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Dos Campos para as Cidades - O papel dos produtos agroalimentares no desenvolvimento rural e nas relações rural-urbano em Portugal

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Abstract and Figures

O presente livro apresenta um conjunto de resultados obtidos no âmbito do projeto STRINGS. Importa referir que alguns dos resultados aqui divulgados foram já objeto de análise e discussão em conferências internacionais e nacionais sobre temáticas relacionadas com as várias dimensões estudadas no projeto. É igualmente importante referir que alguns dos resultados aqui apresentados foram também já apresentados em artigos científicos publicados em revistas internacionais e em capítulos de livros. Assim, esta obra pretende essencialmente divulgar aqueles resultados em língua Portuguesa, não apenas junto das entidades, agentes e indivíduos que colaboraram de perto com o projeto STRINGS, mas também junto de investigadores, professores e estudantes interessados por estas temáticas, agentes de desenvolvimento rural e do público nacional em geral. Para além disso, tendo em conta que uma parte relevante do material empírico recolhido no âmbito do projeto foi obtido durante alguns períodos de fortes constrangimentos às atividades de comercialização e consumo de produtos alimentares, devido às medidas restritivas de combate à Covid-19 (e.g. confinamentos mais ou menos prolongados e subsequentes limitações de horários do comércio alimentar, assim como o fecho de lojas em alguns períodos), o presente livro constitui-se, em certa medida, como um documento com alguma importância histórica. Isto porque retrata, até certo ponto, a forma como produtores, distribuidores, retalhistas e consumidores foram impelidos a reconfigurar algumas das suas práticas para enfrentar os efeitos socioeconómicos decorrentes da pandemia. Atendendo aos objetivos do projeto e às dimensões analisadas no âmbito do mesmo, anteriormente elencados, este volume estrutura-se em sete partes que integram treze capítulos. A primeira parte, constituída pelo presente capítulo, enquadra a relevância da temática geral do projeto STRINGS no contexto nacional, assim como apresenta os seus objetivos e os procedimentos metodológicos adotados, refletindo sobre a relevância do estudo dos percursos e papeis dos produtos agroalimentares de proveniência rural a partir das lojas urbanas especializadas na sua comercialização. A segunda parte integra três capítulos que analisam e refletem sobre a importância do comércio dos produtos agroalimentares de proveniência rural nas cidades, apresentando uma proposta de tipologia das lojas urbanas especializadas (Capítulo 2), a sua evolução e ligações com os territórios rurais com base numa análise espacial (Capítulo 3) e a caracterização dos proprietários daquelas lojas, em termos das suas motivações, mas também dos desafios que enfrentam e das suas representações, quer do papel que estas lojas podem desempenhar na valorização daqueles produtos, quer no desenvolvimento agrícola e rural do país. A terceira parte deste volume é dedicada à apresentação e discussão das estratégias de promoção e marketing utilizadas pelas lojas relativamente aos produtos agroalimentares de proveniência rural. Partindo da análise dos materiais promocionais criados e/ ou utilizados pelas lojas, procura-se assim, no Capítulo 5, discutir a forma como é realizada a promoção dos próprios produtos e dos seus territórios de origem, sem esquecer a das próprias lojas e dos seus clientes (Capítulo 6). Nesta terceira parte, com base nos dados obtidos a partir das 31 entrevistas semiestruturadas conduzidas junto dos proprietários e/ ou gerentes das lojas especializadas, analisam-se as suas montras como veículos privilegiados de divulgação e promoção de territórios e produtos. Os Capítulos 8 e 9 constituem a quarta parte desta obra, versando sobre a dimensão do consumo dos produtos agroalimentares de proveniência rural. Num primeiro momento, e a partir dos resultados obtidos junto de uma amostra de 1553 clientes das lojas analisadas, discutem-se as motivações, preferências e práticas dos consumidores deste tipo de produtos, analisando igualmente as inter-relações das mesmas com as ligações aos territórios rurais e as representações sobre os mesmos. Num segundo momento, debate-se o modo como o consumo dos produtos agroalimentares de proveniência rural contribui para a atratividade turística dos territórios de origem, determinando a sua procura. A quinta parte debruça-se sobre a produção e a distribuição dos produtos agroalimentares aqui analisados, caracterizando os seus produtores e distribuidores, as suas motivações, desafios e perceções (Capítulo 10), com base nos resultados obtidos a partir do inquérito por questionário, dirigido respetivamente a 104 produtores e 40 distribuidores. Também neste capítulo se procura procura traçar muito brevemente os percursos dos produtos entre os campos e as cidades, ou seja, desde os locais de produção até aos locais de comercialização e consumo. As representações sobre os produtos, os territórios de origem e a atividade agrícola são objeto de análise e debate na quarta parte deste livro e no Capítulo 11, a partir dos resultados obtidos junto de consumidores, produtores, distribuidores e, com menor ênfase, de retalhistas dos produtos agroalimentares rurais. Neste Capítulo discutem-se concretamente as diferenças entre os vários agentes e atores, o seu conteúdo e a forma como podem moldar diferentes motivações, práticas e imagens. Finalmente, a sétima e última parte é dedicada à sistematização e integração dos principais resultados discutidos nos capítulos anteriores, sendo igualmente apresentadas algumas linhas orientadoras que poderão informar políticas públicas destinadas à valorização dos produtos agroalimentares nacionais, assim como aos processos de produção e comercialização dos mesmos. Concretamente discute-se, no último capítulo desta obra (Capítulo 12) o papel que estes produtos têm no desenvolvimento agrícola e rural em Portugal, assim como na promoção de novas ou renovadas relações entre os campos e as cidades. Os coordenadores esperam que os capítulos reunidos neste volume possam fornecer uma visão oportuna e sustentada sobre estes aspetos em Portugal, numa época em que crescentemente se têm discutido questões a eles relacionadas, como a soberania e segurança alimentar, a produção nacional e os circuitos curtos de abastecimento alimentar, assim como a sustentabilidade agrícola e das comunidades rurais. Esperamos, assim, que o livro que agora editamos possa fornecer um contributo relevante para estes debates.
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Dos Campos para as Cidades
O PAPEL DOS PRODUTOS AGROALIMENTARES NO
DESENVOLVIMENTO RURAL E NAS RELAÇÕES RURAL-URBANO EM
PORTUGAL
COORDENAÇÃO
Elisabete FIGUEIREDO | Mónica TRUNINGER | Teresa FORTE | Alexandre SILVA |
Celeste EUSÉBIO
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Dos Campos para as Cidades
O PAPEL DOS PRODUTOS AGROALIMENTARES NO
DESENVOLVIMENTO RURAL E NAS RELAÇÕES RURAL-URBANO EM
PORTUGAL
COORDENAÇÃO
Elisabete FIGUEIREDO | Mónica TRUNINGER | Teresa FORTE | Alexandre SILVA |
Celeste EUSÉBIO
Este livro foi desenvolvido no âmbito do projeto de investigação STRINGS Selling The Rural IN
(urban) Gourmet Stores establishing new liaisons between town and country through the sale
and consumption of rural products, financiado pelo FEDER, através do COMPETE 2020
Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (POCI) (POCI-01-0145-
FEDER029281) e por fundos nacionais (PTDC/GES-OUT/29281/2017) através da FCT/MCTES.
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Ficha Técnica
Título
Dos Campos para as Cidades - o papel dos produtos agroalimentares no desenvolvimento
rural e nas relações rural-urbano em Portugal
Coordenadores
Elisabete Figueiredo
Mónica Truninger
Teresa Forte
Alexandre Silva
Celeste Eusébio
Fotografia da Capa
Elisabete Figueiredo
Edição
UA Editora
Universidade de Aveiro
Serviços de Biblioteca, Informação Documental e Museologia
1ª edição outubro de 2022
ISBN
978-972-789-809-1
DOI
https://doi.org/10.48528/pz7r-vw82
Os conteúdos apresentados são da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores. © Autores.
Esta obra encontra-se sob a Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.
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Índice
Prefácio ........................................................................................................................................................... 5
Re-connecting country and town through food
Maria Fonte
Agradecimentos ........................................................................................................................................... 10
Notas Biográficas dos Autores ................................................................................................................... 12
I Parte Introdução .................................................................................................................................... 16
Capítulo 1 ................................................................................................................................................. 17
Porquê estudar os percursos e o papel dos produtos agroalimentares de proveniência rural a partir
das lojas urbanas especializadas? o caso do projeto STRINGS
Elisabete Figueiredo, Mónica Truninger e Teresa Forte
II Parte O comércio de produtos agroalimentares de proveniência rural nas cidades ..................... 37
Capítulo 2 .................................................................................................................................................38
Uma tipologia das lojas urbanas especializadas no comércio de produtos agroalimentares de
proveniência rural Aveiro Lisboa e Porto
Alexandre Silva, Elisabete Figueiredo, Mónica Truninger, Celeste Eusébio e Teresa Forte
Capítulo 3 ................................................................................................................................................. 55
Análise espacial das lojas urbanas especializadas, sua evolução e ligações rural-urbano através dos
produtos agroalimentares de proveniência rural
Carlos Ribeiro, Jorge Rocha e Elisabete Figueiredo
Capítulo 4 ................................................................................................................................................ 80
Porquê vender os produtos rurais nas cidades? Caracterização e análise das motivações dos
proprietários das lojas urbanas especializadas
Teresa Forte e Elisabete Figueiredo
III Parte Promoção e marketing dos produtos agroalimentares de proveniência rural .................. 98
Capítulo 5 ................................................................................................................................................ 99
Entre os sabores e os lugares a promoção dos produtos agroalimentares e dos seus territórios de
proveniência
Teresa Forte, Elisabete Figueiredo e Alexandre Silva
Capítulo 6................................................................................................................................................ 119
4
Ligações fortes- retratos dos consumidores e da sua relação com lojas especializadas
Teresa Forte e Elisabete Figueiredo
Capítulo 7 ............................................................................................................................................... 136
As montras como veículos privilegiados da promoção dos territórios e produtos agroalimentares
de proveniência rural
Mónica Truninger e Alexandre Silva
IV Parte - Consumo de produtos agroalimentares de proveniência rural ........................................... 148
Capítulo 8 ............................................................................................................................................... 149
Motivações, preferências e práticas dos consumidores de produtos agroalimentares de
proveniência rural
Elisabete Figueiredo, Teresa Forte, Celeste Eusébio, Mónica Truninger, Alexandre Silva e Joana
Couto
Capítulo 9............................................................................................................................................... 170
A visita de destinos rurais e o consumo de produtos agroalimentares de proveniência rural
Celeste Eusébio, Elisabete Figueiredo e Teresa Forte
V Parte Produção e distribuição de produtos agroalimentares de proveniência rural ................... 187
Capítulo 10 ............................................................................................................................................. 188
Perfil e motivações dos produtores e distribuidores dos produtos agroalimentares de proveniência
rural
Elisabete Figueiredo, Teresa Forte, Manuel Luís Tibério, Artur Cristóvão e Joana Couto
VI Parte Representações sobre os produtos, territórios e agricultura ............................................... 211
Capítulo 11 .............................................................................................................................................. 212
Qualidade, tradição e trabalho árduo representações sobre os produtos agroalimentares, os
territórios rurais e a agricultura nacional
Elisabete Figueiredo e Teresa Forte
VII Parte Conclusão................................................................................................................................ 234
Capítulo 12.............................................................................................................................................. 235
Conclusão - Dos Campos para as Cidades o papel dos produtos agroalimentares de proveniência
rural nas novas relações rural-urbano e no desenvolvimento rural
Elisabete Figueiredo, Mónica Truninger, Teresa Forte, Alexandre Silva e Celeste Eusébio
Anexos ........................................................................................................................................................ 255
5
Prefácio
Re-connecting country and town through food
Maria Fonte
Consultant of the STRINGS project.
Professor at The American University of Rome, Italy | Project Professor Asian Platform for Global Sustainability
& Transcultural Studies, Kyoto University, Japan. mcfonte@icloud.com, https://orcid.org/0000-0003-1174-8826
Since the 1960s the concept of ‘rural’ and rural economy has been contested. In 1972 in his
presidential address to the Rural Sociological Society James Copp stated: “There is no rural
and there is no rural economy. It is merely our analytical distinction, our rhetorical device”
(Copp, 1972: 519). And in 1990, about 20 years later, Keith Hoggart wrote: The broad
category ‘rural’ is obfuscatory…since intra-rural differences can be enormous and rural-urban
similarities can be sharp” (Hoggart, 1990: 245).
The contexts were different. James Copp was reacting to a tradition of thinking in terms of
dichotomies, where rural and urban represented two different and separated social and
economic worlds. Rurality represented the place of community with its unchanging
traditions and sociality determined mostly by personal, affective, informal relations. The
urban represented the heterogeneity of society, with its division of labour and specialised
social roles. In this representation ‘rurality’ could be thought either as lagging behind to
urban (no infrastructures, no technical progress) or as an ‘idyll’ (beauty, order, simplicity,
grass-root democracy). The political economy approach, while placing production relations
at the heart of the analysis of agriculture and rural areas, dismantled any legitimacy of the
dichotomous approach and fore headed the birth of a new rural sociology that focussed its
attention on the economic structure, more than on social relations (Newby, 1983).
In the 1990s, the modernization project was already in crisis. Since the 1980s the European
Union had been going through a progressive reform of its Common Agricultural Policy and
it was clear that there were many rural economies’ that required differentiated policy
interventions. The 1988 Communication of the European Commission’s The Future of Rural
Society made clear that the countryside could take many forms and furthermore
agriculture was not anymore the only and not even the most important activity in its
economy.
6
At theoretical level, in the same period, in the shift to globalization and post-structuralism,
positivist and political economy approaches to rurality were displaced by cultural
approaches. The rural became a social representation’, a category of thought’ (Mormont,
1990). The weakening and re-articulation of social structures and nation-states directed
attention to the global flows of people, information and objects. Networksemerged as a
useful concept to analyse the new economy’s fluid configurations in a vision of endogenous
and neo-endogenous rural development.
According to Murdoch (2006), rurality was better understood following the constellation of
social, political, economic networks that differentiated rural spaces. Woods (2010) while
underlining the interconnection of rural and urban places in the global economy, elaborated
the concept of a global countryside’ emphasising the capacity of rural places to influence
and negotiate their own future. Bettina Bock (2016) finally directed attention to
marginalized, remote rural places, emphasising the role of social innovation into a new type
of nexo-genous rural development, attentive to social inclusion. In all these visions some
agency’ was given back to rural places.
Relational rurality fits well into the Mediterranean tradition of rurality, where the link
between country and town settled around spatial and economic integration, rather than
separation and conflict, as in the model of industrial districts. But nothing better than food
can express the relational connections between country and town. Food is at the core of
social intimate relationships among humans as well as at the base of the relation among
human and non-human living forms. It is an important builder and vehicle of cultural
identity and social cohesion. Around food, knowledge of the locality and the territory has
been developed in rural communities, especially in the Mediterranean region, where the
countryside has always been seen as a productive countryside.
As Carolyn Steel well argued in her book The Hungry City (2008), since historical time food
and the relation to countryside has characterised the development of the city. In the
industrial society, though, food has become invisible’ in/to the city. The citizen/consumer
does not know where food comes from, how it is produced, how it is processed.
In the new century, it was a task of the new social movements on local food and urban
agriculture’ to show how food is not an exclusive rural concern. They made manifest the
absurdity of the puzzling omission’ (Morgan, 2009) of food from the city and from urban
planning. It is not only a matter of underlining the significance of urban agriculture and
novel forms of food production alternative proteins, lab meat, or vertical agriculture,
which could actually strengthen the trend towards urbanization and rural depopulation -,
but more urgently a way to overcome socio-spatial inequality, a matter of re-establishing
healthy balanced relations between country and town, consumers and producers of food,
human and non-human living beings.
7
One important question emerges: is a balanced relation between country and town still
possible and will it be possible in the future? New challenges face the rural places and rural
planning.
Sociologists and geographers speak of a planetary urbanization that seems to erode rural
spaces and cultures (Brenner and Schmid, 2014). Since 2007 more than half population lives
in cities and towns; the percentage has grown to 55% in 2018 and is prospected to grow up
to about 68% by 2050 (UNDESA, 2019). In this new urbanised world, what is the future of
rural places?
The corollary of planetary urbanization is rural depopulation. Do we have to think of the
countryside as places where the people are disappearing from, places reclaimed for re-
wilding, designated to be a human-free natural reserve as E.O. Wilson imagined and
proposed in Half Planet?
In this scenario rural and urban are completely separated. People living in cities and towns
are imagined almost completely self-sufficient for food production. Novel foods (e.g. lab
meat) would substitute for animal proteins and novel forms of food production in
controlled environment (e.g. indoor farming systems and vertical agriculture) would
substitute for land. The countryside is seen as wilderness, on the one side, or absolving
functions in service of the city, on the other side: playground, dumping ground, a site for
the deployment of renewable energy plants (wind or solar farms or even sites for the
cultivation of biomass), resource sink, or provider of ecosystems services (Scott, Gallent and
Gkartzios, 2019: 22).
Against this representation, the tradition of Mediterranean agrarian and rural culture
claims a re-vitalization of rural places in a post-carbon society, where ‘rural’ still matters
and not only as a resource base, food basket or beautiful landscape for urban citizens. It
matters because rural places can support sustainable lifestyles, can be enabled through
policies and rural planning - as ‘social spaces’ where people interact while building liveable
communities with a territorial identity.
In this tradition, to meet a growing food demand from a growing population, to combat
climate change and to ensure food security, we have to work for and build vibrant rural
economies connected to urban areas through regional economies. And this requires for
planning theory and practice to engage proactively with rural regions and localities and not
simply cast these places as residual” (Scott, Gallent and Gkartzios, 2019:1).
In the last decades local food movements have reclaimed the quality of food linked to the
territory, in the name of civic, environmental and social justice values, as a way to
strengthen environmental sustainability and community relations.
Food is mobilised in different dynamics of rural development that:
8
Engender new market relationships (e.g. value-based territorial networks, nested
markets, rural tourism) that imply a stricter relation among producers and
consumers and improved knowledge of the local food production;
Strengthen local territorial economies through synergies between economic
sectors: agriculture industry service;
Valorise new proximate country-town relationships through ecological and food
identities;
Stimulate new forms of bottom-up governance (City Policy Council);
Favour the exchange of knowledge and empower the local (rural and urban)
community.
The rich literature on local agriculture has been concentrated on analysing the local food
production for the local consumers’ through short food supply chains and alternative food
networks that stress the direct link between producers and consumers. Less attention has
been given, though, to other hybrid configurations, involving more actors, like the retailing
industry, chefs and restaurants.
The STRINGS project - Selling The Rural IN (urban) Gourmet Stores establishing new
liaisons between town and country through the sale and consumption of rural products, fills
at least partially this void, as it has its focus on analysing supply chains that operate at longer
distance in Portugal, showing how important it is to maintain the connection between
country and town and to project rural development inside a vision of regional development
and differentiated countryside. The urban gourmet shops’ are identified as an important
node in the relation between producers and consumers and as main agents in the
valorisation and promotion of quality products with a territorial identity. Gourmet shops
narrate to urban citizens the identities and the stories of rurality through territorial
products, contributing to diffuse the knowledge of both rural areas and rural culture.
More than that, as the results of the project show, food with territorial identity, through
gourmet or speciality shops, is able to create added value by linking agriculture, special
quality products, culture, experience and tourism in a relation that is beyond the separation
of urbanity and rurality and may foster development in the most remote areas.
The results of the STRINGS project, presented in this volume, demonstrate the importance
of maintaining this connection and may give policy makers, urban and rural planners
suggestions and inspiration on how a more balanced and equitable spatial relation may take
form in the Mediterranean regions.
References
Bock, B. (2016). Rural Marginalisation and the Role of Social Innovation; A Turn Towards
Nexogenous Development and Rural Reconnection. Sociologia Ruralis, 56(4): 552-573
9
Brenner, N. and C. Schmid (2014). The ‘Urban Age’ in Question. International Journal of
Urban and Regional Research, May 2014: 731-755.
Copp, J. H. (1972). Rural Sociology and rural development. Rural Sociology, 37: 515-533.
Hoggart, K. (1990). Let’s do away with rural. Journal of Rural Studies. 6: 245-257.
Morgan, K. (2009). Feeding the City: The Challenge of Urban Food Planning. International
Planning Studies, 14(4): 341-348.
Mormont, M. (1990). Who is rural? Or, how to be rural: towards a sociology of the rural. In
T. Marsden, P. Lowe and S. Whatmore (Eds.) Rural Restructuring, London, David Fulton:
21-44.
Murdoch, J. (2006). Networking Rurality: emergent complexity in the countryside, in
Clocke, P. Marsden, T. and Mooney, P. (Eds.). Handbook of Rural Studies, London, Sage:
171-184.
Newby, H. (1983). The Sociology of Agriculture: Towards a New Rural Sociology. Annual
Review of Sociology, 9: 6781.
Scott M., Nick Gallent and Menelaos Gkartzios (2019). The Routledge Companion to Rural
Planning, London and New York, Routledge.
Steel, C. (2008). Hungry City: How Food Shapes our Lives, Chatto & Windus.
United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2019).
World Urbanization Prospects: The 2018 Revision (ST/ESA/SER.A/420). New York,
United Nations.
Wilson, Edward Osborne, (2016). Half Planet: Our Planet Fight for Life, New York, Liveright
Publishing Corporation.
Woods, M. (2007) Engaging the global countryside: globalization, hybridity and the
reconstitution of rural place. Progress in Human Geography, 31(4), 485507.
10
Agradecimentos
A equipa coordenadora do presente livro gostaria de agradecer, em primeiro lugar, a todas
as pessoas e entidades que colaboraram com o projeto STRINGS - Selling The Rural IN
(urban) Gourmet Stores establishing new liaisons between town and country through the
sale and consumption of rural products, ao longo dos últimos quatro anos, muito
particularmente àqueles que tornaram possível a recolha e a análise de dados no âmbito do
mesmo. Assim, começamos justamente por agradecer aos 119 proprietários e gerentes das
lojas urbanas especializadas no comércio de produtos agroalimentares de proveniência rural
(localizadas em Aveiro, Lisboa e Porto) que colaboraram com o projeto desde o primeiro
momento, designadamente nas respostas a questionários e entrevistas, na disponibilização
de materiais promocionais e dos espaços das suas lojas para contacto com os clientes, assim
como na divulgação dos contactos dos produtores e distribuidores com quem trabalham.
Agradecemos igualmente aos 1553 clientes daquelas lojas, aos distribuidores (40) e
produtores (104) que com elas trabalham diretamente, por terem generosamente cedido
uma parte do seu tempo para responderem a inquéritos por questionário, presencialmente,
online ou telefonicamente. Sem a sua colaboração teria sido impossível concretizar os
objetivos do projeto STRINGS, assim como as diversas publicações e eventos científicos que
ao longo dos anos foram sendo realizados, entre os quais se inclui o presente livro.
O contributo de todas estas pessoas e entidades, a sua enorme disponibilidade e
generosidade na partilha de informações, tornaram possível uma melhor compreensão das
motivações, práticas, estratégias e representações associadas à comercialização, consumo,
distribuição e produção dos produtos agroalimentares de proveniência rural. No projeto
STRINGS, assim como no presente livro, não se tratou apenas de conhecer aqueles processos
e dinâmicas, mas também de analisar os percursos dos produtos dos campos para as cidades,
compreendendo os seus impactos nos territórios de proveniência dos produtos e no seu
desenvolvimento, atratividade e sustentabilidade, assim como o contributo que podem dar
para a promoção de novas ou renovadas relações entre os territórios rurais e os territórios
urbanos que, acreditamos, poderão desempenhar um papel crucial na redução das
persistentes assimetrias territoriais em Portugal. A análise e compreensão de todas estas
dimensões e processos não teria sido também evidentemente possível sem a colaboração de
todas as entidades e pessoas já mencionadas.
No mesmo sentido, queremos agradecer a todos os investigadores, estudantes de mestrado,
estudantes de doutoramento, bolseiros de investigação e colaboradores que, ao longo de
quatro anos se empenharam no projeto e na prossecução dos seus objetivos. Agradecemos
11
ainda aos consultores do projeto STRINGS Artur Cristóvão e Maria Fonte pelos seus
comentários, sugestões e apoio, que foram fundamentais. Agradecemos também a todas as
pessoas que participaram nos eventos realizados no âmbito do projeto, designadamente no
Workshop de apresentação dos resultados e na Conferência Internacional, e que, através das
suas apresentações e questões, contribuíram para a discussão frutífera das dimensões que o
projeto analisa e, consequentemente, para a sua maior compreensão.
O projeto STRINGS, assim como os seus resultados, se tornaram possíveis através da
colaboração estreita de pessoas e serviços de várias instituições. Assim, agradecemos à
Universidade de Aveiro, ao Instituto de Ciências Sociais e ao Instituto de Geografia e
Ordenamento da Universidade de Lisboa e à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
quer a disponibilidade para acolher o projeto, quer todo o apoio administrativo e logístico,
sem os quais seria difícil conduzir os trabalhos. Agradecemos também, naturalmente, o
apoio financeiro concedido ao projeto STRINGS, para o desenvolvimento de todas as suas
atividades, pelo FEDER, através do COMPETE2020 Programa Operacional
Competitividade e Internacionalização (POCI) (POCI-01-0145-FEDER029281) e por fundos
nacionais, através da FCT/MCTES (PTDC/GES-OUT/29281/2017). Finalmente, agradecemos
à Luiza Nora pela revisão técnica e bibliográfica de alguns capítulos deste volume e,
naturalmente, à UA Editora o empenho e apoio na publicação deste livro.
Elisabete Figueiredo, Mónica Truninger, Teresa Forte, Alexandre Silva e Celeste Eusébio
12
Notas Biográficas dos Autores
Alexandre Silva - alexandre.silva@ics.ulisboa.pt
Sociólogo,com doutoramento em Sociologia pelo ISCTE-IUL. Foi
investigador no projeto STRINGS - Selling The Rural IN (urban) Gourmet
Stores establishing new liaisons between town and country through the
sale and consumption of rural products (PTDC/GES-
OUT/29281/2017/POCI-01-0145-FEDER-029281 em que trabalhou sobre
o papel dos produtos alimentares na reconfiguração das relações rural-
urbano e no projeto SafeConsume financiado pela União Europeia
através do programa Horizon 2020 (grant agreement Nº 727580) em que
trabalhou sobre questões higieno-sanitárias no consumo alimentar.
https://orcid.org/0000-0001-7273-567X
Artur Cristóvão - acristov@utad.pt
Artur Cristóvão. Professor Catedrático aposentado do Departamento
de Economia, Sociologia e Gestão da Escola de Ciências Humanas e
Sociais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD=.
Licenciado em Engenharia Agronómica, Instituto Superior de
Agronomia da Universidade (Técnica) de Lisboa (1978). Mestre e
Doutor em Educação Contínua e Vocacional, especialidade de
Extensão Educativa, pela Universidade de Wisconsin-Madison, EUA
(1984/1986). Investigador e Coordenador de Projetos de Investigação
na área dos estudos rurais, com ênfase nas seguintes temáticas:
Extensão, Formação e Desenvolvimento, Actividades Alternativas e
Criação de Emprego em Áreas Rurais, Sistemas Alimentares
Alternativos, Organizações e Agentes de Desenvolvimento Local,
Qualificação de Organizações do Terceiro Sector.
https://orcid.org/0000-0002-8501-5169
13
Carlos Ribeiro - carlos.ribeiro93@hotmail.com
É licenciado em Geografia (Universidade do Porto) e Mestre em
Planeamento Regional e Urbano (Universidade de Aveiro) e em
Sistemas de Informação Geográfica (Universidade do Porto).
Desenvolveu a sua tese de mestrado em Planeamento Regional e
Urbano sob o tema “Análise Espacial para a compreensão das ligações
rural-urbano através dos produtos agroalimentares: o caso do projeto
STRINGS”, no âmbito do projeto STRINGS - Selling The Rural IN (urban)
Gourmet Stores establishing new liaisons between town and country
through the sale and consumption of rural products (PTDC/GES-
OUT/29281/2017/POCI-01-0145-FEDER-029281). Atualmente é Oficial
do Exército no Centro de Informação Geoespacial do Exército.
Celeste Eusébio celeste.eusebio@ua.pt
É Professora Associada no Departamento de Economia, Gestão,
Engenharia Industrial e Turismo. É investigadora da Unidade de
Investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas
(GOVCOPP), da Universidade de Aveiro. Atualmente, é coordenadora
da Área Científica de Turismo e Diretora da licenciatura em Gestão e
Planeamento em Turismo. Os seus interesses de investigação são nas
áreas de economia do turismo, impactes do turismo, turismo
sustentável, turismo acessível, turismo social e previsão do
comportamento do consumidor em turismo. Esteve, e está envolvida,
em vários projetos de investigação e é autora e coautora de várias
publicações em revistas, livros e atas de conferências, nacionais e
internacionais. https://orcid.org/0000-0002-2220-5483
Elisabete Figueiredo elisa@ua.pt
É socióloga, professora associada com agregação no Departamento de
Ciências Sociais, Políticas e do Território, investigadora no GOVCOPP
Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Políticas
Públicas, Universidade de Aveiro e investigadora associada do CETRAD
Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento, da
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. É atualmente
coordenadora dos projectos STRINGS - Selling The Rural IN (urban)
Gourmet Stores establishing new liaisons between town and country
through the sale and consumption of rural products e ShareFOREST -
Sharing decisions in forests participatory methodology for public and
stakeholder engagement in the - protection and valorisation of forests in
Portugal. Os seus principais interesses de investigação relacionam-se
com a sociologia rural e os estudos rurais; turismo rural;
14
desenvolvimento rural; sociologia do ambiente; perceções de risco.
https://orcid.org/0000-0001-7170-3369
Joana Couto joanascouto@ua.pt
É licenciada em Administração Pública, com Menor em
Ordenamentodo Território e Urbanismo, pela Universidade de Aveiro.
Encontra-se a concluir o Mestrado em Planeamento Regional e Urbano
pela mesma Universidade. Foi Bolseira de Investigação Científica no
projeto STRINGS - Selling The Rural IN (urban) Gourmet Stores
establishing new liaisons between town and country through the sale and
consumption of rural products (PTDC/GES-OUT/29281/2017/POCI-01-
0145-FEDER-029281).
Jorge Rocha - jorge.rocha@campus.ul.pt
É Professor Auxiliar do Instituto de Geografia e Ordenamento do
Território e membro dos grupos de investigação “Modelação,
Ordenamento e Planeamento Territorial” e “Avaliação e Gestão de
Perigosidades e Risco Ambiental” do Centro de Estudos Geográficos, todos
da Universidade de Lisboa. É coordenador do Laboratório de deteção
remota, análise e modelação geográfica (GeomodLab). Publicou em vários
periódicos de grande projecção, como Science of the Total Environment,
Journal of Travel Research, Ecological Indicators, Transportation Research
Part D: Transport and Environment, Land Use Policy, Current Issues in
Tourism e Applied Geography. A sua área de investigação é a Geossimulação
e a Geocomputação envolvendo Detecção Remota, Redes Neuronais
Artificiais, Teoria dos Grafos, Autómatos Celulares e Sistemas
Multiagentes. https://orcid.org/0000-0002-7228-6330
Manuel Luís Tibério mtiberio@utad.pt
Licenciado em Engenharia Zootécnica, Mestre em Extensão e
Desenvolvimento Rural, Doutor em Ciências Humanas e Sociais,
Especialidade Ciências Agro Sociais. Investigador do Centro de
Estudos Transdisciplinares para o desenvolvimento (CETRAD).
Professor Auxiliar, exerceu funções de Diretor de Departamento
(2013_2017) e de Presidente de Escola (2017_2021). As principais áreas
de investigação estão focadas na valorização dos recursos locais e
desenvolvimento da agricultura familiar e territórios agro-rurais. A
comercialização, o marketing e a valorização de produtos
agroalimentares tradicionais, os sistemas alimentares locais, a
15
inovação e os circuitos alternativos de comercialização, são áreas de
interesse onde que tem vindo a desenvolver estudos. Nestes domínios
tem-se envolvido em projetos de investigação e tem publicado diversos
artigos em revistas nacionais e internacionais da especialidade.
https://orcid.org/0000-0001-5489-7368
Mónica Truninger - monica.truninger@ics.ulisboa.pt
É doutorada em sociologia pela Universidade de Manchester e
investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade
de Lisboa (ICS-ULisboa). Tem coordenado vários projetos nacionais e
internacionais sobre consumo alimentar sustentável, segurança dos
alimentos e práticas dos consumidores, significados e práticas de
retalhistas e consumidores sobre frescura alimentar, pobreza e
insegurança alimentares em famílias com crianças. Publicou o livro
Hábitos Alimentares dos Portugueses em 2020 pela Fundação Francisco
Manuel dos Santos. O seu livro mais recente Sustentabilidade e
Alimentação: Segundo Grande Inquérito em Portugal (em coautoria)
foi publicado em 2022 pela Imprensa de Ciências Sociais. Desde 2019
que coordena o grupo de investigação SHIFT - Ambiente, Território e
Sociedade do ICS-ULisboa. É a co-cordenadora do projeto STRINGS.
https://orcid.org/0000-0002-4251-2261
Teresa Forte teresaforte@ua.pt
Psicóloga, com doutoramento europeu em Representações Sociais e
Comunicação pela Universidade La Sapienza de Roma, Itália. Foi
investigadora contratada no projeto STRINGS - Selling The Rural IN
(urban) Gourmet Stores establishing new liaisons between town and
country through the sale and consumption of rural products
(PTDC/GES-OUT/29281/2017/POCI-01-0145-FEDER-029281. Os seus
principais interesses de investigação relacionam-se com comunicação
política, comunicação de ciência, políticas públicas de saúde e de
desenvolvimento sustentável. https://orcid.org/0000-0003-3817-7410
16
I Parte Introdução
17
Capítulo 1
Porquê estudar os percursos e o papel dos produtos agroalimentares de proveniência
rural a partir das lojas urbanas especializadas? o caso do projeto STRINGS
Elisabete Figueiredo, Mónica Truninger e Teresa Forte
1.1. Introdução
O presente livro reúne os principais resultados do projeto STRINGS - Selling The Rural IN
(urban) Gourmet Stores establishing new liaisons between town and country through the
sale and consumption of rural products
1
, desenvolvido entre outubro de 2018 e outubro de
2022 e financiado pelo FEDER, através do COMPETE 2020 Programa Operacional
Competitividade e Internacionalização (POCI)
2
e por fundos nacionais através da
FCT/MCTES
3
.
O projeto STRINGS, tal como o presente livro, encontra-se ancorado, por um lado, nas bem
documentadas transformações dos territórios rurais na Europa e em Portugal, desde
algumas décadas (e.g. Figueiredo, 2011; 2013; Oliveira Baptista, 2006). Em consequência
destas transformações, em grande medida associadas a alterações significativas na atividade
agrícola (Oliveira Baptista, 1996; 2006; Rolo, 1996; Rolo e Cordovil, 2014), as áreas rurais
portuguesas enfrentam atualmente novos desafios que parecem poder resultar em
relevantes processos de reconfiguração, tanto para aquelas áreas como para as relações
estabelecidas com os contextos urbanos. Contrariamente às dimensões e direções das
transformações mencionadas, estes processos estão longe de ser completamente
conhecidos. Apesar da escassez de estudos mais atuais sobre os processos de reconfiguração
dos territórios rurais e de reestruturação das relações entre as cidades e os campos, dados
estatísticos recentes (e.g. Rolo e Cordovil, 2014) demonstram as perdas continuadas em
termos de dinâmicas populacionais do interior (maioritariamente rural) Português, que são
simultaneamente causa e consequência do seu declínio socioeconómico e da erosão das suas
ligações ao litoral (maioritariamente urbano). Neste sentido, as assimetrias persistentes e
duradouras entre o interior e o litoral do país não deixaram de ser reforçadas ao longo dos
últimos anos, sendo os territórios rurais a parte mais vulnerável destas relações assimétricas.
1
Para mais informações sobre o projeto, publicações e eventos realizados no âmbito do mesmo, consultar:
https://www.stringsproject.pt/
2
Referência: POCI-01-0145-FEDER029281
3
Referência: PTDC/GES-OUT/29281/2017
18
Muitos destes territórios foram progressivamente sendo transformados, também em
resultado de orientações e decisões políticas, de lugares de produção em espaços
multifuncionais, nos quais as atividades orientadas para o consumo têm assumido crescente
relevância (Figueiredo, 2011; Halfacree, 2007; Soares da Silva et al., 2016). As atividades
relacionadas com o turismo incluindo a gastronomia, prova e aquisição de produtos
agroalimentares locais e tradicionais representam ativos muito importantes no âmbito do
rural multifuncional, sendo crescentemente valorizados pelas populações urbanas e
contribuindo, assim, para revalorizar algumas produções agrícolas e para promover o
desenvolvimento sustentável das comunidades rurais (e.g. Figueiredo, 2013; Figueiredo e
Raschi, 2012; Fonte, 2008; Renko et al., 2010; Soares da Silva et al., 2016; Vieira e Figueiredo,
2010).
Por outro lado, o projeto encontra-se igualmente ancorado no reconhecimento
relativamente consensual e bem documentado do interesse crescente dos consumidores
(maioritariamente urbanos) nos produtos agroalimentares tradicionais, locais, de
qualidade, produzidos em pequena escala e certificados (oficialmente ou não) (Eusébio et
al., 2017; Johnston e Bauman, 2010; Paulino, 2011; Nunes, 2011; Truninger, 2010; Truninger et
al., 2022) e nos impactos geralmente positivos que estes processos podem induzir nos
territórios rurais (Ilbery e Kneafsey, 2000; Fonte, 2008; Marsden e Sonino, 2008). Existe
igualmente um cada vez maior apoio político da parte da União Europeia (UE) para a
produção deste tipo de produtos e, particularmente, para a sua certificação oficial que
permite a sua preservação, diferenciação e melhor compreensão do seu carácter específico
e único (e.g. DeSoucey, 2010; Gangjee, 2017; Pieniak et al., 2009; Rodrigo e Ferragolo da
Veiga, 2010; Tibério e Diniz, 2012). Apesar deste interesse e apoio, reduzida evidência
científica tem sido produzida sobre o papel central de outros agentes fundamentais como
os retalhistas de pequena e média escala no processo de valorização e promoção dos
produtos agroalimentares de proveniência rural. Reconhecendo esta lacuna, o projeto
STRINGS deriva também da constatação da emergência, especialmente ao longo da última
década (Silva et al. 2021), das chamadas lojas gourmet ou especializadas no comércio deste
tipo de produtos no centro das cidades e do papel que as mesmas podem desempenhar nas
dinâmicas anteriormente mencionadas.
Os diversos estudos conduzidos sobre estes tópicos (e outros relacionados) têm focado
principalmente os territórios rurais de produção e/ ou as práticas de consumo,
negligenciando o papel que as lojas urbanas especializadas podem desempenhar na
disseminação e promoção dos produtos agroalimentares tradicionais, de proveniência rural,
entre as populações urbanas residentes e os turistas. Ainda que alguns trabalhos académicos
principalmente da chamada literatura cinzenta como o de Paulino (2011) e Nunes (2011)
tenham enfatizado o crescimento deste tipo de lojas nos centros urbanos, escassa
investigação tem sido efetivamente conduzida sobre as motivações dos comerciantes, o tipo
de produtos que comercializam, a proveniência desses produtos, a promoção e o marketing
dos mesmos, assim como sobre as ligações que têm e promovem com os territórios rurais,
19
agricultores e produtores (e.g. Kneafsey et al., 2017). Ao comercializarem produtos locais e
tradicionais, geralmente percecionados como de maior qualidade e apresentando
características únicas (e.g. Figueiredo, 2021; Fonte, 2008), as lojas especializadas oferecem
uma ‘parte do campo’, uma parte de terroirs específicos, uma parte da identidade cultural
(e também regional e nacional) (Figueiredo, 2021), determinado savoir-faire e uma
particular visão do mundo (Bessière, 1998; Figueiredo, 2021). Como têm demonstrado
alguns autores (Bessière, 1998; Figueiredo, 2013; 2021; Figueiredo e Raschi, 2012; Fonte e
Papadopoulos, 2008; Montanari, 2006; Sims, 2009) a alimentação, a gastronomia, a culinária
e os produtos agroalimentares são uma parte muito relevante da cultura e identidade de um
território, refletindo os seus aspetos materiais e imateriais, tais como as condições biofísicas,
as principais produções agrícolas, atividades, tradições e savoir-faire. Neste sentido, tal
como escreveu Bessière (1998: 24), “food is more than just food”, uma vez que coloca os
indivíduos (produtores, comerciantes, intermediários e consumidores) num “universo
particular e numa organização cultural” (idem, ibidem). Assim, a alimentação e os produtos
agroalimentares podem ser considerados como importantes patrimónios de uma
comunidade, de uma região e/ ou de um país (Figueiredo, 2021; Fonte, 2008) e uma
construção social e cultural (Bessière, 1998; Montanari, 2006).
Devido aos atributos mencionados, um número crescente de consumidores parece cada vez
mais interessado em provar e adquirir produtos tradicionais locais (e.g. Truninger, 2014;
Truninger et al., 2022). Os consumidores destes produtos tradicionais e diferenciados
tendem a valorizar a sua autenticidade, também socialmente construída através das
perceções e sua disseminação de produtores, comerciantes e dos próprios consumidores
(e.g. Figueiredo, 2021; Johnston e Bauman, 2010). Como veremos posteriormente, a perceção
dos produtos agroalimentares como mais autênticos fundamenta-se em várias dimensões,
como as especificidades geográficas dos locais de proveniência, a simplicidade, o carácter
artesanal das produções, a história e a tradição, assim como as relações pessoais com
produtos e territórios de proveniência particulares (e.g. Figueiredo, 2021; Figueiredo et al.,
2022; Johnston e Bauman, 2010; Pieniak et al., 2009; Truninger e Sobral, 2011). Os
consumidores que compram regularmente em lojas gourmet ou especializadas, como as que
se analisam neste livro, tendem a possuir maiores qualificações académicas e rendimentos
mais elevados, assim como a procurar produtos de elevada qualidade como forma de
distinção e satisfação pessoal (em linha com o que refere Baudrillard (1975) referindo-se ao
consumo em geral, e Mapes (2020) referindo-se aos produtos agroalimentares tradicionais).
Embora a maior parte dos estudos sobre a comercialização de produtos agroalimentares
tradicionais tenda a enfatizar a importância de comprar e vender localmente (e.g. Marsden
e Sonnino, 2008; Wilson, e Whitehead, 2012), sublinhando a importância das cadeias curtas
e das redes de abastecimento alternativas (e.g. González-Azcárate et al., 2021; Renting et al.,
2003) e sem querer negar a grande relevância destas dinâmicas para a promoção do
desenvolvimento agrícola e rural sustentável, o facto é que a maior parte dos consumidores
residem em contextos urbanos e adquirem os produtos alimentares nas suas áreas de
20
residência (e.g. Eusébio et al., 2017). É neste contexto que se consideram as oportunidades
que as lojas urbanas especializadas ou gourmet podem representar para o desenvolvimento
rural e para a reestruturação das relações rural-urbano. Localizando-se nos centros urbanos,
em muitos casos no coração das cidades, estas lojas podem também atrair consumidores
internacionais, promovendo e vendendo as tradições alimentares nacionais e fomentado,
pelo menos em parte, o seu interesse nas economias, sociedades e culturas rurais. Deste
modo, podem também contribuir para o aumento da procura e consumo turísticos desses
territórios assentes em outras (para além das alimentares e gastronómicas) dimensões da
ruralidade.
Analisar todos estes processos e dimensões revela-se, assim, de especial interesse, sobretudo
porque, como referimos, podem contribuir de forma decisiva para induzir ou reforçar novas
ou renovadas relações entre os territórios rurais e os territórios urbanos, assim como reduzir
as persistentes assimetrias entre o interior e o litoral em Portugal, através da valorização
dos produtos agroalimentares rurais, da promoção da produção agrícola e do maior
interesse nas áreas rurais. Estes aspetos podem contribuir igualmente para a diversificação
económica destas áreas e para promover o desenvolvimento sustentável das comunidades
rurais (Figueiredo, 2021; Morris e Buller, 2003; Murdoch et al., 2000). Adotando abordagens
teóricas e metodológicas multidisciplinares e multinível, o projeto STRINGS procurou
empreender esta análise, a qual permitiu compreender e mapear os processos e dinâmicas
mencionados, quer a um nível mais macro, quer a um nível mais micro. Estas abordagens
permitiram também traçar a trajetória dos produtos desde a sua comercialização e
consumo, até à sua produção. Assim, tomando as lojas urbanas especializadas no comércio
dos produtos agroalimentares de proveniência rural (ou as lojas gourmet, como também as
designamos) como ponto de partida para a análise, procurou-se, num primeiro momento,
tipificar as lojas especializadas e caracterizar as suas ligações aos produtores, distribuidores
e consumidores, assim como aos territórios de origem dos produtos, reconstituindo os
percursos dos mesmos entre os campos e as cidades.
Num segundo momento, procurou-se conhecer os consumidores daqueles produtos, no
sentido de desvendar motivações e práticas relativamente à sua aquisição e consumo, assim
como as suas representações sobre os territórios de origem e os próprios produtos
agroalimentares. Simultaneamente, as estratégias de promoção e marketing utilizadas pelas
lojas especializadas foram analisadas, no sentido de examinar os principais aspetos e
características dos produtos, territórios de proveniência, produtores e formas de produção
enfatizados. Finalmente, com base num conjunto mais reduzido de lojas que utilizámos
como casos de estudo analisaram-se os produtores e os distribuidores dos produtos, para
conhecer as suas motivações, valores, formas de produção, representações e ligações às lojas
e outros pontos de venda, assim como para mapear de forma mais detalhada os percursos
dos produtos, desde a sua produção ao seu consumo. É de todos estes processos e dimensões
de análise que falaremos ao longo das próximas secções e capítulos deste livro, cuja
estrutura se explicitará no ponto 1.3 do presente capítulo.
21
1.2. O projeto STRINGS
1.2.1. Os objetivos do projeto
Tendo em conta os processos e dinâmicas mencionados no ponto anterior, o principal
objetivo do projeto STRINGS foi produzir conhecimento inovador para melhorar a
compreensão das cadeias de abastecimento de produtos agroalimentares de proveniência
rural, no sentido de encontrar novas oportunidades para o desenvolvimento dos territórios
rurais e para a redução das assimetrias entre estes territórios e os territórios urbanos, em
Portugal.
Para além deste objetivo mais geral, e como sugerido já, o projeto STRINGS procurou
analisar o papel que as lojas gourmet ou especializadas na comercialização de produtos
agroalimentares de proveniência rural (localizadas nas cidades de Aveiro, Lisboa e Porto)
podem desempenhar na promoção de novas ou renovadas relações entre os territórios rurais
e urbanos, da atratividade turística dos territórios rurais motivada pelo conhecimento e
consumo daqueles produtos, no desenvolvimento sustentável da agricultura e das
comunidades rurais e no contributo para melhorar a coesão territorial em Portugal. Neste
sentido, o projeto procurou contribuir para compreender e mapear, na sua globalidade, os
processos de comercialização dos produtos agroalimentares, traçando os seus percursos até
aos locais de produção. Assim, as dimensões associadas à comercialização, consumo,
distribuição e produção foram analisadas para produzir evidência científica que permitisse
melhorar as cadeias de abastecimento destes produtos e contribuir para informar as
decisões políticas relacionadas com estes processos. Para concretizar estes objetivos, o
projeto procedeu:
À tipificação das lojas especializadas nas três cidades, através da construção de uma
tipologia;
À georreferenciação das lojas para tornar possível a análise e compreensão de como
a sua localização pode influenciar o seu sucesso na promoção de novas ou renovadas
relações rural-urbano;
À análise detalhada de uma amostra de lojas, selecionada aleatoriamente com base
na tipologia, para compreender genericamente os processos e as redes de
comercialização e evidenciar os percursos dos produtos, da sua produção ao seu
consumo;
À análise dos materiais promocionais utilizados pelas lojas para promover os
produtos, procurando desvendar as relações com os diferentes territórios de
proveniência, os produtores, os produtos e formas de produção;
À análise das práticas, motivações e representações dos consumidores deste tipo de
produtos;
22
Ao exame detalhado, a partir de casos de estudo particulares (constituídos por nove
lojas), dos processos de produção, distribuição, comercialização e consumo dos
produtos, assim como dos impactos socioeconómicos nos territórios rurais;
Produzir linhas orientadoras que possam informar as políticas públicas relacionadas
com as cadeias de abastecimento agroalimentar.
Estes objetivos estão ancorados em quatro conceitos principais produtos agroalimentares
de proveniência rural; relações rural-urbano; lojas urbanas especializadas (ou gourmet) e
práticas de consumo que são intrinsecamente complexos e multidimensionais. Esta
multidimensionalidade e complexidade será abordada em cada um dos capítulos seguintes,
em função das várias dimensões analisadas, e exigiu uma diversidade de abordagens e inputs
teóricos, metodologias e técnicas de investigação, que foram utilizadas de forma articulada
e integrada. Esta diversidade foi também assegurada pelos diferentes backgrounds e
expertises dos membros da equipa de investigação (geografia social e económica, sociologia
rural, sociologia do consumo, sociologia da alimentação, sociologia económica, agronomia,
turismo e planeamento regional e urbano) que se constituíram como uma mais-valia para
alcançar os objetivos do projeto.
1.2.2. A metodologia do projeto
Como referido no ponto anterior, o projeto STRINGS sustenta-se numa análise multinível e
multidisciplinar, combinando abordagens, metodologias e técnicas de investigação de
carácter quantitativo e qualitativo. Para alcançar os objetivos propostos, o projeto
desenhou-se em quatro fases, envolvendo oito tarefas desenvolvidas ao longo de 48 meses
(Figura 1.1).
Figura 1.1. Esquema metodológico do projeto STRINGS
23
A primeira fase do projeto teve por objetivo preparar os alicerces para as fases e tarefas
subsequentes. A primeira tarefa foi dedicada à revisão de literatura e ao refinamento do
quadro teórico e conceptual de referência que permitiu realizar uma adequada
operacionalização dos conceitos, que sustentou as técnicas de recolha e análise da
informação. Esta primeira fase compreendeu igualmente a recolha e análise de dados para
tipificar as lojas especializadas localizadas nas cidades de Aveiro, Lisboa e Porto. A seleção
destas três cidades prendeu-se com vários aspetos:
Lisboa e Porto são as maiores cidades do país em termos de população e, em
conjunto, congregaram cerca de 70% do volume de turistas em 2019, posicionando-
se respetivamente em 63º e 96º lugar no ranking das cidades mais visitadas do
mundo (Euromonitor International, 2019; Silva et al., 2021). São também estas
cidades que conheceram nos últimos anos o maior influxo de residentes estrangeiros
(dados do Pordata, 2020);
Aveiro é uma cidade de média dimensão, de acordo com os padrões nacionais, e foi
selecionada sobretudo para servir de comparação, embora tenha conhecido
também, nos últimos anos, um aumento significativo de visitantes e turistas. À
semelhança de Lisboa e Porto, também Aveiro conheceu um aumento de lojas
especializadas no comércio de produtos agroalimentares tradicionais e de origem
rural ao longo da última década.
Os procedimentos utilizados na identificação do universo de lojas especializadas no
comércio dos produtos agroalimentares de proveniência rural (i.e., daqueles resultantes
diretamente da atividade agrícola e produzidos/transformados em territórios rurais,
mantendo as características tradicionais), iniciaram-se com a identificação do tipo de lojas
que tal definição poderia incluir. Foram utilizados diversos critérios e procedimentos para
esta definição e posterior seleção e mapeamento das lojas. O primeiro critério esteve
relacionado com o tipo de produtos vendidos. Assim, foram apenas consideradas as lojas
que comercializavam produtos agroalimentares de proveniência rural Portugueses,
independentemente de também poderem comercializar produtos (alimentares e não
alimentares) de outras proveniências. Atendendo aos objetivos do projeto, o segundo
critério consistiu em considerar apenas lojas de pequena dimensão (com menos de 10
empregados). Finalmente, as lojas de produtos alimentares que não comercializavam
qualquer produto agroalimentar de origem rural nacional não foram consideradas na
análise, uma vez que não se adequavam aos objetivos da investigação.
A identificação das lojas que correspondessem a estes critérios, nas três cidades
consideradas, constituiu um desafio, já que não existe em Portugal nenhuma base oficial na
qual aquelas lojas estejam registadas. Para superar esta dificuldade, utilizaram-se
novamente vários procedimentos combinados:
Em primeiro lugar, realizou-se uma pesquisa no Google Maps utilizando uma lista
de palavras-chave (e.g. lojas de produtos regionais; lojas gourmet; lojas de produtos
tradicionais; lojas alimentares especializadas);
24
Em segundo lugar, um conjunto de listagens de lojas especializadas foi compilado a
partir da pesquisa em websites, revistas e jornais relacionados com o lazer e os
tempos livres;
Uma lista adicional de lojas foi compilada a partir da pesquisa na base SABI (base de
dados de análise financeira de empresas nacionais)
Estas três listas foram posteriormente combinadas numa única lista, depurada de eventuais
repetições, contendo assim todas as lojas que correspondiam aos critérios anteriormente
definidos. Foram identificadas 194 lojas, das quais 23 se localizavam em Aveiro, 101 em
Lisboa e 70 no Porto. Todas estas lojas foram contactadas telefonicamente e posteriormente
visitadas (entre junho e setembro de 2019) para a aplicação de um inquérito por questionário
para a caracterização dos pontos de venda e para a construção de uma tipologia (e.g. Silva
et al., 2021)
4
.
O inquérito por questionário (Anexo 1, p. 256) foi desenhado a partir da revisão da literatura
relativa à valorização de produtos agroalimentares de proveniência rural e ao papel das lojas
urbanas especializadas na promoção da agricultura e dos territórios rurais (e.g. Acampora
and Fonte, 2008; Figueiredo, 2021; Fonte, 2008; Kneafsey et al., 2017; Seguí, 2011; Vignali et
al., 2003). O questionário foi organizado em três secções principais: a primeira devotada à
caracterização geral das lojas; a segunda ao tipo de produtos comercializados, regiões de
proveniência, processos de certificação, serviços oferecidos e formas de aquisição dos
produtos; e a terceira destinada à recolha de informação sobre a caracterização da clientela.
Os inquiridos foram maioritariamente os proprietários das lojas e os gerentes, sendo que
num reduzido número de casos também empregados indicados pelos primeiros. A taxa de
resposta foi de 61,9% (119 num universo de 194) e 113 respostas foram consideradas válidas
para a construção da tipologia. Esta foi construída, utilizando o software SPSS versão 25,
com base numa análise hierárquica de clusters a partir das respostas à questão Quais os
cinco produtos agroalimentares portugueses de origem rural que mais vende?”. Tratando-se
de uma questão aberta, as respostas foram recodificadas em sete variáveis binárias, de
acordo com o tipo de produtos (e.g. vegetais e derivados, azeite, mel e compotas, queijo e
outros derivados do leite, vinho, etc.). Estas variáveis binárias serviram como input para a
análise de clusters. O método de Ward e o quadrado da distância Euclidiana foram
utilizados para identificar grupos homogéneos de lojas. Uma solução de três grupos
(clusters) foi, após a análise do dendrograma e as tabelas de aglomeração, considerada a
mais adequada. Foram realizados testes de Chi-quadrado para identificar diferenças
estatisticamente significativas entre os três clusters relativamente às seguintes variáveis: 1)
caraterísticas gerais das lojas; 2) tipo de produtos comercializados e regiões de origem; 3)
produtos certificados vendidos e forma de aquisição; 4) serviços oferecidos aos clientes e 5)
características da clientela.
Como analisado mais detalhadamente no Capítulo seguinte, foram identificados três
clusters de lojas (Figura 1.2):
4
Ver o Capítulo 2 neste livro, para uma análise mais detalhada das lojas e da tipologia.
25
1. The Wine Focused (N=13) (incluindo sobretudo lojas focadas na
comercialização de vinho e bebidas)
2. The Rural Provenance Focused (N=59) (integrando lojas focadas na
proveniência rural nacional dos produtos comercializados)
3. The Generalist (N=51) (incluindo lojas que comercializam uma variedade de
produtos (alimentares e não alimentares) de diversas proveniências e
também de origem rural nacional.
Figura 1.2. Localização das lojas inquiridas por cluster
A segunda fase do projeto STRINGS destinou-se a conhecer com maior detalhe as lojas
urbanas especializadas no comércio de produtos agroalimentares, assim como os seus
clientes, consumidores daqueles produtos. Esta fase compreendeu, assim, as tarefas 3, 4, e
5 (Figura 1.1).
A tarefa 3 destinou-se à recolha de informação detalhada sobre o processo de
comercialização, através da aplicação de uma entrevista semiestruturada aos proprietários
ou gerentes de uma seleção de lojas. A partir da análise de clusters decorrente da primeira
fase, como referido anteriormente, e tendo igualmente em conta a distribuição de lojas pelas
26
três cidades em estudo, procedeu-se a uma seleção aleatória (utilizando uma tabela de
números aleatórios
5
) de 30 lojas (Tabela 1.1).
Tabela 1.1 Número de lojas selecionadas na segunda fase do projeto, por cluster e cidade
Cluster | Cidade
Aveiro
Lisboa
Porto
Total
The Wine Focused
0
2
2
4
The Rural Provenance Focused
2
4
7
13
The Generalist
3
6
4
13
Total
5
12
13
30
O guião da entrevista (Anexo 2, p. 261) foi preparado no sentido de aprofundar as questões
do inquérito por questionário aplicado na primeira fase do projeto, designadamente sobre
os produtos comercializados, as regiões de origem, as motivações dos proprietários para
abrirem uma loja especializada, as suas ligações aos territórios de origem dos produtos, as
suas representações sobre esses mesmos territórios e produtos, os desafios enfrentados,
características da clientela, entre outros aspetos. As entrevistas foram realizadas entre abril
e setembro de 2020, presencialmente nas lojas, após marcação prévia. A informação
recolhida foi analisada usando o software NVivo12, com base numa grelha de análise
contendo 38 categorias de análise e respetivos atributos, que acompanharam a estrutura do
guião da entrevista. No Capítulo 4 deste livro são apresentados alguns dos resultados destas
entrevistas.
Simultaneamente à tarefa 3, recolheram-se e analisaram-se os materiais promocionais
relativos aos produtos agroalimentares de proveniência rural Portuguesa, utilizados ou
disponibilizados pelas 30 lojas (tarefa 4), no sentido de compreender como são promovidos
os produtos, os seus territórios de proveniência, os seus produtores, as formas e modos de
produção, a sua certificação, as lojas e os consumidores. Para alcançar estes objetivos,
recolheram-se todos os materiais impressos disponibilizados nas lojas, assim como as
publicações e imagens utilizadas nos seus websites, páginas de Facebook e Instagram. No
caso dos websites, optou-se por recolher manualmente todas as imagens e textos disponíveis
ao passo que para o Facebook e Instagram considerou-se a data de criação da página e todas
as publicações desde essa data até 31 de dezembro de 2019
6
. Nesta recolha, apenas se
consideraram publicações relativas aos produtos de origem rural nacional. Para possibilitar
e/ou facilitar a análise de conteúdo dos elementos textuais e visuais dos materiais, todos os
itens foram manualmente guardados em formato de imagem (JPEG ou PNG) e em formato
Word, incluindo o conteúdo textual e visual das publicações de forma literal. Sempre que
tal informação era relevante e visível, transcreveram-se também os elementos textuais
5
Foi utilizado um gerador de números aleatórios deste tipo:
https://www.4devs.com.br/gerador_de_numeros_aleatorios
6
Apenas se verificou uma exceção neste procedimento: a de uma loja em que a página do Facebook havia sido
criada em janeiro de 2020, considerando-se assim as publicações desde essa data até ao momento da recolha
(abril a julho de 2020).
27
presentes nas imagens. Um total de 7491 ficheiros (3744 de texto e 3747 de imagem) foram
analisados (Tabela 1.2)
Tabela 1.2 Materiais promocionais analisados na tarefa 4, por tipo e número de lojas
Publicações
em Websites
Posts no
Facebook
Materiais
impressos
Total
Número de lojas
15
30
19
Número de
ficheiros de texto
1026
1248
101
3744
Número de
ficheiros de
imagem
1024
1219
136
3747
Total
2050
2467
237
7491
Os materiais recolhidos foram analisados com recurso ao software de análise de conteúdo
NVivo, versão 12. Uma grelha de análise contendo 13 categorias e centenas de atributos
associados foi construídas com base na revisão de literatura sobre promoção e marketing
das dimensões em análise e no exame preliminar dos materiais (ver Forte et al., 2022 e
Capítulos 5 e 6, neste volume, para maiores detalhes sobre os procedimentos associados
utilizados).
Ainda no âmbito da segunda fase do projeto, a tarefa 5 foi devotada à recolha e análise de
informação relativa aos clientes das 30 lojas selecionadas neste nível de análise. Assim, estas
lojas foram inicialmente contactadas no sentido de nos permitirem realizar a recolha de
dados, a partir de um inquérito por questionário junto dos seus clientes, a partir de outubro
de 2020. A pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV-2, assim como as restrições de
circulação e contacto mais próximo entre as pessoas, tiveram como consequência que
algumas lojas recusassem esta atividade nas suas instalações. Algumas outras lojas
encerraram definitivamente durante a pandemia. Assim, das 30 lojas inicialmente
selecionadas, apenas 24 colaboraram efetivamente na tarefa 5 do projeto. Nestas, entre
outubro de 2020 e junho de 2021 foram aplicados inquéritos por questionário aos clientes e
consumidores de produtos agroalimentares de proveniência rural Portuguesa. De salientar
que uma pequena parte das respostas foi obtida online (78 5%).
O questionário foi preparado em Português (Anexo 3, p. 265) e em Inglês, com base na
revisão da literatura, procurando recolher informação sobre o consumo de produtos
alimentares tradicionais de origem rural nacional (e.g. Fernández-Ferrín et al., 2018;
Kneafsey et al., 2017; Sheth et al., 1991), o tipo de produtos adquiridos na loja na data do
questionário e a sua região de origem (Figueiredo, 2021), a frequência de compra e consumo
e a importância da sua proveniência (e.g. Gangjee, 2017; Meah e Watson, 2013), as
motivações para o consumo de produtos produzidos em áreas rurais nacionais (e.g. Casini
et al., 2016; Birch et al., 2018; Castelló e Mihelj, 2018), assim como sobre as representações
dos clientes sobre os produtos e os territórios rurais (Guerrero et al., 2009; Soares da Silva
et al., 2016). A aplicação do questionário foi antecedida pela realização de um pré-teste junto
28
de alguns clientes (10) de lojas de Aveiro e Porto, cujos resultados serviram para introduzir
algumas alterações ao guião inicial. Obtiveram-se 1553 respostas válidas, distribuídas pelas
diferentes cidades e clusters de forma algo desequilibrada, em consequência dos
constrangimentos já mencionados (Tabelas 1.3 e 1.4).
Tabela 1.3 Distribuição dos questionários aos consumidores, por cidade (tarefa 5)
Cidade
%
Aveiro
414
26,7
Lisboa
248
16
Porto
857
55,1
Não responde
34
2,2
Total
1553
100
Tabela 1.4 Distribuição dos questionários por cluster de lojas (tarefa 5)
Cluster
%
The Wine Focused
50
3,2
The Rural Provenance Focused
853
54,9
The Generalist
611
39,4
Não se aplica
39
2,5
Total
1553
100
A análise dos dados foi realizada utilizando o software SPSS, versão 25. Nos Capítulos 8 e 9,
neste volume, são apresentados alguns dos resultados do questionário aos clientes das lojas
especializadas, assim como o seu perfil sociodemográfico.
A terceira fase do projeto STRINGS correspondeu ao último nível de recolha e análise de
dados, envolvendo a seleção de algumas lojas para serem analisadas enquanto casos de
estudo para um exame e mapeamento mais detalhado dos circuitos desde a produção dos
produtos agroalimentares de proveniência rural até à sua comercialização e consumo. A
partir dos clusters de lojas identificados na primeira fase do projeto (tarefa 2) e da
informação de natureza mais qualitativa resultante das entrevistas aplicadas na segunda
fase (tarefa 3), procurámos abarcar a diversidade de tipologias, tendo em conta igualmente
a sua distribuição geográfica, a diversidade de produtos comercializados e aquilo que se
pode designar como a multifuncionalidade das lojas, ou seja, o tipo e variedade de serviços
oferecidos aos clientes. Foram inicialmente selecionadas 6 lojas nesta fase. No entanto,
devido ao reduzido número de produtores e distribuidores com quem as mesmas
trabalhavam, um total de 9 lojas foi finalmente considerado para análise: 2 localizadas em
Aveiro, 2 em Lisboa e 5 no Porto. O relativamente desequilibrado número de lojas,
especialmente entre Lisboa e Porto, deveu-se à necessidade de encontrarmos lojas
disponíveis para colaborar com o projeto, nesta última tarefa de natureza empírica, por um
lado e, por outro lado, de atender à sua distribuição pelos diferentes clusters.
No sentido de obter os contactos dos produtores e distribuidores de produtos
agroalimentares de proveniência rural nacional que os comercializavam às 9 lojas
selecionadas como casos de estudo, foi preparada uma ficha enviada aos proprietários das
29
mesmas, contendo informações sobre a designação dos produtos, o nome e contacto
telefónico e/ou de correio eletrónico dos seus produtores, a sua localização geográfica, o
tempo de comercialização do produto na loja, a existência ou não de selos de qualidade e
certificação, a aquisição direta ao produtor, entre outros aspetos. Obtivemos uma listagem
inicial de 134 produtores e 55 distribuidores ou intermediários. Todos estes agentes foram
contactados previamente para agendar a resposta ao inquérito por questionário, resultando
este procedimento em 104 e 40 respostas válidas, respetivamente de produtores e
intermediários (Tabela 1.5). O inquérito por questionário foi aplicado telefonicamente
(sobretudo devido às restrições impostas pela pandemia de Covid-19, mas também por
conveniência dos inquiridos) entre julho de 2021 e janeiro de 2022.
Tabela 1.5 Distribuição dos questionários aos produtores e distribuidores por cidade de
localização das lojas analisadas como casos de estudo
Cidade
Produtores
%
Distribuidores
%
Aveiro
24
23,08
5
12,50
Lisboa
25
24,04
6
15,0
Porto
55
52,88
29
72,50
Total
104
100
40
100
O inquérito por questionário aos produtores (Anexo 4, p. 268) e distribuidores (Anexo 5, p.
279) teve como objetivo recolher informação relativa à caracterização destes agentes, assim
como das suas explorações agrícolas e/ ou empresas; aos produtos produzidos e distribuídos
e principais pontos de venda e sua localização; às motivações para produzir ou distribuir
esses produtos; aos desafios e impactos da sua atividade; à relevância da sua atividade; aos
impactos da pandemia de COVID-19 na sua atividade; e às representações sobre os
produtos, territórios de proveniência e a agricultura nacional, entre outros aspetos. Estes
questionários foram preparados, ainda que com algumas diferenças em termos de questões,
devido ao diverso papel das duas categorias de agentes, com base essencialmente nos
resultados das tarefas anteriores e na revisão da literatura (e.g. Bowen e de Master, 2011;
Figueiredo, 2021; Ilbery e Kneafsey, 2000). Os dados foram analisados com recurso ao
software SPSS, versão 25, tendo em conta as diferentes dimensões em apreço. Alguns dos
resultados desta tarefa são apresentados no presente volume (Capítulos 10 e 11).
Finalmente, a quarta e última fase do projeto STRINGS é dedicada à integração global dos
resultados do projeto (tarefa 7), da qual o presente livro procura ser uma síntese, assim
como à disseminação e divulgação dos seus resultados (tarefa 8) que foi sendo também
realizada ao longo de todo o projeto e de que este livro constitui igualmente um exemplo
7
.
7
Para consultar as atividades de disseminação e divulgação do projeto, incluindo publicações e eventos
científicos, consultar: https://www.stringsproject.pt/
30
1.3. Estrutura deste livro
Como referido anteriormente, o presente livro apresenta um conjunto de resultados obtidos
no âmbito do projeto STRINGS. Importa referir que alguns dos resultados aqui divulgados
foram objeto de análise e discussão em conferências internacionais e nacionais sobre
temáticas relacionadas com as várias dimensões estudadas no projeto. É igualmente
importante referir que alguns dos resultados aqui apresentados foram também
apresentados em artigos científicos publicados em revistas internacionais e em capítulos de
livros. Assim, esta obra pretende essencialmente divulgar aqueles resultados em língua
Portuguesa, não apenas junto das entidades, agentes e indivíduos que colaboraram de perto
com o projeto STRINGS, mas também junto de investigadores, professores e estudantes
interessados por estas temáticas, agentes de desenvolvimento rural e do público nacional
em geral. Para além disso, tendo em conta que uma parte relevante do material empírico
recolhido no âmbito do projeto foi obtido durante alguns períodos de fortes
constrangimentos às atividades de comercialização e consumo de produtos alimentares,
devido às medidas restritivas de combate à Covid-19 (e.g. confinamentos mais ou menos
prolongados e subsequentes limitações de horários do comércio alimentar, assim como o
fecho de lojas em alguns períodos), o presente livro constitui-se, em certa medida, como um
documento com alguma importância histórica. Isto porque retrata, até certo ponto, a forma
como produtores, distribuidores, retalhistas e consumidores foram impelidos a reconfigurar
algumas das suas práticas para enfrentar os efeitos socioeconómicos decorrentes da
pandemia.
Atendendo aos objetivos do projeto e às dimensões analisadas no âmbito do mesmo,
anteriormente elencados, este volume estrutura-se em sete partes que integram treze
capítulos. A primeira parte, constituída pelo presente capítulo, enquadra a relevância da
temática geral do projeto STRINGS no contexto nacional, assim como apresenta os seus
objetivos e os procedimentos metodológicos adotados, refletindo sobre a relevância do
estudo dos percursos e papeis dos produtos agroalimentares de proveniência rural a partir
das lojas urbanas especializadas na sua comercialização. A segunda parte integra três
capítulos que analisam e refletem sobre a importância do comércio dos produtos
agroalimentares de proveniência rural nas cidades, apresentando uma proposta de tipologia
das lojas urbanas especializadas (Capítulo 2), a sua evolução e ligações com os territórios
rurais com base numa análise espacial (Capítulo 3) e a caracterização dos proprietários
daquelas lojas, em termos das suas motivações, mas também dos desafios que enfrentam e
das suas representações, quer do papel que estas lojas podem desempenhar na valorização
daqueles produtos, quer no desenvolvimento agrícola e rural do país.
A terceira parte deste volume é dedicada à apresentação e discussão das estratégias de
promoção e marketing utilizadas pelas lojas relativamente aos produtos agroalimentares de
proveniência rural. Partindo da análise dos materiais promocionais criados e/ ou utilizados
pelas lojas, procura-se assim, no Capítulo 5, discutir a forma como é realizada a promoção
dos próprios produtos e dos seus territórios de origem, sem esquecer a das próprias lojas e
dos seus clientes (Capítulo 6). Nesta terceira parte, com base nos dados obtidos a partir das
31
entrevistas semiestruturadas conduzidas junto dos proprietários e/ ou gerentes das lojas
especializadas, analisam-se as suas montras como veículos privilegiados de divulgação e
promoção de territórios e produtos.
Os Capítulos 8 e 9 constituem a quarta parte desta obra, versando sobre a dimensão do
consumo dos produtos agroalimentares de proveniência rural. Num primeiro momento, e
a partir dos resultados obtidos junto de uma amostra de 1553 clientes das lojas analisadas,
discutem-se as motivações, preferências e práticas dos consumidores deste tipo de
produtos, analisando igualmente as inter-relações das mesmas com as ligações aos
territórios rurais e as representações sobre os mesmos. Num segundo momento, debate-se
o modo como o consumo dos produtos agroalimentares de proveniência rural contribui
para a atratividade turística dos territórios de origem, determinando a sua procura.
A quinta parte debruça-se sobre a produção e a distribuição dos produtos agroalimentares
aqui analisados, caracterizando os seus produtores e distribuidores, as suas motivações,
desafios e perceções (Capítulo 10), com base nos resultados obtidos a partir do inquérito por
questionário, dirigido respetivamente a 104 produtores e 40 distribuidores. Também neste
capítulo se procura procura traçar muito brevemente os percursos dos produtos entre os
campos e as cidades, ou seja, desde os locais de produção até aos locais de comercialização
e consumo.
As representações sobre os produtos, os territórios de origem e a atividade agrícola são
objeto de análise e debate na quarta parte deste livro e no Capítulo 11, a partir dos resultados
obtidos junto de consumidores, produtores, distribuidores e, com menor ênfase, de
retalhistas dos produtos agroalimentares rurais. Neste Capítulo discutem-se concretamente
as diferenças entre os vários agentes e atores, o seu conteúdo e a forma como podem moldar
diferentes motivações, práticas e imagens.
Finalmente, a sétima e última parte é dedicada à sistematização e integração dos principais
resultados discutidos nos capítulos anteriores, sendo igualmente apresentadas algumas
linhas orientadoras que poderão informar políticas públicas destinadas à valorização dos
produtos agroalimentares nacionais, assim como aos processos de produção e
comercialização dos mesmos. Concretamente discute-se, no último capítulo desta obra
(Capítulo 12) o papel que estes produtos têm no desenvolvimento agrícola e rural em
Portugal, assim como na promoção de novas ou renovadas relações entre os campos e as
cidades. Os coordenadores esperam que os capítulos reunidos neste volume possam
fornecer uma visão oportuna e sustentada sobre estes aspetos em Portugal, numa época em
que crescentemente se têm discutido questões a eles relacionadas, como a soberania e
segurança alimentar, a produção nacional e os circuitos curtos de abastecimento alimentar,
assim como a sustentabilidade agrícola e das comunidades rurais. Esperamos, assim, que o
livro que agora editamos possa fornecer um contributo relevante para estes debates.
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37
II Parte O comércio de produtos agroalimentares de
proveniência rural nas cidades
38
Capítulo 2
Uma tipologia das lojas urbanas especializadas no comércio de produtos
agroalimentares de proveniência rural Aveiro Lisboa e Porto
8
Alexandre Silva, Elisabete Figueiredo, Mónica Truninger, Celeste Eusébio e Teresa Forte
2.1 Introdução
O comércio alimentar em meio urbano tem assumido centralidades e características
variáveis em função de dinâmicas como a recomposição urbana e transformações
sociodemográficas locais, bem como de alterações nos padrões de consumo alimentar e nas
cadeias de abastecimento globais (Bianchi, 2017; Truninger, 2014; Renting et al., 2003). A
investigação sobre as mudanças no retalho alimentar tem-se centrado em dimensões como
o grande retalho e as cadeias de fornecimento longas, mas também nas cadeias curtas de
abastecimento alimentar (CCAA) e redes alimentares alternativas (RAA) (González-
Azcárate et al., 2021; Watts et al., 2018; Wilson e Whitehead, 2012). Mais escassa tem sido a
investigação sobre lojas de venda alimentar de pequena dimensão. Esta lacuna parece
particularmente relevante na medida em que o algumas lojas têm sido capazes de
perseverar apesar da hegemonia de formatos mais padronizados, como por vezes até de
beneficiar de escalas menores, forjando ligações mais estreitas com clientes e produtores
(Kneafsey et al., 2017; Seguí, 2011, Vignali et al., 2003). Além disso, ao fomentar novas
ligações entre vários intervenientes (retalhistas, distribuidores, produtores e consumidores)
ou renovar os já existentes, as lojas especializadas dos centros urbanos assumem um papel
de centralidade numa teia de ligações simbólicas e materiais entre geografias de
proveniência e de consumo (Singer, 2018; Seguí, 2011). Neste sentido, estas lojas podem ter
uma influência relevante sobre os processos de desenvolvimento nas zonas rurais, em
particular nos sectores agrícola e do turismo, muito significativa para países como Portugal
onde se regista uma redução da atividade agrícola desde a década de 1960 (Figueiredo, 2021).
Embora a crescente visibilidade das lojas de venda de especialidades alimentares seja
sugerida por evidências circunstanciais nos meios de comunicação portugueses (Cristino,
2018) não existem, tanto quanto sabemos, tentativas sistemáticas de estudo destas lojas e
das suas ligações com as zonas rurais, em Portugal e noutros locais. Este capítulo pretende
8
Este texto é uma adaptação do artigo Silva, A., Figueiredo, E., Truninger, M., Eusébio, C., & Forte, T. (2021). A
typology of urban speciality shops selling rural provenance food products a contribution from Portugal. British
Food Journal, 123(12), 39023917. https://doi.org/10.1108/BFJ-11-2020-1045.
39
colmatar esta lacuna na investigação existente, abordando a seguinte questão: Como se
caracterizam e se diferenciam as lojas que vendem alimentos de proveniência rural em meio
urbano no que respeita aos seus produtos e serviços e às ligações com produtores e clientes?
Para responder a esta pergunta realizou-se uma análise de clusters com base num inquérito
por questionário aplicado às lojas que vendem produtos alimentares de proveniência rural
em três cidades portuguesas (Aveiro, Lisboa e Porto). Ao sintetizar as principais
características destas lojas a tipologia proposta poderá ser usada em futura investigação
contribuindo para uma melhor compreensão deste tipo de retalho em outras configurações.
2.2 Revisão da Literatura
O interesse dos consumidores pelos produtos alimentares de origem rural disponíveis em
lojas especializadas de pequena dimensão enquadra-se numa tendência mais geral que
foi designada por “viragem para a qualidade”(Goodman, 2003), e que se refere ao
afastamento dos consumidores relativamente a produtos massificados e a uma maior
procura de produtos alimentares mais diferenciados e de qualidade, que tem vindo a ser
referida a propósito de fenómenos como as Redes Alimentares Alternativas. um vasto
leque de preocupações associadas ás preferências dos consumidores por alimentos de
origem rural, como a sustentabilidade ambiental (Bianchi, 2017; González-Azcárate et al.,
2021), saúde e segurança (Wilson e Whitehead, 2012; González-Azcárate et al., 2021),
nostalgia (Truninger, 2014) autenticidade ou o património e o artesanal (Figueiredo, 2021).
Utilizando designações como produtos locais, autênticos, gourmet, amigos do ambiente, os
produtores desenvolveram diferentes estratégias para a diferenciação da qualidade dos
alimentos e segmentação do mercado, respondendo a um crescimento do interesse dos
consumidores por produtos alimentares especializados (Vignali et al., 2003; González-
Azcárate et al., 2021).
Na extensa literatura que aborda o tema das preferências dos consumidores tem-se
sublinhado a existência de um segmento importante que prefere comprar produtos
alimentares qualificados como rurais, locais, tradicionais, de terroir ou especialidades
(Aprile et al., 2012; Balogh et al., 2015; Calvo-Porral e Lévy-Mangin, 2018; Fernandes et al.,
2017; González-Azcárate et al., 2021; Watts et al., 2018). Esta alteração na forma de avaliação
das qualidades alimentares conduziu à promoção de rótulos de origem como a Indicação
Geográfica Protegida (IGP) ou a Denominação de Origem Protegida (DOP) suportadas por
regulamentos da União Europeia (Fonte, 2008; González-Azcárate et al., 2021; Figueiredo,
2021). Embora os resultados sejam mistos, este tipo de rótulos vem em alguns casos
satisfazer uma procura crescente (mas diversificada) que está disposta a pagar por preços
mais elevados (Aprile et al., 2012; Balogh et al., 2015, Calvo-Porral e Levy-Mangin, 2018;
Fernandes et al., 2017). Além disso, estas alterações nos padrões de consumo alimentar
também promovem o desenvolvimento de relações mais estreitas baseadas na confiança
entre produtores e consumidores através de acordos não convencionais, como cooperativas
de consumidores, mercados de produtores e atividades de venda direta (Watts et al., 2018).
40
As redes de abastecimento não convencionais como as CCAA e RAA (González-Azcárate et
al.,2021; Renting et al.,2003; Watts, et al.,2018) têm-se destacado na promoção de alimentos
de origem rural entre consumidores urbanos com preocupações éticas e ambientais. Estas
ligações são especialmente valorizadas em condições de diminuição dos rendimentos para
muitos agricultores (Renting et al., 2003; Figueiredo, 2021) e aumento da concentração de
poder nas cadeias de abastecimento, nomeadamente por grandes retalhistas (Vignali et
al.,2001). O papel destas cadeias de abastecimento não convencionais na aproximação dos
consumidores urbanos aos alimentos de proveniência rural tem sido um tema fundamental
neste domínio da investigação (González-Azcárate et al., 2021; Watts et al., 2018). Contudo,
existe muito menos conhecimento sobre como os pontos de venda urbanos de menor
dimensão, como a lojas de especialidades e as lojas gourmet, podem contribuir para a
promoção de alimentos de proveniência rural (Figueiredo, 2021). Além disso, se a
investigação sobre este tema tem apontado um interesse crescente dos grandes retalhistas
em responder à crescente procura de alimentos de origem rural (Kneasfsey et al., 2017) tem
sido menos profícua no que respeita a formatos mais pequenos em ambientes urbanos. E,
no entanto, tal como sugerido por alguns autores (Acampora e Fonte, 2008; Dogan e
Gokovali, 2012, Gyimóyour, 2017), as pequenas lojas nos centros urbanos parecem estar
particularmente bem posicionadas para formar relações mutuamente vantajosas tanto com
pequenos produtores como com uma clientela urbana e cosmopolita. Baritaux et al. (2011),
por exemplo, salientam que os gestores de formatos mais pequenos compreendem melhor
as preferências do seu público e Printezis e Grebitus (2018) defendem que os consumidores
podem estar dispostos a pagar preços mais elevados por produtos rurais em lojas
independentes e de menor dimensão do que de grandes retalhistas ou explorações agrícolas,
especialmente quando as lojas se abastecem diretamente dos produtores (Watts et al., 2018).
Além disso, como argumenta Seguí (2011), as lojas mais pequenas também estão mais
vocacionadas do que os grandes retalhistas para a oferta de interações mais personalizadas
com os clientes e na transmissão de informações mais detalhadas sobre produtos e
produtores.
Através da venda de produtos com fortes ligações a territórios específicos (Figueiredo, 2021;
Singer, 2018), estas lojas também são importantes na configuração de perceções sobre
regiões específicas e sobre o campo em geral (esta dimensão é tratada especificamente nos
Capítulos 5, 7 e 11). Neste sentido, podem contribuir para promover a viabilidade económica
de mudanças nas práticas agrícolas e na transformação de alimentos que procurem
responder às preferências dos consumidores atuais. Seguindo outras tendências do
comércio em geral referidas por Cachinho (2014) as compras alimentares têm sido cada vez
mais descritas como uma experiência. Rezende e Silva (2014) salientam que os fornecedores
de alimentos desenvolvem diferentes tipos de contextos de consumo e serviços que
procuram corresponder às diferentes expectativas em relação à experiência alimentar. Da
mesma forma, espera-se que as lojas de especialidades ofereçam diferentes conjuntos de
41
serviços e vendam tipos adicionais de produtos além de alimentos que possam estar
relacionados com a sua estratégia global de envolvimento dos clientes.
Ao longo dos anos as pequenas lojas nos centros urbanos perderam centralidade e
registaram um declínio em várias cidades europeias devido à concorrência dos
supermercados, centros comerciais e à proliferação de grandes formatos de retalho fora da
cidade. Alguns destes locais, como os centros de Lisboa e do Porto, têm vivido uma
"recuperação (regeneração) parcialmente associada ao aumento do turismo, novos estilos
de vida e gentrificação"
9
(Kärrholm et al., 2017, p. 160), que parece ter aberto novas
possibilidades de mercado para as lojas de alimentos mais pequenas. Com efeito, a atividade
turística em Portugal aumentou acentuadamente nos últimos anos, como evidenciado na
passagem de 12.927.907 para 27.142.416 dormidas no país entre 2009 e 2019. Este aumento
foi muito mais expressivo na capital do país Lisboa seguida pelo Porto, as duas cidades
que representam 70% do total de turistas em 2019 (Pordata, 2020). O número de residentes
estrangeiros no país também passou de 436.020 em 2008 para 588.976 em 2019 (Pordata,
2020a). Como concluem Guimarães (2018) e Batista et al. (2018) nos seus estudos centrados
na capital portuguesa, tanto o aumento do afluxo turístico como o dos residentes
estrangeiros está não só a fazer crescer o número de transportes e alojamentos, mas também
a alterar a procura no retalho alimentar das zonas mais visitadas da cidade. Apesar de estes
dados sugerirem que os espaços de venda de proximidade têm ressurgido nos últimos anos,
o conhecimento sobre as características e o papel das pequenas lojas de alimentos nas
cidades portuguesas continua a ser limitado.
2.3 Metodologia
Este capítulo procura dar respostas à seguinte questão: Como se caracterizam e diferenciam
as pequenas lojas urbanas que vendem alimentos de proveniência rural no que respeita aos
seus produtos e serviços, e às ligações com os produtores e consumidores de alimentos
rurais? Tal como descrito na introdução (Capítulo 1, secção 1.2.2) do presente volume, a
análise baseia-se em dados recolhidos através de um questionário aplicado a um conjunto
de lojas de especialidades localizadas em três cidades portuguesas Aveiro, Lisboa e Porto.
Sem existirem dados oficiais ou listas de lojas que correspondessem suficientemente à
definição utilizada pelo projeto STRINGS as lojas especializadas no comércio dos produtos
agroalimentares de proveniência rural - foram utilizadas três fontes para a realização do
levantamento das lojas existentes : a) pesquisa no Google Maps com base numa lista de
termos; b) identificação a partir de artigos de jornais, revistas e websites de lazer c) seleção
a partir de uma base de dados de empresas (ver introdução para mais detalhes sobre a
metodologia de levantamento e seleção das lojas). As 194 lojas identificadas (23 em Aveiro,
101 em Lisboa e 70 no Porto) foram contactadas entre junho e setembro de 2019 para
aplicação de um inquérito por questionário.
9
Tradução dos autores.
42
O questionário (Anexo 1, p. 256) foi construído com base numa revisão da literatura
centrada na valorização dos produtos alimentares de proveniência rural e, em menor
medida, no papel das pequenas lojas urbanas para a agricultura e territórios rurais (por
exemplo, Acampora e Fonte, 2008; Figueiredo, 2021; Fonte, 2008; Kneafsey et al., 2017;
Seguí,2011; Vignali et al.,2003) e foi organizado em três partes principais: a primeira parte
dedicada à caracterização geral das lojas; a segunda parte sobre o tipos de produtos
vendidos, regiões de origem e rótulos de certificação, serviços oferecidos e formas de
aquisição de produtos alimentares; a terceira parte dedicada à caracterização dos
consumidores, incluindo questões sobre o número médio de clientes, a sua nacionalidade,
idade e género. As questões eram maioritariamente fechadas com exceção das perguntas
relacionadas com a identificação dos produtos vendidos e das suas regiões de proveniência
que foram posteriormente recodificadas em variáveis quantitativas. Os inquiridos eram
proprietários, gerentes de loja e, em alguns casos, funcionários designados pelos
proprietários/gerentes de acordo com a sua disponibilidade e conhecimento sobre as
vendas. A taxa de resposta global ao inquérito atingiu 61,9% (119 em 194 lojas) e deste lote
foram considerados válidos 113 questionários.
A análise de dados foi levada a cabo com recurso ao software SPSS - versão 25. A
segmentação das lojas realizou-se a partir da recodificação da pergunta “Quais os cinco
produtos agroalimentares portugueses de origem rural que mais vende?” em sete variáveis
dicotómicas: "Legumes e subprodutos", "Azeite", "Mel, compotas e conservas", "Queijo e
outros produtos lácteos", "Vinho e outras bebidas", "Carne" e "Carne curada e outros
subprodutos animais". Estas sete variáveis foram usadas como inputs numa análise de
cluster hierárquica, utilizando o método de Ward e o quadrado da distância euclidiana para
identificar grupos homogéneos de lojas. As tabelas de aglomeração e dendrogramas
resultantes sugeriram a existência de dois, três ou quatro clusters. Para identificar a melhor
solução, tal como sugerido por Hair et al. (1998), os clusters das três soluções foram
analisados relativamente às sete variáveis de input e foi mantida uma solução de três
clusters. Utilizaram-se testes de Chi-quadrado para identificar diferenças estatisticamente
significativas entre os três clusters relativos às seguintes variáveis: (1) características gerais
das lojas; (2) Tipo de produtos vendidos e regiões de proveniência; (3) produtos certificados
e modo de abastecimento; (4) outros serviços oferecidos e (5) características dos clientes.
2.4 Resultados
Três grupos de lojas foram identificados a partir da análise de cluster hierárquica com base
no tipo de produtos alimentares de proveniência rural mais vendidos (Tabela 2.1). As
diferenças estatisticamente significativas entre os clusters relativos às variáveis de
caracterização das lojas são apresentadas na tabela 2.2, o tipo de produtos vendidos e as
regiões de proveniência são apresentados na tabela 2.3 e os produtos certificados e forma de
abastecimento na tabela 2.4. Os outros serviços prestados pelas lojas são apresentados na
tabela 2.5 e os perfis de consumidores na tabela 2.6. Tendo em conta as características de
43
cada cluster e as suas diferenças explora-se de seguida quais as características distintivas de
cada grupo a fim de abordar a questão principal de investigação e as dimensões
correspondentes.
Tabela 2.1 - Produtos mais vendidos por cluster de lojas
Tipos de produtos
alimentares de origem
rural**
Total
Clusters*
Chi quadrado
N
%
The Wine
Focused
The Rural
Provenance
Focused
The
Generalist
Value
p-
value
(N = 13,
11.5%)
(N = 49,
43.4%)
(N = 51,
45.1%)
Vegetais e derivados
47
41,6
0,0
8,2
84,3
70,113
0,000
Azeite
18
15,9
0,0
8,2
27,5
9,725
0,008
Mel, compotas e conservas
24
21,2
0,0
24,5
23,5
3,975
0,137
Queijo e outros produtos
lácteos
49
43,4
0,0
77,6
21,6
43,137
0,000
Vinho e outras bebidas
48
42,5
100,0
40,8
29,4
21,223
0,000
Carne
13
11,5
0,0
26,5
0,0
19,187
0,000
Carne curada e outros
derivados de origem animal
24
21,2
0,0
36,7
11,8
13,276
0,000
Valores em negrito correspondem aos valores mais elevados quando existem diferenças significativas
* Percentagem em coluna. ** Só os valores das respostas “sim” são mostrados
2.4.1. O cluster The Wine Focused
O primeiro e mais pequeno cluster (11,5%) inclui 13 lojas de Lisboa e Porto que vendem quase
exclusivamente vinho e, em menor medida, outras bebidas e produtos alimentares de
proveniência rural. Em comparação com os outros dois clusters, especialmente com o The
Rural Provenance Focused, estas lojas são mais propensas a vender produtos de várias
regiões do país (particularmente Norte, Centro e Alentejo e Lezíria), incluindo as lojas
localizadas em regiões vitivinícolas amplamente conhecidas, como o Porto. A diversidade
da oferta está relacionada com a variedade de regiões vitivinícolas portuguesas com
denominação de origem, o que é consistente com o maior número de produtos certificados
vendidos pelas lojas deste cluster. Além do vinho, o azeite e o queijo vendidos por algumas
destas lojas têm igualmente certificação de origem. Estes produtos são muitas vezes
comprados nas mesmas quintas e produtores e são usados como complemento em eventos
de degustação de vinhos promovidos pelas lojas. Apesar de não ter sido observada qualquer
significância estatística a este respeito, as lojas deste cluster são mais propensas a adquirir
vinhos e produtos alimentares tanto diretamente do produtor como de um distribuidor e
não exclusivamente de apenas um tipo de fornecedor. As lojas incluídas neste cluster foram
mais frequentemente fundadas entre os anos de 2000 e 2014 e têm maior probabilidade de
fazer parte de uma cadeia. Além de provas de vinho e cerveja, as lojas do cluster The Wine
44
Focused tendem a organizar mais workshops e cursos de culinária do que os outros dois
grupos de lojas, bem como embora com menos significado entrega de compras. Em
contraste com os outros dois tipos de lojas, não nacionais, homens e indivíduos entre os 30
e os 50 anos são o perfil de cliente mais saliente destas lojas.
Tabela 2.2 - Características das lojas por cluster
Características gerais das
lojas
Total
Clusters*
Chi quadrado
N
%
The Wine
Focused
The Rural
Provenance
Focused
The
Generalist
Value
p-
value
(N = 13,
11.5%)
(N = 49,
43.4%)
(N = 51,
45.1%)
Cidade
Porto
42
37,2
46,2
40,8
31,4
a)
a)
Aveiro
15
13,3
0,0
16,3
13,7
Lisboa
56
49,6
53,8
42,9
54,9
Tipo de empresa
Sociedade em nome
individual
55
53,9
58,3
61,9
45,8
2,435
0,296
Sociedade em nome coletivo
47
46,1
41,7
38,1