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Constitucionalismo abusivo e erosão democrática: Uma análise das proposições legislativas do presidente Bolsonaro no primeiro ano de seu mandato

Authors:

Abstract

Diante de um contexto internacional de autoritarismo crescente e de democracias fragilizadas por ondas iliberais, a compreensão do fenômeno dentro do contexto brasileiro é importante para entender em que medida o projeto iliberal influenciou a atuação do Poder Executivo brasileiro no primeiro ano da gestão 2019-2022. Jair Bolsonaro, em diversas oportunidades, identificou-se como um outsider no que diz respeito às regras do jogo. Dessa forma, observando essa postura do presidente eleito, este artigo tem como objetivo analisar o primeiro ano da gestão Bolsonaro-Mourão no que diz respeito às propostas legislativas oriundas do Poder Executivo e em que medida elas flertam com o legalismo autoritário. A hipótese gira em torno do alto poder legislativo do chefe do Poder Executivo brasileiro, o que pode ser instrumento de transformação marcante na ordem jurídica, inovando o ordenamento jurídico. O objetivo foi analisar se essa força foi utilizada com intenções antiliberais de cunho autoritário pelo Poder Executivo no ano legislativo de 2019. A pesquisa centrou-se em quatro tipos de propostas legislativas do Poder Executivo, a saber: as Propostas de Emenda à Constituição (PECs), os Projetos de Lei Complementar (PLPs), as Medidas Provisórias (MPs) e os Projetos de Lei (PL). A escolha desse corpus se deu pelo papel significativo que esses tipos de propostas legislativas possuem em alterar a normatividade do sistema jurídico. A conclusão alcançada é de que o primeiro ano da gestão do presidente Bolsonaro não se utiliza de mecanismos explícitos de erosão constitucional, empregando, por seu turno, formas sutis de desestruturação da ordem democrática.
Editora Unijuí • ISSN 2317-5389
Ano 10 • nº 20 • Jul./Dez. 2022 • e12771
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Unijuí
hps://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/direitoshumanosedemocracia
hp://dx.doi.org/10.21527/2317-5389.2022.20.12771
PÁGINAS 1-23
CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO E EROSÃO DEMOCRÁTICA:
Uma Análise das Proposições Legislavas do Presidente Bolsonaro
no Primeiro Ano de seu Mandato
Lincoln Renato Vieira Zanardine
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Programa de Pós-graduação em Direito. Curiba/PR, Brasil.
hp://laes.cnpq.br/0109088097410223. hps://orcid.org/0000-0001-8082-8710.
lincolnvzanardine@gmail.com
Estefânia Maria de Queiroz Barboza
Autora correspondente: Universidade Federal do Paraná (UFPR). Programa de Pós-Graduação em Direito. Praça Santos Andrade, 50
– 3º Andar – Centro, Curiba/PR, Brasil. CEP 80020-300. hp://laes.cnpq.br/7537205951629432.
hps://orcid.org/0000-0002-9829-5366. estearboza@gmail.com
RESUMO
Diante de um contexto internacional de autoritarismo crescente e de democracias fragilizadas por ondas iliberais,
a compreensão do fenômeno dentro do contexto brasileiro é importante para entender em que medida o projeto
iliberal inuenciou a atuação do Poder Execuvo brasileiro no primeiro ano da gestão 2019-2022. Jair Bolsonaro,
em diversas oportunidades, idencou-se como um outsider no que diz respeito às regras do jogo. Dessa forma,
observando essa postura do presidente eleito, este argo tem como objevo analisar o primeiro ano da gestão
Bolsonaro-Mourão no que diz respeito às propostas legislavas oriundas do Poder Execuvo e em que medida elas
ertam com o legalismo autoritário. A hipótese gira em torno do alto poder legislavo do chefe do Poder Execuvo
brasileiro, o que pode ser instrumento de transformação marcante na ordem jurídica, inovando o ordenamento
jurídico. O objevo foi analisar se essa força foi ulizada com intenções anliberais de cunho autoritário pelo
Poder Execuvo no ano legislavo de 2019. A pesquisa centrou-se em quatro pos de propostas legislavas do
Poder Execuvo, a saber: as Propostas de Emenda à Constuição (PECs), os Projetos de Lei Complementar (PLPs),
as Medidas Provisórias (MPs) e os Projetos de Lei (PL). A escolha desse corpus se deu pelo papel signicavo
que esses pos de propostas legislavas possuem em alterar a normavidade do sistema jurídico. A conclusão
alcançada é de que o primeiro ano da gestão do presidente Bolsonaro não se uliza de mecanismos explícitos de
erosão constucional, empregando, por seu turno, formas sus de desestruturação da ordem democráca.
Palavras-chave:Palavras-chave: constucionalismo abusivo; presidencialismo brasileiro; direito constucional; erosão democráca.
AUTOCRATIC LEGALISM: THE FIRST YEAR OF BOLSONARO’S TERM
ABSTRACT
As facing an internaonal context of rising authoritarianism and fragilized democracies by illiberal tendencies, the
understanding of this phenomenon is important to interpret which way the illiberal project has inuenced the
rst year of the 2019-2022 term. Jair Bolsonaro elected allegedly being on the edge of the tradional status quo
- in several opportunies - claimed to be an outsider from the legal paern and its rules. Thus, idened this
posture from the elected president, this arcle analyzes the rst year of Bolsonaro-Mourão’s term concerning its
legislave proposals and in which way there is a tendency to legal authoritarianism. The hypothesis centers on the
high power of the Brazilian execuve’s agenda, which can be an instrument of a legal transformaon. The objecve
of this research was to analyze if this agenda can be used as an illiberal instrument with an authoritarian intent by
the execuve power in the legislave year of 2019, focusing on legislave proposals from execuve power in the
same year. The research centered on four types of legislave proposals: Proposals of Constuonal Amendments,
Complementary Bills, Provisional Measure, and Regular Bills. The chosen proposals were concentrated for their
power on the agenda and its bills in the Brazilian context. The conclusion is that, in the rst year of his term,
President Bolsonaro does not use explicit mechanisms of democrac erosion, using instead, subtle forms of
discoordinaon of a democrac order.
Keywords:Keywords: abusive constucionalism; brazilian presidenal system; constuonal law; democrac erosion.
Submedo em: 30/9/2021
Aceito em: 21/9/2022
Direitos Humanos e Democracia
Editora Unijuí • ISSN 2317-5389 • Ano 10 • nº 20 • Jul./Dez. 2022
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Unijuí
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CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO E EROSÃO DEMOCRÁTICA:
UMA ANÁLISE DAS PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS
DO PRESIDENTE BOLSONARO NO PRIMEIRO ANO DE SEU MANDATO
Lincoln Renato Vieira Zanardine – Estefânia Maria de Queiroz Barboza
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1 INTRODUÇÃO
O processo de redemocrazação pós regime militar e a volta de eleições diretas
para presidente, encabeçadas pela Constuição de 1988, marcaram o início daquilo que
historiadores chamam de sexta república brasileira ou nova república. Esse período é marcado
pelo fortalecimento das instuições democrácas, estabilização econômica e reformas que
reduziram desigualdades sociais.
Especialmente na segunda metade da década de 1990 e durante toda a década de 2000,
a democracia parecia, enm, ter se consolidado: foram anos de eleições livres, diretas e com
resultado inconteste. O evento conhecido como impeachment da presidente Dilma Rousse,
todavia, marcou a consolidação no espaço público da chamada nova direita, que crescia desde
as eleições de 2014 e das jornadas de 2013 (CODATO; BOLOGNESI; ROEDER, 2019).
Este trabalho dedicar-se-á a compreender como a atuação da nova direita, enquanto
movimento reacionário1, busca minar as instuições democrácas por meio de vias
democrácas, concatenando, assim, em um ambiente políco ambíguo, no qual o espaço
jurídico é permeado por leis que, a primeira vista, parecem constucionais e democrácas,
mas que, numa leitura atenta e contextualizada, denota a tentava de erosão das estruturas
democrácas.
Os estudos de sociologia e ciência políca apontam para um líder populista com viés
patrióco (TAMAKI; FUKS, 2020, p. 113), que subiu ao poder com uma agenda moralizante
cristã (ALMEIDA, 2019, p. 201) e que quesona as instuições democrácas postas (CRUZ
OLMEDA, 2019, p. 665).
Dessa forma, é importante compreender de que modo o cenário constucional e legal
brasileiro tem reagido no que diz respeito às invesdas oriundas dessa nova força políca
brasileira, e, essencialmente, como os mecanismos constucionais criados em 1988 podem
responder a esse fenômeno.
Segundo Lilia Moritz Schwarcz (2019), por intolerância entende-se ato de não aceitar um
ponto de vista diferente do seu, incitando, inclusive, o apagamento de qualquer divergência
(p. 214). Dessa forma, a intolerância é, essencialmente, binária, quando estabelece a disnção
entre “nós” e “eles”.
Nesse sendo, a políca brasileira viu crescer a quandade de representantes no
Legislavo e Execuvo de cunho autoritário e anliberal. Esses representantes do povo
buscam, por meio de projetos de lei, emendas à constuição e outros mecanismos legislavos
legalmente instuídos, assolar os poderes e direitos que os elegeram, causando uma erosão
da democracia por vias democrácas, uma verdadeira destruição pelo lado de dentro.
Em atenção a essas mudanças, David Landau (2013) argumenta que a erosão dos
mecanismos constucionais por procedimentos formalmente constucionais, por mais
contraditório que possa ser, é um fenômeno crescente (p. 189). No mesmo sendo, parndo
1 O vocábulo “reação”, aqui adotado, versa sobre o movimento de direita que não é conservador, mas, sim, reacionário,
fundamentando-se num suposto passado glorioso que precisa ser redescoberto. Nesse sendo, o reacionarismo é uma
tentava de parar o tempo e retornar a um momento hipotéco em que a “degradação moral” não teria destruído os bons
valores (BIANCHI, 1998, p. 1.073-1.074).
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UMA ANÁLISE DAS PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS
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da premissa de Kim Lane Scheppele (2018), este trabalho tenta compreender de que forma
aquilo que a autora classica como “legalismo autocráco” tem angido a democracia
brasileira.
Scheppele (2018) pontua que o legalismo autocráco ocorre na medida em que líderes
eleitos democracamente podem ulizar os mecanismos democrácos que os elegeram
para subverter a ordem constucional, criando um ambiente políco de cunho anliberal
(SCHEPPELE, 2018, p. 547).
Assim, nesse contexto de grandes transformações nas instuições democrácas ao
redor do mundo, um padrão que Kim Scheppele (2018) traz: (i) uma democracia com
problemas estruturais, porém, em certo grau de estabilidade, tem uma eleição totalmente
paradigmáca que rompe com o que estava posto; (ii) o líder eleito tem grande apelo das
massas, e promete expurgar toda a ordem pré-constuída em nome de uma nova políca,
com um novo jeito de fazer políca.
A autora pontua que o liberalismo citado trata-se de uma corrente losóca políca em
que há limitação de poderes do Estado ou Soberano em razão de uma proteção da liberdade
de indivíduos, podendo versar sobre um liberalismo à esquerda no espectro políco, ou à
direita (SCHEPPELE, 2018, p. 559).
Embora a autora faça uso do termo iliberal para descrever o fenômeno, neste trabalho,
a m de uma leitura mais facilitada para o leitor de língua portuguesa, será o usado o termo
anliberal, para descrever a corrente que atenta contra a matriz políca liberal oitocensta.
Este trabalho terá como metodologia a consulta às proposições legislavas do
presidente Bolsonaro enquanto chefe do Poder Execuvo. Assim, centrou-se o presente
estudo às Propostas de Emenda à Constuição (PECs), aos Projetos de Lei Complementar
(PLPs), aos Projetos de Lei Ordinária (PL) e às Medidas Provisórias (MPs) apresentadas pelo
Poder Execuvo brasileiro no período de um ano de mandato, nomeadamente entre de
janeiro de 2019 e 31 de dezembro do mesmo ano. Para análise do problema recorreu-se a uma
leitura de autores da Ciência Políca a m de trazer para o contexto jurídico uma metodologia
pautada em dados empíricos.
O poder de agenda do presidencialismo brasileiro merece destaque. A atuação
legislava do Poder Execuvo no Brasil denota uma força caracterísca do presidencialismo
brasileiro pós-constuinte (MORAES, 2001, p. 51). Filomeno Moraes (2001) destaca que a
fragmentação do Legislavo brasileiro implica a necessidade de um Poder Execuvo mais
centralizador (p. 47).
Dessa forma, a análise das proposições legislavas visa a idencar em que medida
o chefe do Poder Execuvo federal uliza de meios legais e democrácos para inferir e
alterar as instuições democrácas, caracterizando o que tem sido chamado de legalismo
autocráco, ou constucionalismo abusivo, com a consequente erosão de mecanismos de
freios e contrapesos e ataque aos direitos humanos.
O presente trabalho ulizará os conceitos de legalismo autocráco, autoritarismo legal
e constucionalismo abusivo como sinônimos de um mesmo objeto: a alteração de padrões
constucionais, democrácos e legais de democracia e Estado de Direito com a ulização dos
mesmos mecanismos constucionais, democrácos e legais por líderes autoritários, que, por
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seu turno, foram eleitos conforme as regras do jogo. O ponto de destaque é a oposição desse
fenômeno ao ango modelo de autoritarismo, em que golpes de Estado e deterioração das
estruturas democrácas eram, nomeadamente, mais evidentes.
A parr dessa hipótese, o trabalho buscará destrinchar como a democracia e o constu-
cionalismo relacionam-se no cenário jurídico diante de invesdas autoritárias, especialmente
no caso brasileiro. Nesse ínterim, procura entender se no Brasil está a ocorrer o avanço
autoritário de cunho anliberal que se uliza de mecanismos democrácos e legais para
conversão do espaço outrora democráco em um ambiente políco ambíguo em que medidas
andemocrácas passam despercebidas.
2 CONSTITUCIONALISMO EM CRISE: O LEGALISMO AUTOCRÁTICO E A EROSÃO
DEMOCRÁTICA NO CONTEXTO INTERNACIONAL
Antes de adentrar na seara da crise democráca enquanto fenômeno a ser analisado,
é preciso voltar-se ao conceito de democracia dentro de uma perspecva do constuciona-
lismo. O debate entre democracia e constucionalismo implica uma reexão sobre os limites
à atuação majoritária dos líderes eleitos em respeito ao enlace constucional.
Barboza e Kozicki (2008) ressaltam que a primeira noção de democracia no consciente
social está assentada na ideia de um governo da maioria (BARBOZA, KOZICKI, 2008, p. 157).
Essa posição, segundo as autoras, é defendida por autores como Jurgen Habermas e Ely Hart,
que se pautam, essencialmente, pelo método como são formadas as decisões das maiorias, de
modo que esta precisa abranger a parcipação de toda a sociedade enquanto desnatária do
Direito. Nesse sendo, Habermas salienta o papel de uma sociedade de indivíduos informados
e que levam ao debate público suas pautas de forma racional (HABERMAS, 2013, p. 4).
A teoria procedimentalista da democracia entende que a parcipação do Poder
Judiciário, nomeadamente as cortes constucionais, deve ser meramente no sendo de
proteger a formação procedimental da democracia. Assim, pouco importaria o resultado
alcançado, pois seria uma manifestação legíma. Dessa maneira, a chamada democracia
procedimental pauta-se no processo e não no resultado, de modo que busca valorizar a ampla
parcipação, não priorizando o resultado a ser alcançado.
No outro lado da discussão encontra-se a posição da teoria da democracia substanva,
que entende que o resultado nal almejado pelo processo democráco é importante
enquanto denidor do viés democráco daquela sociedade e sua ordem jurídica, uma vez
que não pode a democracia se furtar de garanr a defesa dos direitos dos grupos minoritários
não abrangidos pelo processo majoritário de deliberação.
Nessa toada, destaca-se a críca trazida por Erik Eriksen (2004, p. 3), que pontua que
não há como imaginar que a mera existência de eleições livres e frequentes seria o suciente
para caracterizar uma democracia plena. Para o autor, há um certo grupo de minorias que
jamais serão uma maioria quantava, ou, ainda, capazes de formar coalizões com maiorias.
Sarmento e Souza Neto (2013) destacam a atuação contramajoritária das cortes cons-
tucionais e seu quesonamento perante a opinião pública. Para os autores, a noção de uma
corte que atua de forma disnta dos representantes eleitos gera uma tensão (SARMENTO;
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SOUZA NETO, 2013, p. 126). Assim, a teoria procedimentalista de democracia entende que o
resultado alcançado no processo democráco não pode ir de encontro ao direito de grupos
sub-representados, ou mesmo grupos que não constuem maioria dentro do processo
democráco procedimental.
Nesse sendo, o trabalho aqui apresentado busca compreender em que medida a
atuação de um Poder Execuvo, pautado na defesa da maioria que o elegeu, pode fragilizar
democracias constucionais, no caso em discussão, a democracia brasileira. Destarte,
o presidente eleito em 2018, ao pautar-se no majoritarismo que o elegeu, e buscando
marginalizar as minorias, vai de encontro ao conceito de democracia constucional adotado
neste trabalho.
Conforme apontado, o papel do Poder Judiciário, na perspecva da democracia
substanva, é essencialmente marcado pela defesa das minorias contra eventuais maiorias,
sendo essa defesa exercida pelo judicial review enquanto limitador das ações do Execuvo
e Legislavo. Embora o papel do Poder Judiciário tenha o condão de equilibrar a disputa
democráca, este trabalho não se dedicará à análise da atuação do judicial review enquanto
instuição contramajoritária. A atenção será dada às proposições legislavas oriundas do
Poder Execuvo no ano de 2019.
Passada a premissa de democracia constucional, enquanto conjugação dos direitos
da maioria eleita em respeito aos direitos das minorias não representadas, ou sub-repre-
sentadas, é preciso um aporte ao conceito de crise democráca vivida pelas democracias ao
redor do mundo.
Francis Fukuyama, em sua obra ¿El n de la história? de 1990, argumentou que, após a
queda da União Soviéca, se restou comprovada a vitória do liberalismo políco e econômico
como o modelo mais desejado de sociedade democráca (FUKUYAMA, 1990, p. 12). Segundo
o autor, os países ricos e industrializados, ao angirem o ápice econômico liberal, teriam
chegado ao m da história.
A tese apontada por Fukuyama (1990), todavia, tem sido quesonada na úlma década,
uma vez que há uma tendência de formação de regimes polícos ambíguos em que democracia
e direitos humanos são desvirtuados em nome de uma suposta maioria (SCHEPPELE, 2018, p.
548).
Em obra recente, Fukuyama voltou-se para a crise democráca atual, e quesona o
movo de as democracias estarem falhando (FUKUYAMA, 2015, p. 11). O autor uliza-se do
exemplo da primavera árabe de 2011, quando a expectava era de uma consolidação do
modelo democráco ocidental, porém, o que se viu, foi o surgimento de novas ditaduras,
substuindo as angas (p. 11).
Fukuyama (2013, p. 13) sinala que, embora enraizada na América Lana, a democracia
está em tensão em países como Brasil, Colômbia e México, em razão da falha na prestação de
serviços públicos básicos como educação, infraestrutura e segurança.
Nessa toada, Steven Levitsky e Lucas Way (2002, p. 51) entendem que o m da Guerra
Fria acendeu no cenário políco internacional uma tendência à formação de regimes polícos
híbridos ou iliberais, disnguindo-os, por essência, do modelo bipolar vigente até então. Esses
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modelos híbridos ou iliberais combinam elementos de aspecto democráco com elementos
de aspecto autoritário, por isso a diculdade em disngui-los.
Na tentava de compreender a crise democráca liberal, uma das perspecvas para o
tema foi a conceitualização de constucionalismo abusivo dada por David Landau (2013), que
busca analisar o fenômeno crescente nos úlmos anos em que a democracia constucional
tem sido abalada pela onda anliberal e andemocráca.
De acordo com Levitsky e Way (2002), assim como, para Landau (2013), a falha no
mecanismo de accountability, seja ela horizontal, ou vercal, gera um dos elementos
marcantes na denição de um regime iliberal. Nesse sendo, para Landau (2013, p. 195) o
constucionalismo abusivo envolve o uso de mecanismos de mudança constucional por
polícos democracamente instuídos podendo ser uma constuinte, emendas constu-
cionais ou uma mistura dos dois meios – para ruir as bases democrácas.
Para Landau (2013), os mecanismos do constucionalismo abusivo são essencialmente
formais, ou seja, perpassam o processo de mutação constucional como a promulgação de
uma emenda ou a substuição da constuição. O resultado, segundo ele, é que as constuições
afetadas por mecanismos abusivos, a uma primeira vista, parece ser democráca, não
disnguindo daqueles elementos de raiz liberal das constuições democrácas. O objevo
dessas alterações constucionais, todavia, é, em essência, reduzir mecanismos de controle
horizontal e vercal de poder2, bem como perpetuar-se no poder por mais tempo, ou mesmo,
indiscriminadamente.
Landau (2013) aponta, ainda, sobre a democracia militante surgida no pós Segunda
Guerra Mundial, quando fora vedada a criação de qualquer pardo que se mostrasse ande-
mocráco para evitar que ele criasse força e acabasse, assim, por enfraquecer todo o sistema.
Desse modo, ao contrário de outros exemplos ao longo da história, em que líderes autoritários
enfraquecem a ordem constucional por intermédio de golpes de Estado, uma inexão
interna de enfraquecimento democráco. Assim, Landau (2013) aponta para o perigo da
erosão das normas constucionais por meio de mecanismos que aparentam estar revesdos
de legalidade e parecem estar de acordo com as regras democrácas (p. 191).
Landau (2013) traça um paralelo entre o autoritarismo moderno e o constuciona-
lismo abusivo ao colocar que, diante de regimes autoritários, as regras formais democrácas
tendem a ser relavizadas. Ele enfaza, ainda, que se posicionar contra o constucionalismo
abusivo não é uma críca às polícas almejadas por esses atores, mas, sim, ir contra a sua
busca por tornar seus regimes menos democrácos (LANDAU, 2013, p. 215)3.
Ainda no debate acerca do tema, Scheppele (2018) traz o conceito de legalismo
autocráco, no qual um líder eleito democracamente uliza mecanismos democrácos
e legais para alterar profundamente o status quo de um regime políco. A autora pontua
que, apesar de se tratar de um fenômeno recente e ainda em processo de transformação,
2 Accountability, em regimes democrácos, está ligada à possibilidade de prestação de contas entre os poderes de forma
horizontal bem como vercalmente entre cidadãos e o poder políco (SCHEDLER, 1999, p. 13-21).
3 Dessa feita, após eleito, Hugo Chávez manejou as regras da Constuinte de modo que o colégio eleitoral fosse favorável a
ele. Ao ganhar 60% dos votos seu pardo teve mais de 90% de cadeiras na constuinte, implicando, assim, em mudanças
importantes, como o aumento do poder do Execuvo e reduzindo os demais poderes, saindo do que era um dos presiden-
cialismos mais fracos da região para o um superpresidencialismo lano-americano (LANDAU, 2013, p. 179).
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CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO E EROSÃO DEMOCRÁTICA:
UMA ANÁLISE DAS PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS
DO PRESIDENTE BOLSONARO NO PRIMEIRO ANO DE SEU MANDATO
Lincoln Renato Vieira Zanardine – Estefânia Maria de Queiroz Barboza
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é possível traçar algumas linhas comuns entre líderes que ela chama de autocratas legais
(SCHEPPELE, 2018, p. 571).
Uma das caracteríscas comuns entre esses líderes é sua ascensão ao poder com o
discurso de renovação e m do ango modo de fazer políca. Assim, esses líderes sobem ao
poder por meio de um projeto políco dito transformador e diferente dos demais projetos já
consolidados: “Em todo o mundo, o liberalismo constucional está sofrendo um ataque vindo
de líderes populistas que basearam suas campanhas em não jogar a velha políca”, podendo
ser citados como exemplos Hugo Chávez na Venezuela e Viktor Orbán na Hungria (SCHEPPELE,
2018, p. 546)4.
Scheppele (2018), em seu trabalho, vai além da conceitualização trazida por Landau
(2013), pontuando que existe a possibilidade de a erosão democráca ir além de uma
alteração da constuição por meio de emendas ou por substuição. Scheppele (2018) pontua
que o ataque às minorias polícas e aos direitos humanos caracteriza, também, uma forma de
legalismo autocráco (SCHEPPELE, 2018, p. 572). Nesse sendo, este trabalho atentar-se-á a
tais mecanismos de paulano desgaste dos fundamentos da democracia brasileira.
É importante trazer à baila a conjugação que a autora faz entre constucionalismo,
democracia e liberalismo. A tensão entre esses elementos é discussão procua e presente
nos estudos de constucionalistas (BARBOZA; KOZICKI, 2008, p. 152). Assim, quando um
limite na atuação de líderes eleitos por uma constrição constucional, o debate vem à tona
(SCHEPPELE, 2018, p. 557).
Destaca-se que a tensão entre constucionalismo e democracia se resolve, sobretudo,
na esfera de eleições periódicas; o que, todavia, pode ser deturpado por autocratas legais,
usando o argumento simplista de “vontade da maioria” para um ataque às ordens liberais
(SCHEPPELE, 2018, p. 557).
O que ocorre é o que a autora chama de majoritarismo, ou seja, um líder eleito democra-
camente, abandonando o projeto constucional e liberal, em que as minorias polícas têm
seus direitos assegurados, inicia um mandato voltado somente para a maioria que o elegeu,
e, além disso, assume uma postura de invalidação de quaisquer divergências ao seu governo
(SCHEPPELE, 2018, p. 448).
Dessa forma, em um contexto de maiorias eventuais, a preocupação é crescente, uma
vez que há uma tendência para que autocratas legais venham a deturpar a esfera democráca,
causando uma democracia sem restrições liberais constucionais para sua atuação. Logo, há
transformação em um governo da maioria, quando os direitos das minorias polícas não são
reconhecidos e esses líderes ulizam suas maiorias eventuais para se perpetuar no poder
(SCHEPPELE, 2018, p. 570).
Outro autor que trabalha conceito similar é Mark Tushnet (2015), que cunha o termo
constucionalismo autoritário e o idenca como um sistema de governo no qual, apesar de
eleições livres e justas, há um grande controle repressivo quanto às liberdades dos cidadãos.
O exemplo ulizado é o de Singapura, quando o autor aponta para um mere rule-of-law, em
4 Tradução livre de: Around the world, liberal constuonalism is taking a hit from charismac leaders like these whose
signature promise is to not play by the old rules (SCHEPPELE, 2018, p. 554).
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Editora Unijuí • ISSN 2317-5389 • Ano 10 • nº 20 • Jul./Dez. 2022
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que há uma legalidade instuída, porém apenas aparente; o que há, então, é uma aparência
de democracia em que o constucionalismo acaba por servir de instrumento para a supressão
de liberdades (TUSHNET, 2015, p. 69).
Tushnet (2015) e Landau (2013) dialogam entre si quando vericam que somente
a aparência de um constucionalismo democráco não pode ser entendida como sinal de
estabilidade democráca, uma vez que medidas autoritárias podem se ulizar de regras
democrácas e mecanismos legais para reduzir direitos individuais e desestabilizar as
instuições democrácas.
3 PRESIDENCIALISMO E PODER DE AGENDA: A ATUAÇÃO LEGISLATIVA DO
PODER EXECUTIVO
Passada a leitura sobre o problema da crescente tensão democráca no cenário nacional
e internacional, é necessário compreender de que forma isso pode ser essencialmente
perigoso para o modelo constucional brasileiro. Contextualizando com o cenário nacional,
Barboza e Robl Filho (2018) buscam conjugar o perigo da erosão democráca crescente
com o constucionalismo brasileiro. Assim, os autores apontam para a ulização indevida
de mecanismos do direito constucional para atacar e minar as estruturas da democracia
constucional e das bases losócas do constucionalismo (BARBOZA; ROBL FILHO, 2018, p.
87).
O presidencialismo brasileiro é um dos modelos de presidencialismo em que o poder
execuvo na pessoa do presidente possui uma agenda legislava destacável. Suas bases têm
origem no passado autoritário pelo qual o país e toda a América Lana passaram (BARBOZA;
ROBL FILHO, 2018, p. 82).
Os pesquisadores destacam que o fenômeno do constucionalismo abusivo se daria,
essencialmente, de duas formas: (i) um ataque direto à legalidade constucional por meio
de emendas à constuição, que atentam diretamente a princípios constucionais, que eles
chamam de constucionalismo abusivo estrutural; (ii) por outro lado, o uso de instutos
e técnicas constucionais de maneira deturpada e em desacordo com a democracia
constucional, constui o chamado constucionalismo abusivo episódico (BARBOZA; ROBL
FILHO, 2018, p. 94).
Assim, no cenário nacional a pluralidade de atores no jogo políco indica uma
assincronia entre sociedade e poder políco, de modo que a necessidade de diversos
grupos alinharem-se na intenção de uma conguração majoritária; trata-se do fenômeno do
presidencialismo de coalização.
Abranches (1988) pontua que, em certa medida, todas as formas republicanas de
governo carecem de uma necessidade de composição baseada em coalizões. A exceção
brasileira encontra-se como um regime que combina o “presidencialismo imperial”, inspirado
no modelo dos EUA, com a necessidade de coalizão em um cenário pardário fragmentado
(ABRANCHES, 1988, p. 22).
Nessa seara, conforme aponta Paulo Schier (2016), o presidencialismo, por ser um
regime em que o chefe do Poder Execuvo é eleito para um mandato xo, tende a ser mais
rígido quanto à sua saída, restando somente para casos de crime de responsabilidade, quando
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deve ser ulizado o processo de impeachment. Esse autor destaca que há uma tendência de
o regime presidencialista gerar crises e tensões, e que ainda que um governo tenho grandes
problemas de governabilidade, não pode ser destuído, como ocorre no parlamentarismo
(SCHIER, 2016, p. 255).
O modelo presidencialista é padrão na América Lana, e, por isso, os líderes que
buscam romper as estruturas democrácas tendem a fortalecê-lo ainda mais. Nesse
ínterim, destaca-se o exemplo da Venezuela e do Equador, onde as reformas constucionais
aumentaram o poder execuvo e, principalmente, a gura do presidente, dando-lhe mais
poderes legislavos. Indivíduos ou grupos com muito poder tendem a alterar as regras cons-
tucionais com a intenção de garanr poder e tornar muito dicil ou mesmo impossível a sua
saída do poder (LANDAU, 2013, p. 203).
Nesse cenário, o poder de agenda do Execuvo ante o Legislavo é destaque, uma vez
que a edição de Medidas Provisórias gera uma alteração substancial da agenda legislava
do Congresso Nacional (PEREIRA; MUELLER, 2000, p. 47). Assim, o presidencialismo de
coalizão, quando em crise, gera uma tendência à polarização políca em que a legimidade é
quesonada e o ambiente políco se transforma em cenário conituoso (ABRANCHES, 1988,
p. 30), o que, de acordo com os autores apontados, é solo frufero para a ascensão de líderes
autocratas.
Na mesma seara, é importante destacar que o presidencialismo brasileiro é alvo
de crícas quanto à atroa decorrente do descompasso entre Poder Legislavo e Poder
Execuvo (ALMEIDA, 2020, p. 6). O destaque também pode ser direcionado ao rol de matérias
de exclusividade de iniciava legislava pelo Poder Execuvo, nomeadamente aquelas que
implicam aumento de despesa e orçamento (argo 165, CF); organização da Administração
federal (argo 84, CF); e questões relavas às forças armadas (argo 61, §1º, CF).
As proposições legislavas são importantes para compreender qual caminho um
governo tem a intenção de seguir quanto à formação de polícas públicas e alterações na
ordem jurídica; assim, segundo Farhat (1996, p. 819), a denição para a proposição legislava
é de qualquer matéria submeda ao Congresso Nacional, às suas Casas ou Comissões, com o
objevo de ser apreciada.
A pesquisa, a princípio, baseava-se na hipótese de que o governo, em seu primeiro ano
de gestão, agiria a parr de PECs buscando alterações constucionais na perspecva trazida
por Landau (2013) e sua tese do constucionalismo abusivo.
Ocorre que se vericou que o governo apresentou somente duas PECs no período
analisado, no sendo de que a discussão das demais propostas legislavas se mostrou
necessária. Desta forma, buscou-se vericar em que medida a erosão democráca pode vir
via leis infraconstucionais, aprovadas em processo formal e democráco (SCHEPPELE, 2018,
p. 547).
Para se compreender como o Poder Execuvo federal se comportou no que diz respeito
a proposições legislavas em seu primeiro ano de mandato, ulizou-se, neste trabalho,
consulta às fontes formais de propostas legislavas, essencialmente uma consulta ao sistema
da Câmara dos Deputados em que as propostas legislavas são apresentadas para consulta
pública. A consulta às propostas teve por base a análise junto ao sistema de banco de dados
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da Câmara dos Deputados, onde as propostas estão discriminadas por categorias, data,
autores e po de propostas.
uma série de trabalhos importantes quanto à saliência de temas envolvendo a
agenda legislava do Congresso e sua categorização. O presente trabalho uliza-se de uma
tentava de idencação dos temas gerais apresentados pelo presidente e sua conjugação
com a alteração da ordem jurídica5. Para uma compreensão do tema, optou-se por uma
categorização das propostas conforme o trabalho de Mariana Basta (2020), em que a autora,
vericando a diculdade de classicação das propostas, optou por uma classicação manual
dos temas.
No portal da Câmara dos Deputados há uma série de ltros disponíveis para localização
de proposições legislavas em andamento na Câmara, podendo o ltro selecionar por período
ou por quem apresentou tal proposta.
Neste trabalho adotou-se, especicamente, a busca pelas proposições oriundas
do Poder Execuvo durante o ano de 2019. Nesse mecanismo de transparência é possível
consultas ao texto original, despachos, tramitação, pareceres e emendas. Os pos de
proposições legislavas analisadas foram as seguintes:
a. Projetos de Lei (PL): legislação ordinária e infraconstucional, que podem versar
sobre um amplo rol de temas;
b. Projetos de Lei Complementar (PLP6): algumas normas da Constuição Federal
preveem que sejam editadas leis complementares que buscam adjevar as
disposições constucionais e assim lhes garanr efevidade;
c. Medidas Provisórias (MPs): um dos grandes trunfos do chefe do Poder Execuvo no
Brasil, que têm ecácia a parr de sua edição, e, caso não sejam converdas em lei
pelo Congresso no prazo de 60 dias, perdem sua validade;
d. Propostas de Emenda à Constuição (PECs): são propostas que têm como objevo a
alteração de disposivos da Constuição Federal, e devem seguir o rito previsto no
argo 60.
Assim, de um total de 79 propostas legislavas apresentadas pelo Poder Execuvo
no ano de 2019, nota-se uma preponderância pelo uso de medidas provisórias, sendo
apresentadas 48 em apenas um ano (Tabela 1).
Tabela 1 – Proposições legislavas apresentadas pelo Poder Execuvo durante o ano de 2019
PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS QUANTIDADE
Propostas de Emenda à Constuição
Projetos de Lei Complementar
Medidas Provisórias
Projetos de Lei
2
5
48
24
Fonte: Elaborada pelo autores.
5 Nesse sendo, é importante destacar que nem toda proposição legislava se desna a se transformar em norma jurídica
(OLIVEIRA, 2014, p. 7).
6 A sigla ulizada é a mesma que se encontra no portal da Câmara dos Deputados.
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Quanto às demais propostas legislavas apresentadas pelo Poder Execuvo dentro do
marco temporal apontado, destaca-se que a opção metodológica foi de não as analisar. A
escolha metodológica versa, essencialmente, na proposição legislava que gera uma inovação
dentro da ordem jurídica brasileira, capaz de alterar o status quo e modicar a forma como se
dão as relações entre cidadãos.
A assimetria decorrente da ausência de coordenação entre Poder Execuvo e Legislavo
parece resultar em uma diculdade na aprovação das demandas legislavas oriundas
da Presidência (ALMEIDA, 2020, p. 13). O resultado é a necessidade de coordenação do
Legislavo pelo Execuvo pelo uso de cargos públicos e emendas orçamentárias, dominando
a oposição e concatenando o conhecido fenômeno do Presidencialismo de Coalizão (p. 7).
Assim, a grande pauta legislava do presidente no modelo brasileiro não implica, necessaria-
mente, um sucesso dessas medidas (p. 13).
Nesse sendo, o objevo é compreender em que medida as proposições legislavas
do Poder Execuvo no ano de 2019 foram propostas com o azo de alterar relações jurídicas
democrácas, visando a enfraquecer os elementos estruturantes da Constuição de 1988,
incluindo o ataque a direitos fundamentais consolidados na Carta Magna.
4 ANÁLISE DAS PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS APRESENTADAS PELO PODER
EXECUTIVO NO ANO DE 2019: DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A compreensão do fenômeno abordado neste trabalho necessita de uma atenção
maior às proposições legislavas apresentadas. Para isso, a escolha se deu a parr de uma
leitura integral de todas as proposições legislavas, para, então, a eleição de proposições de
destaque dentro de cada um dos pos legislavos examinados.
Assim, a ênfase temáca dos eixos conjugou-se com pesquisas recentes sobre o tema,
como o trabalho desenvolvido por Mariana Basta (2020), em que há uma preocupação com
a saliência temáca na agenda legislava brasileira (BATISTA, 2020, p. 11).
Passada a premissa metodológica, volta-se, aqui, às PECs apresentadas pelo Poder
Execuvo no primeiro ano do mandato – 2019/2022. O ano de 2019, primeiro ano da gestão
do presidente Bolsonaro, foi marcado pela apresentação de duas propostas de Emenda à
Constuição: a PEC 6/2019 e a PEC 108/2019.
Assim, as PECs mantêm-se na média dos governos anteriores, analisando-se o mesmo
período (Tabela 2).
Tabela 2 – PECs apresentadas pelo Poder Execuvo no primeiro ano de mandato (2003-2014)
PECS APRESENTADAS NO PRIMEIRO ANO DO MANDATO QUANTIDADE
Lula 1
Lula 2
Dilma 1
Dilma 2
MÉDIA:
2
0
2
4
2
Fonte: Elaborada pelo autores.
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Das PECs apresentadas, considerando o padrão em relação aos governos anteriores,
é importante uma compreensão dos projetos e seu condão de inovar na ordem jurídica
constucional. A PEC 6/2019 propõe a alteração dos disposivos constucionais que versam
sobre o regime da Previdência Social no Brasil. É consenso o viés social da Constuição Federal
de 1988 enquanto inserida no contexto de uma constuição de cunho pragmáco e que visa à
redução das desigualdades sociais.
O texto apresentado pelo Poder Execuvo busca alterar os argos que versam sobre
faixa etária e sobre o ponto mais polêmico: o regime de capitalização. Em sua fundamentação
ao presidente da República, o ministro da Economia argumenta que o objevo da referida PEC
é proporcionar um contexto mais justo aos contribuintes.
Destaca-se que não é o objevo traçar uma ampla críca à Reforma da Previdência,
todavia é destaque que tal medida representa uma grande alteração na forma como os
cidadãos brasileiros relacionar-se-ão com a Previdência, de modo que atenta contra o objevo
social do Constuinte de 1988, que era fundar um regime pautado na solidariedade. Marco
Aurélio Serau (2019) pontua que essa PEC buscou desestruturar o regime constucional
vigente até então (p. 212), o que, dentro da leitura de Tushnet (2015), pode ser compreendido
como uma forma de ataque aos direitos fundamentais.
Por seu turno, a PEC 108/2019, apresentada pelo Poder Execuvo, tem como objevo
alterar a conguração jurídica dos Conselhos Prossionais, inserindo-os no regime jurídico
do direito privado, o que denota uma tentava de desestazação dessas endades, que
representando um aspecto importante desse governo.
Também apresentada pelo ministro da Economia à Presidência da República, a PEC
108/2019 tem como objevo a alteração do argo 174 da Constuição Federal, que passaria
a vigorar com uma redação inspirada em um liberalismo políco e a desnecessidade de
intervenção do Estado na regulação das avidades prossionais, acrescentando os argos
174A e 174B com respecvos incisos e parágrafos.
Vericado o conteúdo e sua proposta de alteração da ordem jurídica, percebe-se que
as Emendas apresentadas no primeiro ano do governo Bolsonaro não indicam um atentado
claro à ordem constucional nos moldes propostos pela bibliograa ulizada, uma vez que
não apresentam caracteríscas explícitas que busquem alterar a ordem liberal de freios e
contrapesos, nem as liberdades individuais, embora discutam direitos sociais importantes.
Segundo Landau (2013), o fenômeno do constucionalismo abusivo ocorre
essencialmente por vias formais de emendas ou substuição constucional (p. 198). Conforme
Barboza e Robl Filho (2018), no contexto brasileiro o constucionalismo abusivo parece não
encontrar solo para uma alteração drásca da hermenêuca constucional, tendo em vista as
caracteríscas nacionais (p. 94).
Embora não possa ser congurado constucionalismo abusivo por emendas, os
processos de erosão democráca também podem se dar por leis que venham a fragilizar
os órgãos de contenção. Assim, essa fase passa à análise dos Projetos de Lei Complementar
e de Lei Ordinária. Logo, os PLPs são importantes na medida em que atuam como agentes
de consolidação do poder constuinte originário. Assim, mostram-se necessários para
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compreender em que medida pode o fenômeno do constucionalismo abusivo atuar sobre
leis para além da constuição formal.
Verica-se que no primeiro ano da gestão 2019/2022 a apresentação de PLPs pelo Poder
Execuvo está acima da média histórica, que é de 1,75 PLPs (Tabela 3).
Tabela 3 – PLPS apresentadas pelo Poder Execuvo no primeiro ano de mandato (2003-2014)
PLPS APRESENTADOS NO PRIMEIRO ANO DO MANDATO QUANTIDADE
Lula 1
Lula 2
Dilma 1
Dilma 2
MÉDIA:
3
2
2
0
1,75
Fonte: Elaborada pelo autores.
Durante o ano legislavo de 2019, o Poder Execuvo apresentou cinco Projetos de Lei
Complementar. Quanto aos Projetos de Lei, dos 24 PLs apresentados pelo Poder Execuvo
no ano de 2019, uma preponderância de temas caros à chapa Bolsonaro-Mourão desde
a época eleitoral, como (i) a segurança e a criminalidade; e (ii) a economia. Cabe destacar,
ainda, que, em relação aos governos anteriores, a gestão 2019/2022 apresentou Projetos de
Lei abaixo da média histórica (Tabela 34).
Tabela 4 – Projetos de Lei apresentados no primeiro ano do mandato (2003-2014)
PLS APRESENTADOS NO PRIMEIRO ANO DO MANDATO QUANTIDADE
Lula 1
Lula 2
Dilma 1
Dilma 2
MÉDIA:
58
70
36
43
51,75
Fonte: Elaborada pelo autores.
Dessa forma, este trabalho, por entender que a Lei ordinária dentro do Direito brasileiro
abrange um rol extenso de temas e passa por um processo legislavo mais simples que o
processo da Lei complementar, optou-se por não entrar na seara dos temas trazidos pela
Presidência da República no primeiro ano da gestão 2019/2020. Mesmo assim, destaca-se
que a média de PLs apresentadas por Bolsonaro no primeiro ano de seu mandato está bem
abaixo da média histórica do período.
O destaque desta pesquisa foi a preponderância de Medidas Provisórias dentro do
primeiro ano do mandato do presidente Bolsonaro. Assim, a invesgação voltou-se para a
compreensão do fenômeno da edição de Medidas Provisórias, e a hipótese centrou-se, então,
na possibilidade de uma atuação marcada por um autoritarismo legal seguindo esse po de
proposta legislava. Constatada a preponderância de MPs no rol de propostas legislavas do
governo Bolsonaro, buscou-se, então, a classicação dessas MPs a parr de critérios objevos
que buscassem apontar temácas de interesse do governo.
Para a categorização das MPs dentro dos temas, não foi ulizada a sistemazação
disponível no portal da Câmara dos Deputados em razão de a classicação abarcar mais de
uma proposta, podendo, por exemplo, versar sobre direitos humanos” e economia” ao
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mesmo tempo. Tal conguração não permiria compreender que pos de demandas o Poder
Execuvo pleiteia quando apresenta propostas legislavas.
Dessa forma, classicou-se cada Medida Provisória (MP) pela sua nalidade dentro da
ordem jurídica, restando 11 categorias a seguir discriminadas:
a. Gestão e administração pública: nessa categoria foram inseridas as MPs que buscam
alterar a organização da estrutura do Estado e/ou de suas autarquias, bem como
regular formas de como a gestão 2019/2022 presta informações aos demais poderes
e à sociedade.
b. Bens da união: MP que versa sobre alienação de bens da União e disposições quanto
ao uso desses bens.
c. Direitos humanos: nessa categoria foram inseridas MPs que discutem direitos dos
cidadãos em geral, como direito ao lazer e à vida digna.
d. Economia: aqui encontram-se as MPs que estabelecem a atuação do Estado na
ordem econômica e/ou buscam fomentar o mercado e a circulação de riquezas.
e. Finanças e gastos do poder público: criação de despesas correntes, gastos com
pessoal, criação e exnção de cargos públicos encontram-se nessa categoria. As
criações de despesas emergenciais para ns de polícas públicas não foram inseridas
aqui.
f. Meio ambiente: MP sobre proteção ao meio ambiente.
g. Previdência e seguridade social: nessa categoria foram alocadas as MPs que versam
sobre seguridade social, previdência e assistência a hipossucientes.
h. Saúde: temas de saúde pública.
i. Segurança e criminalidade: uma vez que normas penais são vedadas de serem
editadas via Medida Provisória, nessa categoria se discute lateralmente sobre
segurança pública.
j. Tributos e impostos: criação de impostos, regulação de tributos e desnação de seus
proventos.
k. Urbanismo e mobilidade: temas de mobilidade urbana, circulação de pessoas e
discussão de projetos regionais.
Destaca-se que este trabalho não tem como objevo analisar a eciência do Poder
Execuvo na proposição legislava, logo não será observada a apreciação e aprovação pelo
Congresso Nacional daquilo que lhe foi submedo pelo governo Bolsonaro no ano de 2019.
Ainda nesse sendo, o objevo não foi traçar uma críca per se às proposições
legislavas da gestão 2019/2022. Conforme pontuado por David Landau (2013), a críca
que se traça a esses governantes é sua tentava de minar a ordem democráca por vias
instucionais, impedindo a alternavidade do poder bem como os mecanismos de controle
(p. 199).
Apenas a tulo de comparação, a quandade de MPs editadas no primeiro ano do
mandato da gestão 2019/2022 manteve-se dentro da média de edição de MPs dos governos
anteriores (Tabela 6).
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Tabela 6 – Medidas Provisórias apresentadas pelo Poder Execuvo no primeiro ano do mandato
(2003-2014)
MPS APRESENTADAS NO PRIMEIRO ANO DO MANDATO QUANTIDADE
Lula 1
Lula 2
Dilma 1
Dilma 2
MÉDIA:
58
70
36
43
51,75
Fonte: Elaborada pelo autores.
Nesse ínterim, a Medida Provisória merece destaque dentro do poder de agenda do
Execuvo brasileiro. Conforme pontuado por Moraes (2001, p. 50), a ulização de MPs por
parte do Execuvo tem a importante função de sujeitar o Legislavo à agenda presidencial.
O autor direciona para um caráter de atroamento do processo democráco em razão
dessa conjugação da delegação de pautas legislavas do Execuvo para o Poder Legislavo
(MORAES, 2001, p. 51).
Do mesmo modo, Pereira e Mueller (2000) ressaltam que há dois aspectos do processo
de tomadas de decisão no Congresso brasileiro que evidenciam como preponderância
do Execuvo, sendo o primeiro, “(...) o poder de legislar garando ao presidente pela
Constuição; e, segundo, a centralização do poder decisório nas mãos dos líderes dos pardos
no Congresso” (p. 46).
Ainda sobre o tema, as Medidas Provisórias no Brasil sofreram uma importante
alteração em 2001, quando Da promulgação da Emenda Constucional nº 32, que proibiu que
esse ato normavo versasse sobre questões referentes a direitos polícos, cidadania, direito
penal e processual, bem como organização do Poder Judiciário e Ministério Público. Barboza
e Robl Filho (2018) destacam que isso indicou uma importante limitação à atuação do Poder
Execuvo no que diz respeito à separação de poderes e direitos individuais (p. 91). A parr
dessa constatação, a pesquisa voltou-se para uma interpretação das Medidas Provisórias
apresentadas quanto ao seu conteúdo, adotando a categorização conforme exposto nos itens
anteriores.
Assim, a presente pesquisa vericou que o primeiro ano da gestão do presidente
Bolsonaro comportou-se como as gestões anteriores quanto à quandade de MPs. Foram
apresentadas 46 MPs no ano legislavo de 2019, e, desse total, 12 versam sobre Gestão e
Administração Pública, representando, assim, o assunto com maior quandade de MPs
apresentadas.
Dessa forma, a gestão 2019/2022 age dentro do esperado no presidencialismo brasileiro,
em que as Medidas Provisórias possuem o condão de garanr a governabilidade ante a um
sistema pardário fragmentado (FIGUEIREDO; LIMONGI, 2001, p. 57).
Entendida a importância das MPs dentro do processo decisório brasileiro, é necessária
uma condução da pesquisa apresentada a parr da escolha de algumas Medidas Provisórias
que tenham o condão de conjugar a legalidade formal com a intenção de alteração das
estruturas democrácas. Conforme pontuado por Scheppele (2018), a primeira vista
esses projetos de lei parecem não ser problemácos do ponto de vista de sua legalidade
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constucional (p. 547). Eles buscam, entretanto, fragilizar a estrutura de contenção da Casa
de Máquinas.
Dentre as proposições de MP apresentadas, merece destaque, sob análise da óca
do autoritarismo legal e da erosão democráca, a MP 873, que altera a forma como se
a contribuição sindical. O texto da MP prevê que a contribuição sindical seria realizada
diretamente pelo empregado por meio de boleto bancário, mediante autorização prévia do
contribuinte.
Os sindicatos dentro do modelo brasileiro representam um importante mecanismo
de consolidação das instuições democrácas e da defesa dos direitos sociais (CAETANO,
2018, p. 15). Englobada no seio da liberdade de associação (argo 5º, XVII, CF), a liberdade
sindical consagra-se, por m, no argo 8º da Constuição. Nesse sendo, é preciso destacar
que a ingerência do Estado nos sindicatos representa uma caracterísca marcante de líderes
autoritários (p. 15).
Assim, a liberdade sindical funda-se para além de sua existência, mas no modo
como os sindicatos relacionam-se com a sociedade e com o próprio Estado (NASCIMENTO;
NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2015, p. 36). A alteração dos argos da Consolidação das Leis
Trabalhistas, na leitura realizada por este trabalho, sinaliza para uma tentava de enfraqueci-
mento dos sindicatos.
Os sindicatos brasileiros foram objeto de uma transformação quando da aprovação
da Reforma Trabalhista em 2017 durante o governo do presidente Michel Temer. A Reforma
alterou a contribuição compulsória dos trabalhadores aos sindicatos, exigindo, assim, a
autorização expressa para o desconto em folha (GALVÃO, 2019, p. 204).
Destarte, a MP 873 busca arrematar a estrutura sindical brasileira ao exigir que a
contribuição sindical ocorra por meio de boleto bancário a ser pago pelo próprio trabalhador.
Assim, conforme aponta Kim Lane Scheppele (2018), os novos autocratas não precisam
destruir seus oponentes ou mecanismos de controle externo para manterem seu poder ou
colocarem em práca suas polícas. O que fazem, por seu turno, é enfraquecer legalmente a
estrutura de oposição (SCHEPPELE, 2018, p. 577).
No mesmo sendo, o ataque a direitos trabalhistas se deu forma bastante concreta no
primeiro ano do governo Bolsonaro por meio da MP 870. A MP da Reforma Administrava
alterou profundamente a conguração das pastas do Poder Execuvo federal, inclusive
exnguindo o Ministério do Trabalho. A primeira MP de Bolsonaro trouxe para o Direito
Constucional a discussão acerca da legalidade da exnção da referida pasta em relação a
princípios constucionais e direitos fundamentais de proteção ao trabalhador em um evidente
retrocesso social.
De acordo com o Decreto 8.894/2016, entre as funções essenciais do Ministério
do Trabalho e Emprego estavam a defesa do trabalho digno, defesa do meio ambiente do
trabalho digno, scalização contra o trabalho análogo ao escravo e trabalho infanl, bem
como, polícas salariais de igualdade de gênero.
Scheppele (2018) destaca que transformações na estrutura burocráca da Administração
Pública podem ser ulizadas como instrumentos de erosão democráca. A autora ressalta que
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essas alterações da burocracia estatal são executadas com o objevo de varrer a disfunções
de um Estado supostamente ineciente (SCHEPPELE, 2018, p. 545).
Ana Paula de Barcellos (2011) salienta que os Direitos Fundamentais, garandos no
texto constucional, devem ser protegidos pela legislação infraconstucional (BARCELLOS,
2011, p. 85). Desse modo, quando há revogação por meio de medidas infraconstucionais de
princípios protevos garandores de direitos fundamentais posivados, caberia ao Judiciário
impedir esse retrocesso.
Nesse sendo, a leitura deste trabalho aponta para o retrocesso social trazido pela
exnção do Ministério do Trabalho da pasta de Ministérios do Poder Execuvo Federal. O
retrocesso assenta-se na conjugação da exnção do Ministério do Trabalho com o discurso
do presidente eleito acerca da necessidade de dar maiores prerrogavas a empresários e ao
patronato7.
Ainda dentro da seara de produção de MPs pelo presidente Bolsonaro, é importante
destacar a variedade de temas abordados. Outro tema que foi objeto de preocupação pelo
PRESIDENTE eleito foi a eleição de reitores de Universidades Públicas Federais, Instutos
Federais e do Colégio Dom Pedro II.
O processo, atualmente, é regido pela Lei Federal 5.540/68, argo 16, inciso I. Segundo
a lei, os reitores são nomeados pelo presidente da República entre os professores que gurem
em listas tríplices formuladas pela comunidade universitária.
Tradicionalmente, a escolha dos reitores se por meio de consulta à comunidade
universitária, quando são apresentados três candidatos. O mais votado é escolhido pelo
presidente como forma de respeito à decisão da comunidade acadêmica. Este modelo
encontra assento na autonomia universitária assegurada no argo 201 da Constuição
Federal.
Aqui o destaque se para a MP 914/2019, editada às vésperas do feriado de Natal.
Trata-se de MP que buscou alterar como se realiza o processo de escolha dos reitores de
Universidades Públicas Federais, Instutos Federais e do Colégio Dom Pedro II.
Conforme aponta Moa (2018), a democracia é um dos pilares da Universidade
enquanto centro de produção do saber, do progresso e da ciência (p. 89). No mesmo sendo,
pontua o autor, a autonomia universitária constuiu importante elemento de concrezação
dos valores de liberdade dispostos no argo da Constuição Federal, nomeadamente a
livre-manifestação do pensamento. Ocorre que a proposta apresentada pelo presidente por
intermédio de MP, tem o condão de formalizar a discricionariedade da escolha presidencial
entre qualquer um da lista tríplice.
Instuições de conhecimento são componentes fundamentais de democracias bem su-
cedidas. Um estudo recente aponta (ver Ginsburg & Huq (2018); Graber et al. (2018))
ataque à imprensa, instuições de ensino superior e contra organizações sociais, que ten-
dem a acompanhar ataques ao Poder Judiciário a órgãos de contenção, bem como elei-
ções livres em países com autoritarismo crescente (tradução livre) (VICKI, 2019).
7 hps://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/11/bolsonaro-estuda-m-do-ministerio-do-trabalho-atribuicoes-
migrariam-de-pastas.shtml
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Barboza, Buss e Strapasson (2020) indicam que a inconstucionalidade da MP se
assenta na interferência na autonomia das universidades. Autonomia que fora construída
pela Constuição Federal de 1988 como elemento de uma sociedade democráca. No mesmo
sendo, os autores destacam que em três oportunidades recentes tal autonomia se revelou
na leitura dos ministros do STF, de modo que liberdade de expressão, autonomia universitária
e independência administrava, são conceitos que se concatenam no cenário democráco do
ensino brasileiro.
Assim, conforme o exposto, o autoritarismo legal pode se mostrar de forma sul. Barboza
e Inomata (2019) destacam que o ataque a direitos consolidados é uma das caracteríscas
dos regimes híbridos ou iliberais (p. 423). Por exemplo, quando as propostas apresentadas
pelo Execuvo tendem a alterar a independência universitária, reduzem direitos sociais da
previdência e desestruturam mecanismos de controle externo, como os sindicatos, e há uma
conjugação de fatores que apontam para um mecanismo sul de autoritarismo legal e erosão
democráca.
Por m, embora não analisados dentro da perspecva da atuação legislava do
presidente Bolsonaro, merece destaque, ainda, a edição de decretos que exnguiram a
parcipação popular na esfera da Administração Pública. O decreto 9.759/2019 exnguiu
a parcipação popular em assembleias, fóruns, comissões, comitês e outras formas de
integração da sociedade civil à atuação do Poder Execuvo.
Os seguintes Conselhos foram exntos: Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI),
Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa
com Deciência (Conade) e Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção
dos Direitos de LGBT (CNCD/LGBT). Especialmente quanto aos úlmos, o ataque a direitos
de minorias é frontal e representa a posição adotada pelo presidente desde sua campanha
(TAMAKI; FUKS, 2020, p. 107).
O tema foi levado ao Supremo Tribunal Federal, que entendeu pela impossibilidade
de decreto editado pelo presidente exnguir Conselhos criados por meio de lei oriunda
do Congresso Nacional. A Ação Direta de Inconstucionalidade 6121 quesonou os argos
e do Decreto, e defendeu que a exnção de órgãos da administração pública federal
pelo presidente usurpava as competências constucionais. A controvérsia assentou sobre os
Conselhos criados por norma infralegal ou ato de outro conselho, o que se entendeu, pelo
voto do relator, que poderiam ser exntos.
A redução da parcipação popular, que representa o controle da sociedade e importante
instrumento de accountability, denota uma tentava de angir mecanismos democrácos e
republicanos. Conforme Scheppele (2018) destaca, a tentava de medidas iliberais por parte
de líderes autoritários é reduzir a quandade de pessoas que tomam decisões e concentrar
na mão de poucos as escolhas importantes da sociedade e da políca (p. 569).
A parr da análise anterior, é possível armar que o processo de deterioração
democráca brasileira tem se ulizado de medidas legais e infraconstucionais para fragilizar
os órgãos de contenção de poder.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para a compreensão da atuação presidencialista no cenário brasileiro, o trabalho
ulizou a bibliograa apresentada. A compreensão da atuação do Poder Execuvo, enquanto
invesdo de um grande poder de agenda legislava, destaca a especicidade do problema do
autoritarismo legal no cenário brasileiro.
Conforme exposto, a hipótese inicial era de que as proposições legislavas do Poder
Execuvo no ano de 2019 nham o condão de alterar a ordem democráca de forma explícita
e contundente. Da pesquisa realizada, vericou-se que o fenômeno do constucionalismo
abusivo, conforme apresentado por David Landau (2013), não se manifestou no primeiro ano
da gestão do presidente Bolsonaro, na medida em que não houve tentava de substuição da
constuição e nem de emendas que implicassem transformação do design constucional a
ponto de alterar o pacto de 1988.
A comparação quantava da atuação do Poder Execuvo na apresentação de propostas
legislavas indica que a gestão Bolsonaro atuou de forma similar às anteriores. O papel do
Execuvo na agenda do Legislavo é uma caracterísca do Presidencialismo brasileiro, consi-
derando-se que não há um grande destaque quantavo entre as gestões pestas e a gestão
Bolsonaro.
É importante destacar, todavia, que a bibliograa aponta para a existência de alguns
atores autoritários que não iniciaram suas intenções anliberais logo no início do mandato,
tendo ulizado anos no poder para almejar seus objevos; é o caso emblemáco de Rússia e
Turquia (SCHEPPELE, 2018, p. 555).
Por outro lado, não se pode olvidar que o fenômeno do majoritarismo implicou um
ataque importante ao conceito de democracia substanva da Constuição de 1988. As
propostas de alteração do regime de contribuição sindical e a forma como os reitores são
eleitos e escolhidos, são um sinal dessa tentava de minar forças opositoras.
Conforme pontuado por Barboza e Robl Filho, o cenário brasileiro não parece ser palco
do fenômeno do constucionalismo abusivo, mas, sim, de uma erosão democráca ainda
mais sul e perigosa (BARBOZA; ROBL FILHO, 2019, p. 94). Por isso, a preocupação deste
trabalho pautou-se em deslindar se o fenômeno do autoritarismo legal atuou frontalmente
ante princípios democrácos constucionais de cunho liberal, conforme conceituação trazida
anteriormente.
Ocorre que a diculdade na conceitualização das propostas apresentadas pelo Poder
Execuvo parece coincidir exatamente com a ambiguidade dos mecanismos de erosão
democráca (LANDAU, 2013, p. 193). Os mecanismos de mudança constucional, conforme
pontuados por Landau (2013), todavia, não foram o meio de atuação legislava principal do
presidente.
Assim, a pesquisa pôde concluir que o primeiro ano da gestão Bolsonaro foi marcado
pelo uso dos mecanismos legais conferidos ao Execuvo para uma agenda de alteração das
normas estabilizadoras da unidade democráca adquirida em 1988, sem, todavia, um ataque
frontal ao design constucional de 1988. Conforme trazido por Barboza e Robl Filho (2018),
no contexto brasileiro o constucionalismo abusivo parece não encontrar solo para uma
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alteração drásca da hermenêuca constucional, tendo em vista as caracteríscas nacionais
(p. 94).
A alteração de direitos garandos pela Constuinte de 1988, especialmente pela
Reforma da Previdência, indica uma mudança clara do ethos constucional vigente até
então. Destaca-se que, apesar de o dissenso políco ser normal e esperado dentro da
democracia, a conjugação de uma alteração tão profunda no sistema previdenciário, em um
país profundamente desigual como o Brasil, representa um grande risco aos direitos sociais e
aos objevos da República.
A MP da alteração do regime de contribuição sindical também foi revesda de uma
tentava de enfraquecimento do cenário sindical nacional. Os sindicatos representam
um importante mecanismo de contenção das polícas de austeridade e podem ser
compreendidos como um ponto de accountability externa ao poder políco. No mesmo
sendo, a MP da escolha de reitores tem o condão de alterar mecanismos democrácos
internos às universidades, de modo que o emparelhamento das instuições de ensino
compreenda um cenário de retorno ao período da Ditadura Militar (1964-1985), em que a
autonomia universitária fora dizimada.
No mesmo sendo, a exnção do Ministério do Trabalho, via MP da Reforma
Administrava, representa uma grande desestruturação da defesa do trabalho prevista no
texto constucional. O retrocesso social revela-se na medida em que atuações importantes,
como scalização ao trabalho análogo ao escravo e equiparação salarial, são diluídas entre as
demais pastas.
O ponto a ser destacado reside no retrocesso do projeto democráco que esses líderes
autoritários tendem a trazer para democracias em um processo tardio de estabilização, como
é o caso da democracia brasileira. Conforme deslindado no trabalho, o ataque à democracia,
nos moldes liberais, é feito internamente por aqueles que foram legimamente eleitos. O
ponto a ser enfazado diz respeito à diculdade de compreensão do fenômeno do constu-
cionalismo abusivo ou do legalismo autocráco em comparação ao conceito tradicional de
autoritarismo.
Conforme destaca David Landau, alguns mecanismos de contenção a um atentado
andemocráco funcionam bem quando colocados ante invesdas claras (LANDAU, 2013,
p. 193). Quando, todavia, postos perante um ambiente políco ambíguo de propostas
aparentemente constucionais e legais, tendem a ser inefevos no combate a essas invesdas.
A democracia, sem limites claros impostos pela ordem constucional e por mecanismos
de contenção oriundos da sociedade civil, como a accountability, indica uma tendência à
erosão da tradição liberal democráca. Scheppele (2018), por sua vez, destaca que o perigo
de uma tendência ao majoritarismo, em que os direitos de minorias não são respeitados e a
vontade da “maioria” impera, degrada o constucionalismo e o liberalismo democráco (p.
570).
Logo, é normal, dentro de um processo democráco majoritário, que o candidato eleito
não corresponda aos anseios de todos os cidadãos, mas o que não pode ocorrer dentro de
uma democracia constucional de viés políco liberal é a supressão de direitos das minorias
vencidas e perpetuação no poder em nome de uma maioria eventual.
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Assim, a intolerância crescente no espaço público brasileiro leva a deturpações da
democracia, causando o fenômeno do majoritarismo, quando a inexibilidade com as minorias
polícas enseja uma democracia dos vencedores. Dessa feita, a implicação entre liberdades e
direitos fundamentais constucionalmente garandos diante de poderes eleitos em nome da
maioria, indicam a necessidade de respeito por parte dos eleitos a essas limitações constu-
cionais (BARCELLOS, 2011, p. 84).
REFERÊNCIAS
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– Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, p. 5-34, 1988. Disponível em: hps://edisciplinas.usp.br/
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ALMEIDA, Péricles Ferreira de. O poder execuvo e a avidade legislava: uma breve comparação entre os
modelos francês e brasileiro. In: Revista de Direito Constucional e Internacional, São Paulo, n. 120, p. 131-161,
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Direitos Humanos e Democracia
Editora Unijuí • ISSN 2317-5389 • Ano 10 • nº 20 • Jul./Dez. 2022
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Unijuí
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CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO E EROSÃO DEMOCRÁTICA:
UMA ANÁLISE DAS PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS
DO PRESIDENTE BOLSONARO NO PRIMEIRO ANO DE SEU MANDATO
Lincoln Renato Vieira Zanardine – Estefânia Maria de Queiroz Barboza
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What are the most emphasized themes in the Brazilian legislative agenda? This article explores the thematic emphases based on the classification of legislative proposals in the Brazilian Chamber of Deputies between 1995 and 2014. The aim is to present a specific and comprehensive classification to identify emphases differences and describe which are the most prioritized themes, by whom and how they vary over time. I present a classification on legislative agenda topics carried out using unsupervised machine learning. The salience measure is constructed based on the number of initiatives proposed by each actor on a given theme over time. The research contributes to the debate by offering a measure of salience for the main political actors over time, which can be applied in a range of assessments, from the Executive-Legislative relationship to National Congress clashes of interests.
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The article analyzes the articulation between evangelicals and conservatism in the Brazilian crisis. My hypothesis is that a significant part of this religious segment composes, in different ways and intensities, the broader social process that has been termed in the national and international public debate as a conservative wave, whose most recent deployment was the election, in 2018, of a president with extreme-right rhetoric: Jair Bolsonaro.
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O dilema institucional brasileiro define-se pela necessidade de se encontrar um ordenamento institucional suficientemente eficiente para agregar e processar as pressões derivadas desse quadro heterogêneo, adquirindo, assim, bases mais sólidas para sua legitimidade, que o capacite a intervir de forma mais eficaz na redução das disparidades e na integração da ordem social. O objetivo deste artigo é analisar alguns componentes desse dilema, especificamente no que diz respeito ao arranjo constitucional que regula o exercício da autoridade política e define as regras para resolução de conflitos oriundos da diversidade das bases sociais de sustentação política do governo e dos diferentes processos de representação. Esse contexto torna impossível ao presidente formar maioria parlamentar apenas com seu partido ou governar em minoria. O governo só é viável se for apoiado em uma coalizão multipartidária que controle a maioria das cadeiras nas duas Casas do Congresso Nacional. O conflito entre o Executivo e o Legislativo tem sido elemento historicamente crítico para a estabilidade democrática no Brasil, em grande medida por causa dos efeitos da fragmentação na composição das forças políticas representadas no Congresso e da agenda inflacionada de problemas e demandas imposta ao Executivo. Este é um dos nexos fundamentais do regime político e um dos eixos essenciais da estabilidade institucional.
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O artigo descreve o estatuto dos poderes Executivo e Legislativo na Constituição do Brasil de 1988 e, considerando o processo político no País, analisa a dinâmica dos dois poderes.
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O presente artigo analisa o papel da Jurisdição Constitucional brasileira a partir das teorias da Democracia Procedimental e do Constitucionalismo. Primeiramente estuda-se a maneira como os teóricos da Democracia Procedimental tratam a possibilidade de atuação da Jurisdição Constitucional na proteção e definição dos direitos fundamentais para a garantia do processo democrático. Em um segundo momento enfoca-se o Constitucionalismo como teoria que prioriza a proteção dos direitos fundamentais, mesmo que isto implique limitação do processo democrático. Por fim demonstra-se que a Constituição brasileira de 1988 adotou uma concepção de democracia substantiva, o que leva à possibilidade da Jurisdição Constitucional limitar os Poderes Executivo e Legislativo visando a proteção dos direitos fundamentais.
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Using Singapore as an extended case study, this Article examines the idea of authoritarian constitutionalism, which it identifies as a system of government that combines reasonably free and fair elections with a moderate degree of repressive control of expression and limits on personal freedom. After describing other versions of non-liberal constitutionalism, including "mere" rule-of-law constitutionalism, the Article offers an extended analysis and critique of accounts of constitutionalism and courts in authoritarian countries. Such accounts are largely strategic and instrumental, and, I argue, cannot fully explain the role of constitutions even in those countries. Rather, I argue, where constitutionalism exists in authoritarian systems, it does so because the rules have a modest normative commitment to constitutionalism. The Article concludes by describing the characteristics of authoritarian constitutionalism and offering a modest defense of its normative appeal in nations with specific social and political problems, such as a high degree of persistent ethnic conflict.
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The Journal of Democracy published its inaugural issue a bit past the midpoint of what Samuel P. Huntington labeled the “third wave” of democratization, right after the fall of the Berlin Wall and just before the breakup of the former Soviet Union. The transitions in Southern Europe and most of those in Latin America had already happened, and Eastern Europe was moving at dizzying speed away from communism, while the democratic transitions in sub-Saharan Africa and the former USSR were just getting underway. Overall, there has been remarkable worldwide progress in democratization over a period of almost 45 years, raising the number of electoral democracies from about 35 in 1970 to well over 110 in 2014. But as Larry Diamond has pointed out, there has been a democratic recession since 2006, with a decline in aggregate Freedom House scores every year since then. The year 2014 has not been good for democracy, with two big authoritarian powers, Russia and China, on the move at either end of Eurasia. The “Arab Spring” of 2011, which raised expectations that the Arab exception to the third wave might end, has degenerated into renewed dictatorship in the case of Egypt, and into anarchy in Libya, Yemen, and also Syria, which along with Iraq has seen the emergence of a new radical Islamist movement, the Islamic State in Iraq and Syria (ISIS). It is hard to know whether we are experiencing a momentary setback in a general movement toward greater democracy around the world, similar to a stock-market correction, or whether the events of this year signal a broader shift in world politics and the rise of serious alternatives to democracy. In either case, it is hard not to feel that the performance of democracies around the world has been deficient in recent years. This begins with the most developed and successful democracies, those of the United States and the European Union, which experienced massive economic crises in the late 2000s and seem to be mired in a period of slow growth and stagnating incomes. But a number of newer democracies, from Brazil to Turkey to India, have also been disappointing in their performance in many respects, and subject to their own protest movements. Spontaneous democratic movements against authoritarian regimes continue to arise out of civil society, from Ukraine and Georgia to Tunisia and Egypt to Hong Kong. But few of these movements have been successful in leading to the establishment of stable, well-functioning democracies. It is worth asking why the performance of democracy around the world has been so disappointing. In my view, a single important factor lies at the core of many democratic setbacks over the past generation. It has to do with a failure of institutionalization—the fact that state capacity in many new and existing democracies has not kept pace with popular demands for democratic accountability. It is much harder to move from a patrimonial or neopatrimonial state to a modern, impersonal one than it is to move from an authoritarian regime to one that holds regular, free, and fair elections. It is the failure to establish modern, well-governed states that has been the Achilles heel of recent democratic transitions. Modern liberal democracies combine three basic institutions: the state, rule of law, and democratic accountability. The first of these, the state, is a legitimate monopoly of coercive power that exercises its authority over a defined territory. States concentrate and employ power to keep the peace, defend communities from external enemies, enforce laws, and provide basic public goods. The rule of law is a set of rules, reflecting community values, that are binding not just on citizens, but also on the elites who wield coercive power. If law does not constrain the powerful, it amounts to commands of the executive and constitutes merely rule by law. Finally, democratic accountability seeks to ensure that government acts in the interests of the whole community, rather than simply in the self-interest of the rulers. It is usually achieved through procedures such as free and fair multiparty elections, though procedural accountability is not always coincident with substantive accountability. A liberal democracy balances these potentially contradictory institutions. The state generates...
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Divulgação dos SUMÁRIOS das obras recentemente incorporadas ao acervo da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva do STJ. Em respeito à lei de Direitos Autorais, não disponibilizamos a obra na íntegra. STJ00074380