitt, podemos
afirmar que Bolsonaro é um populista de extrema-direita atualizado com certos traços fascistas.
Cf., também, Rosanvallon 2020. No entanto, no sentido “clássico”, seria preciso destacar as
duas objeções bem apontadas por Perry Anderson (2019): “Bolsonaro é melhor categorizado
como populista? Sem dúvida, sua postura de valente inimigo do establishment e seu estilo de
homem tosco do povo fazem parte do repertório do que geralmente é visto como populismo.
[...]. Mas na galeria dos populistas de direita hoje, Bolsonaro não se encaixa no projeto padrão
em pelo menos dois aspectos. A imigração não é um problema no Brasil [...] Uma segunda
diferença significativa está no caráter do nacionalismo de Bolsonaro. Sua batida patriótica no
peito é mais fictícia”. Veja também Klen 2020; Gomes 2020; Tamaki; Fuks 2020. Sobre a
história do conceito de populismo na América Latina, ver, entre outros, Mackinnon&Petrone
1998; Gomes 2021.
revista de teoria da história 25|2 • 2022
77
e a autoridade opressora dos especialistas/cientistas seriam destruídas pela
tecnologia da informação. Longe de serem apenas restauradores, esses
bolsonaristas aguardam um futuro disruptivo com ansiedade e otimismo.
Analisando diversas entrevistas com motoristas da UBER em 2018 na cidade
do Recife, Junge e Tavares (2020) revelam que o universo da nova direita já
atravessava suas narrativas, formando o que os autores chamaram de uma
“subjetividade móvel”, que “[...] se estrutura, de um lado, a partir de um
movimento urbano que não é organizado por um vínculo com algum grupo
social e, de outro, a partir da capacidade que as relações de trabalho específicas
dos Ubers, [...] têm de inviabilizar formas de construção de solidariedades
sociais”. (p. 105-106)
4
Em ensaio publicado em 2019 intitulado “Amanhã vai ser maior”,
Rosana Pinheiro-Machado já identificava que “o bolsonarismo é, antes de
tudo, um discurso raso que se propaga no vácuo para responder a profundos e
diversos ressentimentos” (p. 253). Diferenciando os eleitores pobres de
Bolsonaro em 2018, a autora os divide em dois tipos, o primeiro, que se deixou
levar por um vago discurso antissistema, e o segundo, o fanatizado por um
mecanismo de comunicação “capilar e horizontal”. O que a autora apontava já
em 2019 não deixou de ser realidade, apesar de seus fluxos e refluxos, o grupo
B não só cresceu, como se radicalizou, ele é “[...] quem nos aterroriza. Ele é o
personagem de uma realidade distópica, aquele que espera mais autoritarismo,
como fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Essa é a base que
está cada vez mais autorizada a pensar, dizer e fazer o que outrora era
impensável. E o pior: sabem que nada vai acontecer a eles” (Idem, p. 253).
Como muito bem sintetizou Luisa Rauter Pereira (2021) ao analisar
alguns protestos políticos contemporâneos, em especial, o Occupy Wall Street
(EUA) e Junho de 2013 (Brasil): “A dimensão do passado produzida no
contexto desses protestos não se resume, portanto, à luta por reparação
histórica de injustiças e violências sofridas ou mera apreciação estética, como
as hipóteses presentistas sugerem. No Brasil, as referências à ditadura militar e
nos Estados Unidos, ao passado indígena, por exemplo, são eminentemente
projetivas, isto é, são passados inspiradores da ação e não passados a serem
reparados ou aos quais se deve justiça no presente. Da mesma forma, acredito
que “precaução”, “medo” e “dívida” são expressões que não esgotam a
dimensão do futuro que o fenômeno engendra. Embora tais dimensões
existam como vimos, por exemplo, em alguns cartazes do Occupy Wall Street,
o “futuro aqui e agora”, isto é, o futuro que se faz na atualidade da luta ou até
mesmo, durante o próprio protesto é o que está em jogo. Tais elementos da
temporalidade de fenômenos políticos centrais são. em grande medida,
invisibilizados caso hipóteses universalizantes sejam aceitas como descrições
totais do contemporâneo. Há um certo saudosismo em relação ao “futuro
aberto” das filosofias da história que subjaz às descrições presentistas, do qual
é necessário escapar para que a complexidade do contemporâneo se revele nas
análises ligadas à teoria da História” (21-22).
Após a vitória de Trump em 2016, intensificou-se o esforço da
comunidade global de especialistas na busca de possíveis alternativas teóricas e
políticas que contribuíssem para a compreensão da (re)emergência da direita e
da extrema-direita mundial (Cf. Cheyfitz 2017; Valencia-García 2020; Araujo e
4
No capítulo “Vozes sobre Bolsonaro” (Klen 2020) também analisamos os vínculos entre
motoristas de aplicativo e a emergência da extrema direita.
revista de teoria da história 25|2 • 2022
78
Pereira 2022; Ávila 2021). Do ponto de vista da teoria do atualismo, o
movimento de direita se expandiu surfando melhor na agitação e dispersão do
fluxo de atualizações, o que facilita a disseminação de fake news e
desinformação, incluindo (mas não exclusivamente) as referências à história.
Todos os humores que Heidegger descreve como altamente ligados à
atualização em termos mágicos, a saber, tagarelice, ambiguidade e curiosidade,
são frequentemente associados a efeitos colaterais da cultura digital
contemporânea.
Qualquer tentativa de buscar uma versão coerente e organizada da
história que faça sentido para a base bolsonarista parece estar fadada ao
fracasso. Assim como a base eleitoral/popular de Bolsonaro é heterogênea,
dispersa e fragmentada, da mesma maneira se dá sua relação com os conteúdos
históricos. Embora existam alguns subgrupos bolsonaristas para os quais
determinados temas históricos são relevantes, como o Brasil Imperial (1822-
1889) para monarquistas e católicos conservadores, e a Ditadura Militar (1964-
1985) para os militares e seus satélites, para o segmento evangélico essas
histórias são menos relevantes, assim como para parte do empresariado que
apoia Bolsonaro em nome de uma agenda neoliberal na economia (Rocha
2021).
5
O segredo do código de Bolsonaro tem sido sua capacidade de formar
“minorias ativas” a partir da união de grupos heterogêneos, identidades
majoritárias que se representam como ameaçadas (Cf. Appadurai 2009). Nosso
argumento é que a agitação e dispersão maximizadas pela historicidade atualista
é a chave para entender a ativação populista, mas segmentada, das bases
eleitorais bolsonaristas. A imersibilidade dos novos sistemas de comunicação
tem, no caso brasileiro, seu maior exemplo na conjunção de telefones celulares
e grupos de WhatsApp e Telegram. Independentemente da escolaridade do
usuário, as mensagens de voz e os memes do aplicativo sintonizam as bases
bolsonaristas produzindo os efeitos de autenticidade e verdade que alimentam
o desejo populista de imediaticidade.
6
A cada atualização, que costuma ser em
tempo real, as formas de sentir e pensar são orquestradas.
5
Sobre as especificidades do neoliberalismo na América Latina, inclusive durante os
governos de esquerda, ver Gago (2017). Para Perry Anderson (2019) a vitória de Bolsonaro
significa a interrupção de um certo freio ao neoliberalismo: “por uma dúzia de anos, o Brasil
foi o único grande país no mundo a desafiar a época, para recusar o aprofundamento do
regime neoliberal do capital e relaxar alguns de seus rigores em favor dos menos abastados”.
6
O WhatsApp pertence ao Facebook e é o principal meio de comunicação digital para os
brasileiros. Mas dada a reação da empresa do Facebook contra Trump, bem como algumas das
medidas autorregulatórias da empresa, a família Bolsonaro incentivou seus fiéis seguidores a
migrar para o Telegram. Em outubro de 2021, o canal do presidente Bolsonaro tinha mais de 1
milhão de seguidores no Telegram, enquanto o canal do ex-presidente Lula tinha mais ou
menos 35 mil. https://bit.ly/3n6MXNX. Acesso: 19/10/2021. Sobre a relação entre
bolsonarismo e grupos de WhatsApp ver, CHAGAS, 2021. Importante pesquisa qualitativa
sobre bolsonarismo no Brasil, de junho de 2021, afirma entre outras coisas: “Vários [bolsistas]
dizem que depois de ver notícias na mídia, vão atrás da realidade dos fatos. Lá eles tiram a
realidade dos fatos do que narram as páginas do presidente e seus seguidores. (...). Sintomas da
ruptura da esfera comunicacional e da eficácia da comunicação bolsonarista são a guerra de
versões, a perda de legitimidade das fontes tradicionais, a instabilidade do status de verdade e
negação. (...). A recorrência de argumentos expressivos por partidários ferrenhos indica o uso
de fontes de informação que divulgam versões bolsonaristas dos fatos – algo que é
corroborado pelas respostas sobre o acesso à informação: canais oficiais do presidente, canais
de seus filhos e aliados. Outra forte evidência do funcionamento dessas fontes são as respostas
revista de teoria da história 25|2 • 2022
79
PERFORMAR HISTÓRIA: O PASSADO COMO GUARDA-ROUPAS
Figura 2: Congresso homenageando o período militar
Fonte: Google Imagens
A faixa acima foi estendida na Câmara dos Deputados Federais em
2014 durante a sessão solene de comemoração dos 50 anos do golpe civil-
militar de 1964 que inaugurou uma ditadura que durou até 1985. O excêntrico
deputado e ex-militar responsável por fazer o banner se tornaria o próximo
presidente eleito do Brasil: Jair Messias Bolsonaro. Apesar do negacionismo
histórico sobre diversos assuntos, Bolsonaro tem especial predileção pela
negação dos crimes da Ditadura Militar. Como protagonista de uma
comunidade de memória centrada nessa negação, Bolsonaro ganhou ampla
visibilidade nacional em 2016, quando reverenciou a memória de Carlos
Alberto Brilhante Ustra, que foi, em 2008, o primeiro militar condenado por
sequestro e tortura na Ditadura militar.
É nesse contexto que o primeiro secretário de cultura de Bolsonaro se
tornou um dos protagonistas dessa guerra cultural ao performar episódios
traumáticos da história contemporânea. Roberto Alvim provocou fortes
reações negativas no público ao produzir e divulgar em suas redes sociais um
vídeo repleto de referências estéticas e ideológicas ao nazismo
7
. O vídeo
continha passagens inspiradas nos discursos de Joseph Goebbels, bem como
trechos da ópera Lohengrin, de Richard Wagner, e outras referências
reacionárias, como uma cruz patriarcal em sua mesa de trabalho. O trecho mais
destacado pela imprensa dizia:
A arte brasileira na próxima década será heróica e será nacional. Será
dotada de uma grande capacidade de envolvimento emocional e será
igualmente imperativa, pois estará profundamente ligada às aspirações
urgentes do nosso povo, ou então não será nada.
8
às vezes excessivamente padronizadas dadas por torcedores de todos os cantos do país” (Paula
et all. 2021, 39-42.) Cf., também, Feres e Gagliardi 2021; Zúñiga 2020.
7
glo.bo/2YvXzxn.
8
Transcrito de bit.ly/3mr7bl3
revista de teoria da história 25|2 • 2022
80
Roberto Alvim veio de uma carreira de diretor teatral, tardiamente
convertido ao catolicismo e à retórica da direita alternativa, proposta pelo
ideólogo radical Olavo de Carvalho
9
. Ao se defender das acusações, negou que
as referências nazistas fossem intencionais, atribuindo as semelhanças a mera
coincidência e, posteriormente, a alguma intervenção satânica
10
. Alguns críticos
chegaram a sugerir que a atuação de Alvim no vídeo poderia ser algum tipo de
ironia, considerando a falta de consistência do episódio. Tratar o episódio
simplesmente como um caso de “usos da história” que deve ser desmantelado
por uma longa hermenêutica não parece chegar ao cerne do que está em jogo
na historicidade do novo populismo brasileiro.
Alvim foi demitido logo após esse episódio infame e substituído por
Regina Duarte, atriz de novelas famosa nacionalmente. Seu curto período na
secretaria também foi marcado por performances polêmicas e poucas ações
concretas. Sua demissão foi motivada por uma entrevista à CNN Brasil
11
, em
maio de 2020. Nessa entrevista ela tentou justificar seu apoio ao governo
Bolsonaro, apesar das acusações sobre suas ligações com a ditadura militar e
seus valores:
Eu não quero olhar para trás, se eu continuar olhando no retrovisor eu
vou bater, eu posso cair de um penhasco na minha frente. Você tem que
olhar para frente, você tem que ser construtivo, você tem que amar o
país. O que eu tenho hoje? Eu tenho isso, é com isso que vou lidar.
Continue perguntando coisas que aconteceram nos anos 60, 70, 80...
pessoal, vamos em frente! [cantando] Pra frente Brasil, salve a seleção, de
repente é aquela corrente pra frente.
12
Embora a secretária elogie o abandono de passados traumáticos em
nome de um presente leve, ao final ela é capturada por um passado que, pelo
menos para ela, estava muito presente. Ao entoar um dos hinos da seleção
brasileira de futebol, amplamente cantado na Copa do Mundo de 1970, e que
foi explorado pela propaganda autoritária, ela performou o tempo de parte de
sua geração que se formou na ditadura. Aqui, mais do que os episódios do
passado diretamente mencionados, interessa-nos essa continuidade no modo
de sentir o tempo histórico incorporado no refrão geracional: “Pra frente
Brasil, Brasil, salve a seleção”
13
. Esse Brasil que avança é a atualização de um
presente esvaziado de qualquer passado incômodo, mas repleto de sensações,
energia, como acreditamos ser impulsionado pela historicidade atualista.
9
Sobre Carvalho, Cf. bit.ly/3AdT9Ik
10
bit.ly/2YooURC
11
bit.ly/3uKTn8P
12
glo.bo/2YvXzxn
13
Canção chauvinista utilizada pela Ditadura Militar (1964-1985) e seus torcedores durante
e após a vitória da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1970. Cf.
https://bit.ly/3GKd6tQ
revista de teoria da história 25|2 • 2022
81
A entrevista continua com o repórter interrompendo a atriz:
Repórter: Secretária…
Regina Duarte: [rindo] Não foi bom quando cantamos isso?
Repórter: Foi um período muito difícil né…. tem muita história, muita
gente morreu durante a Ditadura, eis a questão. Enfim…
Regina Duarte: Cara, desculpa, vou falar uma coisa assim... O ser
humano não para de morrer. Se você fala sobre a vida, há morte do
outro lado. Por que as pessoas [reclamam] oh, oh, oh...? Por quê?
Repórter: Porque houve tortura, secretária, houve censura à cultura.
Regina Duarte: Bem, mas se houve tortura, sempre houve…. meu
deus, Stalin, quantas mortes? Hitler, quantas mortes? Se vamos continuar
trazendo os mortos, arrastando esses cemitérios... Desculpe, não, eu não
quero arrastar um cemitério de mortos nas minhas costas. [...] estou leve,
sabe, estou viva, estamos vivos, vamos continuar vivos. Por que olhar
para trás? [...] eu acho que tem morbidade nesse momento... A Covid
está trazendo uma morbidade insuportável. Isso é perigoso, sabe, para a
mente das pessoas. Gente… isso não é legal.
Essa passagem precisa ser interpretada a partir de um contexto mais
amplo da agenda bolsonarista no enfrentamento à pandemia da Covid-19.
Bolsonaro sempre tentou minimizar os riscos à saúde em nome da proteção da
economia. Em vários momentos, ficamos em dúvida se Regina Duarte está
falando dos mortos do presente, da pandemia, ou dos mortos do passado, da
Ditadura. Ela não nega a existência da tortura, da censura ou dos mortos,
apenas nos convida a esquecer e continuar atualizando a história brasileira para
o futuro. Esse presente que usa o passado e o futuro independentemente de
sua resistência ontológica ou histórica é exatamente o que chamamos de
presente atualista. Diferente do presentismo que foca no fechamento do
futuro, acreditamos que a historicidade atualista engaja o passado e o futuro na
perspectiva de um presente autocentrado, homogêneo e confiante. Um dos
efeitos colaterais desse tipo de engajamento é o risco de sermos
constantemente tomados pela história que se quer ou esquecer ou domesticar.
Duarte renunciou logo após esta entrevista, concedida à CNN Brasil. O
terceiro e definitivo secretário da cultura foi Mário Frias, que também é ator,
embora bem menos famoso que Duarte. Em setembro de 2020, no contexto
das comemorações do Dia da Independência do Brasil, foi responsável por
uma série de vídeos curtos em homenagem aos heróis brasileiros. No canal do
YouTube da Secretaria de Comunicação do Governo Federal, encontramos
apenas dois episódios da série, que, quando lançados, sugeriam que seria algo
mais ambicioso. No primeiro vídeo, o secretário/ator Mário Frias percorre as
salas do Museu Histórico Nacional, em Brasília. Na paisagem predominam
pinturas e objetos de valor documental, maioritariamente do século XIX. O
próprio secretário inicia a narrativa:
Você já parou para pensar como seria se pudéssemos olhar para a nossa
história como estou olhando para os objetos aqui nesta sala? Se
pudéssemos ver tudo o que vivemos em nossas vidas de uma forma
simples, acessível à nossa visão? O que veríamos?
14
14
https://bit.ly/3Bi4c4w.
revista de teoria da história 25|2 • 2022
82
A narrativa passa a celebrar um homem comum, supostamente
brasileiro, cheio de virtudes patrióticas, trazendo imagens e frases do hino
nacional de uma forma nem sempre muito bem-sucedida, mas sempre trivial.
Sua primeira afirmação aborda diretamente o impulso populista de
imediatismo, como se uma conexão narratológica historicista pudesse ser
substituída por um passado experimentado como uma sequência de imagens
vívidas. Frases como: “temos bons exemplos em todos os lugares” abundam
no vídeo. Todo o discurso leva à imagem do herói como um papel imemorial.
Essa primeira parte termina com a frase, ao mesmo tempo vazia e ambiciosa,
“nossa história precisa ser contada”. A narrativa está ancorada no fato de que
em 5 de setembro de 2020 completaria cinco anos de um episódio em que um
morador de rua confrontou um sequestrador que mantinha uma mulher refém.
A mulher consegue escapar, mas o sem-teto é assassinado pelo sequestrador
em um desfecho trágico, capturado em vídeo e exibido em rede nacional e
internet. É este evento da crônica de violência do cotidiano urbano,
representado obsessivamente pela mídia, que é tornado chave para acessar a
história em seus aspectos atualistas.
O segundo episódio da série compara o gesto do sem-teto com a
crucificação de Cristo entre dois bandidos
15
. O sem-teto, que também poderia
ter cometido crimes, teria se redimido com seu gesto heróico. Exibindo na tela
vários nomes de heróis brasileiros supostamente anônimos do passado recente,
o narrador afirma que suas histórias deveriam ser contadas. O Brasil é uma
nação que também precisaria de redenção, de redescobrir sua identidade por
meio de uma ideia de “povo” com uma clara continuidade histórica sem
nenhuma fratura ou contradição, mas que se comprova mais por sua presença
evocada do que por uma grande narrativa: “Esses heróis anônimos de hoje, até
então ignorados, nos levam a olhar para os grandes heróis do nosso passado.
No dia 7 de setembro, dia em que se comemora oficialmente a Independência
do Brasil, decidimos celebrar os bravos de hoje e os grandes brasileiros de
ontem juntos”. Este encontro está longe de ser uma espécie de fusão de
horizontes gadameriana, mas uma atualização violenta de fragmentos históricos
em prol de um presente particular. Como dissemos antes, o fazer presente ou
atualizar é a resposta à experiência da história como uma sucessão vazia de
agoras.
15
https://bit.ly/3izrcVE.
revista de teoria da história 25|2 • 2022
83
Figura 3: Frame da série Heróis Brasileiros
Fonte: Canal oficial do Governo Federal no Youtube
A imagem acima, retirada do vídeo, apresenta os heróis da história
brasileira: dois imperadores, uma princesa e uma imperatriz, dois estudiosos,
um considerado patriarca da Independência e outro que se destacou pela luta
pela abolição da escravatura no final do século XIX. Menos que uma operação
historicamente coerente, a trama parece transitar por uma fantasiosa
imaginação popular. Um convite ao homem comum do presente para se juntar
a este tipo de museu de cera que se dá para ser visto no lugar da história.
Assim, a fantasia de ver o passado imediatamente é realizada sem nenhum
compromisso mais estruturado com uma visão articulada e sincronizada dos
acontecimentos. A união entre o presente e o passado acontece como um
feitiço, e qualquer imagem podem aparecer nessa máquina do tempo populista-
atualista.
Em um país como o Brasil, que nunca conseguiu democratizar as
experiências da história moderna entre sua população (Pimenta et al, 2014) e
somente na década de 1980 conseguiu universalizar o acesso à educação básica,
essa dimensão fantasiosa tem amplo espaço para se enraizar. Os novos
sistemas digitais refinaram a comunicação entre os atores políticos e suas bases
fragmentadas. É como reflexo dessas bases, num esforço que transforma
fragmentação em segmentação, que o imaginário político se organiza.
16
O
populismo bolsonarista realiza a historicidade atualista porque suas bases se
organizam dessa forma. Ao invés do Estado nacional sincronizar e afinar a
sociedade, como vem ocorrendo desde o século XIX, é a sociedade
segmentada que, por meio do barulho e da agitação, fragmenta o Estado e a
política.
16
Em sua ontologia do digital, David Berry nos ajuda a pensar como esse sujeito
fragmentado pode ser segmentado: “As experiências de vida, então, tornam-se cadeias
processuais que são registradas e registradas por meio de fluxos de informações armazenadas
em bancos de dados, através de uma subjetividade mínima, descentralizada e fragmentária que
se unifica através do suporte cognitivo fornecido por dispositivos computacionais que
reconciliam um ser humano ‘completo’” (Berry 2011, 128).
revista de teoria da história 25|2 • 2022
84
Este recurso mais superficial a temas e personagens históricos não
parece ser o resultado de uma ação ideologicamente coerente. A vitrine
ideológica é consequência da necessidade de atender a parte da base para a qual
esses valores fazem sentido, mas que não representam a integralidade das
forças que o bolsonarismo conseguiu reunir. A evocação de temas soa
contingente, mas a estratégia de comunicação está muito bem estruturada para
responder à forma contemporânea de fazer circular a informação.
Em 29 de agosto de 2021, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo
Salles publicou um tweet comparando Bolsonaro com o general que
proclamou a república brasileira em 1889 por meio de um golpe de Estado. O
tweet foi postado como parte da estratégia de mobilização para os protestos
convocados para o 7 de setembro. Mais do que uma analogia histórica
anacrônica, já que o personagem histórico evocado não está diretamente
relacionado ao contexto da Independência do Brasil (1822), o que parece
importar, para além da ameaça implícita de golpe, é vestir Bolsonaro com a
pele de um herói histórico. A utilização da pintura histórica facilita a
identificação do gesto nos mesmos termos sugeridos pelo secretário de cultura
um ano antes: o passado é como um grande guarda-roupa cheio de imagens
prêt-à-porter. Esse pronto-a-vestir atualista da história é parte essencial do estilo
político bolsonarista (Moffitt 2019, 51) e ajuda a explicar o tipo particular de
negacionismo histórico ancorado na disseminação de fake news. Assim como na
moda, também neste “ready to go” pode estar em jogo uma pulsão para a
democratização, desde que o consumidor esteja disposto a se deixar vestir por
passados genéricos e descartáveis. A vantagem dessa postura está na velocidade
com que essas referências históricas podem ser modeladas para atender às
demandas do dia.
Figura 4: Twitter do então ministro Ricardo Salles
Fonte: Twitter
revista de teoria da história 25|2 • 2022
85
A agitação acaba por obscurecer o sentido do que os populistas atuais
estão realmente fazendo. Performar a história é um dos elementos para
produzir agitação e distração. Assim, devemos estar atentos não só, ou
sobretudo, aos usos da história, entendidos como o uso articulado e consciente
de personagens e acontecimentos históricos, mas à análise de que tipo de
historicidade estrutura o fenômeno populista. Neste caso particular, afirmamos
que a experiência atualista do tempo facilita suas atuações ao confundir
passado e futuro com um presente único.
Gostaríamos de não reduzir a “história” ao passado, nem a nossa
relação com ela a um caminho de mão única, porque não usamos a história
sem sermos usados em grande medida. Conhecer as historicidades significa
perguntar como os novos populistas usam e são usados pelas histórias que
fazemos e sofremos (Araujo 2013 e 2017; Abreu, Bianchi, Pereira 2018;
Pereira, 2022). Propositalmente, acreditamos que sair da “gaiola” atualista
envolve essa compreensão mais ampla do tempo histórico. Assim, neste
trabalho preferimos analisar as temporalizações da historicidade (passado-
presente-futuro). Imaginar que o passado possa ser algo objetivado e usável é
um dos fundamentos da temporalidade populista (não exclusivamente),
acreditamos que nossa tarefa é justamente reintegrar a complexidade temporal
nesses fenômenos enfatizando suas formas de temporalização, ou seja, como
passado-presente-futuro trabalham em conjunto.
Acreditamos que o ambiente atualista enfraquece as narrativas
históricas modernas e permite que usos inconsistentes de episódios conhecidos
da história sejam distorcidos e representados como verdadeiros. Tanto o
populismo quanto o atualismo tendem a corroer o especialista e o discurso
autorizado. Eles constroem e alimentam universos simulados que substituem
formas modernas de mediação, objetividade e solidariedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por mais incoerente que pareça, o universo paralelo do bolsonarismo
consegue dar sentido a essa agitação em um ambiente em que outros sistemas
parecem existir apenas para traduzi-la. Mais uma vez, a palavra simulação é a
chave aqui. Em última análise, essa noção de simulação nos ajuda a
compreender como a história produzida pela nova direita, mesmo quando não
utiliza o negacionismo, apenas simula os procedimentos da historiografia
acadêmica.
17
Sem essa simulação, ela perderia sua eficácia, o que não significa
que possamos confundir essa historiografia paralela com o que é feito pela
disciplina histórica, tal como se constituiu, como uma das estruturas dos
Estados nacionais modernos. Contra aqueles que, vestidos de novos cruzados,
17
Cf., também, entre outros Avelar e Bentivoglio 2019; Avila 2021; Avritzer 2020; Bauer
2017; Lucchesi, Silveira e Nicodemo 2020. Nesta direção, Rodrigo Perez Oliveira (2020) tem o
mérito de nos convidar a tentar suspender julgamentos políticos imediatos e apostar na
compreensão analítica do discurso bolsonarista e seus formuladores, em particular o
negacionista Olavo de Carvalho. O autor mapeia nos textos e vídeos de Olavo de Carvalho o
surgimento do tema do “marxismo cultural” e sua alegada influência sobre a ciência
contemporânea, deturpada por um fantasioso viés ideológico. Assim, longe de simplesmente
negar a ciência, o olavismo se coloca como o defensor da verdadeira ciência, mesmo que
contraditoriamente afirme a necessidade de uma espécie de contra-ideologia que dispute o
terreno com as mesmas ferramentas do “marxismo cultural”.
revista de teoria da história 25|2 • 2022
86
celebram a sacralidade da civilização ocidental e fazem de Jair Bolsonaro (e
outros líderes populistas como Trump e Orban) seus novos campeões, pouco
temos a dizer.
Nossa pesquisa mostra que o populismo autoritário de Bolsonaro é
fortemente baseado na negação, revisão e falsificação da história. Essa
estratégia transformou todos os adversários políticos em inimigos “de
esquerda” e comunistas, atualizando um vocabulário usado durante a Ditadura
Militar (1964-1985) e empregado em vários países durante a Guerra Fria. As
inconsistências factuais nessas alegações, acopladas pelo discurso anticorrupção
e de transparência atualista (Pinha e Pereira 2022), são obliteradas pela
velocidade dos fluxos de informação e pelo efeito de autenticidade inerente à
sensação de imediaticidade produzida pela mídia digital. Deste modo, para as
bases bolsonaristas o nazismo pode ser um movimento de esquerda, assim
como qualquer pessoa pública que se oponha ao seu líder pode ser retratada
como comunista.
O que estamos chamando de atualismo está enraizado na dimensão
ontológica da atualização, particularmente em seus aspectos impróprios, como
resumimos acima. Como ontológica, a possibilidade de atualização está sempre
presente, mas acreditamos que ganha impulso e especial relevância nas
historicidades contemporâneas. O conceito de atualismo tenta chamar nossa
atenção para essa mudança recente de sensibilidades e de vocabulários para
abordar e experimentar o tempo histórico, em especial, nos ajuda a interpretar,
pela via da teoria da história, certo uso da história em que o passado se torna
em uma forma de variedade, de distração, constantemente vestida e travestida
pelo neopopulismo brasileiro. Esperamos ter deixado claro, desse modo, que a
ausência de uma narrativa histórica coerente do ponto de vista moderno não
significa ausência de sentidos ou de lógica no bolsonarismo. Afinal, esperamos
ter demonstrado que a lógica histórica do bolsonarismo é atualista.
Portanto, podemos concluir que as afinidades que vemos entre o
neopopulismo brasileiro — ou o bolsonarismo — e a historicidade atualista
são as seguintes: (i) ambos florescem em um ambiente comunicacional
caracterizado pela realidade compartilhada e simulada que desafia as
autoridades e instituições modernas, (ii) ambos tendem a dissolver a
sincronização histórica dando lugar à dispersão e agitação e (iii) ambos têm um
engajamento mais pragmático com o conteúdo histórico. Assim, o caráter
antissistêmico do bolsonarismo se alimenta da ideia de relação automática e
imediata com a realidade que emerge do imaginário do atualismo em sua
profunda ligação com a cultura digital.
REFERÊNCIAS
ABRANCHES, Sérgio. O tempo dos governos incidentais. São Paulo: Companhia das Letras,
2020.
ANDERSON, Perry. Bolsonaro’s Brazil. London Review of Books, 2019. Disponível em
https://www.lrb.co.uk/the-paper/v41/n03/perry-anderson/bolsonaro-s-brazil.
Acesso em 15 mar 2022.
ARAUJO, Valdei L. et al. Bolsotrump: realidades paralelas (2020-2022). Editora FGV, 2022.
ARAUJO, V. L.; PEREIRA, M. H. de F. Updatism: Gumbrecht's broad present,
Hartog's Presentism and beyond. Diacronie: Studi di Storia Contemporanea, 43: 1-21,
2020.
revista de teoria da história 25|2 • 2022
87
ARAUJO, V. L.; PEREIRA, M. H. F. Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o
século XXI. Vitória: Milfontes, 2019.
BARLETT, Lesley; VAVRUS, Frances. ‘Comparative Case Studies’. Educação &
Realidade, 42(3): 899-920, 2017.
BERRY, David M. The Philosophy of Software. New York: Palgrave MacMillan, 2011.
BERRY, David M. Critical Theory and the Digital. London: Bloomsbury, 2014.
BRIGGLE, Adam. Dear Facebook?, in D.E. Wittkower (ed.), Facebook and Philosophy,
pp. 161-172. Chicago: Open Court, 2010.
BURITY, Joanildo. The Brazilian Conservative Wave, the Bolsonaro Administration
and Religious Actors. Brazilian Political Science Review, 15(3), 2021.
CHAGAS, Viktor. Meu malvado favorito: os memes bolsonaristas de WhatsApp e os
acontecimentos políticos no Brasil. Estudos Históricos, 34: 169-196, 2021.
CHEYFITZ, Eric. The Disinformation Age. New York: Routledge, 2017.
CLAVERT, Frédéric. Face au passé : la Grande Guerre sur Twitter. Le Temps des médias,
31(2): 173-186, 2018.
FERES, João; GAGLIARDI, Juliana. Populism and the Media in Brazil: The Case of
Jair Bolsonaro. In: KOHL, Christoph et al (ed.), The Politics of Authenticity and Populist
Discourses, p. 83-104. New York: Palgrave Macmillan, 2021.
FINCHELSTEIN, Federico. From Fascism to Populism in History. Berkeley: UCPRESS,
2019.
GAGO, Verónica. Neoliberalism from Below. Durham: Duke Universiy Press, 2017.
GOMES, Angela. M. de Castro. The History and Historiography of Populism in Brazil
(1930 - 1964). Oxford Research Encyclopedia of Latin American History. Oxford: Oxford
University Press, 2021.
GOMES, Angela. M. C.; DEVOTO, Fernando. J. Le gouvernement Bolsonaro : ni fascisme ni
populisme, autoritarisme radical. 2020. Disponível em:
https://www.politika.io/fr/article/gouvernement-bolsonaro-fascisme-populisme-
autoritarisme-radical. Acesso em 15 mar 2022.
HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 2006.
HEIDEGGER, Martin. Being and Time. New York: State University of New York Press,
2010.
ISAAC, Mike. Super Pumped: The Battle for UBER. New York: W. W. Norton &
Company, 2019.
JUNGE, Benjamin; TAVARES, Álvaro P. Aguiar . Subjetividades Móveis: sentidos de
periferia e percepções da crise entre motoristas de uber em Recife. Dossiê
subjetividades periféricas• Novos estud. CEBRAP 39 (1) • Jan-Apr 2020.
KLEN, Bruna. et al (ed.) Do fake ao fato. Vitória: MilFontes, 2020.
LEE, Newton. Facebook Nation: Total Information Awareness. New York: Springler,
2014.
MACKINNON, M. M.; PETRONE, M. Populismo e neopopulismo en America Latina.
Buenos Aires: Eudeba, 1998.
MOFFIT, Benjamin. The Global Rise Of Populism. Stanford: Stanford University Press,
2017.
MOFFIT, Benjamin. Populism versus technocracy in: COSSARINI, Paolo et al. (eds.),
Populism and Passions, p. 49-64. London: Routledge, 2019.
MORGAN, R.; CLULOW, J. The Proles and Cons of Facebook, in: WITTKOWER,
D.E. Facebook and Philosophy, p. 258-9. Chicago: Open Court, 2010.
revista de teoria da história 25|2 • 2022
88
OLIVEIRA, Rodrigo Perez; PINHA, Daniel. (org.). Tempos de Crise: ensaios de história
política. 1. ed. Rio de Janeiro: Autogradia, 2020.
OLIVEIRA, RODRIGO PEREZ. O negacionismo científico olavista: a radicalização
de um certo regime epistemológico. In: Valdei Araujo; Mateus Pereira; Bruna Klem.
(Org.). Do Fake ao Fato: (Des) atualizando Bolsonaro. 01ed.Vitória, ES: Mil
Fontes, 2020, v. 01, p. 71-90.
PAULA, Carolina et al. Bolsonarismo no Brasil. 2021. Disponível em:
https://iree.org.br/wp-content/uploads/2021/08/Pesquisa-Bolsonarismo-no-
Brasil.pdf. Acesso em 15 mar 2022.
PEREIRA, LUISA RAUTER. Fissuras do Presentismo: Mudança Histórica nos
Protestos Políticos Contemporâneos. TEMPO E ARGUMENTO, v. 13, p. e0301,
2021.
PEREIRA, Mateus. H. F. Lembrança do presente: Ensaios sobre a condição histórica na era da
internet. Brasil: Autêntica Editora, 2022..
PEREIRA, Mateus; ARAUJO, Valdei. Vozes sobre Bolsonaro, in: KLEN, Bruna et al
(ed.) Do fake ao fato, p. 115-140. Vitória: Milfontes, 2020.
PEREIRA, Mateus; MARQUES, Mayra; ARAUJO, Valdei. Almanaque da Covid-19.
Vitória: Milfontes, 2020.
PIMENTA, João Paulo G. et al. A Independência e uma cultura de história no Brasil,
Almanack, 8: 5–36, 2014.
RAMALHO, Walderez. Reinterpreting the times of crisis based on the asymmetry
between chronos and kairos. História da Historiografia, 14(35): 115-144, 2021.
ROCHA, Camila; SOLANO, Ester ; MEDEIROS, Jonas. The Bolsonaro Paradox.
Londres: Springer, 2021.
ROCHA, João César C.. Guerra Cultural e Retórica do Ódio. São Paulo: Caminhos Editora
e Livraria, 2021.
TAMAKI, Eduardo Ryo.; FUKS, Mario. Populism in Brazil’s 2018 general elections,
Lua Nova, 109: 103-127, 2020.
VALENCIA-GARCÍA, Louie Dean (ed.) Far-Right Revisionism and the End of History:
Alt/Histories. New York: Routledge, 2020.
ZUBOFF, Shoshana. The Age of Surveillance Capitalism. New York: Hachette Book, 2019.
ZÚÑIGA, Homero Gil. Populism in the era of Twitter. New Media & Society, 22(4):
585-594, 2020.
O passado como distração
Modos de vestir a História no Neopopulismo Brasileiro
Artigo recebido em 15/09/2022 • Aceito em 22/11/2022
DOI | doi.org/10.5216/rth.v25i2.74060
Revista de Teoria da História | issn 2175-5892
Este é um artigo de acesso livre distribuído nos termos da licença Creative
Commons Attribution, que permite uso irrestrito, distribuição e reprodução em
qualquer meio, desde que o trabalho original seja citado de modo apropriado