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Research, Society and Development, v. 11, n. 14, e398111436233, 2022
(CC BY 4.0) | ISSN 2525-3409 | DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v11i14.36233
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Folie à deux, aspectos delirantes da personalidade: o caso das irmãs Sabina e Úrsula
Erickson
Folie à deux, delusional persolities aspects: the sisters Sabina and Úrsula Erickson case
Folie à deux, personalidades delirantes aspectos: el caso las Hermanas Sabina y Ùrsula Erickson
Recebido: 07/10/2022 | Revisado: 23/10/2022 | Aceitado: 26/10/2022 | Publicado: 31/10/2022
Dara Raamis Linhares Tavares
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7305-4665
Centro Universitário Fametro, Brasil
E-mail: raamisdara@gmail.com
Josemara Dos Santos Lemes
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7711-4119
Centro Universitário Fametro, Brasil
E-mail: josemaralemes30@gmail.com
Júlio César Pinto de Souza
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3622-1393
Centro Universitário Fametro, Brasil
E-mail: cmte01@yahoo.com.br
Resumo
O artigo estabelece uma discussão teórica acerca do Folie à deux, fenômeno psíquico onde ocorre o compartilhamento
de sintomas psicóticos entre duas pessoas. O Folie à deux foi apresentado e debatido por Freud e Lacan, assim como
os conceitos postulados por Lasègue e Falret. O desenvolvimento do presente artigo apresenta a noção da estrutura
Neurótica e psicótica, articulando o Folie à deux e as diferentes formas de manifestação da psicose induzida, além de
articular o fenômeno a uma análise de caso, o das irmãs Erickson. Este artigo teve como objetivo primário discorrer
acerca do fenômeno Folie à deux, utilizando de pesquisas bibliográficas juntamente a análise de um caso único, com
abordagem qualitativa. A partir da discussão realizada no trabalho verifica-se que a loucura possui suas conotações
diversas, atribuídas a questões histórico-culturais, levantando-se a necessidade de um estudo radical das formas que
estas ditas “loucuras” aparecem e de uma análise ampla mediante ao fenômeno Folie á deux, deixando o
questionamento que a escassez de conteúdo teórico relacionado a este tema é grande e há a necessidade de maior
disseminação.
Palavras-chave: Folie à deux; Neurose; Psicose.
Abstract
The present article sets up a theoretical argument about the Folie à deux, a psychic phenomenon which the sharing of
psychotics symptoms happens between two people. The Folie à deux was stated and discussed by Freud and Lacan, as
well as the concepts postulated by Lèsegue and Falret. The development of this article shows the idea of neurotic and
psychotic structure, articulating Folie à deux and the distinct ways of induced psychosis manifestation, in addiction to
linking the event to a case study, the fact of the Erickson sisters. This article had as its primary objective to discuss
about the Folie à deux phenomenon, using the bibliographic research as a method, along with the analysis a single
case, using the qualitative approach. From the debate held in the article, it is verified that madness has its various
connotations that can be attributed to a historical and cultural context, raising the need for a radical study of the ways
that these so-called “madness” appear and a very deep analysis through the Folie à deux Phenomenon, leaving the
questioning that the scarcity of theoretical content related to this theme is too large and there is the need for greater
dissemination.
Keywords: Folie à deux, Neurosis, Psychosis.
Resumen
El artículo establece una discusión teórica sobre el Folie à deux, un fenómeno psíquico en el cual los síntomas
psicóticos son compartidos entre dos personas. El Folie à deux fue presentado y debatido por Freud y lacan, así como
los conceptos postulados por las è les y Falret. El desarrollo de este artículo presenta la noción de estructura neurótica
y psicótica, articulando el Folie à deux y las diferentes formas de manifestación de la psicosis inducida, además de
articular el fenómeno a un análisis de caso, el de las hermanas Erickson. El objetivo principal de este artículo fue
discutir el fenómeno de Folie a deux, utilizando la investigación bibliográfica junto con el análisis de un caso único,
con un enfoque cualitativo. Con base en la discusión llevada a cabo en este trabajo, se verifica que la locura tiene sus
diversas connotaciones, atribuidas a cuestiones histórico-culturales, planteando la necesidad de un estudio radical de
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las formas en que aparecen estas llamadas "locuras" y un análisis amplio a través del fenómeno Folie à deux, dejando
el cuestionamiento de que la escasez de contenidos teóricos relacionados con este tema es grande y hay una necesidad
de mayor difusión.
Palabras clave: Folie a Deux; Neurosis; Psicosis.
1. Introdução
O presente artigo discorre acerca do fenômeno da Folie à deux ou psicose induzida, retratada como um processo de
transferência de realidades psicóticas de um indivíduo para outro. Tal fenômeno permeia os conceitos da noção de estruturas
psíquicas, formulado por Freud, a Psicose e a Neurose, uma vez que tal transferência surge da correlação dessas duas
estruturas.
A Folie à Deux tem variadas formas de manifestações e o modo como ocorrem as transferências dos delírios, depende
da estrutura do indutor, bem como a do induzido. As manifestações do fenômeno da Folie à Deux se desvelam de quatro
formas distintas: a Folie imposée, a Folie simultanné, a Folie communiqué e a Folie induite. Estas subcategorias serão
discutidas no desenvolvimento deste artigo. Entre os autores base para essa pesquisa e para que haja um diálogo mais amplo
acerca deste tema, elegeu-se Lacan, uma vez que este psicanalista foi um dos pioneiros na análise minuciosa do Fenômeno
Folie à Deux no caso das irmãs Papin no ano de 1933, caso este que será analisado neste artigo. O caso das Irmãs Sabina e
Ursula Erickson foi um dos poucos casos relatados em que foram constatadas características de manifestação da Folie á deux,
na forma de Folie imposeé, discorrendo o caso e como ocorreu nelas o surgimento da loucura induzida em suas
especificidades.
A estrutura psicótica será retratada a partir da noção primordial Freudiana, proposta em meados do século XIX, com o
intuito de instituir determinadas manifestações do que seria então a “loucura”, como também o os estudos de Lacan, que
desenvolve a noção de forclusão, um modelo representativo estrutural determinante para os fenômenos psicóticos. Para Freud
(1894/1996 como citado em Santos & Oliveira, 2012), a psicose é um ato representativo de negação da realidade do mundo
externo, criando uma realidade onde o “eu” cria uma realidade alternativa que são provenientes do ID.
Quanto à estrutura neurótica, Freud (2016), afirma que se trata da expressão conflitante dos nossos desejos advindos
do inconsciente que por serem inacessíveis e impossíveis de serem impulsionados para o campo do real, acaba fazendo com
que o sujeito se sinta angustiado e entre em estado de incômodos de diversas formas.
Para nortear as atividades desta pesquisa foi estabelecido como objetivo geral, explicar o Fenômeno Folie à deux
articulando com caso das Irmãs Erickon, e como objetivos específicos, discutir sobre o fenômeno Folie à deux em suas
peculiaridades e subcategorias, apontar suas características dentro da estrutura psicanalítica, relatar acerca da importância de
um olhar reflexivo do raro fenômeno Folie à deux.
Entende-se que este trabalho tem uma relevância acadêmica e científica, pois apresenta esclarecimentos e discussões a
respeito do fenômeno da Folie á Deux, assunto pouco tratado no âmbito acadêmico e nas pesquisas. Existe uma grande
carência de artigos que tratem deste assunto. Entende-se que o conteúdo deste artigo apresentará novas possibilidades e outra
perspectiva a respeito desse fenômeno dentro do campo psicótico.
2. Metodologia
O estudo em questão foi resultante de uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa e a investigação foi
desenvolvida por meio da uma revisão narrativa de literatura com a finalidade de viabilizar um cenário geral referente a uma
determinada temática acerca do assunto. Optou-se pela pesquisa bibliográfica, pois é uma forma de análise crítica minuciosa e
amplificada de publicações teóricas recorrentes de um contexto específico de conhecimento acerca de um conteúdo, almejando
discutir e explicar uma temática com bases teóricas já publicadas como livros e artigos (Souza et al., 2021). A abordagem
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qualitativa foi utilizada com o intuito de analisar e capturar as informações oriundas do tema existentes nos conteúdos de
trabalhos já publicados (Okoli, 2019). Escolheu-se a revisão narrativa, visto que possibilita o trabalho de pesquisa com uma
temática mais ampla e as fontes podem ser de cunho mais restrito (Cordeiro et al., 2007 como citado em Rolim et al., 2019).
Para Rother (2007, p. 1) os trabalhos científicos de revisão narrativa “são publicações amplas, apropriadas para descrever e
discutir o desenvolvimento ou o "estado da arte" de um determinado assunto, sob ponto de vista teórico ou contextual”.
Para o levantamento das publicações tanto do caso das irmãs Eriksson, quanto os conteúdos bibliográficos para
discorrer a respeito do fenômeno folie à deux foram utilizados livros e artigos científicos obtidos nas plataformas cientificas,
com destaque para Scielo e CAPES. Em face da escassez de material que trata do assunto, o corte temporal dos artigos
utilizados foi de 2001 a 2022. Não foi considerado um corte temporal para a seleção dos livros, visto a carência de publicações
sobre o tema e a relevância das publicações mais antigas. Para levantamento das publicações foram selecionados os seguintes
descritores: psicose, folie à deux, psicanálise, psiquiatria.
Para análise dos dados levantados na pesquisa utilizou-se a análise do discurso, pois, para o caso clínico das irmãs
Erickson, entende-se que a linguagem carrega conteúdos que oferecem variadas possibilidades de interpretação e visão de
mundo acerca do sujeito falante e as significações que as carregam, envolvendo e validando o indivíduo em sua singularidade,
memória subjetiva e coletiva que compõem o sujeito e suas formas de interpretar o mundo constituindo sua intersubjetividade.
Magalhães e Kogawa (2019) consideram que a análise do discurso permite conceber e trabalhar a linguagem exercida pelo
sujeito, ou seja, ter o discurso como um fator multifacetado que envolve questões da linguagem consciente e inconsciente. Os
autores ainda afirmam que este tipo de análise é comumente utilizado em revisões voltadas para artigos e monografias que
visam a psicanálise, o sujeito e o seu discurso.
Os autores base utilizados para análise do caso clínico desta pesquisa foram: Sigmund Freud, Jacques Lacan e Jean
Begeret. O material base para esse trabalho foi um documentário lançado pela emissora de televisão Motorway Cops-emissora-
BBC- British Broadcasting Corporation, corporação pública de televisão e rádio, fundada em 1992, no Reino Unido, sendo
uma fonte confiável. Para ter acesso aos vídeos do caso clínico em pauta, foi disponibilizado o link de acesso neste artigo.
Este trabalho foi composto de 35 publicações e para a discussão do caso foram utilizados 18 livros, 8 artigos e 1
Trabalho acadêmico. Foram realizados estudos a partir de materiais teóricos de referência, um método de análise crítica
minuciosa e amplificada das publicações teóricas que se referiam ao conteúdo em pauta, buscando discutir sobre os pontos
necessários para analisar a discussão, tendo como base publicações acerca da temática (Trentini et al., 2017).
3. Marco teórico
3.1 As estruturas psíquicas: psicose e neurose
Neste tópico, pontuaremos às estruturas psíquicas, porque a retomada de tais noções na tópica Freudiana e na
formação das teorias das psicoses mostrou-se de suma importância, ultrapassando as limitações básicas teóricas de sua época
ao estudar o sujeito (Fontana, 2015).
Freud (2016), em seus estudos, aponta a existência de três estruturas divergentes entre si: a Psicose, a Neurose e a
Perversão (desvio objetal) também conhecida como uma anestrutura. Durante o processo de desenvolvimento humano, o
indivíduo experiencia situações e momentos na vida que o marcam, estabelecendo comportamentos e emoções características
do surgimento de eventos similares. Freud (2016), estabelece que durante o desenvolvimento humano ocorra algumas fases
como as chamadas psicossexuais. Estas estabelecem o direcionamento da libido (energia instintiva) que leva o indivíduo a
vivenciar sensações de prazer e desprazer, ocasionando conflitos e frustrações os quais são superados pelo sujeito.
A elaboração (fechamento do ciclo) de cada um desses conflitos requer um gasto de energia. Quanto maior a energia
gasta na fase, maior será a importância dessa fase na vida do indivíduo, repercutindo em seus traços de personalidade,
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comportamentos e emoções em decorrência da incapacidade de passar de uma determinada fase psicossexual, devido à
frustração ou extremo prazer, levando o indivíduo a se moldar com uma estrutura peculiar que muda de acordo com a fase de
fixação (fase que o indivíduo não conseguiu passar). Essa estrutura pode ser psicótica, neurótica ou perversa as quais serão
detalhadas, a seguir, para melhor entendimento.
3.2 Neurose
Freud postula a estrutura Neurótica como um modo de reação aos conflitos entre os desejos provenientes do
inconsciente e os impulsos advindos da força pulsional, que são incompatíveis, em detrimento da realidade do mundo externo,
que são de certo modo impossibilitadas de serem concretizadas, fazendo com que se desenvolva no sujeito, ansiedade, mal-
estar e punição advindos do super EU, os quais retratam os sintomas neuróticos ou as chamadas “realidades Neuróticas”.
(Freud, 2011).
A estrutura da Neurose, origina-se de uma luta do EU com o ID, com o intuito de recalcar as forças impulsivas do ID,
que em conflito, está contra os princípios do EU e super EU, submerge-se deste representações simbólicas substitutivas que
recalcam as pulsões idílicas, dando assim, margem para os sinais da estrutura neurótica se constituírem. (Freud, 2011).
Deste modo, a distinção entre as estruturas Neurótica e Psicótica, pode ser pontuada por variados aspectos, sendo elas;
formações patológicas diretamente contidas no recalque inconsciente e o resultado da repressão, já a Psicose apresenta sua
origem no mecanismo de defesa de forclusão e se estabelece por uma retirada libidinal proveniente do EGO, a qual direciona o
fluxo da libido em direção ao próprio indivíduo (Euzábio, 2021).
3.3 Psicose
A Psicose é a estrutura psíquica na qual o indivíduo em conflito com o EU e o ISSO, pode romper com a realidade,
em que o EU, reage de forma a negar o ato representativo que seja incompatível com seus afetos, além de responder como se
tal representação simbólica jamais tivesse ocorrido. Isso acontece devido à fragmentação da realidade, tratando-se de uma
espécie de defesa do EU/EGO (Freud, 2011).
Visando ampliar os conhecimentos acerca da psicose, Lacan fazendo uso das descobertas das estruturas de Neurose e
Psicose que Freud postulou, passa a desenvolver uma nova tese a qual caracteriza não apenas por um rompimento com a
realidade, mas também a existência de delírios visuais e auditivos, adentrando em uma realidade fantasiosa, em detrimento das
regras morais e sociais, as chamadas “realidades psicóticas,” que, por sua vez, não se coadunam com as “chamadas realidades
Neuróticas”; os episódios psicóticos levaram à discussão da fragmentação da Castração na estrutura da psicose e da neurose,
nos quais cada uma reage de um modo diferente na passagem do Édipo, de acordo com seu significante e significado, o
psicótico não é Castrado e o Neurótico passa por todo processo de castração, o que faz com que a realidade das estruturas da
Neurose e Psicose sejam divergentes (Melo, 2021). Em consonância, Lacan (1998) aponta que na psicose o significante se
sucede no “deslizamento enlouquecedor” mediante a falta da barreira da construção do Real, faz com que o delírio se desvele
como uma tentativa de satisfazer as nuanças do gozo, o qual foi impedido de prosseguir.
Neste sentido, a psicose é primordialmente uma forclusão, que em consonância com teoria Freudiana, faz do
significante um esquecido que é deixado de fora do campo simbólico, fazendo com que o campo do outro (fantasia), manifeste-
se para o indivíduo psicótico como algo absoluto, visto à extinção de um recurso para ressignificação simbólica. O sujeito em
sua realidade psicótica constrói uma realidade para si, com o intuito de sustentar sua veracidade e ter explicações para ela,
entende-se que o sujeito usa seus delírios para dar conta de sua realidade, a qual se apresenta desconsoante com a condição de
normalidade social (Quinet, 2006).
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Ainda no contexto das psicoses, tem-se a tese de forclusão na estrutura do Nó Borromeano (Figura 1), é representado
por três elos que são homogêneos entre si, três anéis que cruzam um ao outro, tais elos representam a barreira simbólica
imaginária e o campo do Real, basta que haja o corte entre as ligações desses elos para que os outros se dispersem e a barreira
de linguagem simbólica se manifeste de modo diverso da Neurose (Martins, 2019).
Figura 1 - Nó Borromeano planeado em três elos.
Fonte: Lacan (1998).
De acordo com Maleval (2002), é na noção de cadeia borromeana, que se manifesta a percepção da forclusão,
apresentando-se como a causalidade do surgimento de fenômenos alucinadores. O referido autor ainda comenta que “não há
dúvida de que as últimas elaborações de Lacan incitam a conceber a forclusão psicótica fundamentalmente como uma carência
do enodamento borromeana da estrutura do sujeito” (p. 136).
Deste modo, a Psicose é comumente abordada em oposição à Neurose, na qual a psicose é vista como um processo de
fragmentação das funções do ego que pode vir a comprometer em vários graus o contato do sujeito com a realidade (Lacan,
1987).
3.4 A Folie à Deux – psicose compartilhada
A “Folie à deux" é uma derivação da psicose na qual um sujeito tem suas concepções de delírios compartilhadas entre
parceiros (neuróticos ou psicóticos) que dividem por um longo período de tempo o convívio íntimo, caracteriza-se por um
fenômeno de cunho delirante e induzido. Esta transferência delirante de um sujeito dito, primordialmente, psicótico para um ou
mais indivíduos considerados secundários (parceiros neuróticos) tendem a ser receptivos ao delírio (Machado, et al., 2015).
De acordo com Garcia Badaracco (2010), a presença enlouquecedora também conhecida como folie à deux são os
processos culturais e biológicos os quais podem vir a desencadear mudanças de identidades. A partir deste conceito surge a
denominada psicose ciclotímica que está relacionada à perda (ou a rejeição) e às esquizofrenias cuja cognição e os sentidos
sensoriais são os aspectos mais afetados no sujeito.
Em 1852, o clínico francês Charles Lesegué introduz o delirie persécution, como um estado paranoicos que evolui de
modo paulatino, iniciando-se com fenômenos simbólicos que vão se mistificando em construção alucinatória primordialmente
auditiva, tal estudo, apresenta-se também na participação colaborativa de Jules Falret com o estudo “La folie á deux ou Folie
comuniqueé”, envolvendo as duas estruturas psíquicas, Psicose e Neurose (Dias, 2021).
Lacan (1985) aponta que enquanto um psicótico se apresenta dominado pelo viés da linguagem, um sujeito neurótico
a traduz no psicótico como um discurso delirante, é a tentativa de cura acercadas reações anormais do psiquismo humano,
verbalizando de modo aberto a sua fala repleta de significados e símbolos desconsoantes com as ditas realidades sociais, já na
fala de um Neurótico, apresenta-se de modo implícito e encoberto.
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Por volta do século XX, surgiu a nomenclatura de “loucura induzida”, que passou a ser considerado um fenômeno que
se desenvolve a priori em pacientes paranoides ou hipomaníacos. Neste estado o sujeito consegue induzir outra pessoa de sua
relação com seus delírios os compartilhando e o tornando real para ambos. Deste modo, os parceiros passam a dispor de uma
mesma realidade delirante. Segundo Bleuler (1967, p.568-569) neste transtorno existe uma mediação para a “indução” a
“loucura”, onde “o indutor primário em enfermo é de caráter psicótico e o segundo apresentaria traços de personalidade que
são sugestionáveis a ideias de seu indutor”.
É importante ressaltar que para a “Folie a Deux” ocorrer faz-se necessário que haja um indutor psicótico
cognitivamente dominante, o qual venha manifestar pensamentos delirantes, que de modo paulatino transfere seus delírios para
o indivíduo induzido, sendo este um sujeito que apresente um quadro de tendências neuróticas, este é acometido por um traço
de personalidade sensível, aberto e receptivo a estas ideias de um potencial psicótico, além disto, existe o fator de que haja a
manutenção da relação próxima entre ambos ou os demais envolvidos. (Machado et al., 2018).
4. As Formas de Manifestação da “Folie á deux''
Segundo Gralnick (1942, como citado em Machado et al., 2018), a Folie à deux pode ser apresentada em quatro
subcategorias: Folie imposée, Folie induité, Folie comuniquée e Folie simultaneé.
A Folie imposeé acontece quando o sujeito que transfere a “Loucura” já apresenta uma pré-disposição a
manifestações psicóticas, o qual induz as pessoas com ligações afetuosas e vulneráveis psicologicamente, terminando assim
por induzir ao sistema psicótico do seu parceiro. Neste quadro clínico, a ser separado, o sujeito induzido não mantém o delírio.
A Folie induité se caracteriza pela a passagem de um novo delírio para um paciente que já tenha uma condição prévia
psicótica, ou seja, novos delírios são adotados por um indivíduo psicótico sob influência de outro indivíduo psicótico.
A Folie comuniquée tem como característica certa resistência da segunda pessoa (induzida), sobre ideias delirantes
por um tempo prolongado. O sujeito induzido mantém esses sintomas mesmo depois da separação do indivíduo primariamente
psicótico.
A Folie Silmultanée ocorre quando duas pessoas têm patologias pré-existentes que irão desencadear cenários com
psicoses idênticas, personalizam-se como depressão e ideias delirantes. Os envolvidos neste quadro devem ter uma
proximidade íntima de longo.
5. Resultados e Discussão
5.1 Relato do caso
Úrsula e Sabina Erickson são irmãs gêmeas e nasceram na Suécia no ano de 1967. Não se sabe muito sobre a infância
das irmãs, porém tem-se relatos que elas cresceram na cidade de Värmland, com uma irmã mais velha, chamada Mona, e seu
irmão Björn. Logo abaixo, apresenta-se a figura que retrata as irmãs Erickson ainda na infância.
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Figura 2 - Irmãs Erickson.
Fonte: Reddit, n.d. como citado em Souza, (2021).
No ano 2000, quando as irmãs tinham 33 anos de idade, as duas se separam. Úrsula mudou-se para Estados Unidos e
Sabina passa a morar em County Cornk, na Irlanda, junto de seu conjugue e dois filhos. No ano de 2008, ela já com seus 41
anos decide visitar sua irmã e ao se reencontrarem as duas começam a apresentar comportamentos atípicos, além de idealizar
uma viagem inusitada para Liverpool.
De acordo com relatos, ambas decidem pegar um ônibus para sair da cidade e as duas começam a apresentar
comportamentos agressivos, gritavam com as pessoas e as empurravam. O motorista do ônibus pediu para que elas saíssem em
um posto de gasolina. Após o desembarque continuaram os mesmos comportamentos atípicos e o dono do posto de gasolina
(local onde desembarcaram) entrou em contato com os policiais. Ao chegarem no local, os policiais fizeram a vistoria em suas
malas e como não havia nada ilícito, permitiram que elas seguissem a viajem para Liverpool.
As irmãs decidem ir andando para a rodovia principal M6 situada no Reino Unido, onde as gêmeas decidem ir para o
meio fio da rodovia, ocasionando um caos no trânsito. Após isso, foram paradas por policias na tentativa de ajudá-las. Ao
serem abordadas, as irmãs resistiram e correram em direção aos carros no meio da avenida, demonstrando comportamento
suicida. Uma equipe de filmagem do programa de televisão Motorway Cops, o qual é transmitido por meio da emissora
original BBC- British Broadcasting Corporation, estava realizando uma matéria na rodovia quando a equipe filmou todo o cena
dos policiais em ação, segurando as duas irmãs para evitar que se suicidassem. Abaixo a Figura 3 retrata o momento em que as
irmãs demonstram comportamentos autodestrutivos, deixando em aberto a possibilidade de já estarem em um episódio
delirante.
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Figura 3 – Úrsula camisa verde e Sabina Erickson camisa vermelha: irmã gêmeas
Fonte: Emissora-BBC, (2008) como citado em Hayley & Corrie, (2021).
Pela figura se faz notório como as irmãs estavam apresentando comportamentos que colocavam em risco suas vidas
de modo impulsivo e irracional, se lançando em frente aos carros, desprezando o fato de a rodovia ser uma das maiores e mais
movimentadas rodovias do Reino Unido. Percebe-se que os policias tentam fazer com que elas tomem consciência do ato
autodestrutivo, mas as irmãs continuam agindo de forma violenta e não condizente com a realidade. Outro ponto fundamental é
que, logo após Úrsula se lançar em frente aos carros (retratada com a blusa verde), Sabina tem o mesmo comportamento (
retratada com a blusa vermelha). Mesmo quando os policiais conseguiram contê-las, ainda assim, verificaram que as irmãs
continuavam a manter o mesmo comportamento irracional, impulsivo, agressivo e extremamente similares e peculiares entre
elas, até mesmo em seus discursos quando separadas. Este video
1
mostra o episódio da rodovia.
Figuras 4-5 - Sabina atacando a policial depois de se levantar/ Ursula sendo restringida pela polícia.
Fonte: Emissora-BBC., (2008) como citado em Hayley & Corrie (2021).
Depois de contidas pelos policiais, uma Úrsula, uma das gêmeas, consegue se soltar e corre em direção a um
caminhão se jogando em sua frente, fazendo com que suas pernas ficassem esmagadas, segundos depois, sua irmã gêmea
Sabina se joga na frente de um carro, demonstrando o mesmo comportamento de sua irmã, mas não sofre ferimentos graves,
ficando desacordada por uns minutos e ao despertar começa a agredir os policiais. Neste momento, as ambulâncias chegam e
as irmãs continuam a apresentar comportamentos “estranhos”. Úrsula, mesmo com as duas pernas esmagadas, estava
extremamente agressiva, cuspia, mordia e batia nos socorristas, falava em uma língua estranha não identificada seguida da
seguinte frase:
1
Link de acesso ao vídeo a seguir: (505) The Bizarre Case of the Eriksson Twins (Ursula and Sabina) - YouTube.
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“Eu te reconheço – eu sei que você não é real”. Enquanto isso, Sabina, apresentava comportamento idêntico da sua
irmã, falava a língua não identificada da sua irmã seguida da seguinte frase “Eles vão roubar seus órgãos” (as duas já estavam
afastadas uma da outra) (Hayley & Corrie, 2021).
As gêmeas não possuíam histórico criminal ou psiquiátrico, mas após o episódio da rodovia, elas passaram por uma
avaliação médica. Na avaliação, Sabina estava agindo normalmente e foi liberada por não apresentar aparentemente risco
algum. Sabina foi acompanhada por oficiais até a entrada do ônibus que a levaria para sua casa na Irlanda. Entretanto, ela
estava somente encenando, após isso decide ir atrás de sua irmã Úrsula. Por volta das 19 horas, Sabina encontrou com o Sr.
Glenn Hollinshead e lhe pediu informações. Como estavam distantes da cidade, o Sr. Glenn a convidou para passar à noite em
sua casa.
Após chegarem à residência, Sabina começa a apresentar comportamentos estranhos, como: oferecer cigarros e
posteriormente retirar, verbalizando que estariam envenenados, ficava à espreita na janela, aparentando estar paranoica e
nervosa, deixando o proprietário da casa incomodado. Abaixo uma foto do Sr Glenn, o bom samaritano.
Figura 6 - Glenn, o bom samaritano que acolheu Sabina.
Fonte: Emissora-BBC, (2008) como citado em Hayley & Corrie, (2021).
No dia seguinte, ao anoitecer, Glenn preparou o jantar e tomou consciência de que estava faltando o sache de chá, e
decide ir à casa de seu vizinho pedir um pouco, ao retornar, se depara com a Sabina segurando uma faca dentro de sua casa. A
vítima sai de dentro da casa dizendo “Ela me esfaqueou!”. Ao todo foram quatro facadas e após o ato, ela saiu às pressas em
direção à rua com um martelo em suas mãos, martelando em sua própria cabeça (Hayley & Corrie, 2021).
Ainda neste cenário, os paramédicos estavam indo em sua direção, quando Sabina decide saltar de um viaduto na
rodovia A50 quebrando seus tornozelos e fraturando o crânio. Ainda assim, resistiu à queda e foi resgatada, sendo levada para
hospital, local onde permaneceu internada, não apresentando comportamentos delirantes ou paranóicos. Sabina e Úrsula após
diversas análises psiquiátricas e psicológicas foram diagnosticadas com uma rara patologia denominada Folie à deux,
manifestando-se como folie Imposeé.
5.2 Discussão do caso
De acordo com o caso supramencionado, iniciar-se-á, uma discussão acerca da folie Imposeé, sendo este o fenômeno
de transferência identificado no caso clínico apresentado. Os delírios de uma pessoa psicótica são transferidos para uma outra
pessoa que esteja em uma condição de vulnerabilidade psicológica, mas que ainda não apresenta sintomas e por sua vez
desencadeia ao se encontrar com o seu par dominante que está na estrutura psicótica.
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Mediante à noção psicanalítica, será abordar a psicose primária e secundária, correlacionando com caso das Irmãs
Ericksoon. Vale ressaltar que a folie à deux é um fenômeno estudado primordialmente pelos autores Lesegue e Falret, no ano
de 1877 (Felix et al., 2015).
Jacques Lacan, após os casos das irmãs Papin, ocorrido em 2 de fevereiro de 1933, em consonância com os estudos
realizados por Freud, acerca das estruturas psicóticas e neuróticas, prosseguiu com os estudos do Fenômeno Folie à deux. Vale
ressaltar que este crime (Irmãs Papin) foi de grande relevância à opinião pública francesa, como um fenômeno que diversos
autores de vários campos de estudos se aproximaram para analisar. Entre os estudiosos da época que voltaram suas atenções
para o episódio destacam-se Jean Genet, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Benjamin Peret, Jean-Pierre Denis, Niko
Papatakis, Louis Le Guillant e o jovem Jacques Lacan. “O crime das irmãs Papin foi discutido por Lacan em sua tese de
doutorado em Psiquiatria, datada de 1932: Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade. O crime teve grande
repercussão na França e foi, posteriormente, retratado no filme Entre elas (1994), dirigido por Nancy Meckler” (Toleto, 2004,
p. 76).
Segundo Lacan (2002), os delírios a dois estão na história da humanidade há milênios, sendo a mais conhecida forma
de “loucura” dentre os termos associados às psicoses, tais processos são mais comumente encontrados em sujeitos com
parentesco próximo como pais, irmãos e filhos, visto que o fenômeno ocorre mediante a uma sugestionabilidade exercida por
um indivíduo delirante o qual esteja na conjecturado na estrutura psicótica, ou seja, dominante sobre um “débil passivo”,
comumente estruturado na Neurose como reafirmado por Roudinesco (2008).
Para se entender a Folie à deux deve-se entender os conceitos acerca da psicose primária e secundária, a partir das
noções Freudianas de estrutura. A psicose primária tem como base os sintomas agudos e persistentes, os quais vêm a
corresponder à rejeição da realidade em detrimento das funções do Ego, que por sua vez estão estruturados na Psicose, desvela-
se em sujeitos que já tem uma pré-disposição a desenvolver a patologia (Freud, 2016). Já a secundária, apresenta-se de modo
diversificado no campo das estruturas, ou seja, há uma exceção nas estruturas quando se trata do Fenômeno Folie à deux. O
sujeito previamente saudável e secundário, conforme Machado et al. (2015), que, em consonância com a teoria psicanalítica,
seria receptivo por estar em uma posição de sugestionabilidade dentro da estrutura Neurótica. Tal sujeito estaria posicionado
na estrutura da psicose na “fase anal expulsiva” e na estrutura Neurótica na “fase anal retentiva”, facilitando a acessibilidade
para receber os delírios e alucinações de seu parceiro, visto que ambas as fases são próximas uma da outra (Bergeret, 1991).
Retomando a análise do caso das irmãs Erickson, os sintomas psicóticos compartilhados, começaram a se manifestar,
visivelmente, quando as duas estavam dentro do ônibus indo para Liverpool. Elas demostravam comportamentos paranóicos,
como: desvio de conduta em detrimento da realidade, desconfiança e agressividade, quando foi sugerido que olhasse suas
bolsas. Após isso, os comportamentos alucinatórios continuavam no momento em que estavam sendo socorridas, além de
comportamentos idênticos seguidos de uma fala desconexa. Hayley e Corrie (2021) comentam que as duas irmãs ficaram
feridas e o pânico se instalou ao redor delas e ambas resistiram a receber ajuda dos policiais e paramédicos. Úrsula cuspiu,
arranhou os paramédicos e gritou para um policial “Eu te reconheço – eu sei que você não é real”. Enquanto isso Sabina agia
de forma similar a Úrsula, gritando diversos insultos tanto para os paramédicos quanto para os policiais e dizendo “Eles vão
roubar seus órgãos”.
Nas falas supracitadas pode-se perceber que ambas apresentam discurso incoerente mediante a realidade concreta, em
contrapartida, as duas compartilham de uma mesma realidade delirante. Segundo Dias (2021), os primeiros sintomas da Folie à
deux seriam as falas desorganizadas, em que ambos os parceiros apresentem o mesmo discurso, uma vez que no fenômeno
apresentado se desvela primordialmente o discurso desorganizado compartilhado entre dois sujeitos ou mais sujeitos, em que
os parceiros passivos são marcados por uma certa fragilidade e são receptivos ao discursos delirante, fazendo com que a
linguagem delirante se manifeste no outro por meio do viés do discurso, nota-se que o parceiro receptivo mostra grandes
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mudanças em seu comportamento, adequando-se ao discurso do dominante, a comunicação, então, na medida em que é uma
mediação discursiva entre dois sujeitos ou mais os quais participam do mesmo campo de linguagem e da compreensão dela,
podem levar a uma psicose induzida/comunicada (Dias, 2021).
Segundo Machado et al. (2015), os parceiros que recebem o delírio e os que projetam se encontram em estruturas
diversificadas um do outro, sendo o psicótico primário, o dominante e o secundário são quem recebem a realidade delirante, ao
passo que, quando os parceiros são separados os delírios tendem a desaparecer enquanto o outro permanece dentro da realidade
psicótica, ou seja, o primário.
Com base no caso das irmãs dentro da noção psicanalítica pode-se pontuar que Sabina é a primária e Úrsula a
secundária. A primária tende a ser dominante, já que ao ser separada de sua irmã, além de permanecer em uma realidade
psicótica, continua com os delírios e ainda comete um assassinato, na tentativa de achar novamente seu par (sua irmã),
automutilando-se com martelo e tentando suicídio ao fugir da cena do crime. Úrsula, apresentou remissão dos sintomas
imediatos ao ser separada de Sabina, não apresentando mais comportamentos agressivos, atípicos ou delirantes. Vale ressaltar
que foram realizados exames toxicológicos e não foi detectada nenhuma alteração no exame. O fato de Úrsula apresentar a
remissão dos sintomas imediatos e não permanecer no delírio, faz com que ela se encaixe da psicose secundária.
No momento em que as irmãs foram separadas, Sabina no início tem a remissão dos sintomas, mas adiante seus
delírios retornam. Hayley e Corrie (2021) comentam que o comportamento de Sabina mudou completamente em relação à
forma como ela estava agindo na rodovia. Ela brincava com os policiais, mostrou-se amigável e calma e não perguntou sobre a
irmã. Em algum momento Sabina comenta para um oficial “Dizemos na Suécia que um acidente raramente acontece sozinho.
Normalmente, pelo menos mais um o segue – talvez dois”.
Outro ponto a se abordar, é após a separação das irmãs, quando Sabina ficou sozinha. Depois de sair de sua custódia
ela volta às ruas com o objetivo de encontrar sua irmã e depara-se com uma pessoa que lhe oferece sua casa para passar à noite
(Sr. Grenn). Dentro da casa, comportamentos atípicos são apresentados, “Ela parecia nervosa e paranoica e ficava
constantemente se levantando e olhando pela janela. [...] A certa altura, ela ofereceu cigarros aos dois homens, que
aceitaram, apenas para ter os cigarros arrancados rapidamente da boca deles por Sabina, que disse que eles podiam estar
envenenados, embora ela mesma estivesse fumando”(Hayley & Corrie, 2021).
Tal retratação do momento preenche os critérios diagnósticos de um delírio persecutório, como reafirmado no DSM-
V. Quando a temática principal do delírio abrange crenças acerca do sujeito em sua subjetividade, que por sua vez adentra na
realidade de que está sendo uma vítima de conspirações alheias como: espionado, enganado, envenenado, perseguido,
difamado de modo malicioso (APA, 2014).
O caso supracitado preenche os critérios diagnósticos exigidos pelo DSM-V e pelo CID10, dentro do espectro
esquizofrênico e outros transtornos psicóticos, sendo mais especifico, no transtorno delirante Folie à deux. Nos principais
sintomas diagnósticos contemporâneos a Folie à deux é nomeada como “transtorno delirante induzido” apresenta-se como
“transtorno psicótico compartilhado”, e no DSM-V aparece como psicose não especificado e/ou induzido.
De acordo com a teoria de Freud (2016), todos são constituídos em uma base de Estrutura, Perversão, Neurose e
Psicose, sendo estes (Psicose, Neurose) o cerne do fenômeno o qual Sabina primordialmente apresenta características de
psicose primária e Úrsula de psicose secundária (entre a neurose e psicose). Existe uma tendência a se considerar que apenas o
primeiro indivíduo sofre de transtorno psicótico genuíno enquanto o segundo apresenta uma adesão ao sistema delirante de
natureza basicamente sugestiva por sua fragilidade e isolamento a qual tende ou não a desaparecer com a separação dos
parceiros (Pereira, 2006).
Tem-se como base para análise deste caso o laudo criminal que foi aceito por psiquiatras, psicólogos e pelo próprio
Juiz. No laudo é relatado que as irmãs passaram por um raro fenômeno que se chama Folie á deux, e que Sabina foi
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sentenciada há cinco anos de prisão e Úrsula cumpriu sua pena livre. No entanto o presente caso foi analisado com base na
psicanálise e não de acordo com o resultado propriamente dito do laudo, dando margens para que outras perspectivas do caso
sejam apresentadas a partir de outras fundamentações teóricas.
Ressalta-se, então, uma reflexão teórica acerca da “loucura”. Segundo Freud (2016), todos nós possuímos em nossa
estrutura fragmentos de “insanidade”, mesmo quando não temos consciência de tal fenômeno, não percebemos o quanto de
crenças listadas temos e construímos em nossa vida que vão além da realidade racional. Em consequência, somos nós mesmos
que as conjecturamos, sendo governadas por tais crenças, por toda vida sem ao menos perceber que somos direcionados por
elas, porque são crenças compartilhadas entre filosofias de vida sejam elas cientificas, religiosas ou artísticas que rodeiam
nossa cultura. “É um grave erro pensar que a sanidade pode ser definida por aquilo que é o panorama dominante na cultura”.
Ressalta-se aqui a grande questão apresentada por Erich Fromm (1950/1976 como citado em Symington, 2011) que enfatizou a
possibilidade da existência de mais formas de Folie á deux, existindo também uma nova concepção. A Folie à millions uma
das razões pelas quais não temos o juízo real de nossa própria dita “loucura”, a qual seria a loucura compartilhada por meio das
culturas enraizadas em nossas ancestralidades. Não seríamos, então, todos acometidos de certas “loucuras”? E ao passo que
tomamos consciência disto, nos tornamos seres acometidas de pura sanidade? A definição da loucura sempre permeará nossa
história, atravessando crenças, cultura, estigmas, estereótipos, e fenômenos como o da Folie á deux.
6. Considerações Finais
Acredita-se que através da pesquisa podem se buscar novos olhares sobre a realidade acerca da Folie à deux, como
sendo uma condição rara e um fenômeno marcado por uma transferência de conteúdos delirantes que passam para parceiros
que compartilham de parentesco acompanhados de uma grande proximidade. Ressalta-se, que se faz relevante levantar a
questão da grande escassez de conteúdo teórico sobre este fenômeno, que além de pouco explorado é pouco disseminado; há
necessidade de que haja uma maior expansão de tal temática, pois o fato de ser uma condição rara, é que tal assunto deveria ser
argumentado com mais propriedade para que haja uma maior facilidade de apreensão do fenômeno e de suas formas de
manifestações no sujeito.
A loucura e suas formas de se apresentarem, têm-se revelado de formas enigmáticas, pragmáticas e estereotipadas,
além de haver uma grande estigmatização acerca do assunto tornando-o um tabu; Freud e Lacan foram grandes influências na
inclusão da necessidade dos estudos acerca das psicoses dentro da noção de estruturas, na qual Lacan se destaca por ser o
pioneiro do estudo do fenômeno no caso das irmãs Papin.
Chamamos aqui, em especial, Foucault com sua noção de “loucura” o qual aponta que a loucura não é um fator
vedado somente à natureza humana, mas sim, enraizado na cultura e na história, ressaltando que no dado momento em que a
psiquiatria renunciou aos “Demônios da Hagiografia” o parâmetro da visibilidade das doenças mentais advindas da psicose
mudou, relata que o historiador nem mesmo os psiquiatras pretendiam reduzir a existência do ser em sofrimento a um mero
nada ou perturbações demoníacas, pelo simples fato de astúcias das verdades humanas, enfatizando que a presença das
estruturas conceituais permitiram a libertação das amarras sociais, das ditas loucuras e da explicação nexo-causal da loucura na
natureza humana, mas pontuamos aqui; A loucura é de natureza humana? Ou a cultura é história, que constrói a noção de
loucura as lançando às margens sociais esquecendo de sua própria criação? Repensar de forma radical a maneira de se pensar
torna-se imprescindível (Focault, 1994).
Em tese se faz necessário com que haja uma análise minuciosa do Fenômeno Folie à deux, não se sabe muito sobre
este tema e a carência de informação pode acarretar problemáticas em vários aspectos de análises estruturais e fechar
possibilidades de abrir margens para novos horizontes no que concernem às psicoses, à loucura e às suas formas de
manifestações, tanto no sujeito como nos conteúdos literários.
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O presente artigo teve como objetivo ressaltar tal fenômeno que para muitos ainda se encontra ocultos até a
contemporaneidade, aumentando a visibilidade da estrutura das psicoses e dos fenômenos aqui abordado, a Folie à deux,
Psicose compartilhada, Loucura Induzida ou Sopro de Loucura.
Deste modo, é fundamental tomarmos consciência de sua condição rara, onde se faz notória a necessidade de que gere
cada vez mais teses, estudos da estrutura psicótica em suas tenacidades e a forma que se manifesta, contribuindo para a
internalização de conhecimento para acadêmicos, sociedade, e visibilidade maiores possibilidades dentro do campo criminal
em suas hermenêuticas alegóricas.
Por fim, levanta-se a necessidade de trabalhos futuros dentro deste tema em face da escassez. Entende-se que se faz
necessário a construção de trabalhos acerca de casos clínicos dentro da estrutura psicótica, validando a possiblidade da Folie à
deux estar presente em mais dimensões do que possamos imaginar. Além disso, promover mais artigos científicos que abordem
esse fenômeno psíquico possibilitará a internalização de um saber pouco explorado que, por vezes, se torna invisível para a
comunidade acadêmica e científica. O saber no campo das psicoses ainda é uma grande questão, encoberta por uma certa
resistência a explorar fenômenos que, ao olhar social, desvela-se como algo “anormal”, “assustador” e “estranho”. Para que se
possa “desvendar” o desconhecido faz-se necessário ir além das barreiras sociais e mergulhar na “busca do que ainda não se
sabe”.
Agradecimentos
Primeiramente, gostaríamos de agradecer a Deus, e ao nosso mentor Júlio Cesar Pinto, que nos orientou incentivou e
acreditou em nossa capacidade neste percurso em um assunto de pouca disseminação e complexidade, nos aperfeiçoando e
constantemente pronto a nos ajudar em toda sua maestria, além de ser um professor extraordinário. Agradecemos também aos
nossos familiares por acreditarem em nosso potencial e nos apoiar neste percurso, e em particular eu Dara Raamis, agradeço ao
meu professor Arthur Venuto Lopes Viana, sendo ele o mediador que me fez enxergar a capacidade que existia em mim para
seguir em frente, onde sua maestria em mediar minha escrita e conteúdo literário em sua docência me fez concretizar meus
anseios para além do que eu poderia imaginar.
Em suma, um momento fundamental a pontuar é, como chegamos até aqui? foram muitas descobertas no decorrer do
desenvolvimento deste artigo, conhecimentos estes adquiridas que jamais serão esquecidos, pois na medida em que
mergulhávamos nas variadas formas de saber, nosso campo de visão se tornou rico de muitos questionamentos e curiosidades
que na medida que surgiam nos mediavam, nos tornando cada vez mais sujeitos a busca constante do saber.
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