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XVIII Congresso Rio de Transportes
O DIREITO DOS IDOSOS NO TRANSPORTE PÚBLICO: UMA QUESTÃO DE DIREITOS
HUMANOS E DO DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL À MOBILIDADE URBANA
João Alencar Oliveira Júnior*
Advogado e Doutor em Engenharia de Transportes
Analista de Infraestrutura – MECON/MINFRA
Resumo: O direito dos idosos à gratuidade no transporte urbano público de passageiros ganha
relevante dimensão numa época de retrocesso e negação dos direitos sociais. Objetiva-se
discutir o direito constitucional ao transporte e à mobilidade urbana, mediante revisão
bibliográfica, pesquisa documental e de textos normativos. Assim como, o caso específico do
município e a Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, que restringiu recentemente o direito
dos idosos entre 60 a 64 anos. As discussões importam à defesa dos direitos sociais dos idosos,
por meio do reconhecimento aos direitos humanos dos idosos na Convenção Interamericana.
Palavras-chave: Direito constitucional. Idosos. Direito ao transporte. Direito à mobilidade
urbana. Gratuidade
Abstract: The right of the elderly to free public urban passenger transport gains a relevant
dimension in an era of retrogression and denial of social rights. The objective is to discuss the
constitutional right to transport and urban mobility, through literature review, documental
research and normative texts. As well as the specific case of the city and the Metropolitan Region
of São Paulo – RMSP, which recently restricted the rights of the elderly between 60 and 64 years
old. The discussions focus on defending the social rights of the elderly, through the recognition
of the human rights of the elderly in the Inter-American Convention.
Keywords: Constitutional Law. Elderly. Right to Transport. Right to urban mobility. Free of
charge.
01. Introdução
Vivemos numa era de negação de direitos, retrocessos nos direitos sociais e vulneração
de políticas públicas beneficiando à sociedade. O PL nº 5383/2019, visa elevar a idade do idoso
de 60 para 65 anos, altera a legislação, posterga e nega direitos. O seu autor, Dep. João Campos,
diz que “não existe mais justificativa para dizer que uma pessoa com 60 anos é idosa. A cada dia
que passa vemos mais pessoas atingindo essa idade com qualidade de vida, em plena atividade
laboral, intelectual e até física”. Considerou-se a população rural e das periferias urbanas,
desassistidas pelo Estado? Negou-se direitos ao aumentar para 65 anos a idade mínima à
aposentadoria! Numa articulação entre o Município e o Estado de São Paulo revogaram
normativos que davam o direito à gratuidade no transporte público municipal e metropolitano
aos idosos entre 60 e 64 anos. Os gestores eram do Partido da Social Democracia Brasileira –
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PSDB, de orientação socialdemocrata, cuja decisão afrontou o estatuto partidário, ao negar
direitos individuais e coletivos, dificultando aos idosos fruir direitos e atender às necessidades
pessoais na cidade e Região Metropolitana de São Paulo – RMSP. Discute-se o direito dos idosos
à gratuidade no transporte público, articulando-o com os Princípios da Dignidade da Pessoa
Humana, da Proibição de Retrocesso dos Direitos Sociais, do Mínimo Existencial e Vital e; da
Reserva do Possível como elementos que se contrapõem e complementam o reconhecimento
do direito dos idosos. O caso de São Paulo é o primeiro, mas pode vir a ser seguido por outros
entes federativos, no viés de retrocesso de direitos de pessoas vulneráveis, como os idosos.
02. A pessoa idosa na Constituição Federal de 1988 (CF/1988)
A CF/1988 não define a idade mínima do idoso, mas este tem especificidades para fins
previdenciários com idades mínimas de 55, 60 e 65 anos de idade para aposentadoria. Porém, a
discussão versa sobre os deveres do Estado, da sociedade e da família em relação ao idoso, o
direito à gratuidade no transporte público, ao transporte e à mobilidade urbana.
2.1 O direito de proteção e assistência da pessoa idosa
O art. 203, I, V, da CF/1988 atribui ao Estado, o dever de proteção da assistência social
à velhice (pessoa idosa), independentemente de contribuição à seguridade social, por meio da
garantia mensal de um salário mínimo ao idoso desprovido de meios para própria manutenção
ou tê-la da sua família. Por existir pessoas acima de 60 anos em condição de indigência, torna-
se perverso aumentar a idade do idoso para 65 anos, uma iniquidade! Moraes (2013, p. 1986)
argumenta que “a assistência social, nos termos constitucionais, será prestada a quem dela
necessitar, independentemente de contribuição, pois não apresenta natureza de seguro social
[...]”. Moraes (2013, p. 1986) reforça a importância ao afirmar que “a finalidade da assistência
social, portanto, é a redução, e se possível, apesar de aparente utopia, eliminação da pobreza e
da marginalização social [...]”. O doutrinador diz que visa atender aos “[...] objetivos da
República Federativa previstos no art. 3º, Incisos I (‘construir uma sociedade livre, justa e
solidária’) e III (‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais’)”. O dever de solidariedade recíproca da família é expresso no art. 229, da CF/1988,
ao tipificar que “[...] os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade”. A assistência aos idosos não se restringe à família, mas abrange toda
à sociedade e ao Estado, por meio do “[...] dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua
participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito
à vida” (art. 230, caput, da CF/1988). A gratuidade no transporte público dialoga com a prestação
material aos idosos como obrigação do Estado, da sociedade e da própria família! Justificando
assim, a gratuidade dos idosos no transporte público de forma solidária, insculpida na
Constituição, quanto ao transporte coletivo urbano àquelas pessoas com idade ≥ a 65 anos (art.
230, § 2º, da CF/1988). Vide a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF (STF, 2021):
Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 39 da Lei 10.741, de 1º de
outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), que assegura gratuidade dos
transportes públicos urbanos e semiurbanos aos que têm mais de 65
(sessenta e cinco) anos. Direito constitucional. Norma constitucional
de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Norma legal que repete a
norma constitucional garantidora do direito. Improcedência da ação.
O art. 39 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) apenas repete o que
dispõe o § 2º do art. 230 da Constituição do Brasil. A norma
constitucional é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, pelo que
não há eiva de invalidade jurídica na norma legal que repete os seus
termos e determina que se concretize o quanto constitucionalmente
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disposto. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente
(ADI 3.768, rel. min. Cármen Lúcia, j. 19-9-2007, P, DJ de 26-10-2007 e
AI 707.810 AgR, rel. min. Rosa Weber, j. 22-5-2012, 1ª T, DJE de 6-6-
2012).
Para ampliar este direito à faixa etária entre 60 a 65 anos, o STF deixa claro que a
iniciativa seria do Poder Executivo e não do Poder Legislativo, vide jurisprudência abaixo.
Lei 4.166/2005 do Município de Cascavel/PR. (...) Não obstante o
nobre escopo da referida norma de estender aos idosos entre 60 e 65
anos, independentemente do horário, a gratuidade nos transportes
coletivos urbanos esteja prevista no art. 230, § 2o, da CF, o diploma em
referência, originado de projeto de iniciativa do Poder Legislativo,
acaba por incidir em matéria sujeita a reserva de administração, por
ser atinente aos contratos administrativos celebrados com as
concessionárias. Coletivo urbano municipal (art. 30, V, da CF) (ARE
929.591 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 6-10-2017, 2a T, DJE de 27-10-
2017).
03. O transporte urbano público de passageiros
O município deve prestar o transporte público de passageiros, pois o art. 30, V, da
CF/1988 estabelece que a ele incumbe “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte
coletivo, que tem caráter essencial”. No transporte metropolitano intermunicipal adstrito ao
Estado-membro, a competência se dá por exclusão e aplicação do Princípio da Predominância
do Interesse, que neste caso seria regional, porquanto não seria local (municipal) e nem da
União, cuja competência se dá no transporte interestadual e internacional de passageiros (art.
21, XII, d, e, da CF/1988). A competência estadual não é tipificada na Constituição Federal, mas
não lhe são vedadas (art. 25, §§ 1º a 3º, da CF/1988), pelo que se deduz da exegese
constitucional. A competência costuma figurar na Constituição Estadual, a exemplo, do Estado
do Ceará (art. 14, XVIII e art. 303, da CE/1989).
3.1 O direito à mobilidade urbana eficiente
A Emenda Constitucional – EC nº 82/2014 positivou na Constituição, a mobilidade
urbana como um direito do cidadão ao assim tipifica-lo como “direito à mobilidade urbana
eficiente” (art. 144, § 10, I, da CF/1988). No voto condutor da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental 449 (ADPF 449/2019), o Relator Ministro Luiz Fux argumentou que “a
repressão legislativa às iniciativas modernas de ordenamento espontâneo do transporte nega
‘ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente’, contrariando o mandamento contido no
art. 144, § 10, I, da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional nº 82/2014” (STF, 2019,
p. 54)
O Acórdão da ADPF 449/2019 (STF, 2019, p. 6) chega à conclusão que seria:
[...] inequívoco que a necessidade de aperfeiçoar o uso das vias
públicas não autoriza a criação de um oligopólio prejudicial a
consumidores e potenciais prestadores de serviço no setor,
notadamente quando há alternativas conhecidas para o atingimento
da mesma finalidade e à vista de evidências empíricas sobre os
benefícios gerados à fluidez do trânsito por aplicativos de transporte,
tornando patente que a norma proibitiva nega “ao cidadão o direito à
mobilidade urbana eficiente”, em contrariedade ao mandamento
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contido no art. 144, § 10, I, da Constituição, incluído pela Emenda
Constitucional nº 82/2014 (Acórdão da ADPF 449/2019).
O fundamento no art. 144, § 10, I, da CF/1988 (EC nº 82/2014) reconheceu a mobilidade
urbana com um direito do cidadão. Permitindo interpretá-lo como um direito social
fundamental, porquanto não atinge apenas subjetiva e individualmente uma pessoa, mas toda
uma coletividade. Não obstante, discorde da conclusão, de que os aplicativos de transportes
centrados numa mobilidade urbana por automóvel seja benéfica à coletividade e ao
planejamento da mobilidade urbana priorizando o transporte público, sobretudo, por não haver
racionalidade técnica, social e nem ambiental em estruturar o deslocamento de pessoas numa
cidade, por automóveis em detrimento dos modos públicos e de maior capacidade!
3.2 O direito social ao transporte
A EC nº 90/2015 reconheceu o “transporte” como direito social (art. 6º, da CF/1988),
conferindo-lhe o atributo de norma programática de igual patamar dos demais direitos sociais:
“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados”. A sua autora, Deputada Luiza Erundina, diz que “o transporte
destaca-se na sociedade moderna pela relação com a mobilidade das pessoas, a oferta e o
acesso aos bens e serviços”. Na justificação descobre-se que apesar do termo “transporte”
(gênero), a intenção era atender ao transporte público, espécie do gênero “mobilidade urbana”,
argumentou:
“o transporte, notadamente o público, cumpre função social vital, uma
vez que o maior ou menor acesso aos meios de transporte pode
tornar-se determinante à própria emancipação social e o bem-estar
daqueles segmentos que não possuem meios próprios de locomoção”.
O direito social fundamental à mobilidade urbana foi defendida em Oliveira Júnior
(2010, 2011 e 2014), como norma programática, mas assegurando-lhe a proteção do Princípio
da Irretroatividade dos Direitos Sociais, impedindo que o direito à mobilidade urbana fosse
vulnerado por outra Emenda Constitucional a retirando da CF/1988 ou revogar leis instituidoras
da política pública visando suprimir o direito. A defesa foi ampliada no âmbito latino-americano
com a “Declaração de Lima: Livro Branco da Mobilidade Urbana Sustentável da América Latina”,
em evento e edição da Associação Latino Americana de Sistemas Integrados e BRT (SIBRT, 2014).
O Ministro Edson Fachin (STF, 2019, p. 107) no seu voto na ADPF 449/2019 categorizou
o “transporte” do art. 6º, da CF/1988, com a prerrogativa de direito social fundamental. O
Estado do Ceará o reconheceu no âmbito da política urbana, pois a sua execução é condicionada
ao direito de todo cidadão ao transporte público (art. 289, da CE/1989).
O art. 5º, §§ 1º e 2º, da CF/1988 ao assegurar que “as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata”, bem como, “os direitos e garantias expressos
nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Considerando-se tais dispositivos, tanto o direito ao transporte, em especial, o transporte
público, quanto o direito à mobilidade urbana seriam direitos sociais fundamentais de aplicação
imediata, mas podem ser considerados como normas programáticas, cuja eficácia dependeria
de ações concretas de políticas públicas dependentes do erário ou da delegação de serviços.
Silva (2003, p. 138) sobre a importância da eficácia e aplicabilidade de normas
programáticas argumenta que a CF/1988 “[...] está repleta de normas de intenção, como se
jurídicas e imperativas não fossem”. Traduz-se a contrário senso, que tem eficácia imediata
conforme o art. 5º, § 1º, da CF/1988. Silva (2003, p. 139) explicita que aquelas normas “[...]
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traduzem os elementos socioideológicos da constituição, onde se acham os direitos sociais,
tomada, aqui a expressão direitos sociais num sentido abrangente também dos econômicos e
culturais”. Argumenta, ainda, “[...] que indicam os fins e objetivos do Estado, o que importa
definir o sentido geral da ordem jurídica”. Extrai-se do argumento de Silva (2003, p. 139), que
apesar de localizadas naquelas de “eficácia limitada”, o autor defende que são dotadas de
caráter imperativo e vinculativo. Todavia, quanto à concretude dos seus efeitos, em muitos
casos, carece da formulação de políticas públicas definidoras de competências na estrutura
tripartite dos entes federativos, embora existam marcos regulatórios infraconstitucionais (Leis
nº 10.257/2001, nº 12.587/2012, etc.), que dão competências e atribuições aos respectivos
entes na formulação e implementação de políticas públicas e da prestação dos serviços.
No mesmo sentido, Moraes (2013, p. 455) ao tratar dos direitos constitucionais
reconhece a natureza de direito fundamental relativa aos direitos sociais e diz que:
As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais são
direitos constitucionais à medida que se inserem no texto de uma
Constituição cuja eficácia e aplicabilidade dependem em muito de seu
próprio enunciado, uma vez que a Constituição faz depender de
legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de
direitos sociais, enquadrados entre os fundamentais.
Moraes (2013, p. 455) afirma que “em regra, as normas que consubstanciam os direitos
fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata”. No tocante
ao art. 5º, § 2º, da CF/1988, Moraes (2013, p. 455 e 456), assevera que:
Os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem
outros de caráter constitucional decorrentes do regime e princípios
por ela adotados, desde que expressamente previstos no texto
constitucional, mesmo que difusamente, ou seja, fora do rol do art. 5º,
que é meramente exemplificativo.
Importante a assertiva de Moraes (2013, p. 456) quanto à natureza de cláusula pétrea
das normas instituidoras de direito ou garantia individual, perfazendo assim, o conceito do
Princípio da Proibição do Retrocesso Social, assim colocada:
Importante ressaltar que as normas constitucionais cuja natureza
jurídica configure-se como direito ou garantia individual, mesmo não
estando descritas no rol do art. 5º da Carta Magna, são imodificáveis,
pois serão inadmissíveis emendas tendentes a suprimi-las, total ou
parcialmente, por tratar-se de cláusulas pétreas (CF, 60, §§ 4º, IV).
Tais assertivas evidenciam que outros direitos sociais e fundamentais dispostos em lugar
diverso do art. 5º, da CF/1988, gozam de mesmo status constitucional, tais como os dispositivos
analisados – o direito ao transporte (art. 6º, da CF/1988) e o direito à mobilidade urbana
eficiente (art. 144, § 10, I, da CF/1988).
04. O direito dos idosos na Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos
dos Idosos
A Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos
(aprovada em 15/06/2015), da Organização dos Estados Americanos – OEA, cujo objetivo “[...]
é promover, proteger e assegurar o reconhecimento e o pleno gozo e exercício, em condições
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de igualdade, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais do idoso, a fim de
contribuir para sua plena inclusão, integração e participação na sociedade” (art. 1º, da
Convenção), tem o Brasil como primeiro signatário, embora o PDL nº 863/2017 tramite em
regime de urgência, ainda, não foi aprovado. O PDL nº 863/2017 está sem tramitação desde
28/11/2018, com pareceres aprovados na Câmara dos Deputados e pronto para ir a Plenário. O
Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH aprovou a Recomendação nº 22, de
18/12/2020, endereçada à Câmara dos Deputados, solicitando a aprovação do PDL nº 863/2017,
para internalizar a Convenção no Brasil e ampliar a proteção da população idosa, dada à inversão
da pirâmide etária e da atual ameaça gerada pelo COVID-19 (CNDH, 2020).
Moraes (2013, p. 458) sobre internalização de Acordos, Tratados ou Atos Internacionais
afirma que “a EC nº 45/94 concedeu ao Congresso Nacional, somente na hipótese de tratados e
convenções internacionais que versem sobre Direitos Humanos, a possibilidade de incorporação
com status ordinário ou com status constitucional (CF, § 3º, art. 5º)”. Na leitura do parecer
favorável da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados,
no PDL nº 863-B/2017 não se verificou a recomendação quanto ao status de emenda
constitucional e ao rito de votação e aprovação definido no art. 5º, § 3º, da CF/1988. No entanto,
na Exposição de Motivos Interministerial (EMI nº 00248/2017/MRE/MF/MDH, de 09/10/2017),
da mensagem presidencial (Mensagem nº 412/2017) que enviou o texto da Convenção ao
Congresso Nacional, recomendou-se a sua recepção com status constitucional.
Apesar de inexistirem os decretos legislativo e executivo da internalização da Convenção
no país, assim como, da sua aprovação pelo rito de emenda constitucional, comenta-se os
dispositivos da Convenção sobre o direito dos idosos em relação ao direito do transporte e à
mobilidade urbana eficiente, como rogativa aos decisores de que sejam sensíveis ao tema e não
apenas reconheçam a natureza de direitos humanos ao direito dos idosos, mas também que,
implementem medidas efetivando-os.
4.1. O direito do idoso ao transporte e à mobilidade urbana na Convenção
Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos
A Convenção no art. 26 tratou em conjunto o direito à acessibilidade e à mobilidade
pessoal, porquanto assegurar às condições de acessibilidade é uma condição indispensável ao
alcance do direito à mobilidade urbana, enquanto terminologia mais apropriada. O
reconhecimento do direito à acessibilidade amplia o direito à mobilidade, pois não se trata só
da gratuidade no transporte público, mas abrange o transporte não motorizado (a pé, por
bicicleta, por cadeira de rodas, etc.), implicando no provimento de ciclovias e ciclofaixas, de
calçadas pavimentadas, pisos antiderrapantes, guias rebaixadas nos cruzamentos, sinalizadas e
adaptadas às pessoas com deficiências e mobilidade reduzida, e uso de cadeiras de rodas e de
andadores para idosos.
Além da gratuidade no transporte público deveria discutir a facilidade e prioridade do
idoso no embarque/desembarque, os pisos (chassi) rebaixados nos ônibus ou com sistemas
reguladores da altura em relação ao passeio na parada. Nos veículos leves sobre trilhos (VLTs)
há a necessidade de readequação do sistema viário para as condições de acesso facilitadas aos
idosos. A adaptação da infraestrutura – sistema viário e mobiliário urbano – beneficia aos idosos,
mas também, às pessoas com redução da mobilidade urbana, temporária, limitante ou
definitiva.
O “art. 26. Direito à acessibilidade e à mobilidade pessoal” possui uma estrutura
normativa distinta daquela do Brasil, mas extrai-se os conteúdos aos quais se obrigam os Estados
Partes. Este positiva que “o idoso tem direito à acessibilidade ao entorno físico, social,
econômico e cultural e à sua mobilidade pessoal”. A “acessibilidade ao entorno físico” pode ser
compreendida como infraestrutura adaptada e requalificada, visando assegurar a remoção de
barreiras físicas, eliminação de obstáculos ao deslocamento seguro para diferentes grupos de
pessoas a pé ou com cadeiras de rodas. O idoso experimenta restrições (visuais; de equilíbrio;
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tônus muscular; e capacidade física) para deslocamento a pé, a ser considerado no desenho dos
projetos de passeios e calçadas, adaptados às necessidades dos idosos e daquelas pessoas com
deficiências. A dimensão da acessibilidade social, econômica e cultural nos remete ao conjunto
de direitos sociais aos quais o cidadão deveria desfrutar na vida, independentemente da idade!
Depreende-se que ao idoso deve ser assegurada às condições de acessibilidade e
mobilidade urbana permitindo àquele usufruir com autonomia os direitos sociais, neles inclusos
os econômicos e culturais (Silva, 2003, p. 138). A dimensão econômica no direito ao transporte
inclui a noção de acessibilidade numa dimensão mais ampla, porque pouco adianta ter uma
infraestrutura de transportes nas proximidades, se o cidadão não possuir renda para acessar os
serviços disponibilizados, impedindo àquele de usufruir da cidade e dos seus direitos sociais.
Pelo Princípio da Equidade, aos idosos deve ser garantida a gratuidade! Aspecto relevante no
art. 26, da Convenção se deve ao reconhecimento da independência do idoso para participar da
vida em comunidade, a ser assegurada pela acessibilidade e mobilidade urbana. A autonomia
dialoga com a definição de acessibilidade da lei de mobilidade urbana ao tipifica-la como:
“Acessibilidade: facilidade disponibilizada às pessoas que possibilite a todos autonomia nos
deslocamentos desejados, respeitando-se a legislação em vigor” (art. 4º, III, da Lei nº
12.587/2012).
A Convenção propugna aos Estados Partes, que progressivamente deve ser assegurado
“[...] o acesso do idoso, em igualdade de condições com as demais pessoas, ao entorno físico,
transporte, informação e comunicações [..]”. Inclui a questão relacionada aos “[...] sistemas e as
tecnologias da informação e das comunicações, e a outros serviços e instalações abertos ao
público ou de uso público, tanto em zonas urbanas como rurais [...]” (art. 26, da Convenção).
Para atingir aos objetivos seria dever do Estado Parte identificar e eliminar obstáculos e
barreiras de acesso, em especial: “a. Os edifícios, as vias públicas, o transporte e outras
instalações externas e internas, como centros educativos, residências, instalações médicas e
locais de trabalho” e “b. Os serviços de informação, comunicações e de outro tipo, inclusive os
serviços eletrônicos e de emergência” (art. 26, “a”, b”, da Convenção). O item “b” extrapola a
presente análise, embora se reconheça a relação com a dimensão da mobilidade urbana, em
especial, com o avanço da tecnologia da informação no setor de transporte urbano de
passageiros, em anos recentes. O marco regulatório das pessoas com deficiência e de
tratamento prioritário, com foco nas deficiências físicas, também, beneficia às pessoas idosas,
porquanto visa atender aos objetivos estipulados no item “a”. Tais objetivos da Convenção
podem ser observados nos diplomas legais pátrios: i) Lei nº 10.048/2000 e ii) Lei nº 10.098/2000,
reguladas pelo Decreto nº 5.296/2004. Tratam da prioridade de atendimento às pessoas com
deficiência e mobilidade reduzida, conceituam aspectos de acessibilidade e mobilidade urbana;
sobre mobiliário urbano; espaços públicos; prédios; transportes públicos; dentre outros
relativos aos idosos e pessoas com mobilidade reduzida. A Lei nº 12.587/2012 dialoga com
aqueles marcos e encontra-se alinhada à Convenção.
Quanto aos compromissos específicos do art. 26, da Convenção, como “normas mínimas
e diretrizes sobre acessibilidade das instalações e dos serviços abertos ao público ou de uso
público”, pode-se afirmar que já se encontram positivados no Brasil, enquanto políticas públicas.
Contudo, a dificuldade de adaptar e reconstruir espaços urbanos, construídos sem o cuidado
com as pessoas com deficiência e de mobilidade reduzida, inclusive, os idosos, é uma realidade
que dificulta o pleno atendimento da legislação. No tocante ao transporte público merecem
destaques dois dispositivos específicos no art. 26, da Convenção, que obrigam aos Estados
Partes: “f. Propiciar ao idoso o acesso a tarifas preferenciais ou gratuitas de serviços de
transporte público ou de uso público” e “g. Promover iniciativas, nos serviços de transporte
público ou de uso público, para que haja assentos reservados para o idoso, os quais deverão ser
identificados com a sinalização correspondente”. O item “f” trata da gratuidade do idoso no
transporte público, positivado no art. 230, § 2º, da CF/1988, concedendo a gratuidade àquelas
pessoas com idade ≥ 65 anos. Trata-se de direito social fundamental, cláusula pétrea que não
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pode ser suprimida por emenda constitucional, pois feriria o Princípio da Proibição do Retrocesso
Social. Igualmente, não pode ter reduzido o seu alcance ou restringi-lo por lei ordinária.
Tal previsão é positivada no Estatuto do Idoso: “Aos maiores de 65 (sessenta e cinco)
anos fica assegurada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semiurbanos,
exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços
regulares” (art. 39, caput, da Lei nº 10.741/2003). A redação apenas reproduz o direito
constitucional, evidenciando que a gratuidade abrange o transporte público de passageiros no
âmbito municipal e metropolitano. A extensão do benefício da gratuidade aos idosos com idade
entre 60 a 65 anos foi trazida pelo Estatuto do Idoso (art. 39, § 3º, da Lei nº 10.741/2003).
Quanto ao item “g” da reserva de assentos destinados às pessoas idosas no transporte
público de passageiros, ela está positivada no Estatuto do Idoso: “Nos veículos de transporte
coletivo de que trata este artigo, serão reservados 10% (dez por cento) dos assentos para os
idosos, devidamente identificados com a placa de reservado preferencialmente para idosos”
(art. 39, § 2º, da Lei nº 10.741/2003). O Estatuto prevê “a prioridade e a segurança do idoso nos
procedimentos de embarque e desembarque nos veículos do sistema de transporte coletivo”
(art. 42, da Lei nº 10.741/2003). Prevê, também, a gratuidade no transporte interestadual (art.
40, I, II, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003) e a reserva de vaga de estacionamentos de
veículos” (art. 41, da Lei nº 10.741/2003), aspectos não abrangidos nesta análise.
Destaca-se que parte dos dispositivos contidos na Convenção sobre os direitos humanos
dos idosos estão presentes na CF/1988 e legislação infraconstitucional. Contudo é relevante que
o Congresso Nacional a recepcione com status constitucional, pois assegura direitos humanos,
somando-se ao direito social fundamental do “transporte” e da “mobilidade urbana eficiente”.
05. O direito dos idosos no transporte público de passageiros em São Paulo
O Estatuto do Idoso faculta aos entes federativos a extensão do benefício da gratuidade
aos idosos com idade entre 60 a 65 anos, assim dispondo: “No caso das pessoas compreendidas
na faixa etária entre 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, ficará a critério da legislação
local dispor sobre as condições para exercício da gratuidade nos meios de transporte previstos
no caput deste artigo” (art. 39, § 3º, da Lei nº 10.741/2003).
5.1 O direito à gratuidade no transporte público no Município de São Paulo
Em São Paulo pode-se rastrear a gratuidade do idoso pela consulta à legislação
municipal. A Lei nº 11.381/1993 autorizava ao Poder Executivo conceder a gratuidade de tarifa
nas linhas urbanas de ônibus e trólebus no transporte público aos idosos (homens maiores de
65 anos) e às idosas (mulheres maiores de 60 anos). Quanto à idade de 65 anos não inovava em
relação à Constituição, que não tem diferenciação de gênero. A novidade era a gratuidade
concedida às mulheres. A Lei nº 11.381/1993, regulada pelo Decreto nº 34.321/1994, concedia
gratuidade nas linhas convencionais e complementares “bairro a bairro”. O custo seria coberto
por “dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário” (art. 4º, do Decreto nº
34.321/1994). Contudo, sem passar pela catraca ou dispositivo eletrônico, seria difícil o controle
da fruição da gratuidade. A Lei nº 15.912/2013 (revogou a Lei nº 11.381/1993) estendeu a
gratuidade aos idosos com idade igual ou superior a 60 anos, sem diferenciação de gênero,
mantendo as despesas da gratuidade cobertas por “dotações orçamentárias próprias,
suplementadas, se necessário” (art. 3º, da Lei nº 15.912/2013). Regulamentada pelo Decreto nº
54.925/2014, trazia detalhes quanto ao controle da gratuidade, pois utilizava um “Cartão
Especial do Idoso no equipamento leitor localizado no interior do veículo” (art. 1º, parágrafo
único, I, “a”, “b”, Decreto nº 54.925/2014). Na ausência do cartão deveria apresentar
documento de identidade à fiscalização, o que dificultava o controle da gratuidade do idoso.
A Lei nº 17.542/2020 (revogou a Lei nº 15.912/2013) pôs fim a gratuidade entre 60 e 64
anos de idade no município de São Paulo. O texto do projeto de lei enviado pelo Poder Executivo
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versava sobre a criação de subprefeituras na Administração Municipal, mas após, o substitutivo
do líder do Governo introduziu a revogação da Lei nº 15.912/2013 (art. 7º, IV, da Lei nº
17.542/2020). Tal inclusão, vulgarmente denominado “jabuti”, no PL nº 89/2020 não foi vetado
pelo Prefeito, na promulgação da lei. Após publicada, editou-se o Decreto nº 60.037/2020 com
as regras do Bilhete Único, mantendo a gratuidade para os idosos maiores de 65 anos. Àqueles
entre 60 a 65 anos ordenava a substituição do Bilhete Único Especial da Pessoa Idosa e àqueles
que completarem 65 anos até 01/02/2021, cancelando os demais.
5.2 O direito à gratuidade no transporte público metropolitano no Estado de São Paulo
No Estado de São Paulo tratou-se da evolução da gratuidade, apenas no transporte
metropolitano intermunicipal de passageiros. A Lei nº 15.187/2013 autorizava ao Poder
Executivo implementar a gratuidade com idade entre 60 e 65 anos no transporte público (art.
39, § 3º, da Lei nº 10.741/2003). A gratuidade beneficiava os passageiros dos transportes
operados pela Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ), Companhia Paulista de
Trens Metropolitanos (CPTM) e a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), o
transporte metroferroviário e rodoviário metropolitano estadual. Previa a regulamentação e
cadastro de um “bilhete especial” ou apresentação de identidade comprovando a idade para
fruir do benefício (art. 2º, da Lei nº 15.187/2013). Regulamentada pelo Decreto nº 60.595/2014,
definia que o benefício seria implementado pelo sistema do Cartão BOM ou do Bilhete Único,
permitindo a integração tarifária entre os sistemas de transportes públicos municipais e
metropolitanos, sendo o benefício controlado pelo Bilhete Único Especial e o Bilhete Sênior. A
lei e o decreto estaduais foram silentes quanto aos mecanismos de financiamento. Não estava
claro se o financiamento da gratuidade seria por subsídio ou compensação tarifária, conforme
estabelecido em normativo federal para delegação de serviços públicos, que prevê: “[...] novos
benefícios tarifários pelo poder concedente, fica condicionada à previsão, em lei, da origem dos
recursos ou da simultânea revisão da estrutura tarifária do concessionário ou permissionário,
de forma a preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato” (art. 35, da Lei nº
9.074/1995).
O Decreto nº 60.595/2014 foi revogado pelo Decreto nº 65.414/2020, que tinha o
objetivo de alterar o Decreto nº 64.065/2019, versando de assunto diverso à gratuidade dos
idosos no transporte público de passageiros. Todavia, o art. 3º, do Decreto nº 65.414/2020
revogou o Decreto nº 60.595/2014, pondo fim a gratuidade dos idosos nos transportes públicos
metropolitanos com idade entre 60 a 64 anos, posteriormente, alterou a vigência da revogação
para início a partir de 01/02/2021. Embora, a Lei nº 15.187/2013 não tenha sido revogada,
encontra-se sem efetividade pela ausência da regulamentação do benefício dos idosos. A
inclusão de temas estranhos ao objeto da lei contraria a Lei Complementar nº 95/1998, que
versa sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, porque “cada lei
tratará de um único objeto” (art. 7º, I, da LC nº 95/1998) e “a lei não conterá matéria estranha
a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão” (art. 7º, II, da LC nº
95/1998). Conforme observado na esfera municipal e estadual, as alterações perpetradas
confrontam a Lei Complementar nº 95/1998, constituindo-se em vício formal.
6.0 O direito à gratuidade no transporte público e os Princípios Constitucionais
A retórica de retrocesso dos direitos sociais pode ser comprovada pelo discurso político
dos gestores públicos, utilizando argumentos estranhos à discussão do direito dos idosos nos
transportes públicos, ao introduzir a questão previdenciária como fundamento para restringir
direitos, conforme se observa em Pelegi (2021), no site do Diário do Transporte, ao reproduzir
trecho da nota conjunta da prefeitura e do governo de São Paulo, revelando o raciocínio
enviesado dos argumentos, relacionando o direito do idoso a regras de aposentadoria
compulsória no serviço público de 75 anos e a lei de preferência de tratamento no atendimento
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aos idosos com mais de 80 anos, além da iniquidade do aumento da idade de 60 para 65 anos
para aposentadoria. O raciocínio é perverso, porquanto o tratamento preferencial aos maiores
de 80 anos se dá em razão da vulnerabilidade daqueles nesta idade na preferência da prestação
de serviços públicos e privados, mas não anula aqueles direitos existentes com idade superior a
60 anos. As iniciativas de retrocesso de direitos sociais fundamentais em São Paulo não atingem
o direito constitucional da gratuidade no transporte público, pois possui proteção constitucional
do Princípio da Proibição do Retrocesso Social de que gozam as cláusulas pétreas.
Os dados da Pesquisa O-D/2017 (PMSP, 2020) demonstram a relevância do direito à
gratuidade dos idosos no transporte público ao possibilitar o acesso aos seus direitos sociais
(trabalho, saúde, lazer) preservando a autonomia e dignidade dos idosos, pois se constitui num
dos fundamentos da República e do Estado Democrático de Direito, ao assegurar o direito à
cidadania, à dignidade da pessoa humana, e o valor social do trabalho (art. 1º, II, III e IV, da
CF/1988), em certa medida é viabilizado pelos artigos 6º e 230, § 2º, da CF/1988, bem como,
pela possibilidade de extensão dos direitos pelo Estatuto do Idoso. Moraes (2013, p. 61)
conceitua cidadania como “um status do ser humano”, que ao mesmo tempo é um “objeto e
direito fundamental das pessoas”. Ao discorrer sobre a dignidade da pessoa humana, Moraes
(2013, p. 62) assim argumenta: a “[...] dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla
concepção [...], pois “[...] prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio
Estado, seja em relação aos demais indivíduos”. Assim como, “[...] estabelece verdadeiro dever
fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes”.
O direito do idoso à gratuidade no transporte público materializa o direito ao transporte,
que viabiliza os demais direitos sociais e as necessidades dos idosos, tornando-os possíveis e
acessíveis pela gratuidade, encontrado por Pereira et al. (2015) ao identificarem a reversão da
queda no índice de mobilidade da população entre 60 a 64 anos e entre 65 a 69 anos de idade
e, também, ao atendimento dos motivos de viagens revelados pela Pesquisa O-D/2017 (PMSP,
2020). A dimensão de obrigatoriedade do Estado em relação aos idosos não apenas estaria
assegurado aos maiores de 65 anos (art. 230, § 2º, da CF/1988), mas pela interpretação conjunta
dos direitos sociais fundamentais do art. 6º, da CF/1988 (direito ao transporte) e do art. 144, §
10, I, da CF/1988 (direito à mobilidade urbana eficiente) ao advogar a extensão do direito à
gratuidade facultado pelo Estatuto do Idoso, pois uma vez concedido pelo Estado não poderia
ser posteriormente retirado, aplicando-se ao mesmo, o Princípio da Proibição do Retrocesso
Social em face do contraponto do Princípio da Reserva do Possível, pois a gratuidade no
transporte público comporia a cesta de direitos sociais e integraria o Princípio do Mínimo
Existencial e Vital, porquanto asseguraria a efetividade do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, bem como, o conceito de tratamento igualitário oponível ao Estado, considerando a
justiça material pelo Princípio da Equidade, ao tratar os desiguais de forma desigual,
principalmente, idosos pertencentes aos usuários do transporte público, em regra, de menor
renda e dependentes do transporte público de passageiros em todas as modalidades públicas
de transportes urbanos.
Em Bazani e Moreira (2021) é possível identificar a aplicação e adesão ao argumento do
Princípio da Reserva do Possível, quando o Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco,
Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acatou o recurso da Prefeitura de São Paulo
e reverteu decisão liminar anterior, proibindo a revogação do direito dos idosos entre 60 a 64,
alegando-se o custo da gratuidade, sem considerar os benefícios aos idosos. A reprodução da
decisão judicial na matéria jornalística não deixa claro se existe ou não capacidade orçamentária
do Município de São Paulo em arcar com o custo anual para arguir a incidência do Princípio da
Reserva do Possível em face da manutenção do direito dos idosos entre 60 a 64 anos, como
mínimo existencial viabilizador da fruição dos direitos sociais e necessidades dos idosos.
07. Considerações Finais
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O tema não se esgota, mas a limitação de espaço impossibilita maiores questionamentos
e argumentos quanto ao direito do idoso. Todavia, não se pode olvidar que a Política Nacional
de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012) possui dispositivos pendentes de aplicação e
regulamentação pelo Poder Público, que poderiam ser fontes de custeio não apenas à
gratuidade dos idosos no transporte público, que não dependesse unicamente do erário ou do
conceito de passageiro-equivalente, mas também, para o financiamento ao direito à mobilidade
urbana, que extrapola à questão da tarifa e da prestação do transporte públicos de passageiros.
Os vereadores de São Paulo se deram conta da repercussão negativa da revogação do
direito dos idosos com idade igual ou maior de 60 anos de idade, pois segundo Pelegi (2021a),
atualmente tramitam na Câmara Municipal de São Paulo, Projetos de Lei nº 01-00011/2021 e
nº 01-00048/2021 visando restabelecer o direito suprimido, tendo por fonte de custeio
dotações orçamentárias. Todavia, o STF diz que a iniciativa de lei não é do Legislativo. Implica
afirmar, que a discussão do tema é urgente não apenas em São Paulo, mas também, importa a
discussão ampliada sobre o financiamento do transporte público e da mobilidade urbana, sem
implicar na perda de direitos, a exemplo dos direitos sociais e fundamentais do transporte e da
mobilidade urbana. Numa época de negação de direitos, acredita-se que os gestores públicos e
os parlamentares nos três níveis de Governo deveriam ser mais criativos para assegurá-los e não
para negá-los ou restringi-los! Deseja-se que este artigo contribua com tais discussões nesta
quadra histórica, na qual o pêndulo se encontra tensionado à direita, porquanto é mister que os
direitos sociais e fundamentais da sociedade não sejam minados e destruídos por visões
neoliberais, como se uma mão invisível tivesse a sensibilidade necessária para segurar na mão
das pessoas caídas, erguer e proteger o ser humano, garantindo-lhe os direitos ao transporte –
inclusive a gratuidade dos idosos acima dos 60 anos de idade – e à mobilidade urbana, pela
aplicação dos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana; da Proibição de Retrocesso dos
Direitos Sociais; do Mínimo Existencial e Vital; e do Princípio da Equidade, assegurados pela
Constituição Federal de 1988.
Devido a limitação de espaço e devido à importância do conteúdo abordado, manteve-
se as referências mais relevantes e aquelas legais foram disponibilizados o link raiz onde podem
ser encontradas as normas citadas ao invés dos links individuais.
Referências
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(*) E-mail: adv.jalencarjr@yahoo.com e joao.alencar@infraestrutura.gov.br