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Solidariedade ambiental: entre mudanças climáticas e desigualdade

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Abstract

O texto analisa a Constituição Federal de 1988 traduzida em norma e em fato no que concerne à solidariedade ambiental frente às mudanças climáticas que provocam a desigualdade. Desta forma, defende-se sua função dentro do âmbito jurídico e social da solidariedade em face da desigualdade social provocada por este fenômeno ambiental. Pressupõe-se que a solidariedade ambiental é um instrumento relevante a ser observado e aplicado na contenção das desigualdades provocadas pelas mudanças climáticas, que promovem a pobreza, a degradação ambiental e a não realização dos direitos fundamentais/humanos. Utiliza-se o método dedutivo em pesquisa bibliográfica-documental.
Araucaria. Revista Iberoamericana de Filosofía, Política, Humanidades y Relaciones Internacionales, año 25, nº 51.
Tercer cuatrimestre de 2022. Pp. 373-393. ISSN 1575-6823 e-ISSN 2340-2199 https://dx.doi.org/10.12795/araucaria.2022.i51.16
Solidariedade ambiental: entre mudanças
climáticas e desigualdade
Environment solidarity: among climate
change and inequality
Guilherme Massaú1
Universidade Federal de Pelotas (Brasil)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5955-4292
Márcia Rodrigues Bertoldi2
Universidade Federal de Pelotas (Brasil)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3161-0445
Recibido: 30-04-2022
Aceptado: 25-05-2022
Resumo
O texto analisa a Constituição Federal de 1988 traduzida em norma e em
fato no que concerne à solidariedade ambiental frente às mudanças climáticas que
provocam a desigualdade. Desta forma, defende-se sua função dentro do âmbito
jurídico e social da solidariedade em face da desigualdade social provocada
1 (uassam@gmail.com). Professor dos Programas de Pós-Graduação em Direito e em Ciência
Política e da Faculdade de Direito da UFPel. Pós Doutor (PUCRS). Doutor (UNISINOS). Entre as
publicações, destacam-se: “The role of the fundamental objectives of Brazilian Federal Constitution:
the dialectics system-problem” (Rechtstheorie); “A função dos princípios fundamentais do artigo
4.° da Constituição Federal de 1988” (Boletim da Faculdade de Direito Coimbra); “Princípio da
solidariedade como critério de aplicação do princípio de proibição de retrocesso social em relação
aos direitos sociais” (Scientia Iuris). As publicações podem ser acessadas no Currículo Lattes: http://
lattes.cnpq.br/8341523169751885.
2 (marciabertoldi@yahoo.com). Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito e da
Faculdade de Direito da UFPel. Doutora em Direito pela Universitat de Girona. Pesquisadora
Posdoutoral Maria Zambrano, Universitat de Barcelona. Entre as publicações, destacam-se: “Direitos
da natureza e acesso à justiça: a ampliação dos atores legitimados em ações coletivas para uma justiça
socioambiental” (Revista Direito em Debate); “A solidariedade intergeracional ambiental e o processo
estrutural como instrumentos para a contenção do estado de coisas inconstitucional ambiental (Revista
Catalana de Dret Ambiental); e “Estudo das condutas de aplicação do desenvolvimento sustentável
por comunidades quilombolas de Piratini” (Revista Veredas do Direito). As publicações podem ser
acessadas no Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2979973414270206.
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por este fenômeno ambiental. Pressupõe-se que a solidariedade ambiental é um
instrumento relevante a ser observado e aplicado na contenção das desigualdades
provocadas pelas mudanças climáticas, que promovem a pobreza, a degradação
ambiental e a não realização dos direitos fundamentais/humanos. Utiliza-se o
método dedutivo em pesquisa bibliográca-documental.
Palavras-chave: ambiente, constituição, desigualdade social,
solidariedade, mudanças climáticas.
Abstract
The text analyzes the 1988 Federal Constitution translated into law and
into fact regarding environmental solidarity in the face of climate change that
causes inequality. Thus, it defends its function within the legal and social
scope of solidarity in the face of social inequality caused by this environmental
phenomenon. It is assumed that environmental solidarity is a relevant
instrument to be observed and applied in the containment of inequality caused
by climate change, which promotes poverty, environmental degradation, and
the non-realization of fundamental/human rights. The deductive method is used
in bibliographic and documentary research.
Keywords: environment, constitution, social inequality, solidarity, climate
change.
1. Introdução
No ano de 2022 completam-se 200 anos da independência do Brasil de
Portugal. Há problemas a corrigir que reverberam do passado, mas horizontes
abertos pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB). A
CRFB é lha de seu tempo, pois reconhece os problemas a serem enfrentados pelo
Estado na sociedade brasileira como, por exemplo, a desigualdade, a proteção e
a defesa do ambiente por meio da solidariedade. Embora a desigualdade social
e o ambiente equilibrado possam parecer objetos de análises distantes um do
outro, entrecruzam em vários momentos, principalmente quando dos eventos
climáticos de alto impacto e consequente degradação do ambiente.
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Os eventos adversos3 das mudanças climáticas4, principal risco global
na atualidade, atingem severamente pessoas situadas em zonas de risco ao
ponto de causar mortes, perda de moradia, insegurança alimentar, ademais de
prejuízos econômicos de difícil e longa recuperação, o que afeta sobremaneira
o incremento da pobreza e o exercício dos direitos fundamentais/humanos.
A degradação do ambiente pode, ainda, causar doenças aos submetidos às
intemperes do problema, bem como obrigá-los a migrar para locais favoráveis
ao desenvolvimento com sadia qualidade de vida. Com efeito, as dramáticas
consequências dos fenômenos climáticos resultam ainda mais agudas para
as pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade, entre eles as mulheres,
os povos indígenas, as crianças, os jovens, as pessoas com deciência, as
comunidades ribeirinhas e os grupos com baixos salários. Em suma, os pobres
são os mais afetados por estes fenômenos, sobretudo porque têm um acesso
mais limitado aos recursos ambientais e habitam áreas de risco, ou seja,
impróprias ao assentamento humano.
Decerto, a desigualdade e as mudanças climáticas são os principais
problemas que denem a época atual, para o que a solidariedade é um
instrumento determinante na distribuição de recursos para a sobrevivência,
mas também na responsabilidade que cada um tem de proteger e defender
um ambiente saudável de um mesmo espaço vital ocupado por inúmeras
individualidades, o Planeta Terra.
A dinâmica da solidariedade foi positivada na Constituição como
princípio. Isto se deve ao fato de a solidariedade ser inerente ao convívio
humano em coletividade e fomentar a redução de desigualdade em ações
conjuntas. Se manifesta de forma geral no objetivo fundamental do inciso I do
Art. 3° da CRFB e, de forma especíca, em outros dispositivos constitucionais,
e.g. no Art. 225 da CRFB que traz a solidariedade como uma possibilidade
de contenção abstrata dos efeitos adversos ao meio ambiente provocados pela
emergência climática5, a qual incrementa as desigualdades entre as pessoas.
Desta forma, a solidariedade perpassa, por expressa previsão constitucional,
contornos referentes à solidariedade intergeracional em matéria ambiental.
3 Tempestades tropicais, inundações, tsunamis, tornados, ondas de calor, seca, nevasca, entre
outros.
4 Mudança do clima signica uma mudança de clima que possa ser direta ou indiretamente
atribuída à atividade humana que altere a composição da atmosfera mundial e que se some àquela
provocada pela variabilidade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis (artigo
1º, I da Convenção sobre Mudança Climática de 1992). Além da referida Convenção, dois outros
instrumentos jurídicos internacionais fazem frente ao combate do fenômeno das mudanças climáticas:
o Protocolo de Kyoto de 1997 e o Acordo de Paris de 2015.
5 Uma situação em que ação urgente é necessária para reduzir ou interromper as mudanças
climáticas e evitar danos ambientais potencialmente irreversíveis. O Parlamento Europeu, utiliza-se
da designação emergência climática ao considerar, dentre outros fatores, que a situação exige a adoção
de medidas imediatas e ambiciosas para limitar o aquecimento global a 1,5°C, a m de evitar uma
perda maciça de biodiversidade (Parlamento Europeu 2019).
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Por sua vez, estudar a Constituição no que concerne à solidariedade
ambiental frente à emergência climática – em um Brasil circunscrito em
transformações contraproducentes da sua Política Ambiental estabelecidas
durantes as últimas décadas – implica reconhecer, bem como aderir a estratégias
de mitigação e adaptação6, a inuência deste fenômeno nas desigualdades
sociais, para fazer frente ao objetivo fundamental do inciso III do Art. 3° da
CRFB. Destarte, a análise abrange a solidariedade ambiental em sua redução
das desigualdades das presentes e futuras gerações provocadas pelas mudanças
climáticas.
O propósito deste estudo é sustentar a observância e aplicação do princípio
solidariedade em seu aspecto ambiental frente às mudanças climáticas, como
uma contenção do acirramento das desigualdades sociais e consequente
pobreza. Utiliza-se o método dedutivo em pesquisa bibliográca-documental.
Parte-se do pressuposto de que a solidariedade e a erradicação da desigualdade
são princípios constitucionais que devem ser observados e aplicados na
contenção dos efeitos adversos das mudanças climáticas, em dedução ao fato
de que a solidariedade ambiental é um possível instrumento para a realização
da igualdade, dos direitos fundamentais/humanos e da proteção e defesa do
meio ambiente.
2. A Constituição Brasileira de 1988
A Constituição é compreendida neste trabalho como um texto jurídico
geral e abstrato de hierarquia superior e que, por isto, fundamenta e legitima
todo o ordenamento jurídico. Também, a Constituição reete em seu texto
o embate entre as correntes políticas e espelha a cultura e os anseios sociais
predominantes na arena política da constituinte e do atual contexto, a partir das
suas alterações, da sua efetividade e da sua inefetividade. Contudo, ela espelha
a sociedade como forma de dependência mútua objetivando a subsistência
(Arendt 2003: 56) interpessoal.
2.1. Poder constituinte: a escolha
O texto constitucional é expressão do poder soberano do povo (Art. 1º,
parágrafo único da CRFB) que marca um modelo de Estado democrático
constitucional, paradigma vigente no pensamento político desde o século XVIII
fundado no iluminismo cultural do mundo burguês. Trata-se de alternativa ao
6 Mitigação refere-se à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) para evitar ou reduzir
a incidência da mudança do clima e adaptação é a redução dos efeitos danosos e busca por possíveis
oportunidades.
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poder absoluto do monarca que se consolidou ao longo dos séculos. Destarte,
o poder soberano legitima o Poder Constituinte para estabelecer a Constituição
a m de ser o fundamento de todo o ordenamento jurídico (Castaño 2007: 67).
Nota-se a passagem da política (Constituinte) para o direito (Constituição).
Desta feita, há que se reconhecer a inuência de outras dimensões da cultura
(sentido amplo) humana no direito (especicamente na Constituição).
O Poder Constituinte transita entre a política e o direito, na medida em
que o representa e é legitimado pelo soberano. Estabelece as competências de
cada órgão do Estado e os direitos e os deveres dos cidadãos que o formam. Há
circularidade na medida em que inicia no político e estabelece o jurídico e que
restringe o político. Isto só pode ser efetuado por quem tem a competência, ou
seja, o Poder para constituir.
Por conseguinte, o texto constitucional é o resultado da escolha da maioria
em um determinado contexto e momento histórico. Porém, o texto constitucional
é projetado para o futuro, é o que indica os objetivos fundamentais (Art. 3°
da CRFB)7, denominados de cláusula de transformação (Bercovici 2005: 36).
São normas que estabeleceram políticas de Estado que privilegiam o aspecto
social em face do individual. Entre outras funções, têm como nalidade corrigir
problemas históricos que são legítimos reexos da colonização portuguesa.
Mesmo com a independência, há exatos 200 anos, o tempo não foi suciente
para ajustar as distorções sociais existentes e persistentes no Brasil. No entanto,
atualmente, tem-se cada vez mais o necessário conhecimento sobre as causas
da desigualdade e de como se deve agir para reduzi-las, incluídas as mudanças
climáticas
A opção do Poder Constituinte em estabelecer tais objetivos foi estabelecer
diretrizes normativas para transformar o estado de coisas existentes no Brasil.
O fato de o Art. 3°, I, da CRFB estabelecer o objetivo de se construir uma
sociedade livre, justa e solidária contém o anseio da sociedade brasileira
em alterar seu destino de desigualdades, violências, subdesenvolvimento,
desequilíbrio ambiental, dentre outros problemas8 de ordem socioeconômica e
socioambiental, tal como o expresso no inciso III do mesmo artigo, erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Nessa perspectiva, ambos os incisos do Art. 3° têm habilidade para serem
determinantes hermenêuticos motivadores da proteção e defesa do ambiente no
espaço da solidariedade ambiental estruturada no artigo 225 da CRFB.
7 Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e
a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação – Grifos
nossos.
8 Vide: Massaú, 2016: G. Massaú, O princípio republicano constituinte do mundo-da-vida do
Estado constitucional cosmopolita (Unijuí, 2016).
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2.2. O modo de incidência do Art. 3° da CRFB
O Art. 3° da CRFB possui caráter programático ao impor ao Estado o
dever de remover obstáculos e promover ações condizentes aos objetivos
fundamentais que institui. As normas contidas neste artigo não geram pretensão
jurídica por si só, é preciso incidência concomitante de normas mais especícas
relativas ao caso concreto, como por exemplo o Art. 225 da CRFB sobre o
direito a um meio ambiente equilibrado.
Porém, pode-se classicá-las como normas de alta densidade normativa
pelo fato de que independe de ulterior regulamentação do legislador ordinário
para produzirem efeitos. Ao contrário, o legislador infraconstitucional não deve
regulamentá-las sob pena de restringir as possibilidades de interpretação dos
textos legais em face do caso concreto, reduzindo o campo de ação da política
(Massaú 2021: 117-119).
No caso do princípio da solidariedade, proporciona ao intérprete/aplicador
do direito critérios valorativos para estabelecer a decisão diante o caso concreto.
Trata-se de um princípio que necessita de determinação do conteúdo a partir
do contexto histórico-constitucional axiológico para estabelecer o conteúdo
pragmático da situação jurídico-subjetiva (Apostoli 2012: 120) – no caso em
estudo a preservação ambiental no relativo à intergeracionalidade face ao
fenômeno das mudanças climáticas.
A vagueza da norma, embora se possa delimitar sentidos do que é ou não
solidariedade, abre diversas possibilidades de compreensão. Nessa amplitude de
signicados, o intérprete/aplicador do direito pode empregar a discricionariedade
para formar a decisão. No entanto, deve-se levar em consideração dois tipos de
série ilimitada de signicados: 1) aqueles que entre diversos potenciais signicados
advém, de forma concreta, na expressão linguística do texto constitucional, em
conformidade com o contexto no qual há o ato de proferir o signicado; 2) o das
expressões isoladas de um paradigma abstrato aplicável a uma série ilimitada de
casos possíveis (Luzzati 1990: 42-43).
Destaca-se que as normas contidas no Art. 3° da CRFB, e.g. o princípio
da solidariedade e da redução das desigualdades sociais, possuem função
interpretativa na medida em que orientam e complementam o resultado da
interpretação sistemática realizada para responder à demanda do caso concreto.
Por serem normas constitucionais encontram-se hierarquicamente em um nível
superior e possuem força normativa constitucional, por conseguinte, não devem
ser ignoradas nem contrariadas.
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3. A desigualdade e a solidariedade
Com o advento da modernidade, o princípio da igualdade passou a nortear
os valores ocidentais. Contudo, os fatos reverberam a estrutura de desigualdades
sociais e põem em evidência a solidariedade como forma de amenizá-las.
Contemporaneamente, a solidariedade assumiu posição estratégica no direito
internacional (e.g., Art. 29, I da Declaração Universal de Direitos Humanos
de 1949), comunitário (e.g., Art. 32, I da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos de 1969) e nacional (e.g. Art. 3°, I, e Art. 225 da CRFB).
Por sua vez, a redução das desigualdades e a defesa do ambiente
assumiram papel imperativo na Agenda 2030 (Nações Unidas, 2015), conjunto
de metas para por m à pobreza, proteger o ambiente e garantir dignidade
para as presentes e futuras gerações. Ao m e ao cabo, o primeiro Objetivo de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) é a erradicação da pobreza, o décimo a
redução das desigualdades e o décimo terceiro o combate à mudança global do
clima.
3.1. Desigualdade
Os fatores que causam a desigualdade social são diversos, por isto, não
cabe citá-los de forma exaustiva (como se fosse possível fazê-lo) e analisá-los.
Destaca-se que existem vários fatores que ocasionam a desigualdade, no tempo
e no espaço, mas o estudo se pauta na desigualdade que os impactos ambientais
causados pelas mudanças climáticas podem ocasionar e incrementar o hiato
entre as classes sociais (Beck 2008: 17-20, 32 e 36). Tais desigualdades são
decorrentes da interferência humana na dinâmica do ambiente natural. Neste
sentido, deve se levar em consideração que as desigualdades sociais também
tendem a ser intergeracionais, na medida em que as gerações futuras oriundas
da hipossuciência têm maiores diculdades de mudar seu nível social.
O mundo globalizado contemporâneo tem como característica as distintas
medidas de desigualdade entre o espaço internacional e o nacional. As condições
de desigualdade em nível internacional são diferentes da dos espaços nacionais
(Gava 2021: 54-55), porém há em comum o fato de os ricos enriquecem e
os pobres empobrecem. Por conseguinte, aumenta a distância entre estas duas
classes sociais (Beck 2008: 11-15, 39-42). Nessa perspectiva, há de assinalar
que o meio ambiente é indivisível, um corpo único, que há uma estreita
inter-relação entre os Estados nacionais em suas ações e responsabilidades,
e que a degradação ambiental atinge com maior impacto os Estados em
desenvolvimento que os desenvolvidos.
A desigualdade, persistente e aguda, acarreta uma série de problemas tais
como o enfraquecimento da democracia, a penúria do direito, a debilidade
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das oportunidades e a estagnação social, a dominação do mercado e a
fragilização das relações de conança e coesão social (Gava 2021: 25). Os
efeitos deletérios atingem as pessoas, grupos e população (Beck 2008: 27) nas
suas vulnerabilidades, acarretando diculdades como acesso a bens básicos, a
direitos, à participação política, à mudança de status social, dentre outros. Estas
diculdades são potencializadas pelas mudanças climáticas, na medida em que
atinge com maior intensidade os vulneráveis sociais (pobres) incrementando a
pobreza.
As consequências sociais provocadas pelas alterações no ambiente
acentuam a desigualdade entre aqueles que possuem e os que não possuem
recursos para enfrentar os eventos adversos. Aos possuidores, não traz maiores
diculdades para se reorganizarem, ao contrário dos hipossucientes, que
necessitam de maior esforço socioeconômico, tendo em conta que já suportavam
diculdades ou incapacidades de se desenvolver com o mínimo necessário para
a sobrevivência.
O último Relatório do Banco Mundial (2021:128) informa que a Pandemia
da COVID-19 intensicou as desigualdades: entre 720 milhões e 811 milhões
de pessoas de todo o mundo passaram fome, ou seja, 161 milhões de pessoas a
mais que em 2019. No Brasil, segundo recente pesquisa realizada pela Fundação
Getúlio Vargas, em 2019 a proporção de pobres era de 10, 97%, cerca de 23,1
milhões de pessoas. Em setembro de 2020, passou para 4,63% em função da
adoção do Auxílio Emergencial em tempos de COVID-19, correspondendo a
9,8 milhões de brasileiros. No primeiro trimestre de 2021, quando da retirada
do Auxílio e retomada do Bolsa Família, chegou a 16,1% da população, ou
seja, 34,3 milhões de pobres (Neri 2021:8).
Um dos fatores capitais na produção da desigualdade são os problemas
ambientais. Entre outros, a emergência climática afeta sobremaneira a redução
das desigualdades. O Informe do Banco Mundial, Shock Waves (Ondas de
choque), estima que para 2030 a emergência climática poderia empurrar
mais 100 milhões de pessoas à pobreza (Word Bank 2016). Este prognóstico
produz consequências no exercício dos direitos fundamentais/humanos, desde
a autodeterminação dos povos, à saúde, à alimentação, à água, à moradia, à
educação até à própria vida.
Ainda, o Informe de avance cuatrienal sobre el progresso y los desaos
regionales de la Agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible em América Latina
y el Caribe, destaca como riscos graves com relação à agricultura, a diminuição
na produção e na qualidade dos alimentos, o que acarretaria a alta dos preços;
quanto à água, a indisponibilidade em regiões semiáridas e dependentes do
derretimento de geleiras, além de inundações em áreas urbanas devido às
chuvas extremas; quanto à saúde, a propagação de enfermidades transmitidas
por vetores; e, com relação à pobreza, diminuição das receitas – principalmente
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agrícolas – da população vulnerável, com aumento das desigualdades sociais
(Cepal, 2019:185).
Enfrenta-se a desigualdade, entre outros aspectos, por meio da
solidariedade em seu viés de justiça distributiva9, em razão de se viver em
coletividade. Por conseguinte, é estratégico o princípio da solidariedade no Art.
3°, I, in ne, combinado com o inciso III e com o Art. 170, VII, da CRFB para
se erradicar e amenizar as diferenças entre os hipo e hipersuciente no contexto
das catástrofes ambientais climáticas, bem como promover o direito a um meio
ambiente equilibrado.
3.2. Solidariedade
A solidariedade encontra-se constitucionalizada no Art. 3°, I, in ne, da
CRFB. Trata-se de um dispositivo constitucional que estabelece objetivos a
serem perseguidos pelo Estado brasileiro, a m de transformá-lo. Destarte, a
solidariedade na CRFB é um princípio jurídico que deve vincular o Estado
e os indivíduos, incidindo nos casos concretos (Massaú, Bainy 2020: 367).
A incidência da solidariedade prevista neste artigo ocorrerá na interpretação
das regras e demais princípios condizentes ao caso concreto, pois se trata de
uma norma de alta densidade e de caráter hermenêutico. Assim sendo, dará
sentido ao que se refere às decisões judiciais e às ações dos Poderes Executivo
e Legislativo (Massaú, Bainy 2020: 367-368).
A opção do legislador constituinte em prever objetivos fundamentais,
especialmente o de tornar a sociedade mais solidária, indica que por de trás há a
necessidade de se estabelecer critérios de justiça distributiva, no sentido positivo
e negativo. No sentido positivo, a solidariedade exigirá ações que distribuem
benefícios proporcionais (em sentido amplo) às pessoas necessitadas. No
sentido negativo, a solidariedade evitará que se onerem as pessoas, além de suas
capacidades, para que possam satisfazer suas necessidades básicas. Assim, as
normas jurídicas, quando estabelecidas, interpretadas e concretizadas, devem
levar em consideração critérios de solidariedade entre as pessoas e/ou entidades
sociais, tendo como parâmetro medidas que reduzam desigualdades.
Há vários tipos de manifestação da solidariedade tais como, e.g., a
solidariedade familiar (pequena e grande), a da vizinhança (espacial: vizinho,
quarteirão, cidade, país ou pátria), a funcional (colega, ambiente de trabalho
e de estudo, companheiro de escola e de trabalho), a de raça e de etnia, a
de ideal (religioso, político, losóco, ideológico), de cultura, de interesse
(solidariedade de classe e de ofício) e, por m, a solidariedade geral entre os
seres humanos (Vallauri 1981: 432). Além disso, a solidariedade ambiental
9 John Rawls (2002) considera justa a sociedade em que todos os valores sociais, tais como,
liberdade, igualdade, dignidade, direitos, etc., são distribuídos de maneira equânime.
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para as presentes e futuras gerações, que se examinará no próximo capítulo.
A solidariedade pode apresentar classicações em relação à sua
fenomenologia e à época. Ao levar em consideração a classicação de Benjamin
Constant em relação à liberdade, têm-se a solidariedade dos antigos e a dos
modernos. A primeira tem caráter homogêneo e a segunda heterogêneo (Nabais
1999:149). Ao considerar critérios sócio-econômicos tem-se a solidariedade
mutualista que está calcada na criação de riqueza comum em matéria de bens,
de serviços e de infraestrutura essenciais ao desenvolvimento pessoal; e a
solidariedade altruísta baseada na atividade sem contrapartida, onde há apenas
um polo beneciado (Nabais 1999:150).
Conforme o poder institucional é possível visualizar dois tipos de
solidariedade, a vertical, que se volta para os direitos, e a horizontal, que
está ligada aos deveres (Apostoli 2012: 24). A vertical diz respeito ao apoio
aos membros da sociedade, principalmente na realização dos direitos sociais
ao encargo fundamentalmente do Estado. Ainda, se refere aos direitos
fundamentais de terceira geração ou dimensão, que incluem o direito a um meio
ambiente equilibrado. A solidariedade vertical encontra-se vinculada ao Estado
social, que deve prover o mínimo existencial aos cidadãos em função do grau
do desenvolvimento econômico e social assumido pelo Estado. Em essência,
ao Estado social é imprescindível garantir aos indivíduos o direito à saúde, à
educação, à segurança social (Nabais 1999:150-151), ao meio ambiente sadio,
dentre outros.
A solidariedade vertical é a responsabilidade do Estado, em termos
de exigência constitucional, de concretizar ou fazer que se concretizem
prestações sociais a m de amenizar as adversidades sociais. Neste caso, pode-
se mencionar, por exemplo, as normas dos artigos 194, 196, 201, 203, 205,
225, 226 e 227 da CRFB. Se refere ao que se iniciou com a legislação social
bismarkiana e consolidou-se nas constituições, ou seja, o estabelecimento de
direitos sociais como suporte material que o Estado deve prover aos indivíduos
(Nabais 1999:151-152).
A solidariedade horizontal refere-se à responsabilidade dos deveres
constitucionais e fundamentais que o Estado, como destinatário imediato,
necessita concretizar de forma legislativa. É o disposto nos seguintes
dispositivos da CRFB: Art. 1°, caput, Art. 5°, XVI, XVII, XVIII, Art. 8, Art.
18, Art. 142 c/c, Art. 143, Art. 197, Art. 205, Art. 229, dentre outros. Também,
e simultaneamente, refere-se à responsabilidade que cabe à sociedade civil,
compreendida no âmbito de relações entre os indivíduos, entre os grupos e
entre as classes sociais. Tais relações se desenvolvem para além da esfera de
poder do Estado, possuindo crescente relevo conforme se reduz a capacidade
do Estado social de realizar as necessidades de todos os cidadãos. Isso se dá
por duas dimensões: i) quando concretizada por meio da atuação espontânea de
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indivíduos e grupos sociais; ii) ou de forma organizada, por meio da solicitação
e empenho da sociedade civil, p.ex., o voluntariado social (Nabais 1999:152-
153).
A solidariedade constitui várias formas, diretas ou indiretas, de relações
humanas. É um valor, uma manifestação de assistência moral que promove o
ser humano em grupo ou individualmente, cujo objetivo primordial no plano
constitucional é a pretensão de realização da dignidade da pessoa humana por
meio do cumprimento dos direitos fundamentais/humanos.
4. A solidariedade ambiental
A CRFB é um relevante instrumento de proteção e defesa do meio ambiente
no Estado brasileiro e destaca tal proteção em capítulo especíco dentro do
Título da Ordem Social. O artigo 225 reconhece o direito fundamental a um
meio ambiente equilibrado, essencial à qualidade de vida e pertencente às
presentes e futuras gerações em autêntico regime de solidariedade, equidade
e responsabilidade com a coisa comum. Também, impõe ao Poder Público e
à coletividade o dever de preservar e defender o meio ambiente, dever este
inserido no princípio de solidariedade/equidade intergeracional ambiental.
4.1. O direito fundamental ao meio ambiente equilibrado no Estado
brasileiro
O conceito de meio ambiente deve articular-se sobre os elementos que o
integram (solo, água, ar e biodiversidade, patrimônio cultural) e os elementos
que, sendo resultado das atividades humanas, são suscetíveis de operar
modicações nesse meio (agentes contaminantes ou degradantes). Nesse
sentido, a denição deve contemplar a interação entre os recursos ambientais
e as atividades humanas que possam causar sua deterioração. Assim, o meio
ambiente seria o conjunto de elementos indispensáveis para a sobrevivência
dos seres vivos suscetível de modicações pelas ações humanas e, por tanto,
merecedor de defesa e proteção jurídica.
A era jurídica-ecológica se inicia na década de 70, com a Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada
em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, que completa meio século
neste ano. Os instrumentos adotados nesta Conferência não têm natureza
convencional, isto é, não possuem força jurídica vinculante; a Declaração
de Estocolmo de 1972 e o Plano de Ação para o Meio Ambiente, encerram
um caráter meramente declaratório e de recomendação. No entanto, esta
Declaração é o alicerce da posterior e acentuada atividade legislativa
384 Guilherme Massaú y Márcia Rodrigues Bertoldi
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internacional e nacional de proteção do meio ambiente, sobretudo no campo
constitucional.
É de destacar-se que o direito humano a um meio ambiente equilibrado
ainda não está acolhido de forma expressa em instrumentos jurídicos
internacionais vinculantes, o que não tem sido uma adversidade ao avanço da
dimensão jurídica ecológica dos direitos humanos, é dizer, “um ordenamento
jurídico que é compatível com os princípios da ecologia e faz honrá-los” e
que “requer o desenvolvimento de alguns princípios jurídicos de orientação
ecológica que possam começar a traduzir a visão de mundo ecológica em teoria
e práticas institucionais” (Capra, Mattei 2018: 41 e 253). Decerto, o direito
ao ambiente é um direito humano, posto que de interesse universal, elevando-
se à importância principiológica de preocupação comum da humanidade, ou
seja, uma responsabilidade comum de todos os Estados (e da coletividade) em
defende-lo e preservá-lo em benefício de todos os direitos planetários. Anal,
os danos ao ambiente afetam todo o Planeta, os seres humanos e seus direitos
humanos e a natureza e os direitos da natureza.
Tal lacuna na lei internacional vem sido completada por algumas
organizações internacionais. A Corte Interamericana de Direitos Humanos,
na Opinião Consultiva Nº 23 (CIDH 2017), reconhece a existência de
relação inegável entre a proteção do meio ambiente, os direitos humanos e
o desenvolvimento sustentável, para o que estabelece várias obrigações
ambientais aos Estados (CIDH 2017: 22-26). Igualmente, a Comissão de
Direitos Humanos da ONU, em recente Resolução (48/13, 2021), reconhece
o direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável como um direito
humano importante para o desfrute dos direitos humanos.
Por outro lado, os direitos constitucionais dos Estados no pós Conferência
de Estocolmo, em adesão aos seus 26 princípios, trataram a questão como direito
fundamental. É o caso do Estado brasileiro, que concretiza o tema em seu artigo
225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações – Grifos nossos.
Como está previsto no texto constitucional, trata-se de um direito
objetivo. Deste fato, conforme a densicação da norma jurídica que deriva
do direito objetivo surge o direito subjetivo que corresponder a obrigação/
dever de outrem. A pretensão, vinculada ao direito subjetivo, consiste na
possibilidade, facultada pela norma jurídica, de exigir de outra(s) pessoa(s)
determinada(s) o cumprimento do dever jurídico correspondente, valendo-se
do aparato coercitivo do direito (Bertoldi, Massaú 2021: 404). Este dever está
vinculado à solidariedade ambiental entre gerações e prescreve uma ética de
responsabilidade.
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A política ambiental no estado brasileiro avançou signicantemente
após o advento, e denominado esverdeamento, da CRFB no ano de 1988.
Inclusive, o artigo 170 (condizente à ordem econômica), inciso VI, traz o
dever da defesa do meio ambiente. Cabe destacar a criação, nos anos de 1990,
do Ministério do Meio Ambiente (MMA), da Lei de Crimes Ambientais (Lei
9605/1988); nos anos 2000, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
– SNUC (Lei 9985/2000), da Agenda 21 brasileira, do Instituto Chico Mendes
de Biodiversidade (ICMBio) e das várias Políticas Nacionais, como sobre
mudança do clima, biodiversidade e recursos sólidos. Nos anos 2010, um
dos principais problemas ambientais brasileiros e agente determinante nas
mudanças climáticas, o desmatamento da Floresta Amazônica, foi controlado
pelo Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia
(PPCDAm) durante os anos de 2004-2012. Segundo dados do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)10, em 2004 foram desmatados 27.772
km² e em 2012, 4571 km².
No tocante ao enfrentamento das mudanças climáticas no Brasil, no ano
de 2009 foi promulgada a Política Nacional sobre Mudanças Climáticas, Lei
12.187 (Brasil, 2009), que bem estabelece o princípio solidariedade em seu
artigo 3º, inc. I: todos têm o dever de atuar, em benefício das presentes e futuras
gerações, para a redução dos impactos decorrentes das interferências antrópicas
sobre o sistema climático. Atualmente a Política é objeto de atualização no
Congresso Nacional, Projeto de Lei 6539 (Brasil 2019) para adequá-la ao
contexto do Acordo de Paris, estabelecendo Contribuições Nacionalmente
Determinadas (“NDCs”). Por outro lado, é matéria de emenda constitucional.
A PEC 37/2021 (Brasil, 2021) propõe incluir a segurança climática11 na CRFB
nos artigos 5º, sobre igualdade, 170, sobre a ordem econômica e no 225, sobre
o direito a um meio ambiente equilibrado.
Não obstante a consolidação legislativa e administrativa em matéria
ambiental no decorrer destas décadas, há de dar-se importância ao fato de que,
a partir de 2019, segundo ano da administração do Presidente Jair Bolsonaro,
o Brasil vem sofrendo uma negativa investida na legislação e gestão ambiental
laboriosamente alicerçada desde o ano de 1981 sobretudo, com a edição da
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6838/1981), amplamente incorporada
pelo artigo 225 da CRFB.
Segundo dados do projeto Política por Inteiro, de janeiro a dezembro
de 2020, houve 593 atos do governo federal relacionados ao meio ambiente.
10 Vide gráco em: http://www.obt.inpe.br/OBT/assuntos/programas/amazonia/prodes. Consulta
em 03.03.2021.
11 Segurança climática se refere a manter a estabilidade relativa do clima global, que foi decisiva
para a construção da civilização desde o m do último período glacial – faz doze mil anos – diminuindo
signicativamente o risco de aquecimento global através de sua mitigação e promovendo a adaptação
da sociedade internacional e suas unidades nacionais a novas condições de planeta mais quente e
com a existência mais frequente e mais intensa de fenômenos climáticos extremos. (Viola 2008: 183)
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Na classicação por impacto das normas, 57 determinavam reformas
institucionais, 32 eram revisões de regulamentos, 32 promoviam exibilização,
19 desregulação e 10 eram revogações (Observatório do Clima 2021). Com
isto, por exemplo, houve um aumento considerável no desmatamento12 na
Amazônia Legal: no ano de 2018 foram desmatados 7.536 km²; no de 2019,
10.129 km²; e no de 2020, o número chegou a 10.851 km² (INPE 2021). Em
consequência do desmatamento descontrolado, no ano de 2020, o país lançou
2,18 bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera, contra 1,98
bilhão em 2019 (Observatório do Clima 2021: 29-30).
Dessa maneira, o Estado Brasileiro tem atuado em oposição aos instrumentos
jurídicos internacionais e nacionais de proteção do clima, e desconsiderando o
fato de que a “oresta desempenha função de grande importância na mitigação
do aquecimento global, absorvendo e armazenando dióxido de carbono, por
meio da fotossíntese. Como intuitivo, com o desmatamento, ela não apenas
deixa de absorver carbono como o libera de volta na atmosfera” (Barroso,
Mello 2020:1267).
Trata-se, portanto, de um real Estado de Coisas Inconstitucional
Ambiental, recentemente mencionado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação
Direita de Inconstitucionalidade por Omissão 60, então convertida na ADPF
70813 (BRASIL, 2020). Assim constou na ementa:
DIREITO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO
GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AO FUNDO CLIMA E A OUTRAS
QUESTÕES AMBIENTAIS. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA À LUZ DA
CONSTITUIÇÃO E DE COMPROMISSOS INTERNACIONAIS DO
BRASIL. CONVOCAÇÃO DE AUDIÊNCIA PÚBLICA. 1. Ação direta de
inconstitucionalidade por omissão recebida como arguição de descumprimento
de preceito fundamental (ADPF). 2. A mudança climática, o aquecimento da
Terra e a preservação das orestas tropicais são questões que se encontram
no topo da agenda global. Deciências no tratamento dessas matérias têm
atraído para o Brasil reprovação mundial. 3. A Constituição brasileira é
12 Além do desmatamento, outros crimes ambientais são frequentes na Floresta Amazônica, os
quais contribuem sobremaneira para as mudanças climáticas: queimadas, extração e comércio ilegal
de madeira, garimpo e mineração ilegais, caça ilegal, crimes contra os defensores da oresta, grilagem
de terras, biopirataria, trabalho escravo. Vide: Barroso, Mello 2020: 1270-1276.
13 A ADPF 708 foi ajuizada no dia 05 de junho de 2020 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB),
pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pela Rede
Sustentabilidade (BRASIL, 2020). Em suma, os requerentes narraram atos comissivos e omissivos
da União que comprometeriam o adequado funcionamento do Fundo Nacional sobre Mudança do
Clima (Fundo Clima), bem como o direito de todos os brasileiros a um meio ambiente saudável. Em
suma, objetivou-se a adoção de providências administrativas para a preservação do meio ambiente,
bem como a retomada do funcionamento do Fundo Clima. Na decisão sobre a medida cautelar, o
Ministro Luís Roberto Barroso, armou que embora tenham optado por propor ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, “os atos que descrevem na inicial têm tanto natureza comissiva
quanto omissiva, atribuíveis à União Federal. Tais atos, em seu conjunto, ensejariam uma situação de
retrocesso e de desproteção em matéria ambiental” (BRASIL, 2020).
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Solidariedade ambiental: entre mudanças climáticas e desigualdade
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textual e veemente na consagração do direito de todos ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Ademais, impõe ao Poder Público o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225). 4.
Além de constituir um direito fundamental em si, o direito ao meio ambiente
saudável é internacionalmente reconhecido como pressuposto para o desfrute
de outros direitos que integram o mínimo existencial de todo ser humano,
como a vida, a saúde, a segurança alimentar e o acesso à água. 5. São graves
as consequências econômicas e sociais advindas de políticas ambientais que
descumprem compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. A União
Europeia e diversos países que importam produtos ligados ao agronegócio
brasileiro ameaçam denunciar acordos e deixar de adquirir produtos nacionais.
Há uma percepção mundial negativa do país nessa matéria. 6. O quadro
descrito na petição inicial, se conrmado, revela a existência de um estado
de coisas inconstitucional em matéria ambiental, a exigir providências de
natureza estrutural. Vale reiterar: a proteção ambiental não constitui uma opção
política, mas um dever constitucional. 7. Convocação de audiência pública para
apuração dos fatos relevantes e produção, na medida do possível, de um relato
ocial objetivo sobre a situação do quadro ambiental no Brasil. [...] (STF
ADO 60 – DISTRITO FEDERAL – 0094911-17.2020.1.00.0000, Relator: Min.
ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 28/06/2020, Data de Publicação:
DJe-165 01/07/2020) – Grifos nossos.
Este preocupante quadro promove a transgressão de outros tantos direitos
fundamentais, pois o direito a um meio adequado é direito fundamental
complexo; um dano ambiental, por exemplo, além de lesar o direito a um meio
ambiente equilibrado, pode afetar o direito à propriedade, à saúde, à moradia, à
alimentação, à vida, entre outros, nas perspectivas presente e futura.
Destaca-se, neste contexto, que a estrutura do Direito Ambiental brasileiro
deve condicionar-se à premissa da solidariedade ambiental, posto que as lesões
ao meio ambiente acarretam consequências que extrapolam o limite temporal
das gerações presentes, o que impõe a atenção para o direito das gerações
futuras a um meio ambiente ecologicamente equilibrado como pressuposto à
erradicação das desigualdades. É o que se passa a examinar.
4.2. Solidariedade ambiental entre gerações, mudanças climáticas e
desigualdade
A solidariedade no Direito ambiental é um dever entre os seres
humanos e não humanos, um orientador da realização do direito a um meio
ambiente equilibrado que atinge a dimensão da solidariedade ambiental.
Expressa a necessidade fundamental de coexistência do ser humano em um
corpo social, formatando a teia de relações intersubjetivas e sociais que se
traçam no espaço da comunidade estatal (Sarlet, Fensterseifer 2017: 91).
No contexto socioambiental, imprime a obrigação, das gerações presentes,
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de diligência transfronteiriça no acesso e uso dos recursos naturais face às
gerações futuras.
Mateo (1998: 48) sustenta que o princípio da solidariedade tem dupla
dimensão: comunitária e intergeracional. Trata-se da solidariedade diacrônica
(através do tempo), isto é, a que se refere às gerações do após, aquelas que
virão depois de nós, ao contrário da síncrona (ao mesmo tempo), que fomenta
as relações de cooperação com as gerações presentes (Milaré 2015: 260).
O princípio da solidariedade, também nominado equidade intergeracional,
é reconhecido como elemento de fundamentação para uma ética de
responsabilidade ambiental, bem como um necessário valor existencial,
pautado no cuidado com o outro com vistas a um direito a um meio ambiente
saudável (ou menos desequilibrado) presente e futuro. Alcança a perspectiva
de garantir a dignidade da pessoa humana para as futuras gerações, anal,
conceber uma responsabilidade em relação a estas, na transmissão de um
patrimônio, é fundamentalmente ligar-se à ideia kantiana de humanidade, bem
como uma certa dose de simetria e equilíbrio próprio da justiça comutativa (Ost
1995: 338).
Dito de outra forma, a equidade intergeracional “se concentra na relação
intrínseca que cada geração tem com as outras gerações, passadas e futuras
no referente ao uso do patrimônio comum dos recursos naturais e culturais
do nosso Planeta” (Weiss 1999: 54 – tradução nossa). Reconhece que “cada
geração é, ao mesmo tempo, custodia e usuária de nosso patrimônio comum
natural e cultural” (Weiss 1999: 54 – tradução nossa). Também signica “justiça
intergeracional no contexto do uso do patrimônio comum de recursos naturais e
culturais de nosso planeta” (Weiss 1999: 55 – tradução nossa).
Esse panorama estimula, nos direitos e deveres relacionados ao meio
ambiente, um teor ético-ecológico de possibilidade de um meio ambiente menos
desequilibrado, pautado pelo dever (moral e jurídico) de responsabilidade
compartilhada e solidária entre as gerações presentes e para atender os
interesses das gerações futuras, no qual as diferenças e diculdades devem
transpor o espaço e o tempo, prevalecendo como valores o respeito com o outro
e a dignidade. Tal princípio está contido, por exemplo, no artigo 2º do Acordo
de Paris (ONU 2015), que compromete às Partes a reetir sobre equidade e
responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Isto retrata a responsabilidade
da coletividade pelo legado ambiental destinado às futuras gerações, sob o
comprometimento diligente na gestão dos recursos ambientais como um desejo
e uma preocupação comum entre gerações.
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A segunda parte do 6º Relatório do IPCC, realizada pelo Grupo II14
(IPCC 2022: 36) é conclusivo ao armar que regiões e pessoas com restrições
ao desenvolvimento têm alta vulnerabilidade às mudanças climáticas
(alta conança15). Conforme o Relatório, os hotspots globais de alta
vulnerabilidade humana são encontrados particularmente na África Central e
Oriental, Sul da Ásia, América Central e do Sul, pequenos estados insulares
em desenvolvimento e ártico (alta conança). Também, prevê 250.000 mortes
por ano até 2050 devido ao calor, à desnutrição, à malária e à diarreia, sendo
que metade desta mortalidade está prevista no continente africano (alta
conança) (IPCC 2022: 1298).
Como pode-se observar, a emergência climática produz desigualdades,
incrementa a pobreza e, nesse sentido, exige solidariedade ambiental para uma
justiça climática distributiva16 entre os indivíduos, os estados e as gerações.
De fato, a pobreza inibe a capacidade de adaptação às mudanças climáticas
e as respostas a estas mudanças podem reduzir e/ou conter a pobreza e a
desigualdade, para o que é necessário um programa de adaptação pró-pobres,
especialmente nos processos que prejudicam os meios de subsistência, tal
é a agricultura, altamente sensível ao clima, o que pode causar insegurança
alimentar e, consequentemente, injustiça social. Em suma, as mudanças
climáticas contribuem para a pobreza e sua transmissão intergeracional.
A solidariedade/equidade intergeracional ambiental coaduna-se com as
reivindicações de controle da atual crise ambiental marcada, especialmente,
pelo novo Regime Climático (Latour 2020: 10), que se inserem na busca
por um Estado de Direito Ambiental com ênfase, justamente, em fomentar a
proteção e a defesa do meio ambiente para a satisfação da dignidade ecológica
do ser humano presente e futuro e da sobrevivência da natureza, em direção à
erradicação das desigualdades que impulsionam a pobreza.
14 O 6º Relatório do IPCC, com lançamento previsto para setembro de 2022, decorre da
contribuição de três grupos de trabalho: I – base de ciências físicas (trata da compreensão física mais
atualizada do sistema climático e das mudanças climáticas, reunindo os mais recentes avanços na
ciência do clima e combinando várias linhas de evidências de paleoclima, observações, compreensão
de processos, e simulações climáticas globais e regionais); II – impactos, adaptação e vulnerabilidade
e III – mitigação das mudanças climáticas.
15 Os Relatórios do IPCC pautam suas constatações em níveis de conança, que sintetizam o grau
de concordância das informações analisadas entres os especialistas. Incluem cinco níveis: muito
baixo, baixo, médio, alto e muito alto.
16 Para Rammê (2012:9) uma agenda política de justiça climática deve partir das seguintes
premissas básicas: (a) a justiça climática é um imperativo ético e suas demandas devem pautar as
políticas adotadas; (b) embora numa escala de tempo profunda as mudanças climáticas possam afetar
toda a humanidade, atualmente o objeto imediato do risco são os indivíduos humanos que apresentam
maior vulnerabilidade social; (c) não há como mitigar as mudanças climáticas sem reduzir a queima
de combustíveis fósseis no planeta; (d) as políticas adotadas devem ter uma perspectiva de longo
prazo, supra- partidárias, sob pena de não serem ecazes; (e) embora se trate de um problema global,
iniciativas locais podem ser bastante ecazes; (f) são os países desenvolvidos que devem adotar
as políticas mais amplas voltadas à redução das emissões de gases de efeito estufa, com apoio no
princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada.
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Portanto, o princípio da solidariedade/equidade intergeracional, bem
assinalado no dever do Estado brasileiro e da coletividade em preservar e
defender o meio ambiente, é um relevante instrumento a favor da efetivação
do objetivo constitucional de erradicação da pobreza e das desigualdades e da
realização do direito fundamental a um meio ambiente equilibrado.
5. Conclusão
O equilíbrio do meio ambiente é fundamental para a manutenção da vida
humana e das outras espécies no Planeta Terra. Para isto, o direito ambiental
cada vez mais se destaca como um direito de viés cosmopolita na medida em
que o seu objeto de proteção, o ecossistema Terra, independe de fronteiras locais
ou regionais. A emergência climática é o principal desao a ser enfrentado na
atualidade; as mudanças climáticas são uma realidade cientíca que demanda
estratégias de adaptação e mitigação para a contenção do desequilíbrio
ambiental e da desigualdade, fundamento da pobreza.
Destarte, o desequilíbrio do meio ambiente transpassa a qualidade do local
em direção ao global e impacta signicantemente a igualdade social. Neste
trabalho, buscou-se acentuar a importância da realização da solidariedade
como uma estratégia capaz de contribuir na redução das desigualdades sociais,
provocadas pelos eventos adversos das mudanças climáticas, e na promoção
dos direitos fundamentais/humanos.
Nesse sentido, a interpretação e aplicação do princípio da solidariedade
ambiental deve incidir conjuntamente na defesa e proteção ambiental e na
redução das desigualdades sociais. Esta equação deve levar em consideração o
caso concreto e as normas do sistema jurídico que nele devem incidir. Implica à
coletividade e ao Poder Público o dever de defesa e proteção do meio ambiente
para que as gerações futuras possam usufrui-lo de igual modo que as presentes.
Como consequência, sustenta-se a possibilidade de redução das desigualdades
sociais e a erradicação da pobreza que, entre outros fatores, são resultado da
degradação ambiental protagonizada na atualidade pela emergência climática.
Gize-se que os fatores causantes das desigualdades sociais também são
intergeracionais, ou seja, a geração futura descendente de grupos hipossucientes
tende a não ultrapassar a linha da pobreza. Assim, se está diante um obstáculo
socioambiental e intergeracional, provocado pelo desequilíbrio do ambiente, o
qual afeta as perspectivas de igualdade.
A solidariedade, portanto, compreendida no plano da Ética e da Moral
como a forma de interação entre indivíduos sociais que se ajudam mutuamente
e respeitam os direitos uns dos outros, enquanto princípio e objetivo da
CRFB, pode ser um eciente instrumento para a efetivação das disposições
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Solidariedade ambiental: entre mudanças climáticas e desigualdade
Araucaria. Revista Iberoamericana de Filosofía, Política, Humanidades y Relaciones Internacionales, año 25, nº 51.
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constitucionais ambientais (e demais normas) e do objetivo fundamental
de erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e regionais e, nesse
sentido, promover a realização dos direitos fundamentais/humanos.
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Article
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O presente artigo tem como objetivo refletir sobre o desenvolvimento de estratégias de litigância climática e sua constância na proteção de direitos dos vulneráveis, cuja situação de subordinação é potencializada pelos efeitos das mudanças climáticas. No âmbito dos direitos humanos, as implicações de um clima em desequilíbrio atingem indivíduos e grupos detentores de marcadores sociais específicos, sobre os quais se revela a face mais perversa da desestabilização social decorrente de um ambiente não sustentável. A questão problematizada é sobre a possibilidade de diálogo entre a categoria jurídica da discriminação estrutural e litigância climática em um contexto permeado pelo constitucionalismo climático. Emprega metodologia teórico-descritiva para sustentar a hipótese de que o constitucionalismo climático possibilita harmonizar a categoria da discriminação estrutural e a litigância climática.
Article
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O texto versa sobre a relação do princípio da proibição do retrocesso social com o princípio da solidariedade, impresso no Art. 3°, I, in fine, da Constituição Federal (CF). Trata-se da aplicação do princípio da proibição do retrocesso em consonância com os parâmetros normativos estabelecidos pelos objetivos fundamentais do Estado brasileiro: construir uma sociedade solidária. Objetiva-se mostrar a densificação do sentido da vedação do emprego de medidas jurídicas socialmente retrocessivas por meio do princípio da solidariedade, inserido como cláusula transformadora. Para realizar a pesquisa, foram empregados os métodos analítico e hipotético-dedutivo. O primeiro foi utilizado visando esmiuçar as categorias jurídicas do princípio da proibição do retrocesso social e do princípio da solidariedade impresso na cláusula transformadora do Art. 3°, I, in fine, da CF. O segundo auxiliou na busca do resultado da incidência desses dois princípios assente em uma hipótese jurídica. Devido à natureza do tema e da pesquisa, utilizou-se de fontes bibliográficas.
Article
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O presente artigo expõe a importância da Amazônia no ecossistema global, o recuo e o avanço do desmatamento da floresta situada em território brasileiro, assim como a dinâmica da escalada dos crimes ambientais, com destaque para a extração ilegal de madeira, a grilagem de terras e o garimpo não autorizado, inclusive em reservas indígenas. O texto aponta as políticas públicas governamentais que tiveram sucesso em conter a destruição da floresta e o retrocesso que sofreram nos últimos tempos. Na parte final, são descritos os modelos de exploração da floresta adotados até aqui, com limitados resultados econômicos e sociais, e apresenta-se o modelo alternativo que vem sendo proposto, combinando a Quarta Revolução Industrial com a bioeconomia da floresta. Apresentam-se, ainda, as contribuições que os atores internacionais podem oferecer à preservação da floresta, através de financiamento (REDD+), bem como da formulação de exigências dos mercados consumidores e financiadores das atividades desenvolvidas na Amazônia Legal.
Book
Esta obra, pois, trata desse lado nada romântico e ainda pouco explorado da estratificação social que se trata: o "topo" da pirâmide, refúgio da elite e seus endinheirados e pedaço desprendido da vida e da realidade brasileiras. Afinal, o modo e o campo de atuação dos ricos são relativizados, como se abstrações sociológicas, como se desconectados do desenho institucional e das construções ideológicas que mantêm e promovem seus privilégios e interesses, vetores impeditivos da construção de outra sociabilidade. É, portanto, a partir do conhecimento desta classe e das suas ideias e ações que se revelam os caminhos para compreender e enfrentar o mais grave problema nacional – a desigualdade como clímax da lógica do capitalismo –, agora com outro foco e sob outros holofotes, luzes para a luta política e as experimentações concretas que despertem a transformação da sociedade brasileira.
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Indice tematico elaborado por el centro de documentación y información de la Cámara de diputados
El derecho humano a un medio ambiente limpio, saludable y sostenible
  • A Arent
  • Trad Roberto Condição Humana
  • Raposo
Arent, A. A condição humana, Trad. Roberto Raposo, 10 ed, Rio de Janeiro, Forense, 2003. A/HRC/RES/48/13. El derecho humano a un medio ambiente limpio, saludable y sostenible, 2021, https://undocs.org/es/A/HRC/RES/48/13.
  • A Apostoli
  • La
  • Giuffrè Milano
Apostoli, A. La svalutazione del principio di solidarietà. Milano, Giuffrè, 2012. Banco Mundial. Informe Anual 2021, 2021, file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/ Desktop/211778SP.pdf
Uma leitura a partir da Constituição de 1988
  • G Bercovici
Bercovici, G. Constituição econômica e desenvolvimento. Uma leitura a partir da Constituição de 1988, São Paulo, Malheiros, 2005.
Die Neuvermessung der Ungleichheit unter den Menschen. Frankfurt am Main, Suhrkamp
  • U Beck
Beck, U. Die Neuvermessung der Ungleichheit unter den Menschen. Frankfurt am Main, Suhrkamp, 2008.
O dever fundamental para o meio ambiente equilibrado
  • M Bertoldi
  • G Massaú
Bertoldi, M.; Massaú, G. "O dever fundamental para o meio ambiente equilibrado" In: Calgaro, C.; Pereira, A. ; Brasil, D. (org). Constitucionalismo e Meio Ambiente. Tomo 6: Direitos Fundamentais, Porto Alegre, Editora Fi, 2021.