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Bases ecológicas e evolutivas do comportamento humano

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Abstract

Este livro foi pensado para ser um primeiro texto introdutório às bases ecológicas e evolutivas do comportamento humano, voltado para o ensino ao nível de graduação. Embora cada capítulo possa ser lido em qualquer ordem, organizamos de modo que a sequência sugerida permita ao aprofundamento paulatino dos diferentes conceitos e disciplinas dedi- cadas aos estudos do comportamento humano.
1ª edição - 2022
Recife/PE
ULYSSES PAULINO DE ALBUQUERQUE (EDITOR)
BASES ECOLÓGICAS E EVOLUTIVAS DO
COMPORTAMENTO
HUMANO
Índice para catálogo sistemático:
1. Ecologia : Comportamento humano 304.2
Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-1/3129
Bases ecológicas e evolutivas do comportamento humano / [ editor
Ulysses Paulino de Albuquerque ]. – 1.ed. – Recife, PE : Nupeea
: Bauru, SP : Canal 6, 2022.
316 p.; 16 x 23 cm.
Bibliografia.
ISBN 978-85-7917-588-6 (impresso)
ISBN 978-85-7917-589-3 (e-book)
1. Comportamento humano. 2. Ecologia. 3. Evolução.
I. Albuquerque, Ulysses Paulino de.
CDD 304.210-2022/102
Catalogação na Publicação (CIP)
(Benitez Catalogação Assessoria Editorial)
Primeira edição publicada em 2022 por Canal 6
Copyright© Autores
Publicado no Brasil
Revisão: Os autores
Diagramação: Erika Woelke
Foto da capa: Goutham Krishna e Aedrian/Unsplash
Coedição
Recife – Pernambuco – Brasil
Este é um e-book distribuído sob os termos da Creative Commons Attribution License (CC BY). O
uso, dist ribuição ou re produção em ou tros fóruns é pe rmitido, desd e que o(s) autor(es) origina l(is)
e o(s) proprietário(s) dos direitos autorais sejam creditados e que a publicação original seja
citada, de acordo com a prática acadêmica aceita. Não é permitido nenhum uso, distribuição ou
reprodução que não esteja em conformidade com estes termos.
B316
1.ed.
COMO USAR ESTE LIVRO
Este livro foi pensado para ser um primeiro texto introdutório às bases
ecológicas e evolutivas do comportamento humano, voltado para o
ensino ao nível de graduação. Embora cada capítulo possa ser lido em
qualquer ordem, organizamos de modo que a sequência sugerida permita
ao aprofundamento paulatino dos diferentes conceitos e disciplinas dedi-
cadas aos estudos do comportamento humano.
Nosso objetivo é fornecer a você um guia conciso, mas suficiente-
mente instrutivo, que cobre uma ampla gama de tópicos encontrados nas
pesquisas da área, mas que não é exaustivo. Vislumbramos este texto se
tornando cada vez mais completo a cada nova edição, com a inclusão de
novos tópicos e a revisão dos já existentes.
Este livro está organizado em duas partes. A Parte 1 descreve algu-
mas das disciplinas interessadas na aplicação de ideias evolucionistas ao
comportamento humano. A Parte 2, incorpora temas ou problemas mais
específicos do comportamento humano, como a orientação sexual, sele-
ção de parceiros sexuais, transtornos mentais etc. Seguindo cada capítu-
lo, você encontrará três seções que visam o aprofundamento dos concei-
tos, oferecendo leituras adicionais, exercícios ou propostas de atividades
e um glossário. Aliás, os termos descritos nos glossários de cada capítu-
lo foram tomados em sua maioria, no todo ou em partes, de Varella &
Valentova (2018).
Talvez você julgue necessário revisar alguns dos conceitos básicos
de evolução antes de começar os seus estudos. Você pode achar úteis os
vídeos da série Evolução Humana do Canal no Youtube Arqueologia e
Pré-História (https://youtu.be/ZXR-iIYrcy0).
Finalmente, se apropriar do conhecimento envolvido nas pesquisas
sobre o comportamento humano é um empreendimento reconhecidamen-
te desafiador, mas extremamente instigante. Assim, esperamos que este
livro desperte a sua curiosidade para o entendimento da natureza comple-
xa e multifacetada da nossa espécie.
REFERÊNCIA
Varella MA, Valentova JV. 2018. Glossário. In: Yamamoto ME & Valentova JV (eds).
Manual de Psicologia Evolucionista. Natal, EDUFRN. p. 596-673.
Sumário
COMO USAR ESTE LIVRO ....................................................................................... 3
1. SOCIOBIOLOGIA HUMANA ................................................................................... 11
Risoneide Henriques da Silva
Ulysses Paulino de Albuquerque
2. PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA ..............................................................................23
Joelson Moreno Brito de Moura
Risoneide Henriques da Silva
Washington Soares Ferreira Júnior
Flávia Rosa Santoro
Taline Cristina da Silva
Ulysses Paulino de Albuquerque
3. EVOLUÇÃO CULTURAL .........................................................................................40
Risoneide Henriques da Silva
Edwine Soares de Oliveira
Ulysses Paulino de Albuquerque
4. COEVOLUÇÃO GENE-CULTURA E A TEORIA DA CONSTRUÇÃO DE NICHO ............. 53
Edwine Soares Oliveira
Patrícia Muniz de Medeiros
Paulo Henrique Gonçalves
Washington Soares Ferreira Júnior
Ulysses Paulino de Albuquerque
5. PSICOPATOLOGIA EVOLUCIONISTA: COMO ABORDAR
OS TRANSTORNOS MENTAIS A PARTIR DE UMA VISÃO FUNCIONAL E
ADAPTACIONISTA?...............................................................................................64
Mauro Silva Júnior
6. PSICOLOGIA MORAL EVOLUCIONISTA ................................................................. 82
Pâmela de Rezende Côrtes
André Matos de Almeida Oliveira
Ja ros lava Var ella Valent ova
7. SOCIOLOGIA EVOLUCIONISTA .............................................................................96
André Luís Ribeiro Lacerda
8. ETNOBIOLOGIA EVOLUTIVA ...............................................................................106
Washington Soares Ferreira Júnior
Patrícia Muniz de Medeiros
Ulysses Paulino de Albuquerque
9. BIOMUSICOLOGIA E MUSICOLOGIA EVOLUCIONISTA.........................................117
Marco A. C. Varella
10. EVOLUÇÃO E ECOLOGIA DOS CINCO GRANDES
TRAÇOS DE PERSONALIDADE (BIG-FIVE) ......................................................... 137
Christian Kenji Ollhoff
Ja ros lava Var ella Valent ova
11. ORIENTAÇÃO SEXUAL ........................................................................................150
Ja ros lava Var ella Valent ova
Bruno Henrique Amaral
Marco Antonio Correa Varella
12. SAPIOSSEXUALIDADE: A ATRAÇÃO POR INTELIGÊNCIA ....................................168
Felipe C. Novaes
Jean C. Natividade
13. SISTEMAS DE AC ASALAMENTO: O A NCESTRAL
E O MODERNO NA PSICOLOGIA DAS REL AÇÕES AMOROSAS HUMANAS ............ 176
Mauro Silva Júnior
Vivianni Veloso
14. PARCEIROS SEXUAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA .............................................. 193
Risoneide Henriques da Silva
Ulysses Paulino de Albuquerque
15. CUIDADOS PARENTAIS ......................................................................................200
Joelson Moreno Brito de Moura
Ulysses Paulino de Albuquerque
16. CIÚME E INFIDELIDADE .....................................................................................207
Joelson Moreno Brito de Moura
Ulysses Paulino de Albuquerque
17. UMA PERSPECTIVA EVOLUCIONISTA DO NOJO ..................................................215
Andreone Teles Medrado
Ja ros lava Var ella Valent ova
18. PERSPEC TIVAS EVOLUCIONISTAS SOBRE OS FENÔMENOS LÚDICOS ...............228
Yago Luksevicius de Moraes
Ja ros lava Var ella Valent ova
19. MODIFICAÇÕES DE APARÊNCIA .........................................................................240
Jaroslava Varella Valentova
Anthonieta Looman Mafra
20. UMA PERSPECTIVA EVOLUCIONISTA DO SUICÍDIO ............................................253
Risoneide Henriques da Silva
Ulysses Paulino de Albuquerque
21. UMA PERSPECTIVA EVOLUCIONISTA DA RELIGIÃO ........................................... 261
Edwine Soares Oliveira
Ulysses Paulino Albuquerque
22. TEORIA DOS JOGOS ...........................................................................................269
Rafael Ricardo Vasconcelos da Silva
Ulysses Paulino de Albuquerque
23. CRISES SANITÁRIAS E O COMPORTAMENTO HUMANO .......................................283
Edwine Soares Oliveira
Ulysses Paulino Albuquerque
24. PERCEPÇÃO DA NATUREZ A ...............................................................................291
Joelson Moreno Brito de Moura
Ulysses Paulino de Albuquerque
25. PROCESSAMENTO DE ALIMENTOS ....................................................................299
Michelle Cristine Medeiros Jacob
SOBRE OS AUTORES ..........................................................................................308
PARTE 1
A ABORDAGEM
EVOLUCIONISTA
11SOCIOBIOLOGIA HUMANA
1
SOCIOBIOLOGIA HUMANA
Risoneide Henriques da Silva
Ulysses Paulino de Albuquerque
A
Sociobiologia é o estudo sistemático da base biológica de todo o com-
portamento social (Wilson 2000). O termo sociobiologia surgiu em
1975, quando o biólogo Edward O. Wilson publicou o livro “Sociobiology:
The New Synthesis” que deu nome ao campo (ver Wilson 1975). Wilson era
um biólogo interessado em insetos sociais e passou sua carreira observan-
do o comportamento social de formigas, embora os conceitos desenvolvi-
dos em seu livro se estendam a todo o reino animal (Sear 2015).
Em sua obra, Wilson (falecido em 26 de dezembro de 2021) reuniu
em uma disciplina coesa programas de pesquisa de biólogos evolutivos in-
fluentes, como Richard Alexander (comportamento social), Eric Charnov
(teoria do forrageamento), William Hamilton (altruísmo), John Maynard
Smith (seleção de parentesco), Robert Trivers (investimento parental) e
George Williams (sistemas de acasalamento) (Schacht 2017). Isso tornou
o programa da sociobiologia uma estrutura valiosa a partir da qual seria
possível predizer e interpretar o comportamento social (Schacht 2017).
A sociobiologia se tornou uma disciplina acadêmica cujos pratican-
tes empregam o que foi chamado de programa adaptacionista. A aborda-
gem adaptacionista é aquela em que os pesquisadores usam a teoria da
evolução por seleção natural para testar hipóteses sobre o possível valor
adaptativo de um determinado traço comportamental (Alcock 2001). A
12 CAPÍTULO 1
afirmação central da sociobiologia é de que os indivíduos e seus comporta-
mentos estão sujeitos à seleção natural, e que alguns comportamentos, pelo
menos em parte, são herdados e evoluíram de maneira análoga aos traços
físicos (Castro & Toro 2010; Schacht 2017). Para Soares (2021, p. 293) “tal
visão foi popularizada como “ponto de vista do gene” (gene’s eye view) em O
Gene Egoísta de Dawkins. Segundo esta perspectiva, no jogo evolucionário
da vida, ganha quem mais repassar seus genes, se reproduzindo mais que
seus concorrentes. Quem não procurar repassar ao máximo seus genes para
as próximas gerações, gerará menos descendentes e assim terá sua prole ex-
tinta nas gerações futuras, e junto a isso, extinta também será a atitude de
não buscar maximizar a representação genética.
Assim, como a evolução pode levar a características físicas impor-
tantes emergindo dentro e entre as espécies (por exemplo, camuflagem e
cérebros grandes), ela também pode levar a evolução de comportamentos
vantajosos (ex. migração sazonal e aprendizagem social) (Schacht 2017).
Ao elaborar hipóteses sobre o comportamento humano e de outros ani-
mais, os sociobiólogos geralmente tentam explicar como um determina-
do comportamento contribui para o sucesso reprodutivo dos indivíduos
(Alcock 2017b).
Sociobiologia da Cooperação
Seleção de grupo e altruísmo
A natureza está cheia de lutas, assim como previsto pela teoria da
evolução por seleção natural, mas, há exemplos em que os indivíduos coo-
peram uns aos outros (Brosnan & Bshary 2010). Esse tipo de comporta-
mento é conhecido como altruísmo, e acredita-se que ele tenha evoluído
para trazer benefícios aos seus próprios executores (Waal 2008). No entan-
to, é difícil associar a teoria da seleção natural ao surgimento de compor-
tamentos cooperativos, porque nem sempre é óbvio como, nesse caso, os
13SOCIOBIOLOGIA HUMANA
indivíduos estariam trabalhando para o seu próprio interesse (Brosnan &
Bshary 2010).
Nesse sentido, Wilson (1975) criticou a visão reducionista de
muitos pesquisadores que aplicavam a teoria da evolução por seleção na-
tural focada apenas no indivíduo. Para ele não fazia sentido que a seleção
natural agisse apenas sobre as diferenças no sucesso reprodutivo indivi-
dual, que era medido pelo número de descendentes, ao invés disso, ele
considerava que a seleção natural também agia a nível de grupo, neste
caso, no sucesso genético de grupos inteiros de indivíduos (seleção de
grupo). Como argumento, Wilson (1975) citou o exemplo das relações de
altruísmo observada entre parentes (também conhecida como seleção de
parentesco), em que indivíduos que ajudam parentes a sobreviver e se re-
produzir permitem que alguns de seus genes sejam transferidos à próxi-
ma geração. Assim, muitos comportamentos altruístas não poderiam ser
totalmente explicados usando uma lógica reducionista focada apenas no
indivíduo. No entanto, outros estudiosos do comportamento social ar-
gumentavam que se uma característica beneficia o grupo inteiro, porém,
prejudicasse a capacidade do indivíduo de transmitir seus genes as pró-
ximas gerações, então, não importavam os benefícios que a característica
traria ao grupo, se a perda dos genes do indivíduo altruísta poderia im-
plicar em um possível desaparecimento da característica (ver argumen-
tos de Williams 1966).
Com as críticas a seleção de grupo, cientistas passaram a considerar
que os animais não se sacrificariam em benefício de sua espécie, pelo con-
trário, eles esperavam que estes se comportassem de maneira a promover
a propagação de seus próprios genes (Alcock 2017a). Além disso, há uma
outra questão. Como os animais desenvolvem um comportamento altruís-
ta se cada indivíduo em um grupo está agindo em seu próprio interesse?
A resposta é que a cooperação pode ser do interesse genético de todos os
envolvidos se os custos para os indivíduos forem superados pelos benefí-
cios que derivam de suas ações cooperativas (Alcock 2017a). Chimpanzés
machos, por exemplo, que cooperam uns com os outros possuem maior
14 CAPÍTULO 1
chance de subir em hierarquias de dominância dentro do grupo aumen-
tando as suas chances de gerar descendentes (Gilby et al. 2013). Assim, a
cooperação tem benefícios para os cooperadores, mesmo quando os indi-
víduos prestativos não são relacionados entre si (Alcock 2017a).
Comportamento altruísta em humanos e em outros animais
Em sociedades de primatas, por exemplo, a cooperação é muito
menos desenvolvida do que entre os humanos, as exceções são os inse-
tos sociais, como formigas e abelhas, mas essa cooperação é baseada em
parte devido ao parentesco genético (Fehr & Fischbacher 2003). De acordo
com Wilson (1975), as diferenças entre ações altruístas observadas em hu-
manos e outros animais se devem especialmente ao fato que os humanos
enfatizam a cooperação dentro do grupo e punem os indivíduos antagô-
nicos. Esse aspecto permitiu que os humanos se autodomesticassem, favo-
recendo uma natureza relativamente dócil que depende da companhia e
aprovação dos outros (Gintis 2015). Nesse sentido, observa-se uma predis-
posição humana para cooperar com os outros e punir aqueles que violam
as normas de cooperação mesmo quando esses custos não são devolvidos
(Gintis 2003). Esse aspecto tornou o altruísmo humano uma força podero-
sa e única no reino animal.
Diferente de outros animais, o comportamento social humano tende
a ser complexo por causa do papel desempenhado pela cultura em sua evo-
lução (Gintis 2014). Há formas de comportamento cooperativos entre hu-
manos que não podem ser totalmente explicados em termos de interes-
se individual (ver Gintis 2003). Por exemplo, humanos realizam doações
à caridade, defendem a educação pública (mesmo quando não possuem
filhos) e se disponibilizam para lutar e morrer na guerra (Gintis 2015).
Essas ações podem ser explicadas pelos sentimentos morais, como aque-
les que levam as pessoas a valorizarem a liberdade, a igualdade e governos
representativos, e que também levam a uma forte reciprocidade que trans-
cende a ideia de sucesso reprodutivo individual (Gintis 2003).
15SOCIOBIOLOGIA HUMANA
Sociobiologia do comportamento reprodutivo humano
Desde o início, o comportamento sexual foi um dos principais in-
teresses dos sociobiólogos (Sear 2015). Como um determinado compor-
tamento sexual evoluiu? E quais os benefícios o comportamento traz em
termos de sucesso reprodutivo? Um estudo revelou, por exemplo, que mu-
lheres tendem a valorizar as pistas para a aquisição de recursos entre par-
ceiros potenciais, enquanto os homens estão mais interessados na capa-
cidade reprodutiva feminina (Buss 1989). Regan et al. (2000) mostraram
que homens tendem a enfatizar os atributos relacionados à desejabilida-
de sexual, e que as mulheres valorizaram características relacionadas ao
status social. Nesse sentido, isso poderia explicar o comportamento, em
muitas culturas, em que homens preferem mulheres mais jovens, e, por-
tanto, mais férteis e capazes de gerar mais descendentes, enquanto mulhe-
res buscam garantir recursos adequados para o sustento da prole.
Em ambientes onde homens são relativamente raros e as parcei-
ras sexuais em potencial estão em excesso, os homens estariam mais pro-
pensos a relacionamentos não comprometidos de curto prazo (Schart &
Mulder 2015). No entanto, onde as mulheres são relativamente raras, elas
se tornam um recurso valioso e os homens buscam relacionamentos se-
xuais de longo prazo com uma única parceira (Schart & Mulder 2015).
Buss & Schmidt (1993) argumentam que o comportamento sexual de
homens e mulheres pode ser guiado por mecanismos psicológicos distin-
tos que orientam suas estratégias de acasalamento de curto e longo prazo a
depender do contexto ambiental em que vivem.
Críticas à Sociobiologia
Muitos críticos da sociobiologia (por exemplo, Stephen Jay Gould
e Richard Lewontin) a associaram ao determinismo biológico, ou seja, a
crença de que as diferenças nas características entre os indivíduos são im-
pulsionadas principalmente por diferenças genéticas (Schacht 2017). Eles
16 CAPÍTULO 1
sentiam que uma abordagem evolutiva do comportamento reduzia o ser
humano ao nível de instinto, ignorando características importantes do
ambiente, da experiência individual e, especialmente para os humanos, da
estrutura social e cultural (Schacht 2017). Uma outra preocupação era que
a sociobiologia parecia estar oferecendo aprovação para certos comporta-
mentos considerados “naturais” como o infanticídio, mas que eram moral-
mente abomináveis (Schacht 2017). No entanto, uma coisa é a explicação
do comportamento, e outra coisa é a atribuição de um valor moral.
Para os pesquisadores a teoria sociobiológica não implicava que o
comportamento social fosse determinado apenas por genes ou que dife-
renças comportamentais derivassem unicamente de diferenças genéticas
(Schacht 2017). Por exemplo, em todos os táxons animais, a capacidade
de aprender é determinada geneticamente, ou seja, existem predisposições
evoluídas e baseadas na biologia para o aprendizado. No entanto, entre as
espécies que apresentam aprendizagem social, o que os indivíduos apren-
dem não pode ser predeterminado (Schacht 2017). Nesse sentido, a crítica
obscurece o objetivo da sociobiologia que é testar hipóteses sobre a evolu-
ção e o valor adaptativo das características sociais (Alcock 2017a).
Os defensores da sociobiologia apontaram que muitas das críticas
da área baseavam-se na falha em compreender a diferença entre explicação
e justificação. Toda pesquisa científica visa explicar algo, não justificar a
característica sob investigação (Alcock 2017b). Se um pesquisador conclui
que é adaptativo que os homens se comportem de maneiras que aumentem
suas chances de copular com mulheres altamente férteis, o pesquisador
não está argumentando que esse aspecto do comportamento masculino
seja moral ou socialmente desejável (Alcock 2017b). O fato é que a dispu-
ta entre os defensores da sociobiologia e seus críticos ainda não acabou.
Ambos os lados concordaram em cessar-fogo, mas estão prontos para abri-
-lo a qualquer momento (Łepko 2020).
17SOCIOBIOLOGIA HUMANA
A Sociobiologia e a sua relevância
A sociobiologia humana se estabeleceu como uma área próspera de
pesquisa na forma de disciplinas derivadas dela, como a ecologia compor-
tamental humana, a psicologia evolucionista e a evolução cultural (Sear
2015). Essas disciplinas estão interessadas em entender o comportamen-
to humano, e particularmente as duas primeiras estão fundamentadas na
teoria da evolução por seleção natural, assim como na teoria sociobiológi-
ca clássica. Porém, existem algumas características que distinguem esses
campos científicos.
A ecologia comportamental humana dá maior atenção à capacidade
de resposta comportamental de indivíduos às condições sociais e ecológicas
do que a teoria sociobiológica clássica (Schacht 2017). Neste caso, o compor-
tamento humano é entendido como possuidor de “plasticidade fenotípica”,
ou seja, diferentes comportamentos podem emergir de um mesmo genoma,
dependendo do ambiente em que o indivíduo é criado (Sear 2015). Nesse
sentido, a ecologia comportamental humana surgiu como uma aplicação
dos princípios sociobiológicos ao estudo do comportamento humano, dis-
tanciando-se das críticas ao reducionismo genético (Schacht 2017).
Por sua vez, a psicologia evolucionista ressalta que muito do com-
portamento humano atual pode ser entendido por meio de adaptações
psicológicas que evoluíram para resolver problemas persistentes em am-
bientes ocupados por nossos ancestrais, particularmente aqueles ligados
à sobrevivência e reprodução (ver Tooby & Cosmides 2015). Os psicólo-
gos evolucionistas defendem a ideia de que o cérebro humano está repleto
de mecanismos psicológicos especializados em produzir comportamentos
que resolvem problemas adaptativos específicos, como seleção de parcei-
ros, aquisição de linguagem e cooperação (Castro & Toro 2010).
Em contrapartida, a abordagem da evolução cultural visa com-
preender o comportamento por meio das mudanças no conjunto de traços
culturais (informações socialmente adquiridas, como conhecimentos
ou crenças) em uma sociedade ao longo do tempo (Mesoudi 2018). Os
18 CAPÍTULO 1
evolucionistas culturais defendem a ideia de que a mudança cultural cons-
titui um processo evolutivo darwiniano que ocorre de maneira análoga,
mas não idêntica à evolução genética (Mesoudi 2015). Entre os principais
temas abordados pelos evolucionistas culturais estão o estudo do idioma,
cooperação, tecnologia, inovação, migração e religião (Mesoudi 2018).
Atualmente o termo sociobiólogo(a) tem sido raramente utilizado
para descrever cientistas que estudam o comportamento humano ou não-
-humano, em parte porque a maioria está interessada em todos os aspectos
do comportamento animal e não apenas no comportamento social, mas
também, por causa das controvérsias e conotações negativas que foram
geradas pelo uso do termo sociobiologia (Sear 2015). Em contrapartida, a
teoria evolutiva aplicada ao entendimento do comportamento social conti-
nua avançando, pois ecologistas comportamentais, psicólogos evolucionis-
tas e evolucionistas culturais estão se estabelecendo em áreas como antro-
pologia, psicologia, e outros campos científicos (Sear 2015).
Uma crítica que ainda perdura e que soa datada é de que a sociobio-
logia, assim como todas as ciências que operam nessa perspectiva evolu-
cionista, querem negar a cultura. Na verdade, a sociobiologia não teve a in-
tenção de substituir as explicações culturais, como defende Begossi (1993),
mas acabou por trazer para o debate o antropocentrismo difundido nas
ciências sociais. Para Ruse (1983), a maior preocupação
diz respeito ao efeito geral de uma possível intromissão da sociobiolo-
gia nas Ciências Sociais. Quer tenha havido substituição ou redução
em questão, a interferência da Biologia não significa o fim das Ciências
Sociais. Como aconteceu com a biologia desde o advento da física e da
química, o que se dá é exatamente o contrário: há a esperança de que
as novas técnicas e ideias resolvam pr oblemas que continuam insolúveis
nos dias de hoje, e também a esperança de que se abram perspectivas
inteiramente novas e estimulantes – e por enquanto apenas vagamen-
te percebidas - no campo das pesquisas. Os sociólogos deveriam dar as
boas-vindas à sociobiologia, desejando-lhe sucesso, e não refutá-la, com
temor e desagrado.
19SOCIOBIOLOGIA HUMANA
PARA SABER MAIS
Soares AM. 2021. O que são Sociobiologia Humana e Psicologia Evolucionista? Revista
Helius3(2): 291-325.
Yamamoto ME, Leitão M, Eugênio TJB. 2017. A perspectiva evolucionista no estudo
da cooperação. In: Vieira ML, Oliva AD (eds.). Evolução, cultura e comportamento
humano. Florianópolis, Edições do Bosque. p.105-162.
Yamamoto ME, Alencar AI, Lacerda AR. 2018. Competição e cooperação. In: Yamamoto
ME, Valentova JV (eds.). Manual de psicologia evolucionista. Natal, EDUFRN. p.465-
501.
ATIVIDADES PARA APROFUNDAMENTO E FIXAÇÃO
Por que a perspectiva da seleção de grupo gerou uma confu-
são na maneira como os estudiosos do comportamento social
compreendiam as ações altruístas em humanos e em outros
animais?
Quais as diferenças entre o comportamento altruísta obser-
vado em humanos e em outros animais?
Quais as principais críticas à sociobiologia e como os socio-
biólogos saíram em defesa dessa abordagem?
Faça uma síntese das principais críticas das ciências sociais
ao programa adaptacionista e à sociobiologia. Consulte o
texto de Soares (2021).
GLOSSÁRIO
Acasalamento: União de curto ou longo prazo entre dois ou mais indi-
víduos para fins copulatórios e/ou cuidado da prole biológica ou
não biológica. Nem todo acasalamento acaba em cópula ou cuidado
parental/aloparental.
20 CAPÍTULO 1
Altruísmo: Tendência ao comportamento que envolve custo para o doador
(autossacrifício) e benefício para quem recebe em termos de suces-
so reprodutivo direto ou indireto (aptidão abrangente). Contrário à
tendência para o egoísmo.
Comportamento: Produto de mecanismos psicológicos, os quais motivam
qualquer ação imediata exteriorizada (explícita) ou interiorizada
(implícita) de um organismo.
Cooperação: Produto de mecanismos psicológicos, os quais motivam a in-
teração entre dois ou mais organismos que tendem a gerar bene-
fícios mútuos maiores do que podem ser alcançados por esforços
individuais.
Investimento parental: Qualquer gasto de tempo, energia e/ou recur-
so material, social ou emocional por parte dos pais que beneficia
uma prole, com custo para a capacidade dos pais para investir em
outros componentes da sua própria aptidão, como sua sobrevivência
e reprodução.
Plasticidade fenotípica: É a capacidade adaptada dos organismos de alte-
rarem a sua fisiologia, comportamento, ou morfologia ao longo do
desenvolvimento como ajuste às modificações das condições ecoló-
gicas promovendo adaptabilidade local do organismo.
Seleção de grupo: Processo populacional não aleatório em que reprodução
diferencial ocorre entre grupos ao invés de entre indivíduos. O pro-
cesso evolutivo através do qual um grupo como um todo possuin-
do variações de características herdáveis que influem nas próprias
chances de sobrevivência e reprodução no dado ambiente, tendem a
contribuir diferencialmente para a proporção dos genes subjacentes
a tais características nas próximas gerações do que outros grupos.
Assim, a seleção produz atributos beneficiais aos grupos na com-
petição com outros grupos mesmo sendo custosos ao individuo ao
invés de atributos beneficiais aos indivíduos na competição com
outros indivíduos. Caso ocorra entre grupos de outras espécies,
pode ser conhecida como seleção de espécies. A maioria dos autores
21SOCIOBIOLOGIA HUMANA
considera que ela não é excludente com outras formas de seleção de
outros níveis, porém que ela tem uma força inferior de promover a
mudança evolutiva do que seleção no nível do gene ou indivíduo.
Seleção por parentesco: Processo evolutivo não aleatório onde há mudan-
ça na representação dos alelos de um indivíduo na geração seguinte
devido a sua contribuição no aumento ou diminuição na sobrevi-
vência e reprodução da prole de parentes descendentes (filhos, netos
etc.) e não descendentes (irmãos, sobrinhos, primos), proporcional
ao grau de parentesco (similaridade de alelos no genótipo).
REFERÊNCIAS
Alcock J. 2001. The Triumph of Sociobiology. New York. Oxford University Press.
Alcock J. 2017a. The Behavioral Sciences and Sociobiology: A Darwinian Approach. In:
Delisle RG (ed.). The Darwinian Tradition in Context. New York, Springer International
Publishing AG. p.37-58.
Alcock J. 2017b. Human Sociobiology and Group Selection. In: Tibayrenc M, Ayala FJ.
(eds.). On Human Nature. Academic Press. p.383-396.
Begossi A. 1993. Ecologia humana: um enfoque das relações homem-ambiente. Interciência
18 (3):121-132.
Brosnan SF, Bshary R. 2010. Cooperation and deception: from evolution to mechanisms.
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Buss DM. 1989. Sex differences in human mating preferences: evolutionary hypotheses
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Buss DM, Schmidt DP. 1993. Sexual strategies theory: an evolutionary perspective on
human mating. Psychological Review 100: 204-232.
Castro L, Toro MA. 2010. Cultural Transmission and Evolution. In: Encyclopedia
of Life Sciences (ELS). John Wiley & Sons, Ltd: Chichester. https://doi.
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Fehr E, Fischbacher U. 2003. The nature of human altruism. Nature 425: 785-791.
Gintis H, Bowles S, Boyd R, Fehr E. 2003. Explaining altruistic behavior in humans.
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22 CAPÍTULO 1
Gintis H. 2014. The distributed brain: Herbert Gintis salutes the follow-up to a study on
sociality and hominin brain size. Nature 509: 1-2.
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23PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA
2
PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA
Joelson Moreno Brito de Moura
Risoneide Henriques da Silva
Washington Soares Ferreira Júnior
Flávia Rosa Santoro
Taline Cristina da Silva
Ulysses Paulino de Albuquerque
Neste capítulo, apresentamos ao leitor o campo científico conhecido
por Psicologia Evolucionista (PE), uma área que se preocupa em en-
tender, a partir de uma perspectiva evolutiva, o funcionamento da mente
humana, analisando-a como resultado da evolução por seleção natural.
A PE difere da psicologia cognitiva clássica, no sentido de que a primei-
ra busca entender por que determinado comportamento se originou –
as causas últimas – e a segunda tenta entender como o comportamento
ocorre – as causas próximas. Assim, iremos discutir as bases fundamen-
tais para a compreensão da PE, desde sua origem, formulação da teoria,
seus princípios básicos, as principais críticas, limitações e controvérsias.
Por fim, serão apresentados dois estudos de caso que serviram como ponte
para reflexão das premissas defendidas por alguns psicólogos evolucionis-
tas da existência de um cérebro adaptado para lidar com as adversidades
que foram originadas em um passado ancestral.
24 CAPÍTULO 2
O que é Psicologia Evolucionista (PE)?
A psicologia evolucionista (PE) é um campo cienfico relativamente
recente que busca compreender o funcionamento da mente humana, ana-
lisando-a como um produto da seleção natural (Tooby & Cosmides 2015).
Portanto, pode ser considerada uma abordagem funcionalista, pois inves-
tiga as funções da mente humana. A PE defende a ideia de que o cérebro é
um processador de informações do meio ambiente e que, além disso, assim
como outros órgãos do corpo humano, o cérebro também foi moldado pela
seleção natural, processando um conjunto de informações importantes e
recorrentes do meio ambiente em detrimento de outras.
Podemos supor que no último parágrafo da obra A Origem das
Espécies, Charles Darwin menciona timidamente sobre a importância da
psicologia em utilizar pressupostos evolutivos para um melhor entendi-
mento da origem e história do ser humano, o que pode ter sido um gatilho
para o surgimento da PE. Mas foi somente no início do século XX que al-
gumas ideias da PE foram desenvolvidas e esse campo começou a ganhar
forma, sendo influenciada pela tendência teórica da sociobiologia (ver ca-
pítulo 1 deste livro). Já na segunda metade do século XX a PE ganhou maior
visibilidade, e nas décadas de 1970 e 1980, juntamente com a sociobiologia,
“tornaram-se cada vez mais importantes como uma ponte teórica entre as
ciências naturais, comportamentais, sociais e cognitivas que investigam a
natureza humana (Breyer 2015, p vii).
Nesse sentido, é importante diferenciar a sociobiologia da PE. A
sociobiologia pode ser definida como o estudo sistemático das bases bio-
lógicas do comportamento animal. Posteriormente, expandiu seus estu-
dos para analisar o comportamento social humano. Já a PE foi criada para
compreender exclusivamente os mecanismos psicológicos que precedem
o comportamento humano (ver Breyer 2015). O que motivou os psicólo-
gos evolucionistas a criar esse campo foi o descaso da sociobiologia com
os mecanismos psicológicos humanos moldados no Pleistoceno, e pro-
puseram uma nova estratégia de investigação, dando menos atenção ao
25PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA
comportamento humano e focando nas adaptações que permitem sua ex-
pressão (Hattori & Yamamoto 2012). Ao longo dos anos, as hipóteses da
PE sobre como o passado evolutivo influencia a ação e decisões humanas
no presente chamou a atenção de diferentes campos científicos, como os
campos das ciências políticas, marketing, economia, entre outros (Moura
et al. 2020). Para um histórico mais completo, ver Moura et al. (2020) e
também Vieira & Oliva (2017).
Os conceitos da PE
Os conceitos da PE se baseiam na ideia de que as adaptações da
mente humana foram selecionadas nos ambientes de adaptabilidade evo-
lutiva (AAE) (Tooby & Cosmides 2015; Vieira & Oliva 2017). Assim, todos
os mecanismos psicológicos dos seres humanos são evoluídos, sendo adap-
tados a diversas situações recorrentes presentes nesses ambientes – por
exemplo, fugir de predadores e selecionar parceiros –, que compreendem
as características estáveis dos AAE. No entanto, a primeira versão desse
conceito foi criticada, uma vez que apenas a savana africana foi conside-
rada um AAE, sendo modificada posteriormente para considerar outros
possíveis ambientes evolutivos (figura 1) (Albuquerque et al. 2020; Moura
et al. 2020). Assim, os hominídeos podem ter desenvolvido mecanismos
psicológicos em diferentes ambientes durante sua evolução no Pleistoceno.
26 CAPÍTULO 2
Figura 1. Definição do Ambiente de Adaptação Evolutiva (AAE), versão original e
versão ampliada. Reproduzido de Albuquerque et al. (2020).
Nesse sentido, os conceitos da PE ajudam a entender o comporta-
mento humano na atualidade, apesar de frequentemente serem criticados
devido tanto a certas controvérsias quanto a mal-entendidos, principal-
mente no que diz respeito aos níveis de explicações proximais – causas
próximas – e distais – causas últimas (ver Vieira & Oliva 2017 para uma
explicação mais completa). De acordo com Vieira e Oliva (2017), a aborda-
gem evolucionista tenta inserir as explicações distais aos níveis próximos
tradicionais, ou seja, tenta mostrar como o fato de conhecer o valor adap-
tativo e a evolução de um comportamento ao longo do tempo geológico
ajuda a entender melhor como agimos hoje. Os diferentes níveis de expli-
cação proximais e distais não são concorrentes ou excludentes, pois focam
em fatores importantes em diferentes unidades de tempo, sendo indispen-
sável considerar ambos os níveis (Vieira & Oliva 2017; Zietsch et al. 2020).
27PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA
Modularidade da Mente
Para a PE clássica a mente humana consiste em módulos de domí-
nios específicos, herdados de nossos ancestrais, que evoluíram para resol-
ver problemas adaptativos distintos e recorrentes que surgiram no passado
ancestral (Tooby & Cosmides 2015; Vieira & Oliva 2017). Cada módulo é
responsável por resolver um problema ou desafio específico. Podemos citar
os módulos ligados à detecção de trapaceiros, cooperação, identificação e
fuga de predadores, ciúme, medo e fobias, cuidado parental, entre outros.
Por exemplo, era extremamente importante para os primeiros hominídeos
identificar e evitar animais peçonhentos, como cobras e aranhas, para que,
com o tempo, a seleção natural favorecesse indivíduos capazes de detectar
tais ameaças, fixando essa estratégia de sobrevivência.
Para Tooby & Cosmides (2015) a seleção natural “produziu” no cé-
rebro muitos donios específicos, pois essa estrutura modular especiali-
zada rapidamente resolve seus próprios problemas adaptativos correspon-
dentes, não existindo uma arquitetura cognitiva predominantemente de
domínio geral. Por exemplo, foi evidenciado que ainda hoje diferentes me-
canismos modulares que evoluíram no passado ancestral estão envolvidos
na modulação de respostas emocionais que influenciam os relacionamen-
tos interpessoais, como na expressão do ciúme (ver Arístegui et al. 2020).
Todavia, há evidências da neurociência que não suportam totalmen-
te a existência da modularidade, mostrando que são poucas as partes do
cérebro que são modulares de forma encapsulada (Laland & Seed 2021).
Por exemplo, há evidências de que tanto humanos quanto outros animais
aprendem e estabelecem relações causais entre uma ampla variedade de
eventos, e isso só é possível se a mente não for modular – ou pelo menos
que ela integre vários domínios –, funcionando de maneira interconec-
tada por meio de uma plasticidade neural (Laland & Seed 2021). Nesse
ponto, com base nos argumentos de alguns psicólogos evolucionistas, po-
demos supor que a integração de vários domínios pode ocorrer em situa-
ções de perigo, uma vez que o processamento de informações na memória,
28 CAPÍTULO 2
por exemplo, pode operar por meio de um sistema geral de otimização da
sobrevivência que lida com desafios recorrentes em diferentes ambientes
(Nairne & Pandeirada 2016; Moura et al. 2 021).
Natureza Humana Universal (NHU)
De acordo com esse conceito, os mecanismos psicológicos evoluídos
na mente humana geraram padrões comportamentais observados em dis-
tintas culturas, levando a uma natureza humana universal (NHU) (Tooby
& Cosmides 2015; Vieira & Oliva 2017). Esta característica do ser humano
é expressa por meio de diferentes condições ambientais e sociais. Porém, a
principal crítica em relação ao conceito de NHU é o fato de que os compor-
tamentos observados em populações humanas específicas – por exemplo,
estudantes universitários que são voluntários em alguns experimentos –
são generalizados para todas as populações, com base em amostras não re-
presentativas da natureza humana. Para que a análise da natureza humana
seja mais completa, é preciso considerar os aspectos do desenvolvimento
ontogenético de cada indivíduo na construção dos mecanismos psicológi-
cos, ou seja, como as experiências da história de vida de cada pessoa in-
fluencia nesse processo (ver Moura et al. 2020).
Vale destacar que a ideia de uma natureza universal humana não é
tão rígida entre os psicólogos evolucionistas. Muitos mecanismos psicoló-
gicos, como os envolvidos no cuidado parental, são universais, porém, o
contexto em que as pessoas estão inseridas pode moldar a expressão desses
mecanismos. Por exemplo, cuidar de uma criança é um comportamento
comum a todas as pessoas, mas dependendo do contexto em que os cui-
dadores vivem, os comportamentos de cuidado (como a higienização do
corpo) serão os predominantes naquele contexto em específico, podendo
ser influenciado, inclusive, pelas crenças locais (ver Vieira & Oliva 2017).
29PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA
Gradualismo
A mente humana possui um conjunto de genes coadaptados ao am-
biente ancestral que não respondem rapidamente às pressões seletivas do
ambiente atual, uma vez que os processos evolutivos são lentos e precisam de
várias gerações para construir mecanismos psicológicos evoluídos (Tooby &
Cosmides 2015). Assim, para alguns pesquisadores os seres humanos expe-
rimentam um atraso adaptativo. Por exemplo, a preferência por alimentos
gordurosos e doces é um comportamento adaptado a ambientes ancestrais
com pouca disponibilidade de gordura, mas pouco adaptado ao ambiente
atual, levando ao aumento da incidência de doenças cardiovasculares (Li et
al. 2020). No entanto, há evidências de mudanças genéticas recentes e rápi-
das em populações humanas que fragilizam o argumento do gradualismo.
Para Laland e colaboradores (2010), a interação entre genes e cul-
tura pode exercer influência de maneira relativamente rápida na histó-
ria evolutiva dos humanos, por meio da alteração de pressões seletivas ou
modificação do ambiente, resultando na seleção de genes específicos. Em
resumo, o processo lento da evolução genética normalmente acompanha
o processo mais rápido de evolução cultural. Por exemplo, ao longo do
tempo houve um aumento na frequência do gene CD72, que conferem re-
sistência à malária em algumas populações da África Ocidental, como re-
sultado da agricultura exercida no local, que expôs as populações desta
região a esta doença. A prática agrícola nessa região promoveu, portanto,
a seleção de genes específicos e isso pode refletir em aspectos cognitivos.
Outro exemplo que resume bem a coevolução entre gene e cultura é o clás-
sico caso da lactose, no qual a tolerância à lactose em adultos (adaptação
genética) ocorreu eventualmente em culturas humanas que mantêm reba-
nhos (adaptação cultural) (Holden & Mace 2009).
Além disso, as adaptações mentais moldadas no passado ancestral
podem ser uma combinação entre mecanismos mentais ancestrais e recen-
tes, construídos durante o desenvolvimento ontogenético de cada indivíduo
a medida em que ocorrem mudanças no ambiente social (ver Barrett 2012).
30 CAPÍTULO 2
A perspectiva evolutiva ajuda a entender as
consequências de uma pandemia?
Em tempos de pandemia como a que vivenciamos a partir do ano
de 2020, a perspectiva evolutiva tem sido útil para ajudar a entender
as consequências da Covid-19 para a humanidade. Seitz e colaborado-
res (2020) elencaram alguns insights evolutivos sobre as pressões sele-
tivas do vírus SARS-CoV-2 sobre a resposta humana à pandemia, tanto
no nível psicológico quanto no nível cultural. No nível psicológico, por
exemplo, o vírus pode afetar a ativação de mecanismos cognitivos de
defesa relacionados ao nojo (ou repulsa), pois o SARS-CoV-2 é altamente
infeccioso antes do aparecimento dos sintomas, e as vezes o hospedeiro
é assintomático; logo, a pessoa infectada não apresenta sintomas de in-
fecção, e sem pistas ecologicamente válidas para a infecção a função de
evitar contato por meio do nojo fica inativa. Já no nível cultural, a pan-
demia pode levar a uma rigidez das normas sociais que punem as pessoas
que se desviam das normas que impedem transmissões virais (como o
distanciamento social). Do ponto de vista evolutivo, essas normas restri-
tivas são essenciais para ajudar a espécie humana a sobreviver nessa pan-
demia e, portanto, são adaptáveis em tempos de ameaça (para ver todos
os insights evolutivos, Seitz et al. 2020).
No caso dos líderes políticos que combatem a propagação da Covid-
19, foi observado que, a depender do gênero dos políticos, existe diferença
na eficácia de políticas sanitárias implementadas. Evidências sugerem que,
em média, as líderes femininas são mais focadas em minimizar o sofri-
mento humano direto causado pelo vírus, enquanto os líderes masculinos
implementam decisões de curto prazo mais arriscadas para minimizar in-
terrupções econômicas (Luoto & Varella 2021). De acordo com os psicólo-
gos evolucionistas, isso reflete certas diferenças entre os gêneros moldadas
no passado ancestral, no qual as mulheres tendem a ser mais empáticas,
apresentam maior repulsa por patógenos, se preocupam com a saúde e têm
aversão pelo sofrimento dos outros, enquanto os homens se arriscariam
31PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA
mais, focam em fatores financeiros de sucesso e apresentam maiores níveis
de psicopatia, narcisismo e maquiavelismo (Luoto & Varella 2021).
Além disso, os hábitos humanos influenciados por fatores genéticos
parecem ter um papel importante em tempos pandêmicos. Nesse ponto,
hipotetizou-se que o cronotipo noturno pode ser um dos fatores que con-
tribui para a disseminação do vírus SARS-CoV-2, uma vez que pessoas
com esse cronotipo tenderiam a não cumprir as medidas de segurança
contra o vírus (Varella et al. 2021). De acordo com Varella e colaborado-
res (2021), quando os primeiros hominídeos começaram a utilizar o fogo
no Pleistoceno, houve, eventualmente, a expansão das atividades noturnas
que ampliou alguns traços psicológicos em nossa espécie. Esses traços evo-
luíram ao longo do tempo por resolverem problemas adaptativos notur-
nos, como o maior risco de ser atacado por um predador e a fácil ocultação
da identidade. Esses desafios, portanto, selecionaram indivíduos noturnos
para serem mais paranóicos, corajosos, impulsivos, promíscuos, violado-
res de regras e gregários, características típicas do cronotipo noturno que
persistem ainda hoje (Varella et al. 2021). Esse perfil noturno, apesar de ser
adaptado no passado ancestral, em tempos de pandemia são incompatíveis
com os protocolos de saúde pública, principalmente o de distanciamento
social. Assim, a persistência do cronotipo noturno pode facilitar a trans-
missão viral noturna, pois o SARS-CoV-2 é capaz de persistir por mais
tempo em aerossóis durante a noite e em ambientes fechados (como bares).
Dessa forma, parece ser essencial que as políticas públicas considerem a in-
fluência de fatores evolutivos na disseminação de doenças virais (ver Seitz
et al. 2020; Varella et al. 20 21).
A mente humana evoluiu para privilegiar informações
relevantes aos cuidados com a saúde?
Dentro da perspectiva da PE, a mente humana evoluiu para arma-
zenar e recuperar na memória, de maneira privilegiada, informações rele-
vantes à sobrevivência e reprodução, particularmente aquelas informações
32 CAPÍTULO 2
que predominaram nos ambientes ancestrais em que a memória evoluiu.
Partindo desse pressuposto, um estudo realizado por Silva e colaboradores
(2019), conduzido com duzentos universitários, teve como objetivo inves-
tigar se a memória humana estaria adaptada a privilegiar informações re-
levantes aos cuidados com a saúde, neste caso, tomando-se como modelo
práticas médicas de uso de plantas medicinais. Os estudantes recrutados
participaram de sessões experimentais individuais e foram solicitados a
memorizar trinta palavras correspondentes a 15 binômios (a planta medi-
cinal + doença tratada por ela). Os resultados mostraram que os partici-
pantes tendem a priorizar na memória as plantas associadas ao tratamento
de doenças mais recorrentes na população – como gripe e diarreia –, o que,
segundo os autores, pode estar relacionado a uma maior familiaridade e
percepção de risco diferenciada para essas doenças. Os autores concluem
que a mente humana pode ter evoluído para operar de maneira flexível, ou
seja, a depender da situação uma informação pode ser priorizada em de-
trimento de outra.
A Preferência por Paisagem na Espécie Humana
é influenciada pelo passado ancestral?
Existem evidências de que evolmos na savana africana do
Pleistoceno, e isso foi tão marcante na história evolutiva dos hominídeos
que até hoje os seres humanos parecem preferir, de forma inata, paisagens
de savana, e esse fenômeno foi observado em várias culturas. Para testar
essa ideia, um estudo foi conduzido por Moura e colaboradores (2018), com
pessoas que residem no contexto urbano da cidade do Recife, e em comuni-
dades rurais, no estado de Pernambuco, Brasil. Cada voluntário foi solicita-
do a preencher, em uma escala do tipo likert, sua preferência relacionada a
doze imagens de paisagens representando os seis grandes biomas terrestres
— savana, deserto, tundra, floresta tropical, floresta de conífera, floresta es-
tacional decidual — e duas imagens de paisagens urbanas. Os resultados
mostraram que não existe preferência inata por paisagem de savana, sendo
33PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA
a floresta tropical a paisagem preferida pelos participantes do estudo. Os
autores concluíram que o AAE não se limita apenas à savana africana do
Pleistoceno e, portanto, os hominídeos podem ter desenvolvido mecanis-
mos psicológicos em diferentes ambientes durante sua história evolutiva, em
um período anterior ou posterior de seu estabelecimento na savana.
O comportamento de cooperação evoluiu
para ocorrer em qualquer contexto?
Do ponto de vista evolutivo, a cooperação é entendida como um
comportamento que evoluiu para promover um benefício a um outro in-
divíduo. O ato de cooperar foi tão importante para o sucesso evolutivo
dos hominídeos que herdamos uma característica universal que consiste
em um conjunto de mecanismos psicológicos que evoluíram para regu-
lar a cooperação dentro de um mesmo grupo e o conf lito entre diferentes
grupos humanos. Com base nisso, um estudo realizado por Zarbatany &
colaboradores (1985) avaliaram se pessoas externas a um grupo e a moti-
vação altruísta influenciam a cooperação entre grupos de crianças. Os vo-
luntários foram 282 alunos do primeiro, terceiro e quinto ano de escolas
primárias em Salt Lake City, nos Estados Unidos. Os voluntários votaram
em como gastar uma quantia em dinheiro, condicionados a três níveis de
influência: influência do pesquisador, influência dos colegas e nenhuma
influência. O dinheiro poderia ser utilizado de três maneiras: manter o
dinheiro para si, doar para a classe ou doar para crianças pobres. Os resul-
tados mostraram que crianças do quinto ano (10 anos de idade) são mais
generosas do que crianças mais novas. Além disso, os alunos do primeiro
ano exibiram maior generosidade quando o nível de influência derivado
da criança foi usado, em vez do pesquisador. Esse resultado sugere que o
comportamento de cooperação é modulado pelo contexto, e que os meca-
nismos de cooperação que ocorrem em adultos podem ocorrer em crianças
(para mais exemplos, ver Vieira & Oliva 2017).
34 CAPÍTULO 2
O que acontece quando observamos rostos de trapaceiros?
Algumas evidências sugerem que os seres humanos possuem me-
canismos psicológicos que facilitam a identificação de possíveis trapa-
ceiros. De uma perspectiva evolutiva, identificar trapaceiros é importan-
te para manter o equilíbrio e o bom funcionamento das relações sociais
entre grupos de pessoas. Baseado nesse pressuposto, Mealey e colaborado-
res (1996) testaram o quanto 124 estudantes universitários confiavam em
outras pessoas. Em um primeiro momento, foram apresentadas fotografias
de rostos de homens caucasianos com descrições sobre o histórico desses
homens, sugerindo se ele era um sujeito confiável, trapaceiro ou com in-
formações irrelevantes. Após sete dias, foram apresentadas aos voluntários
fotos de rostos de homens caucasianos sem qualquer descrição. Dentre as
fotografias apresentadas, metade eram fotos novas e a outra metade eram
as mesmas fotos vistas sete dias atrás. Após isso, os voluntários foram so-
licitados a apontar de quais fotos se recordavam. Os resultados mostraram
que os estímulos com descrições que envolviam trapaças eram os mais
lembrados. Para os autores, essa evidência sugere que existem mecanismos
cognitivos que direcionam nossa atenção e facilitam o armazenamento e a
recuperação na memória de informações sociais que envolvem a possibili-
dade de trapaça (para mais exemplos, ver Vieira & Oliva 2017).
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35PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA
ATIVIDADES PARA APROFUNDAMENTO E FIXAÇÃO
Uma novidade que a PE trouxe para as pesquisas que ana-
lisam o comportamento humano foi a inserção de explica-
ções que abarcam os fatores evolutivos que promoveram o
surgimento de determinado comportamento no passado an-
cestral, permitindo analisar sua utilidade (função). Explique
esta ideia.
O ambiente de evolução ancestral foi um contexto de con-
tínuo enfrentamento de problemas adaptativos, e foi nele
que grande parte dos mecanismos psicológicos evolram.
Dentre as características de um desafio a ser enfrentado, qual
a característica mais importante para origem e estruturação
da mente humana? Justifique.
Evidências recentes mostraram que em algumas culturas as
pessoas tendem a preferir ambientes de florestas tropicais
densamente verdes e fechadas. Do ponto de vista evolutivo,
em relação ao ambiente de adaptabilidade evolutiva (AAE), o
que se pode inferir a esse respeito?
Apesar da mente humana possuir um conjunto de genes coa-
daptados ao ambiente ancestral, também percebemos e res-
pondemos às pressões seletivas do ambiente atual. Quais evi-
dências fundamentam essa afirmação?
GLOSSÁRIO
Adaptação: Refere-se a característica ou comportamento de um organis-
mo que o torna capaz de sobreviver e se reproduzir no ambiente em
que vive. Assim, em termos evolutivos, diz respeito ao processo pelo
qual uma população se ajusta, ao longo das gerações, em resposta
36 CAPÍTULO 2
aos desafios de um determinado ambiente, levando a alterações, in-
clusive, nos mecanismos subjacentes ao comportamento, fisiologia e
morfologia do organismo.
Causas próximas: Conjunto de fatores e mecanismos internos ou externos
que atuam em escala do espaço e tempo mais próxima do indiví-
duo. Esses fatores e mecanismos que influenciam o funcionamen-
to imediato do indivíduo, ou que influenciam seu desenvolvimento
ontogenético.
Causas últimas: Conjunto de fatores e mecanismos populacionais que
atuam em escala do espaço e tempo mais distante do indivíduo,
através das gerações. Elas influenciaram ao longo da história evo-
lutiva a origem filogenética e a manutenção adaptativa de aspectos
do funcionamento imediato e do desenvolvimento ontogenético dos
seres humanos. Essas causas servem como explicações para o com-
portamento dos organismos que busca analisar a utilidade (função)
de um comportamento tanto para a sobrevivência quanto para a re-
produção dos indivíduos, explicando a vantagem que esse compor-
tamento conferiu aos nossos antepassados hominídeos.
Cronotipo: O cronotipo diz respeito ao ritmo circadiano subjacente in-
dividual, ou seja, é a predisposição natural que cada indivíduo tem
de sentir picos de energia ou cansaço de acordo com a hora do dia.
Por exemplo, indivíduos com cronotipo noturno tendem a ser mais
ativos no período da noite.
Desenvolvimento ontogenético: Processo contendo as etapas consecuti-
vas no ciclo de vida de um organismo multicelular desde sua con-
cepção no zigoto até o final da sua vida, passando pela nidação,
gastrulação, nascimento, infância, adolescência, vida adulta repro-
dutiva e senescência.
Hominídeo: É uma família taxonômica que representa os grandes pri-
matas, incluindo os quatro gêneros existentes: Pan (chimpanzés),
Gorilla (gorilas), Homo (seres humanos) e Pongo (orangotangos).
37PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA
Esse grupo é constituído por todos os grandes símios modernos e
extintos, além de todos os seus ancestrais comuns.
Pleistoceno: Compreende o período geológico iniciado há mais ou menos
2,5 milhões de anos e terminado há 11,70 mil anos, com o início
das domesticações de animais e plantas. É uma época do período
Quaternário incluso na era Cenozóica. A maior parte da evolução
humana ocorreu durante o Pleistoceno, período com grandes mu-
danças climáticas e muitas glaciações. Especificamente, o Homo sa-
piens surge no final dessa época, há cerca de 315 mil anos.
Valor adaptativo: Medida da utilidade, importância e funcionalidade de
uma característica do indivíduo, que contribui para a reprodução
diferencial de maneira direta ou indiretamente. Qualquer caracte-
rística fenotípica ou comportamental que contribua positivamente
para o aumento da frequência genética que expressa características
favoráveis nas gerações seguintes tem um alto valor adaptativo, pois
permite que o indivíduo tenha sucesso reprodutivo.
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40 CAPÍTULO 3
3
EVOLUÇÃO CULTURAL
Risoneide Henriques da Silva
Edwine Soares de Oliveira
Ulysses Paulino de Albuquerque
O
termo evolução cultural define tanto um fenômeno como a teoria
que tenta explicar como as culturas evoluem, o que obviamente pode
causar alg uma confusão (ver discussão em Heyes 2020). Aqui vamos adotar
o segundo entendimento. A teoria da Evolução cultural (TEC) considera
que os comportamentos humanos são afetados por variações culturais e
que estas podem ser explicadas dentro de uma ótica evolutiva darwinia-
na. Para entender a evolução cultural e os seus mecanismos é necessário
primeiro definir cultura. Cultura é o conjunto de informações (traço cul-
tural) (conhecimentos, atitudes, preferências, habilidades, crenças etc.) ad-
quirida através de mecanismos de transmissão cultural como imitação,
ensino e linguagem que pode ser expressa na forma de comportamentos e
são passíveis de serem compartilhadas (Mesoudi 2011).
O objetivo da TEC tem sido compreender os mecanismos que fazem
com que os traços culturais se fixem em determinadas populações e predi-
zer como eles se comportam ao longo do tempo (Brown & Richerson 2014).
A teoria considera que a cultura evolui na mesma lógica apresentada por
Darwin para a evolução biológica: variação, competição e hereditariedade
(Ver Cavalli-Sforza & Feldman 1981; Boyd & Richerson, 1985; Mesoudi
2011, 2015).
41EVOLUÇÃO CULTURAL
O próprio Darwin (1871) trouxe a importância das tradições cul-
turais para evolução humana, quando aplicou a ideia de seleção natural
à evolução da linguagem. Pouco mais de um século depois, mais especi-
ficamente na década de 1980, surgiu a TEC contemporânea, aplicaram as
ideias da evolução aos traços culturais humanos e através de modelos ma-
temáticos mostraram como as frequências ou distribuições de diferentes
traços podem variar ao longo tempo (Cavalli-Sforza & Feldman 1981; Boyd
& Richerson 1985).
Atualmente os pesquisadores da TEC se dividem em dois gran-
des grupos, a escola da California que destaca a importância das intera-
ções entre a evolução genética e a cultural (Ver Richerson & Boyd 2005;
Henrich 2016) e a escola de Paris que entende a evolução cultural com uma
maior autonomia em relação a genética (Ver Sperber 1996; Atran 2001;
Morin 2015). Essas duas escolas também diferem quanto ao entendimento
do processo de transmissão de informações (Smolla et al. 2021). A escola
da California entende a transmissão precisa de informações como a prin-
cipal causa para a estabilidade cultural (Boyd & Richerson 1985; Acerbi &
Mesoudi 2015), já a escola de Paris enfatiza o quão importante é a trans-
formação tendenciosa da informação (Claidière et al. 2014; Morin 2016).
Apesar dessas diferenças de entendimento, o que se sabe até o momento é
que a cultura é um dos fenômenos mais complexos de que se tem conhe-
cimento. A capacidade de produzir e acumular cultura possibilitou ao ser
humano habitar em praticamente todas as partes do planeta, sem dúvida
alguma, fator muito importante para o sucesso ecológico da nossa espécie
(Smolla et al. 2021).
Conceitos Básicos
Microevolução Cultural
A microevolução cultural descreve os processos de nível individual
que determinam a mudança cultural dentro das populações em um curto
42 CAPÍTULO 3
período (Mesoudi 2018). Ela compreende os detalhes de como as pessoas
aprendem, com quem aprendem, como elas transformam os traços cultu-
rais à medida que são aprendidos e outros processos sociocognitivos que
levam a mudanças nos traços culturais dentro das populações ao longo do
tempo (Mesoudi 2016).
Os principais processos microevolutivos incluem: Vieses basea-
dos em modelo: Pessoas podem aprender preferencialmente com indiví-
duos que possuem maior prestígio (Cheng et al. 2013), pessoas mais velhas
(Wood et al. 2012), e que possuem sucesso (Baldini 2013). Os vieses basea-
dos em modelos representam um atalho útil para adquirir comportamento
adaptativo sem a necessidade de avaliar o comportamento adquirido, mas
podem levar ao surgimento de traços neutros ou mal adaptados (Atkisson
et al. 2011). Dentro dos vieses de modelo, o viés de prestígio, por exemplo,
representa indivíduos dentro de um grupo, com conhecimentos, habilida-
des ou competências acima da média que as pessoas usam como modelo
para aprender (Henrich & Gil-White 2001). Por exemplo, marcar gols com
frequência é um indicador de competência no futebol, e portanto, os arti-
lheiros tendem a alcançar prestígio dentro dos times de futebol (Jiménez
& Mesoudi 2021). No entanto, um efeito colateral do viés de prestígio pode
ser a disseminação de comportamentos mal adaptados, como o fumo ou
mesmo o suicídio, que estão associados a pessoas de prestígio (Mesoudi
2018). Tem sido observado em diferentes países o suicídio culturalmen-
te transmitido motivado pelo comportamento suicida de celebridades, de
modo que as pessoas não copiam apenas o ato, mas os métodos usados
(Henrich 2016). Vieses de conteúdo: Alguns traços culturais podem ser
mais propensos a serem adquiridos do que outros, por causa das caracterís-
ticas intrínsecas que possuem (Mesoudi 2016). A capacidade humana para
lembrar, especialmente, informações de importância para a sobrevivência
constitui um exemplo de adaptação psicológica (Nairne et al. 2007). Essa
adaptação psicológica pode orientar as informações que serão preferen-
cialmente lembradas, aprendidas e compartilhadas entre pessoas (Silva et
al. 2020), constituindo um importante viés de conteúdo. Ela pode orientar,
43EVOLUÇÃO CULTURAL
por exemplo, a recordação e a aprendizagem diferencial de informações
sobre animais perigosos (ver Barrett & Broesch 2012; Barrett et al. 2016), e
o melhor compartilhamento de informações sobre alimentos repugnantes
(ver Eriksson & Coultas 2014). No entanto, os vieses de conteúdo também
podem surgir da eficiência de um traço em particular (por exemplo, um
arco que dispara uma f lecha mais distante), algo que envolve critérios mais
flexíveis ao invés de adaptações psicológicas inatas (Mesoudi 2016). Vieses
dependentes da frequência: Pessoas podem copiar os traços com base na
frequência dos mesmos na população (Mesoudi 2016). Copiando os traços
que são mais comuns (viés de frequência positiva/conformidade), ou co-
piando os traços mais raros (viés de frequência negativa/anti-conformida-
de) (ver Morgan & Laland 2012; Van den Berg et al. 2015). O viés de con-
formidade, por exemplo, consiste no fato dos indivíduos preferirem copiar
informações com base em comportamentos adotados pela maioria das
pessoas em um sistema social (ver Morgan & Laland 2012).
Variação guiada: Os indivíduos podem modificar intencionalmen-
te uma informação adquirida, e então passar essa informação modifica-
da para outros indivíduos (Richerson & Boyd 2005). Santoro et al. (2018)
destacam um exemplo hipotético de como a variação guiada pode ocorrer
em culturas humanas: “Uma pessoa pode aprender sobre uma espécie de
palmeira que pode ser usada para fazer um objeto específico em sua cultu-
ra. Porém, as mudanças ambientais podem tornar essa espécie vegetal in-
disponível a qualquer momento. A indisponibilidade da planta no ambiente
pode levar o indivíduo a utilizar as informações originalmente adquiridas
- por exemplo, o formato das folhas da palmeira - para experimentar o uso
de uma espécie similar. Se vários indivíduos em um grupo usam a mesma
estratégia, embora de forma independente, isso pode favorecer o comparti-
lhamento de informações sobre a nova espécie”.
44 CAPÍTULO 3
Macroevolução Cultural
Essa perspectiva utiliza métodos filogenéticos emprestados da bio-
logia evolutiva para reconstruir a história da diversidade cultural atual e
testar hipóteses sobre as consequências dos vieses de aprendizagem social a
nível populacional em escalas de tempo mais longas (Mesoudi 2016, 2018).
Filogenias culturais: Essa perspectiva defende a ideia de que os traços
culturais exibem padrões semelhantes aos observados em árvores filoge-
néticas (descendência com modificação a partir de um ancestral comum)
comumente usada por biólogos evolutivos para explicar a diversidade de es-
pécies no planeta (Mesoudi 2016). Para os evolucionistas culturais, os traços
culturais também podem ser herdados de um ancestral comum por apren-
dizagem social e alterados ao longo do tempo por meio de vieses de trans-
missão cultural. Assim, os evolucionistas culturais têm utilizado métodos
filogenéticos para reconstruir a evolução cultural, como no caso da evolu-
ção de línguas (Bouckaert 2012), e de ferramentas (O’Brien et al. 2014).
Regularidades transculturais: Segundo essa perspectiva, todos os in-
divíduos compartilham características cognitivas semelhantes e, consequen-
temente, tendem a transformar suas representações em uma direção similar
(Sperber & Hirschfeld 2004). Por exemplo, considerando que todos os seres
humanos compartilham uma memória inata que tende a lembrar informa-
ções de importância para sua sobrevivência (ver Nairne et al. 2007), é de se
esperar que pessoas recordem e aprendam preferencialmente informações
úteis, independente do ambiente em que vivem. Evidências apontam, por
exemplo, que informações sobre animais perigosos tendem a ser lembradas
e aprendidas em diferentes ambientes e culturas (Barrett & Broesch 2012).
Evolução cultural cumulativa: Essa perspectiva investiga a acumula-
ção de conhecimento entre gerações sucessivas. Um estudo de modelagem
concentrou-se em explicar, por exemplo, a dinâmica cumulativa da cultura
humana, em particular para domínios da ciência e tecnologia, mostrando
uma acumulação clara desse conhecimento ao longo de várias gerações
(ver Kempe et al. 2014).
45EVOLUÇÃO CULTURAL
Seleção cultural e deriva Cultural
Os estudos acerca dos mecanismos envolvidos na evolução cultu-
ral vêm utilizando abordagens desde modelos matemáticos (Richerson &
Boyd 2005), a experimentos psicológicos (Acerbi et al. 2016) e estudos de
campo (Henrich & Broesch 2011) e de forma geral buscam entender os
processos que funcionam como agentes de mudanças na frequência dos
traços culturais dentro de uma população humana.
Esses estudos só são possíveis devido à aprendizagem cultural e a
capacidade de acumular informações do ser humano (Santoro et al. 2018) e
podem ser subdivididos em quatro tipos: (i) os que dizem respeito à varia-
ção dos traços culturais, (ii) os que dizem respeito a seleção cultural, (iii) à
deriva cultural e (iv) aqueles que estão relacionados com a transmissão de
informações (Mesoudi 2011).
No entanto, esses processos apresentam algumas diferenças signifi-
cativas quando comparadas com a evolução biológica. No que diz respeito
a variação, por exemplo, podemos observar que a cultura humana possui
milhões a bilhões de variantes, a exemplo disso temos os mais de 6800
idiomas existentes no mundo, a infinidade de ferramentas para realizar
uma mesma função (como utensílios de cozinha) etc. (Mesoudi 2011). Essa
grande possibilidade de variação leva a uma competição que resultará na
seleção de determinados traços em detrimento de outros (ver Rogers 1988;
Enquist et al. 2007). Aqui a competição se diferencia daquela que ocorre
entre os animais, onde existe uma disputa direta pela busca de alimentos
ou parceiros sexuais, por exemplo. Ela ocorre através de uma série de ca-
racterísticas que fazem com que determinado traço cultural tenha uma
maior probabilidade de ser aprendido do que outros, ou seja, o que ocorre
é uma competição indireta, possibilitado pelo que é chamado de fitness di-
ferencial (Ver Mesoudi & Whiten 2008; Mesoudi 2011).
A competição entre os traços culturais, ocorre tanto no nível psicoló-
gico, uma vez que o armazenamento da mente humana é limitado, quanto
de forma mais operacional, através da extinção de comportamentos,
46 CAPÍTULO 3
práticas culturais etc. (Mesoudi 2011). Uma vez que os traços competem
entre si, um outro fenômeno entra em ação, é a seleção cultural, ou seja,
a condição em que um traço cultural é mais provável de ser adquirido e
transmitido em virtude de outros dentro de um determinado contexto
(Santoro et al. 2018). A seleção cultural não envolve modificações inten-
cionais do traço como a variação guiada, mas sim uma série de vieses psi-
cológicos que atualmente podem ser divididos em dois grupos principais:
os vieses de conteúdo e de contexto (já mencionados anteriormente). Os
vieses de contexto se caracterizam como uma alternativa, quando a aná-
lise da informação demanda um custo muito alto. Por exemplo, em um
ambiente que esteja passando por muitas modificações, analisar o conteú-
do de cada informação pode ser muito custoso para sobrevivência, assim,
aprender com um modelo (viés de contexto) pode se apresentar como uma
estratégia potencialmente mais adaptativa (Boyd & Richerson 1985).
Tanto os mecanismos de variação guiada quanto às formas de se-
leção cultural citadas são muito importantes para TEC, uma vez que
atuam deslocando a frequência dos traços culturais dentro de uma popu-
lação para uma direção específica. No entanto, o processo em que todos os
traços têm possibilidades iguais de serem transmitidos também é impor-
tante para a evolução. Dentro da biologia isso é chamado de deriva genéti-
ca e nela todos os alelos são intrinsecamente passíveis de transmissão para
gerações futuras. Dentro da cultura tal processo é chamado de deriva cul-
tural e acontece quando as pessoas copiam os traços culturais totalmente
ao acaso e sem os processos direcionais mencionados anteriormente (Ver
Mesoudi 2011).
Hereditariedade e Evolução Cultural
A variação precisa ser herdada para que a evolução aconteça, pois
permite que as características na população sejam preservadas ao longo
das gerações. Isto estava presente nos mecanismos evolutivos propostos
por Darwin, e está presente na cultura humana. Entretanto diferente da
47EVOLUÇÃO CULTURAL
evolução biológica em que a herança acontece de forma exclusivamen-
te vertical e biparental com a informação transmitida dos pais para uma
única descendência, na evolução cultural a transmissão pode ocorrer por
meio de diversas vias: (i) via vertical, que ocorre de pais para filhos, isso
pode ser observado principalmente nos primeiros anos de vida de um in-
divíduo, onde a criança aprende essencialmente com seus pais; (ii) hori-
zontal, que ocorre entre indivíduos de uma mesma geração, porém não ne-
cessariamente aparentados. Por exemplo, quando se adquire informações
com colegas de um determinado círculo social. E por fim, (iii) oblíqua, que
ocorre entre indivíduos de gerações diferentes, porém não necessariamen-
te aparentados (isto é, pais e filhos), como por exemplo, entre tios e sobri-
nhos, avós e netos, professores e alunos (Mesoudi 2011).
A transmissão de informações também pode acontecer de muitos
para um, por exemplo, dos membros mais antigos para os mais novos do
grupo social; como de um para muitos, por exemplo, através das mídias
sociais quando uma única pessoa compartilha uma informação pra inú-
meras outras, ou até mesmo em uma palestra, quando um único indivíduo
está comunicando para um auditório lotado.
Embora a transmissão vertical seja muito importante para a evolu-
ção cultural, por ser uma via mais conservativa (isto é, os traços culturais
transmitidos se mantêm sem grandes variações), ao longo da história de
vida do indivíduo as outras vias de transmissão desempenham um papel
igualmente importante na atualização de determinado tipo de informação
cultural (Santoro et al. 2020). Por fim, compreender a existência de um sis-
tema de herança cultural, é de extrema importância para fornecer infor-
mações mais completas sobre nossa história evolutiva bem como auxiliar
na investigação do comportamento humano.
PARA SABER MAIS
Albuquerque UP, Ferreira Júnior WS. 2018. Fundamentos de Etnobiologia Evolutiva.
Volume 1. Recife, NUPEEA.
48 CAPÍTULO 3
Albuquerque UP. 2018. Etnobiologia: bases ecológicas e evolutivas (2ª Edição. Revisada e
Ampliada). Recife, NUPEEA.
Drummond JA. 2004. Evolução e cultura. História Ciências Saúde-Manguinhos 11:177-
181.
ATIVIDADES PARA APROFUNDAMENTO E FIXAÇÃO
Quais as principais diferenças entre a evolução biológica e a
evolução cultural?
Em que difere os processos microevolutivos e macroevoluti-
vos das culturas humanas?
Em que consiste a evolução cultural cumulativa? Justifique
sua resposta e forneça exemplos.
Por que aprender com pessoas de prestígio nem sempre
é adaptativo? Justifique suas respostas com exemplos
contemporâneos.
GLOSSÁRIO
Árvore filogenética: Genealogia das espécies, padrões ramificados de pa-
rentesco de ancestralidade comum que descrevem o trajeto evoluti-
vo de cada uma e todas as espécies de seres vivos da terra.
Deriva cultural: Processo análogo à deriva genética e ocorre quando as pes-
soas copiam traços culturais inteiramente ao acaso na ausência de
qualquer um dos processos direcionais envolvidos na seleção cultural.
Fitness diferencial: Alguns indivíduos possuem mais chances de sobre-
vivência e reprodução do que outros e isso está diretamente rela-
cionado às suas características. No caso da cultura, alguns traços
culturais possuem características que os fazem se manterem na po-
pulação e serem mais transmitidos em detrimento de outros.
49EVOLUÇÃO CULTURAL
Macroevolução: Alterações evolutivas populacionais que ocorrem em
longos períodos de tempo geológico, englobando muitas gerações
e grandes mudanças fenotípicas deslocando descendentes para um
gênero distinto ou táxons superiores.
Macroevolução cultural: Dinâmica de mudança cultural em nível de po-
pulação, como adaptação a diferentes ambientes ou diversificação
em diferentes linhagens.
Microevolução: Alterações evolutivas populacionais que ocorrem em
curtos períodos de tempo geológico, englobando poucas gerações e
mudanças fenotípicas pequenas em populações dentro de uma espé-
cie, podendo originar subespécie ou outra espécie.
Microevolução cultural: Processos ao nível individual que direcionam
quem aprende o quê, de quem, como e quando.
Seleção cultural: O processo no qual alguma característica cultural, su-
jeita a imitação e aprendizagem social, é expressada em maior ou
menor proporção do que outras características culturais do mesmo
grupo ao longo do tempo.
Traço cultural: Unidade de informação (que pode ser entendida como co-
nhecimento, crenças, atitudes, normas, preferências e habilidades),
adquiridas de outros indivíduos por meio de transmissão cultural.
Traços neutros: Comportamentos adotados pelos indivíduos que não geram
danos diretos ou indiretos à sua sobrevivência. Um exemplo é o uso
de uma planta medicinal que não é eficiente na cura de uma deter-
minada doença, mas que não causa danos às pessoas que as utilizam.
Traços mal adaptados: Comportamentos adotados pelas pessoas que não
contribuem para sua adaptação ao ambiente e podem diminuir a
eficiência de uma determinada prática humana. Um exemplo de
traço mal adaptado é o uso de medicamentos industrializados sem
eficácia farmacológica no tratamento de doenças.
Transmissão cultural: Compartilhamento de informações entre indiví-
duos de um grupo social. Esse compartilhamento é fiel o suficiente
para que possa suportar de forma satisfatória um acúmulo gradual
50 CAPÍTULO 3
de modificações, igualmente ocorre na transmissão de genes na
evolução biológica.
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53COEVOLUÇÃO GENE-CULTURA E A TEORIA DA CONSTRUÇÃO DE NICHO
4
COEVOLUÇÃO GENE-CULTURA E A TEORIA DA
CONSTRUÇÃO DE NICHO
Edwine Soares Oliveira
Patrícia Muniz de Medeiros
Paulo Henrique Gonçalves
Washington Soares Ferreira Júnior
Ulysses Paulino de Albuquerque
A
teoria da coevolução gene-cultura, também conhecida como teoria
da dupla herança (Henrich & McElreath 2007), possui como pressu-
posto que os seres humanos herdam dois tipos de informação, a genética e
a cultural (Feldman & Laland 1996). Tudo que é aprendido culturalmente
pode ser influenciado por características genéticas, já as pressões seleti-
vas enfrentadas pelos genes podem ser geradas ou alteradas pela cultura.
Dessa forma, os dois sistemas de informação não podem ser compreendi-
dos separadamente, uma vez que, apesar de diferentes, eles estão interagin-
do constantemente (Durham 1982).
Laland et al. (1995) descrevem os dois pressupostos principais dessa
teoria. No primeiro a variação genética influencia a probabilidade de um
determinado traço cultural ser transmitido ou exibido dentro de uma po-
pulação (embora os genes não sejam os únicos ou os mais importantes in-
fluenciadores). O segundo considera que a probabilidade de exibição de um
determinado traço cultural está ligada à presença deste traço em pessoas
próximas, como pais e professores. Aqui, todas as vias de transmissão de
54 CAPÍTULO 4
informação são consideradas, embora os modelos de coevolução gene-cul-
tura se foquem principalmente na via vertical (ver o capítulo 3 neste livro).
A teoria não afirma que existe uma ampla dependência da cultura
na constituição genética (Feldman & Laland 1996), muito menos que os
traços culturais adquiridos serão sempre adaptativos (Feldman & Laland
1996). No entanto, é importante enfatizar que existem diferentes níveis
de compreensão da relação gene-cultura. Dentre esses podemos destacar
cinco modos relacionais, propostos por Durham (1982): mediação genéti-
ca, mediação cultural, aprimoramento, neutralidade e oposição.
A mediação cultural ocorre quando atributos culturais alteram o fit-
ness biológico de um fenótipo. Um exemplo disso é como as práticas agrí-
colas mediaram as mudanças na frequência genética do traço da anemia
falciforme na África Ocidental. O traço falciforme consiste em uma hetero-
zigose com um gene de hemoglobina A e um gene de hemoglobina S, sendo
este último causador de anemia falciforme em contextos de homozigose. A
agricultura teria aumentado a incidência e severidade da malária, pois ao
abrir clareiras nas florestas para as plantações, isso forneceu melhores con-
dições para a reprodução do mosquito hospedeiro da doença (Anopheles
gambiae). Uma vez que o traço falciforme é resistente à malária, aqueles
que o possuíam conseguiam sobreviver e se reproduzir, aumentando a fre-
quência genética desse traço na população (O’Brien & Bentley 2020).
A mediação genética ocorre quando um traço herdado biologica-
mente influencia a transmissão de informações culturais, havendo assim
uma grande probabilidade de vieses inatos na aquisição e transmissão de
informações. Um exemplo são as línguas contemporâneas. Existem muitas
variações entre as línguas para descrever as cores, dessa forma o repertório
linguístico para a diversidade de cores está associado a processos neurofi-
siológicos que definem a visão das mesmas (Durham 1982).
A neutralidade ocorre quando as variações culturais têm pouco ou
nenhum impacto na adaptabilidade de quem as carrega. Ou seja, o fitness
cultural não está nem positivamente nem negativamente associado ao fit-
ness biológico. Exemplos disso podem ser alguns elementos estéticos das
55COEVOLUÇÃO GENE-CULTURA E A TEORIA DA CONSTRUÇÃO DE NICHO
culturas ou mesmo os sons que formam as diferentes línguas. Por fim, na
oposição há um possível antagonismo nas direções da evolução biológica
e cultural. Em outras palavras, o fitness cultural diz respeito a um cami-
nho oposto do fitness biológico, de modo que os traços ou comportamen-
tos mais aceitos culturalmente contribuem negativamente para a adap-
tação das populações humanas. Um exemplo é o do endocanibalismo na
Papua Nova Guiné (ver Durham 1982). Esta prática foi transmitida dos
povos Fore do Norte para os povos Fore do Sul. A prática, até um dado
momento, contribuía com o aumento da disponibilidade de proteína de
alta qualidade. No entanto, no início do século XX, uma doença degenera-
tiva dos nervos associada ao canibalismo acabou por surgir. Assim, a con-
tinuidade da prática levou a sérios problemas, incluindo alta mortalidade
populacional.
A discussão em torno da dupla herança vem se desenrolando há dé-
cadas. Em 1973, Ruyle propôs uma analogia entre a evolução cultural e a
teoria da evolução biológica, afirmando que as duas poderiam ser concei-
tualmente unificadas, pois segundo ele, ambas as heranças são determina-
das por pressões seletivas que emergem dos contextos materiais de vida e
atuam sobre os indivíduos (Ruyle 1973). Posteriormente, diversos autores
passaram a propor uma série de modelos, estudos de caso e estudos teóri-
cos que pudessem investigar as vantagens adaptativas e como essa inter-re-
lação pode estar ligada aos processos evolutivos humanos (Durham 1982;
Laland et al. 1995; Feldman & Laland 1996; Gintis 2011).
Teoria da Construção de Nicho
Uma abordagem que vem tratando desse processo coevolucionário
entre gene e cultura é a Teoria da Construção de Nicho (TCN). Os seres
humanos atuam como principais agentes da mudança ecológica em todo
o mundo, devido às suas práticas culturais. Essas mudanças podem ser
transmitidas às gerações seguintes através da “herança ecológica” (Odling-
Smee et al. 2013), fenômeno no qual os organismos produzem alterações
56 CAPÍTULO 4
ambientais tão significativas e persistentes, que alteram as pressões seleti-
vas que agem sobre si próprios (Ver Odling-Smee et al. 2013). Existem inú-
meras evidências indicando que os seres humanos alteraram não apenas a
sua história evolutiva, como também de muitas espécies vegetais e animais
(Larson et al. 2014; Sullivan et al. 2017). Um dos casos mais notáveis refere-
-se ao desenvolvimento da agricultura e da pecuária. Por meio desses pro-
cessos, os seres humanos selecionaram características nas espécies-alvo da
atenção humana, que provavelmente seriam deletérias em seus ambientes
naturais (Zeder 2016). Por exemplo, a fixação de traços relacionados à in-
deiscência de frutos, ou a redução nos chifres de caprinos (Zeder 2016).
Essas mudanças variaram de acordo com o período histórico, o contexto
ecológico local, o tipo de agricultura e até mesmo as influências climáticas
a longo prazo (Wells & Stock 2020).
Com a agricultura, os seres humanos passaram a concentrar muita
atenção em determinadas espécies, selecionando características que pare-
ciam mais interessantes. Dessa forma, muitas espécies foram selecionadas
para aumentar o tamanho de seus tubérculos ou a concentração de amido
(Smith 2007). Com o tempo, isso gerou um aumento do consumo de
amido pelos seres humanos e, junto com as mudanças metabólicas ocasio-
nadas, estudos mostram que no mesmo período variantes do gene TCF7L2
associadas a melhor regulação do açúcar no sangue, também evoluíram
em três regiões globais, mais especificamente no Leste Asiático, Europa e
África Ocidental (Helgason et al. 2007; Wells & Stock 2020).
A maior parte das doenças infecciosas que afetam a população
humana, originadas em outras espécies, foram propagadas através do
sucesso da domesticação e dos ambientes aprimorados pela agricultura
(Wolfe et al. 2007; Mitchell 2010). Estudos realizados comparando esque-
letos de caçadores-coletores e neolíticos, mostraram um aumento de lesões
inflamatórias nos primeiros agricultores. Isso foi interpretado como uma
evidência da intensificação de uma resposta imunológica à exposição de
patógenos (Eshed 2010). A transição para agricultura gerou um impacto
pré-histórico dos patógenos nas populações humanas, tanto no aumento
57COEVOLUÇÃO GENE-CULTURA E A TEORIA DA CONSTRUÇÃO DE NICHO
da carga de doenças infecciosas, quanto nas consequências energéticas da
resposta imune (Wells & Stock 2020). Nesse sentido, a construção de nicho
modifica os ambientes e isso pode levar a mudanças metabólicas, fisiológi-
cas e comportamentais dos organismos envolvidos, ou seja, ao alterar seu
nicho, também são alteradas as pressões seletivas naturais (Albuquerque
et al. 2015, 2019).
Alguns seres vivos possuem habilidades de alterar os ambientes de
maneira tão evidente que são conhecidos como engenheiros de ecossis-
temas, no entanto, esse conceito é diferente do de construção de nicho.
Enquanto os engenheiros têm potencial de alterar significativamente o
ciclo de matéria e a energia dos ecossistemas (Jones et al. 1994; Jones et
al. 1997), a TCN assume que essas mudanças (se forem substanciais e du-
radouras) podem gerar pressões seletivas nos indivíduos que geraram as
modificações e em outros que podem ser influenciados por elas (Laland et
al. 2017). Ou seja, nem todo engenheiro de ecossistemas é um construtor
de nicho, mas todo construtor de nicho é um engenheiro de ecossistemas.
A construção de nicho pode gerar evolução por meio de alguns pro-
cessos: (i) gerar mudanças nas frequências de determinados genótipos afe-
tados pela construção de nicho, inclusive sem nenhuma fonte de seleção ex-
terna atuando; (ii) gerar mudanças evolutivas rápidas se a seleção favorecer
o genótipo responsável pela construção de nicho e as modificações ambien-
tais dependerem de apenas uma ou poucas gerações de populações cons-
trutoras de nicho; (iii) gerar respostas evolutivas atrasadas se a seleção fa-
vorecer o genótipo responsável pela construção de nicho e as modificações
ambientais dependerem de muitas gerações de populações construtoras
de nicho (por exemplo, as alterações do solo por minhocas); e por fim (iv)
contra atacar as pressões da seleção natural, como os seres humanos fize-
ram por meio da agricultura e da pecuária (Laland et al. 1996; Zeder 2016).
Vale ressaltar que nem sempre os efeitos da CN são positivos, isto
é, aumentam a aptidão dos organismos, eles também podem reduzir
essa aptidão, gerando assim um efeito negativo (Odling-Smee et al. 2003;
Barker & Odling-Smee 2014). De todo modo, a TCN pode nos auxiliar a
58 CAPÍTULO 4
compreender como processos em níveis populacionais e de ecossistemas
podem gerar mudanças evolutivas e também como nossas ações afetaram
e ainda afetam o meio ambiente e a nós mesmos.
Desde seu surgimento, a ideia de coevolução gene-cultura vem so-
frendo críticas por pesquisadores de áreas como as ciências humanas e so-
ciais. Dentre essas, a mais comum diz respeito à analogia entre a evolução
cultural e a biológica. Isto porque os genes seriam uma entidade discreta e
com limites bem definidos, enquanto as unidades culturais seriam algo mal
definido e sobreposto (Gintis 2011). Atualmente essa crítica não se sustenta,
pois já se sabe que os genes possuem certa fluidez e as unidades culturais
podem, algumas vezes, ser mais definidas e específicas (Gintis 2011).
Os seres humanos são uma espécie domesticada
Ao considerar os efeitos da construção de nichos sobre o desenvol-
vimento de nossa espécie, ao longo do tempo foi se consolidando a ideia de
que os seres humanos são uma espécie que se autodomesticou. Ao alterar
ambientes, seja de modo consciente ou não, nós não só geramos impactos
de longa duração na nossa espécie (evolutivos), como também ecológicos,
pois as futuras gerações herdarão um novo ambiente de desenvolvimento.
A criação de ambientes como fruto dos processos de construção
de nicho provocou alterações nos sistemas alimentares e na incidência de
doenças, de tal modo que determinados traços nos seres humanos foram
afetados (o caso da persistência da lactase em adultos, por exemplo, ver
Albuquerque et al. 2015). Além disso, considera-se que os humanos apre-
sentam claros sinais do que se chama de “síndrome de domesticação” (Del
Savio & Mameli 2020). O termo sugere que há características morfológicas,
fisiológicas e comportamentais em um dado ser vivo que estariam associa-
das com o fenômeno da domesticação. Nos seres humanos, algumas dessas
características seriam: rostos feminizados, desenvolvimento craniano glo-
bular, despigmentação da esclera, redução modesta no tamanho crania-
no/cérebro (caracteres anatômicos); reduções nos níveis de andrógenos
59COEVOLUÇÃO GENE-CULTURA E A TEORIA DA CONSTRUÇÃO DE NICHO
neonatais e puberal, aumento da disponibilidade de serotonina e ocitocina
no cérebro (caracteres fisiológicos); desenvolvimento cerebral graduado
com atrasos extremos de poda sináptica, emergência precoce da cognição
social (aspectos do desenvolvimento); maior tolerância social, compar-
tilhamento de alimentos, ajuda, vínculo social (aspectos comportamen-
tais); comunicação cooperativa, evolução cultural cumulativa, redes so-
ciais expandidas (aspectos cognitivos) (Del Savio & Mameli 2020).
Uma vez que a cooperação foi um traço importante selecionado du-
rante a nossa evolução, e que ela é estimulada no ambiente social, isso pode
ter exercido uma pressão para seleção de comportamentos mais dóceis e
menos violentos nos seres humanos. No ambiente social, cooperar não é
apenas importante, mas todo comportamento não cooperativo é desesti-
mulado e até mesmo punido. Portanto, a construção de ambientes coope-
rativos com a atenção consciente para indivíduos sociáveis e o oferecimen-
to de recompensas para o “bom” comportamento, teria contribuído para a
domesticação dos seres humanos pelos seres humanos. Assim, a domesti-
cação dos humanos pode ter sido um subproduto da seleção sexual e social.
PARA SABER MAIS
Albuquerque UP, Nascimento ALB, Lins Neto EMF, Santoro FR, Soldati, GT, Moura JMB,
Jacob MCM, Medeiros PM, Gonçalves PHS, Silva RH, Ferreira Júnior WS. 2020. Breve
introdução à Etnobiologia Evolutiva. Recife, Nupeea.
Albuquerque UP, Ferreira Júnior WS. 2018. Fundamentos de Etnobiologia Evolutiva.
Volume 1. Recife, NUPEEA.
Albuquerque UP, Ferreira Júnior WS. 2022. Fundamentos de Etnobiologia Evolutiva.
Volume 2. Recife, NUPEEA.
Abrantes P, Almeida FPL. 2018. Evolução Humana: a teoria da dupla herança. In: Abrantes
P (Org.) Filosofia da Biologia/Filosofia da Biologia. Rio de Janeiro, Editora do PPGFIL-
UFRRJ, p. 352-99. https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/32213/1/CAPITULO_
EvolucaoHumanaTeoria.pdf
60 CAPÍTULO 4
ATIVIDADES PARA APROFUNDAMENTO E FIXAÇÃO
Diferencie os conceitos Construção de Nicho e Engenharia
de ecossistemas.
Agora que os conceitos e suas diferenças foram bem delimi-
tados, você poderia pesquisar outros exemplos (diferente dos
citados ao longo do capítulo) de como mudanças socioecoló-
gicas modificaram não apenas nossa evolução, como também
a de outros organismos.
Tente explicar como os processos de seleção sexual e social
podem ter levado a domesticação dos seres humanos.
GLOSSÁRIO
Ambiente de desenvolvimento: Conjunto de fatores externos ao indiví-
duo abióticos e bióticos (intra e interespecíficos) recorrentes ou não
influenciando o processo de desenvolvimento ontogenético do in-
divíduo e determinando a maturação e calibração das adaptações
corporais e psicológicas.
Aptidão: É uma medida do sucesso reprodutivo de um indivíduo em com-
paração aos outros indivíduos da mesma população e do mesmo
ambiente, atual e/ou ancestral. Os ganhos em aptidão significam
a maior contribuição em termos de representação em frequência
de alelos nas gerações seguintes. Pode ser medida pelo número de
filhos que sobrevivem pelo menos até a idade reprodutiva.
Caçador-coletor: Estilo de vida de um pequeno grupo de humanos ou
proto-humanos sem cultivo de alimentos ou criação de animais,
conseguindo alimento por meio da coleta de vegetais, grãos, mel e
água, e caça de animais de pequeno ou grande porte, pesca.
61COEVOLUÇÃO GENE-CULTURA E A TEORIA DA CONSTRUÇÃO DE NICHO
Coevolução: Mudança conjunta, paralela e interativa/correspondente de
estratégias, sejam genéticas entre si ou culturais entre si, em que di-
ferentes pools populacionais interagem filogeneticamente um in-
fluenciando a evolução do outro e vice-versa. Pode ocorrer intra e
interespecificamente. Coevolução intraespecífica pode ocorrer, por
exemplo, entre homens e mulheres, ou entre indivíduos do mesmo
sexo. Coevolução interespecífica ocorre, por exemplo, entre presa e
predador, ou entre parasita e hospedeiro.
Endocanibalismo: Alimentar-se de pessoas do seu próprio grupo social.
Fitness biológico: As chances de sobrevivência de um determinado genó-
tipo, o sucesso reprodutivo de um determinado indivíduo, isto é, seu
valor adaptativo.
Fitness cultural: As chances que um determinado traço cultural possui de
ser transmitido na população.
Indeiscência de frutos: Diz-se do fruto que não se abre naturalmente. A
liberação de sementes se dá dependendo de animais ou pelo proces-
so de apodrecimento.
Traço cultural: Unidade de informação (que pode ser entendida como co-
nhecimento, crenças, atitudes, normas, preferências e habilidades),
adquiridas de outros indivíduos por meio de transmissão cultural.
Tu rculo: É um tipo de caule subterrâneo que se especializou no arma-
zenamento de substâncias nutritivas. Um exemplo é a batata inglesa.
Valor adaptativo: Medida da utilidade, importância, funcionalidade de
uma característica ao indivíduo por contribuir e promover a repro-
dução diferencial de maneira direta ou indiretamente. Qualquer ca-
racterística fenotípica ou comportamental que contribua ou tenha
contribuído positivamente para representação alélica subjacente nas
gerações seguintes tem ou teve um valor alto adaptativo, pois au-
menta ou aumentou a aptidão abrangente e o sucesso reprodutivo
atual ou ancestral, respectivamente.
62 CAPÍTULO 4
REFERÊNCIAS
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64 CAPÍTULO 5
5
PSICOPATOLOGIA EVOLUCIONISTA:
COMO ABORDAR OS TRANSTORNOS MENTAIS
A PARTIR DE UMA VISÃO FUNCIONAL
E ADAPTACIONISTA?
Mauro Silva Júnior
A
psicopatologia é um ramo da ciência para o qual convergem conhe-
cimentos da psiquiatria, psicologia e biologia. Evoluiu muito desde a
Antiguidade (Pessotti 1994), especialmente com as contribuições da neu-
rologia e da psiquiatria. Mais recentemente, com o advento das neuro-
ciências, são investigados os mecanismos neurobiológicos subjacentes aos
transtornos mentais e como fatores genéticos interagem com condições
ambientais para manifestação dos distúrbios de personalidade (Fontenelle
& de Freitas 2008; Brüne et al. 2012; Knopik et al. 2018). Longe de ser uma
questão puramente acadêmica, o estudo dos transtornos mentais é de
vital importância para compreender as emoções e o sofrimento humano,
bem como comportamentos antissociais, que oferecem risco à sociedade
(Baron-Cohen 1997; Mealey & Kinner 2003; Glenn et al. 2011; Perlstein &
Waller 2022; Syme & Hagen 2020).
65
PSICOPATOLOGIA EVOLUCIONISTA: COMO ABORDAR OS TRANSTORNOS MENTAIS
A PARTIR DE UMA VISÃO FUNCIONAL E ADAPTACIONISTA?
Visão Médica e Evolucionista sobre os Transtornos Mentais
Tradicionalmente, a visão médico-psiquiátrica tem dominado o
ramo da psicopatologia, segundo a qual os comportamentos que fogem do
socialmente aceitável são considerados disfuncionais. No entanto, o termo
“disfuncional” não guarda nenhuma relação com a funcionalidade bioló-
gica do comportamento, que apesar do seu impacto negativo na sociedade
pode ser funcional para o indivíduo, em termos evolucionários. Isso acon-
tece porque esses comportamentos podem garantir ao indivíduo acesso
a recursos materiais e reprodutivos, status social, conseguir apoio social,
acesso a parceiras por meio da coerção ou violência sexual e/ou da deser-
ção da família entre outros (Brüne et al. 2012; Ellis et al. 2012; Del Giudice
2014; Syme & Hagen 2020). Além disso, a visão médica (e da neurociência
clínica) tem se concentrado especialmente nas causas proximais dos trans-
tornos, sem considerar os seus possíveis aspectos filogenéticos. Segundo
essa visão tradicional, os transtornos são vistos como desvios de uma dis-
tribuição estatística normal, mas não são vistos como variação fenotípica
psicológica ou comportamental, genética e ambientalmente determinada
(Brüne et al. 2012; Del Giudice 2014).
Devido a essas limitações, a visão tradicional carece de uma pers-
pectiva mais abrangente sobre os transtornos mentais, que inclua aspectos
históricos, funcionais e causais do comportamento. A etiologia, o estudo
das causas dos transtornos mentais, é frequentemente desconhecida ou
controversa na literatura médica (American Psychiatric Association 2013),
talvez justamente pelo fato dos estudos clínicos associarem funcionalida-
de do comportamento com aquilo que é socialmente desejado, mas não
com com a sua funcionalidade biológica, ou seja, os seus efeitos positivos
para a aptidão do indivíduo (Nesse & Williams 1997). Nesse contexto, uma
perspectiva evolucionista sobre os transtornos mentais pode ajudar a com-
preender o nível funcional dos comportamentos socialmente reprováveis
como um nível extremo de comportamentos apresentados em menor grau
por todos os indivíduos da sociedade. Dessa forma, é possível explicar a
66 CAPÍTULO 5
origem e função desses comportamentos, considerados patológicos, como
produto da variabilidade intrínseca do comportamento da espécie humana
(Del Guidice 2014).
É importante considerar que mesmo entre evolucionistas não existe
consenso sobre o caráter funcional dos transtornos mentais. As discussões
envolvem se os transtornos mentais são funcionais per si, ou a depender do
grau em que se manifestam, ou se aqueles comportamentos foram funcio-
nais no Ambiente de Adaptação Evolutiva, e atualmente não seriam mais
funcionais. Discute-se também quais dos transtornos mentais cairiam em
uma ou outra categoria (Nesse & Williams 1997; Del Giudice 2014; Gilbert
2015; Nesse 2015; Li et al. 2020). Por exemplo, sugere-se que a ansiedade
seja em grande medida adaptativa, pois sinaliza aos indivíduos situações
que colocariam em risco sua integridade física ou sua reputação, mas se
tornaria disfuncional em níveis elevados. Por outro lado, estudiosos da de-
pressão divergem se ela seria completamente mal adaptativa, seria um sub-
produto de um processo adaptativo como a ruminação ou a tristeza, ou
seria adaptativa dentro de certos parâmetros, mas uma depressão prolon-
gada e intensa seria não seria (Nesse & Williams 1997).
Neste ponto é importante frisar que a depressão, enquanto quadro
clínico, não é considerada adaptativa ou não adaptativa, mas sim os dife-
rentes traços que compõem o quadro depressivo, tal como a ruminação.
Enquanto transtorno mental complexo, é pouco provável que a depressão
tenha evoluído como um grande “pacote” de sintomas. Porém, a rumi-
nação, tristeza, a preocupação com futuro, podem ter evoluído indepen-
dentemente, e em algumas pessoas, por fatores genéticos e ambientais, os
diferentes traços encontram-se exacerbados, provocando um quadro qua-
litativamente diferente da maioria da população. Este quadro complexo
poderá segundo os critérios psiquiátricos ser diagnosticado como “depres-
são”. A mesma lógica aplica-se a outros transtornos, como a esquizofrenia,
TDAH, autismo, transtorno de personalidade antissocial etc.
Além dos já mencionados, investigações sobre o caráter adapta-
tivo dos transtornos mentais têm sido feitas com o transtorno bipolar,
67
PSICOPATOLOGIA EVOLUCIONISTA: COMO ABORDAR OS TRANSTORNOS MENTAIS
A PARTIR DE UMA VISÃO FUNCIONAL E ADAPTACIONISTA?
transtorno borderline, a esquizofrenia, adição, paranoia, anorexia, bu-
limia, depressão pós-parto e suicídio (Del Giudice 2014; Shackelford &
Zeigler-Hill 2017; Nettersheim et al. 2018; Raihani & Bell 2019). A título
de exemplo, um mecanismo comum tem sido investigado como potencial
responsável pela depressão pós-parto e o comportamento suicida, a barga-
nha social (Hagen 1999, 2011; Syme et al. 2016). Na depressão pós-parto,
as mães, e muitas vezes os pais, desenvolvem sintomas depressivos porque
detectam baixo apoio paterno ou social para a criação da prole. Isso faz
sentido evolutivo, porque a nossa espécie é reconhecida como uma das
quais há cuidado aloparental, ou seja, a mãe é a principal cuidadora da
criança, mas conta com o apoio indispensável do parceiro, da família e da
comunidade (Perry 2017; Halcrow et al. 2020). Assim, o comportamento
depressivo e de baixo investimento parental funciona como um mecanis-
mo de barganha sinalizando ao pai do bebê e à família como um todo, que
a mãe necessita de ajuda nos cuidados com a criança, “exigindo” destes
uma maior participação e apoio (Hagen 1999, 2011; Hagen & Barrett 2007).
Similarmente, as tentativas de suicídio têm sido interpretadas como
sinais de que os indivíduos estão passando por conflitos socioemocionais
extremos, enquanto a sua concretização seria um subproduto incidental e
indesejável. Nesse contexto, o comportamento suicida funciona como bar-
ganha frente a situações sociais conflituosas, nas quais o indivíduo percebe
que não consegue, de outra maneira, reverter uma situação desfavorável,
como por exemplo ameaças à sua aptidão (perda de um parceiro, perda de
status social ou de recursos), estar em uma posição de impotência, conflitos
com parentes, parceiros amorosos, com a comunidade entre outros (Syme
et al. 2016). Syme et al. (2016), encontraram, por exemplo, que em diversas
culturas as tentativas de suicídio parecem funcionar como uma barganha
na tentativa de induzir os parceiros sociais e mudarem seu comportamen-
to em relação à vítima. Em apoio a essa hipótese, um estudo experimental
usando descrições de personagens fictícios demonstrou que quanto maior
os sintomas depressivos e suicidas destes, maiores foram as percepções dos
participantes que os personagens estavam expressando genuinamente suas
68 CAPÍTULO 5
angústias, ao mesmo tempo que estavam mais dispostos a oferecer apoio
(Gaffney et al. 2022). Esse resultado pode levar à reflexão do quanto os in-
divíduos precisam demonstrar sofrimento psicológico intenso para terem
suas necessidades atendidas pela família e pela sociedade como um todo
(ver o capítulo 20 neste livro).
Comportamento antissocial na ótica evolucionista
Uma das preocupações mais recorrentes na sociedade envolve com-
portamentos antissociais observados em vários transtornos mentais, entre
eles, o transtorno de personalidade antissocial (American Psychiatric
Association 2013). O Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA) apre-
senta um espectro com a presença de comportamentos de baixa severidade
social, até aqueles que ameaçam seriamente a segurança de outras pessoas
(APA 2013). Acredita-se que estes representem cerca de 3-4% da população
masculina adulta e apenas 1% da população feminina. Estimativas apon-
tam que perfazem cerca de 20% da população carcerária estadunidense
(Johnson 2019), é de 30-80% dos criminosos reincidentes. Além disso, no
período de um ano, indivíduos TPA cometem mais crimes que as pessoas
não diagnosticadas com TPA, muito acima do que seria esperado ao acaso
(Mealey 1995; Johnson 2019; Martin et al. 2019).
Comportamentos antissociais estão associados com alta impulsivi-
dade, baixo autocontrole, iniciação sexual precoce e maior número de par-
ceiros sexuais (Del Giudice 2014; Patch & Figueredo 2017; Martin et al.
2019). Pistas ambientais de perigo e imprevisibilidade como baixo status
socioeconômico, estilo parental severo, conflitos familiares e abuso in-
fantil são fatores associados ao surgimento de comportamento antissocial
(Del Giudice 2014), o que pode indicar que estes comportamentos com-
põem uma estratégia de história de vida acelerada (Ellis et al. 2009, 2012;
Del Giudice 2014; Patch & Figueredo 2017; Szepsenwol et al. 2019).
Na perspectiva da teoria da história de vida, tanto o comportamen-
to considerado “normal” quanto o “patológico” são produto da interação
69
PSICOPATOLOGIA EVOLUCIONISTA: COMO ABORDAR OS TRANSTORNOS MENTAIS
A PARTIR DE UMA VISÃO FUNCIONAL E ADAPTACIONISTA?
de fatores genéticos e ambientais, que se encaixam em um contínuo len-
to-rápido percorrido pelo indivíduo durante o seu desenvolvimento (Del
Giudice 2014). A depender desses fatores, o indivíduo pode apresentar uma
estratégia mais lenta ou mais acelerada de desenvolvimento (Figueredo
et al. 2005; Figueredo et al. 2006; Figueredo et al. 2013; Lordelo 2010).
Ambientes social e ecologicamente mais estressantes podem conduzir a
um desenvolvimento mais acelerado como resposta às pressões sofridas
(Hartman et al. 2017; Ellis & Del Giudice 2019). Tais pressões ativam o
sistema de resposta ao estresse que participa na regulação de característi-
cas da história de vida, como crescimento, fertilidade, resposta imunoló-
gica e comportamento de risco (Mell et al. 2018; Ellis & Del Giudice 2019;
Del Giudice 2020) . A maior ou menor consistência desses fatores produz
não somente uma estratégia mais acelerada ou lenta de desenvolvimento,
mas também características da personalidade, do comportamento sexual
e comportamentos antissociais, de modo que comportamentos considera-
dos patológicos pela literatura médica são encontrados nos dois extremos
do contínuo lento-rápido (Ellis et al 2012; Del Giudice 2014; Nettersheim
et al. 2018; Ellis & Del Giudice 2019).
Traços de uma estratégia acelerada se correlacionam com caracte-
rísticas de personalidade comuns aos transtornos mentais, tais como com-
portamento de risco, maior número de parceiros sexuais, trapaça, explo-
ração dos recursos de terceiros; ao mesmo tempo em que apresentam uma
redução significativa de emoções sociais como culpa, vergonha, empatia,
raiva (Jonason & Tost 2010; Del Giudice 2014; Patch & Figueredo 2017;
Semenyna et al. 2018; Simmons et al. 2019; Szepsenwol et al 2019). Por
outro lado, indivíduos que caem no extremo do desenvolvimento lento
apresentam dificuldades de se adaptar às mudanças ambientais (inflexi-
bilidade), rigidez (menor escore em Abertura às Experiências), são mais
sensíveis às críticas, possuem níveis baixos de agressividade, são mais pró-
-sociais, e são mais propensos à ansiedade e depressão (Del Giudice 2014;
Kaufman et al. 2019).
70 CAPÍTULO 5
Características de um padrão de desenvolvimento acelerado podem
ser vistas em indivíduos que apresentam alta impulsividade, exploração
de terceiros e agressividade (Patch & Figueredo 2017; Birkás et al. 2018;
Simmons et al. 2019; Szepsenwol et al. 2019), traços típicos de indivíduos
psicopatas. A psicopatia é um ponto extremo no espectro do TPA (Mealey
& Kinner 2003; Del Giudice 2014), caracterizada como um tipo de per-
sonalidade no qual indivíduos apresentam uma redução significativa de
emoções sociais, reduzida preocupação empática; são superficialmente se-
dutores, manipulativos, egocêntricos e com ideais de grandiosidade (Gleen
et al. 2011).
Psicopatas bem-sucedidos podem ter muitas vantagens na socieda-
de ao se beneficiar do comportamento cooperativo de terceiros. Mesmo
que as sociedades humanas sejam marcadas por elevados níveis de coope-
ração intragrupo, dentro do próprio grupo pode haver indivíduos inclina-
dos à competição, dessa forma evoluíram estratégias de detecção de trapa-
ça e punição do comportamento egoísta (Sugiyama et al. 2002; Cosmides
et al. 2010; Fiddick et al. 2017). Nesse contexto, indivíduos que fossem mais
capazes de escapar à detecção, seriam beneficiados, no entanto as forças
sociais punitivas manteriam essa ocorrência em baixos níveis (Cosmides
& Tooby 2015). Entre os benefícios estão maior acesso em atrair parceiros
sexuais, uso de táticas coercitivas para atingir objetivos, agressão planeja-
da, trapaça, sedução, carência de empatia, sexo por meio da força, deserção
das responsabilidades parentais, obtenção de recursos imediatos, resiliên-
cia ao estresse, escapar da punição, punir quem intervém em seus objeti-
vos, entre outros (Mealey et al. 2011).
É possível identificar também elementos do comportamento an-
tissocial ao longo do desenvolvimento. Há divergência entre estudos que
mostram efeitos da ausência de pais durante a infância ou abuso sexual
como preditores da psicopatia na vida adulta (Blair 2011; Mealey et al.
2011). Enquanto, estudos retrospectivos demonstraram correlação entre
características psicóticas e abuso sexual ou abandono na infância (Mealey
et al. 2011). Abuso físico ou sexual ou negligência se associam com
71
PSICOPATOLOGIA EVOLUCIONISTA: COMO ABORDAR OS TRANSTORNOS MENTAIS
A PARTIR DE UMA VISÃO FUNCIONAL E ADAPTACIONISTA?
comportamento agressivo na infância (transtorno de conduta) ou na fase
adulta, mas não com as características fundamentais de psicopatia (Blair
2011). Contudo, meta-análises recentes demonstram que abusos físicos e
sexuais estão associados com as formas mais intensas de agressão e TPA,
sugerindo que experiências adversas na infância estejam relacionadas com
a manifestação de TPA (DeLisi et al. 2019). Maus tratos estão associados
com agressão reativa, ao passo que psicopatia está associada à hiporreati-
vidade (Blair 2011). A psicopatia está fortemente associada ao comporta-
mento antissocial manifesto antes dos 15 anos de idade, depois dessa idade
deve ser feito o diagnóstico diferencial para transtorno de conduta, que
enfraquece no início da vida adulta e apesar de apresentar componentes
neurológicos diferentes da população normal, parece sofrer muito mais
influência ambiental que a psicopatia (Glenn & Raine 2011).
Em relação a uma das características mais marcantes da psicopatia,
a falta de empatia, alguns autores acreditam que os psicopatas são inca-
pazes de demonstrar empatia devido à ausência do desenvolvimento da
tomada de perspectiva do outro (Teoria da Mente/Theory of Mind - ToM).
Outros pesquisadores sugerem que o desenvolvimento de empatia surge,
em grande parte, pela identificação de semelhanças entre um indivíduo e
outro. Quanto mais semelhantes, maior a capacidade de demonstrar em-
patia um pelo outro. Considerando que psicopatas apresentam respostas
somáticas e autonômicas atípicas diante de situações que deixariam outras
pessoas ansiosas, eles deixariam de experimentar uma série de emoções
que a maioria das pessoas sente, e por essa razão tenderiam a ver os outros
como inferiores (Mealey 1997).
Considerações finais
Uma perspectiva evolucionista sobre a psicopatologia pode ajudar
os pesquisadores, profissionais de saúde e a sociedade como um todo a
melhor compreender os transtornos mentais como produtos da intera-
ção entre a herança genética e o ambiente de desenvolvimento. O foco no
72 CAPÍTULO 5
caráter funcional do comportamento socialmente desviante retira o com-
ponente anormal e evidencia a sua presença na população não clínica em
maior ou menor grau, devido a interação gene-ambiente. Nas últimas duas
décadas, um novo construto psicológico para descrever traços aversivos
da personalidade vem sendo investigado, a tríade sombria. Esta é compos-
ta por maquiavelismo associado à manipulação, narcisismo e psicopatia
subclínicos. No contexto da tríade sombria, a psicopatia está mais associa-
da à redução da capacidade empática e impulsividade. Novamente, os três
traços são encontrados em maior ou menor grau na população não clíni-
ca, e estudos recentes demonstram que os instrumentos para investigar
a tríade apresentam elevada confiança transcultural (Rogoza et al. 2020).
Em resumo, a complexidade e diversidade de transtornos mentais mostra
que não teremos soluções simples para explicar as suas causas e funções,
à exemplo das inúmeras controvérsias que foram aqui levantadas. A psi-
copatologia coloca-se como um campo extremamente fértil de pesquisa e
atuação para cientistas do comportamento com uma orientação evolucio-
nista e a adoção dessa perspectiva pode ser muito útil para profissionais da
área da saúde mental.
PARA SABER MAIS
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73
PSICOPATOLOGIA EVOLUCIONISTA: COMO ABORDAR OS TRANSTORNOS MENTAIS
A PARTIR DE UMA VISÃO FUNCIONAL E ADAPTACIONISTA?
ATIVIDADES PARA APROFUNDAMENTO E FIXAÇÃO
Qual a principal contribuição que distingue a psicopatologia
evolucionista da psicopatologia tradicional?
Dentro da perspectiva evolucionista da psicopatologia como
divergem os estudiosos acerca do caráter funcional dos trans-
tornos mentais?
Mesmo prejudiciais para a sociedade, os comportamentos
manifestos nos transtornos mentais podem trazer benefícios
para a aptidão dos indivíduos, cite alguns desses benefícios.
Quais os fatores genéticos e ambientais associados ao trans-
torno de personalidade antissocial e psicopatia?
GLOSSÁRIO
Adaptativo: Refere-se à qualidade de uma adaptação, ou seja, característi-
cas (morfológicas, fisiológicas ou psicológicas) que aumentam a ap-
tidão dos organismos que as possuem por terem resolvido proble-
mas relacionados à sobrevivência e reprodução.
Aloparental: Característica do cuidado fornecido por outros indivíduos
que não os pais biológicos, como os irmãos, tios e avós.
Aptidão: A aptidão refere-se ao sucesso reprodutivo de um indivíduo re-
lativo ao seu tempo de vida, geralmente mensurado em termos de
genes passados às gerações seguintes; via de regra inclui a probabili-
dade de sobrevivência e reprodução.
Ambiente de Adaptação Evolutiva – AAE: Condições ou propriedades
ambientais recorrentes ao longo do tempo filogenético vivenciadas
por gerações de indivíduos de forma estatística e estável que molda-
ram adaptações psicológicas. Por exemplo, o medo de cobras (uma
adaptação psicológica) foi moldado por propriedades ambientais
74 CAPÍTULO 5
tais como barulho de rastejamento em folhas secas, buracos, escu-
ridão e imagens de serpentes. Devido a essas condições moldarem
o medo de cobras, mas não a evitação de patógenos, por exemplo, o
correto é falar em ambientes de adaptação evolutiva, pois cada adap-
tação possui seu próprio AAE.
Ambiente compartilhado: Refere-se a todas as influências não genéticas
que fazem membros de uma família mais parecidos entre si, incluin-
do educação parental, conflitos familiares etc. É observada quando
irmãos sem parentesco genético são tão parecidos entre si quanto
irmãos com parentesco genético.
Barganha social: Aposta realizada por um indivíduo em induzir terceiros
a mudar seu comportamento em relação a ele (ela), por meio de ações
que podem trazer prejuízos ou remover benefícios aos terceiros.
Causas proximais: No referencial da Etologia, refere-se ao conjunto de
dois níveis de análise para explicar o comportamento, as causas que
antecedem imediatamente o comportamento (causas imediatas); e
a história de modificação do comportamento desde a sua primei-
ra manifestação até o momento em que ele observado (ontogêne-
se). São complementadas pelas causas distais: função adaptativa e
filogênese.
Distribuição estatística normal: Distribuição de probabilidades de uma
variável aleatória presente em uma população, com curtose e assi-
metria iguais a zero. Geralmente é apresentada como uma curva em
formato de sino representando a frequência com que os escores in-
dividuais de uma variável ocorrem na referida população.
Estratégia lenta de história de vida: Covariação de traços psicológicos e
comportamentais que se desenvolvem em ambientes de baixa im-
previsibilidade e severidade ambientais, tais como a iniciação sexual
tardia, menor número de parceiros sexuais, menor número de filhos,
maior aversão ao risco, menor desconto de futuro e comportamen-
tos e personalidade mais pró-sociais.
75
PSICOPATOLOGIA EVOLUCIONISTA: COMO ABORDAR OS TRANSTORNOS MENTAIS
A PARTIR DE UMA VISÃO FUNCIONAL E ADAPTACIONISTA?
Estratégia acelerada de história de vida: Covariação de traços psicológi-
cos e comportamentais que se desenvolvem em ambientes de alta
imprevisibilidade e severidades ambientais, tais como a iniciação
sexual precoce, maior número de parceiros sexuais, maior número
de filhos, maior propensão ao comportamento de risco no âmbito
sexual e da saúde, preferência por recompensas imediatas (desconto
de futuro) e maiores níveis de comportamentos e traços de persona-
lidade antissociais.
Filogenéticos: Referente aquilo que é próprio da filogênese ou referente a
ela; a sua qualidade. Processo evolutivo que investiga as origens e
modificação das características dos organismos por várias gerações
de indivíduos ao longo do tempo evolutivo.
Função biológica do comportamento: O mesmo que função adaptativa no
referencial dos quatro porquês da Etologia. Refere-se à contribuição
do comportamento para a sobrevivência e reprodução do indivíduo.
Hiporreatividade: Reatividade a um evento externo abaixo do limiar
médio esperado.
Mecanismos neurobiológicos: Mecanismos biológicos que possuem uma
estrutura neural responsável pela regulação do comportamento.
Socioemocionais: Emoções que possuem origem ou funções sociais, no
relacionamento entre indivíduos, e/ou entre indivíduos e seu grupo
social, modulando as respostas comportamentais de maneira cor-
respondente às situações.
Subclínicos: Indivíduos que apresentam determinado traço psicológico
(ex: personalidade), porém que não apresentam os critérios clínicos
definidos pela psiquiatria que caracterizam um transtorno mental.
Exemplos são indivíduos que apresentam níveis de narcisismo e psi-
copatia, como medido por inventários validados, mas que não preen-
chem os critérios médicos para serem enquadrados no transtorno
de personalidade narcisista (baseado no narcisismo) ou o transtorno
de personalidade antissocial (baseado na psicopatia). Essa distinção,
parte do pressuposto que os traços psicológicos estão distribuídos na
76 CAPÍTULO 5
população, porém apenas uma parcela deles apresentará as manifes-
tações mais/menos acentuadas do traço. Essa parcela é aquela que
normalmente é classificada com transtornos mentais.
Teoria da História de Vida: Ramo da ecologia e da biologia evolutiva que
busca explicar como os organismos alocam tempo e energia ao longo
do seu ciclo de vida em crescimento, sobrevivência e reprodução.
Na Psicologia Evolucionista vem sendo aplicada para compreender
o efeito da imprevisibilidade e severidade ambientais sobre o desen-
volvimento humano expresso em diferenças individuais como res-
postas adaptativas a esses ambientes.
Teoria da Mente: Atribuição de estados subjetivos e mentais, como pensa-
mentos, conhecimento e emoções, a outros indivíduos para prever e
explicar o seu comportamento.
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82 CAPÍTULO 6
6
PSICOLOGIA MORAL EVOLUCIONISTA
Pâmela de Rezende Côrtes
André Matos de Almeida Oliveira
Jaroslava Varella Valentova
A
Psicologia Evolucionista (PE) é uma abordagem da psicologia que
leva em conta processos histórico-evolutivos para explicar os meca-
nismos cognitivos subjacentes ao comportamento humano. A PE pode es-
tudar a cognição social humana, emoções, sexualidade, relações parentais
etc. Quando os métodos e instrumentos conceituais da PE são usados para
explicar a moralidade humana (os valores, os julgamentos morais, o ra-
ciocínio moral), então a investigação se insere na área da Psicologia Moral
Evolucionista (PME).
Há duas formas tradicionais de se investigar a moralidade. Há as
teorias normativas, que buscam descobrir, de forma engajada, o que é certo
fazer, quais são nossos deveres, quais são os princípios morais fundamen-
tais. Por exemplo, os teóricos utilitaristas clássicos afirmavam que é nosso
dever sempre gerar a maior felicidade para o maior número de pessoas
(Kymlicka 2002). E há as teorias explicativas, que, ao contrário, buscam
dar as melhores explicações sobre o fenômeno moral, sem fazer juízos de
valor sobre ele (i.e., explicar o que ele é, como funciona, de onde surgiu
etc.) (Joyce 2007).
A PME é uma teoria explicativa, e não normativa, o que a habili-
ta escapar de algumas armadilhas teóricas (Haidt 2013). Uma dessas
83PSICOLOGIA MORAL EVOLUCIONISTA
armadilhas é a noção enganosa de que afirmar que um traço é adaptativo
é afirmar que ele é melhor, ou justificado. Outra é acreditar que falar em
evolução da moralidade é falar em progresso, isto é, de uma tendência de
as coisas irem sempre (linearmente) melhorando. Dizer que algo é melhor,
ou justificado, ou que progride moralmente etc., é fazer juízo de valor, é
avaliar uma característica de forma normativa. Ao traçar uma linha di-
visória clara entre a teoria normativa e a teoria explicativa, e se posicio-
nar firmemente no lado explicativo, o psicólogo evolucionista evita esses
mal-entendidos.
O objeto da Psicologia Moral Evolucionista
A Psicologia Moral Evolucionista (PME) investiga uma faceta espe-
cífica da moralidade humana. Sua abordagem é psicológica, ou seja, ela
busca entender os mecanismos psicológicos que estão em jogo quando os
seres humanos julgam e agem moralmente. A PME é peculiar porque tem
relações próximas com dois campos distintos, e pode ser até entendida
como subárea deles. Esses campos são a psicologia moral e a Psicologia
Evolucionista (PE). É útil falar um pouco sobre essas relações.
A psicologia moral é um campo amplo e interdisciplinar, porque
congrega todas as abordagens da psicologia para o estudo da moralida-
de (Alfano 2016). A área tem muitas abordagens de estudos, pois congre-
ga filósofos, psicólogos e outros cientistas, assim como teorias normativas
e teorias explicativas. Nela, se estudam, por exemplo, o desenvolvimen-
to moral, o raciocínio moral, as intuições morais e as emoções morais.
A PME é uma abordagem específica na psicologia moral. Ela se distin-
gue por partir dos pressupostos da teoria darwinista da evolução biológi-
ca. Para ela, uma explicação proveitosa de uma característica moral deve
levar em conta o contexto mais amplo da origem dessa característica e de
sua função adaptativa ancestral e atual.
Os psicólogos evolucionistas partem dos pressupostos da teoria
da evolução para dar uma explicação sistemática sobre os mecanismos
84 CAPÍTULO 6
cognitivos da moralidade. Eles não são os únicos a fazê-lo: existem as
abordagens da sociobiologia, da etologia humana, da ecologia comporta-
mental, da coevolução gene-cultura, entre outras, que também são evolu-
cionistas (Laland & Brown 2011). O estudo da moralidade pelo ponto de
vista evolucionista remonta a Darwin. Darwin considerava a moralidade
a característica mais importante de nossa espécie, e se empenhou em ex-
plicar, em conformidade com sua teoria, essa capacidade mental humana
(Darwin 1871/2004). Ele também se ocupou com o estudo da expressão
facial de algumas emoções morais, como o desprezo, o nojo e a culpa
(Darwin 1872/2009, p. 217).
Em contraste com as outras áreas, a PE enfatiza as diferenças entre o
ambiente contemporâneo e aquele que foi vivenciado por nossos ancestrais
(Cosmides & Tooby 1992). Nesse período do passado, nossos ancestrais
tiveram que lidar com desafios que colocavam em risco a sua sobrevivên-
cia e reprodução, isto é, geravam problemas adaptativos. O ponto é usar a
teoria da evolução para primeiro, entender quais especificamente foram os
problemas adaptativos que a mente humana teve que resolver no passado.
Depois disso, usá-la para elaborar uma explicação das funções adaptativas
dos mecanismos cognitivos subjacentes aos comportamentos que evoluí-
ram em resposta a esses problemas.
Os psicólogos evolucionistas afirmam que esse processo de desafio-
-adaptativo-resposta-ao-desafio foi levando a mente de nossos ancestrais
a se organizar de algumas formas, a ser mais sensível a algumas coisas. A
mente humana contemponea herdou essa estrutura, na forma de me-
canismos cognitivos especializados e interconectados, que guiam seu ra-
ciocínio e comportamento (Laland & Brown 2011; Yamamoto 2009). Os
humanos teriam um sistema cognitivo preparado para aprender determi-
nados comportamentos, tornando esse aprendizado mais rápido (Wilson
2013). A mesma lógica vale para a moralidade. Os julgamentos morais hu-
manos seriam o produto de processos cognitivos especializados que são
adaptações que surgiram em nossos ancestrais, em resposta a problemas
sociais de cooperação (Downes 2021).
85PSICOLOGIA MORAL EVOLUCIONISTA
O Módulo de Detecção de Trapaceiros
Um exemplo de aplicação da lógica da especialização cognitiva a
questões morais é a hipótese do módulo de detecção de trapaceiros (chea-
ter-detection module) (Cosmides & Tooby 1992). Como seres sociais, os
humanos precisam reprimir a exploração da ordem social por indivíduos
que colhem os benefícios da cooperação, mas não pagam seus custos (tra-
paceiros), já que, se a estratégia desses indivíduos prosperar, o próprio in-
centivo à cooperação irá desaparecer, fazendo toda a ordem social ruir. Os
humanos reforçam a cooperação criando normas sociais, e possuem uma
capacidade especial de detectar trapaceiros.
Alguns psicólogos evolucionistas alegam que temos mais facilidade
de fazer inferências sobre violação a regras sociais do que outras inferên-
cias. Para isso, costumam usar um problema lógico clássico, a tarefa de se-
leção de Wason (Wason selection task), que, para ser resolvido, demanda a
aplicação de raciocínio dedutivo. A versão clássica da tarefa é a seguinte:
mostra-se um conjunto de quatro cartas, que possuem números em uma
face e cores em outra. Suponhamos que as faces visíveis das cartas mos-
tram um “5”, um “6”, a cor vermelha e a cor azul. A hipótese é: se uma
carta mostra um número par num dos lados, então seu lado oposto será
vermelho. Agora, a tarefa do participante é: escolher o mínimo de cartas a
virar para mostrar se a hipótese é verdadeira ou falsa. Quais cartas o par-
ticipante deve virar? A resposta correta é virar as cartas “6” e azul, porque
apenas elas poderiam refutar o que foi dito (ver glossário para detalhes).
Essa tarefa ficou famosa porque as pessoas têm dificuldades de respondê-
-la corretamente. No entanto, Cosmides e Tooby (1992), em novas aplica-
ções da tarefa, notaram que, quando ela é aplicada não para letras e cores,
mas para questões que envolvem relações sociais, o desempenho dos par-
ticipantes melhora muito. Eles afirmam que é necessário haver uma ex-
plicação para o fato de seres humanos raciocinarem melhor em contextos
que envolvem a aplicação de regras sociais e detecção de trapaceiros. Eles
argumentam que é improvável que a capacidade humana decorra de um
86 CAPÍTULO 6
mecanismo inferencial geral, e que faz mais sentido pensar que temos um
mecanismo cognitivo especializado para essa tarefa, que evoluiu por sele-
ção natural (Downes 2021).
Trata-se de uma hipótese muito discutida na psicologia evolucio-
nista, e que enfrenta oposições (Mallon 2008; Fodor 2008). De fato, assim
como na psicologia evolucionista como um todo, o tema da modularidade
gera fortes debates quando aplicado à moral. A questão é saber quão rígidos
e abrangentes seriam esses mecanismos. Alguns autores alegam que temos
uma predisposição herdada à moralidade e que o aprendizado das normas
morais seria regido por estruturas fixas, que funcionariam de forma si-
milar às estruturas que levam ao aprendizado da linguagem (gramática
universal) (Hauser 2006). Em tempos recentes, no entanto, estão em voga
teses mais flexíveis, que enfatizam menos as estruturas fixas e mais a inte-
ração entre cultura, ambiente e predisposições herdadas para a formação
das normas morais (Sinnott-Armstrong 2008a; Churchland 2011).
Teoria das Fundações Morais
Um exemplo de teoria mais recente, e que serve para ilustrar as ma-
neiras como as ferramentas da psicologia evolucionista podem ser utiliza-
das para entender a moralidade, é a Teoria das Fundações Morais (TFM).
A TFM tenta mapear os valores básicos de todos os sistemas morais huma-
nos (Graham et al. 2013).
A TFM é uma teoria funcional, pois considera que a moralidade
tem a função de garantir a cooperação social, reprimindo comportamen-
tos não-cooperativos. Os sistemas morais são compostos por valores, virtu-
des, normas, práticas, instituições que surgiram para suprimir o egoísmo e
tornar a vida social possível (Graham et al. 2011). Os gatilhos que levaram a
esses valores podem não estar mais presentes no ambiente, mas ainda assim
permanecer ativos (Haidt & Joseph 2004). As fundações morais são inter-
ruptores (switches) da mente, o que mostra que a TFM trabalha com hipóte-
ses de especialização cognitiva, na mesma linha da PE (Graham et al. 2013).
87PSICOLOGIA MORAL EVOLUCIONISTA
Para que um valor seja considerado uma fundação, ele deve satis-
fazer cinco critérios propostos pelos autores da TFM. O valor deve: 1) ser
uma preocupação aplicável ao julgamento de terceiros, ou seja, um valor
que é considerado não individual, mas geral; 2) despertar avaliações afe-
tivas automáticas; 3) ser percebido em muitas culturas, em especial em
culturas de caçadores-coletores, considerando sua proximidade com o
ambiente e as pressões seletivas pelas quais passamos em nossa história
evolutiva; 4) ter alguma evidência de inatismo, de ser organizado previa-
mente à experiência; 5) ter valor adaptativo dentro de um modelo evolu-
cionista (Graham et al. 2013).
Até agora, cinco fundações morais foram identificadas (cada fun-
dação costuma ser apresentada com sua respectiva violação): o cuidado
com a prole levaria à fundação do cuidado/dano (Care/harm); a formação
de parcerias com indivíduos não aparentados, garantindo os benefícios da
reciprocidade, levaria à fundação da justiça/trapaça (Fairness/cheating); a
formação de coalizões levaria à fundação da lealdade/traição (Loyalty/be-
trayal); a negociação de posições hierárquicas levaria à fundação da autori-
dade/subversão (Authority/subversion) e o esforço de manter o grupo livre
de parasitas levaria à fundação da pureza/degradação (Sanctity/degrada-
tion) (Haidt 2013).
A TFM sustenta que a moralidade é mais um produto de nossas in-
tuições morais (respostas rápidas e automatizadas aos estímulos do am-
biente) do que do raciocínio moral deliberado. Isso faz com que a TFM dê
mais atenção às emoções morais e a outros mecanismos afetivos (Graham
et al. 2013).
O psicólogo Jonathan Haidt realizou alguns experimentos que, se-
gundo ele, comprovam a tese do intuicionismo. Os experimentos causam
uma reação nos indivíduos que Haidt (2001) cunhou de “estupefação moral
(moral dumbfounding). Trata-se da situação em que uma pessoa continua a
sustentar uma posição moral, mas não consegue gerar razões para ela. Em
um dos experimentos, Haidt cria “vinhetas morais”, casos hipotéticos mo-
ralmente polêmicos, e pede que os participantes se posicionem sobre eles.
88 CAPÍTULO 6
Uma das vinhetas é a seguinte: “imagine que dois irmãos tenham man-
tido relação sexual uma vez. Eles consideraram que foi uma experiência
positiva para ambos, que os aproximou ainda mais, mas decidiram não
mais repeti-la e não contar para ninguém. Eles usaram todos os métodos
contraceptivos disponíveis. O que eles fizeram foi moralmente correto?”
A maioria das pessoas responde que a ação é moralmente incorreta (Haidt
2001). Quando instados a justificar a resposta, no entanto, eles costumam
invocar razões que são fácil e gentilmente refutadas pelos pesquisadores.
Se o participante alega que a ação é errada porque pode causar gravidez
incestuosa, o pesquisador aponta que os irmãos usaram todas as precau-
ções contraceptivas disponíveis. Se alega que alguém pode descobrir o que
eles fizeram, o pesquisador responde que os irmãos prometeram guardar
segredo e que tiveram relação só uma vez. Chegará um ponto em que o
participante continuará buscando argumentos para justificar sua posição,
mas não os encontrará, chegando à estupefação moral. O experimento foi
replicado, com essa vinheta e outras (Haidt 2013; McHugh 2017). Haidt
alega que a prevalência da reação de estupefação moral é uma evidência
para o intuicionismo. As pessoas chegam à conclusão moral primeiro, de
forma rápida, afetivo-emocional, e só buscam as razões para sustentá-la
depois. Quando não conseguem encontrar essas razões, ficam estupefatas,
mas ainda assim mantêm seu julgamento.
O intuicionismo moral é uma tendência dentro da psicologia moral,
mas não é unanimidade (Sinnott-Armstrong 2008b). Muitos autores ar-
gumentam que a teoria dá menos valor do que deveria à capacidade dos
sujeitos de raciocinar sobre a moralidade e dar respostas com base nesse
processamento, ao invés da intuição (Bloom 2010; Sauer 2011; Sauer 2018).
Conclusão
Essa breve apresentação da TFM, uma das teorias de psicologia
moral evolucionista mais importantes, ajudou-nos, a entender o objeto da
psicologia moral evolucionista, as formas como a aplicação da evolução
89PSICOLOGIA MORAL EVOLUCIONISTA
aos mecanismos psicológicos podem formar ideias interessantes, que deve-
rão ser postas à prova empiricamente, e que há desenvolvimentos a serem
feitos e problemas a serem resolvidos na área.
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ATIVIDADES PARA APROFUNDAMENTO E FIXAÇÃO
Quem faz psicologia moral evolucionista precisa tomar cui-
dado com duas armadilhas importantes. Quais são elas?
Qual a diferença entre uma teoria prescritiva e uma teoria
normativa da moralidade?
A psicologia moral evolucionista é um sub-ramo da psicolo-
gia moral. Explique o que é a psicologia moral.
A psicologia moral evolucionista é também um sub-ra-
mo da psicologia evolucionista. Explique o que diferencia a
90 CAPÍTULO 6
psicologia evolucionista de outras áreas que usam a evolução
para estudar o comportamento e a cognição.
Você concorda que a psicologia evolucionista pode nos ajudar
a entender a moralidade? Justifique a sua resposta.
GLOSSÁRIO
Darwinismo (ou Teoria Darwinista da Evolução): Teoria proposta por
Charles Darwin (1809-1882) e posteriormente adotada por outros
biólogos evolucionistas para explicar como os seres vivos evoluem.
Propõe que a evolução acontece notadamente pelo lento e cumulati-
vo processo de seleção natural, que favorece a sobrevivência de orga-
nismos mais bem adaptados ao ambiente, mas não exclui outros pro-
cessos evolutivos, como a seleção sexual e a deriva genética. Propõe
também que as espécies evoluem de espécies ancestrais, e que todas
são aparentadas, remontando a um único ancestral comum.
Inatismo: Termo que pode ter vários significados quando se fala em psico-
logia e evolução. Pode significar que alguns traços comportamentais
são automáticos e não-aprendidos, estando presentes no indivíduo
desde o seu nascimento, ou que os traços são compartilhados entre
gerações, ou que são predisposições comportamentais, que serão re-
forçadas ou não no desenvolvimento individual. Os propositores da
TFM definem inatismo como “organizado antes da experiência” (or-
ganized in advance of experience) (Graham et al 2012, p. 7). É um
sentido de inatismo que se relaciona mais à predisposição do que à
necessidade. Eles comparam o sentido de inatismo que adotam com
a ideia de um rascunho de um livro: as informações já estão presen-
tes, mas nada impede que elas sejam aprimoradas, ou modificadas,
ou excluídas, ou acrescidas, para a edição final (o desenvolvimento)
(Graham et al 2012, p. 8).
91PSICOLOGIA MORAL EVOLUCIONISTA
Intuicionismo moral: Posição na psicologia moral de que os julgamentos
morais são produto mais do raciocínio intuitivo (que é rápido, au-
tomático, emocional etc.) do que do raciocínio deliberativo (que é
lento, exige concentração e esforço por parte do julgador etc.). Não
significa que intuições não podem ser modificadas ou aprendidas.
Módulo cognitivo: Mecanismo mental cuja função é o processamento e
a aquisição de informações internas, do próprio organismo, ou ex-
ternas, do ambiente. É especializado e tem certa autonomia funcio-
nal, mas pode ser integrado em uma rede mais ampla e geral de
processamento de informação. A Psicologia Evolucionista busca as
origens evolutivas desses módulos nos seres humanos, bem como
os processos adaptativos que favoreceram sua evolução entre nossos
ancestrais.
Moralidade: Conjunto de normas sociais que regulam o comportamen-
to humano, proibindo ações tidas como danosas, injustas, impu-
ras etc., pela comunidade. Há discussão sobre a abrangência das
normas morais. Algumas correntes tendem a considerar qualquer
norma social como uma expressão da moralidade; outras, por outro
lado, atribuem características especiais às normas morais, tratando-
-as de forma mais restrita (para exposição das posições e debate, cf.
Standord 2018). Na perspectiva evolucionista, costuma-se atribuir
uma função evolutiva à moralidade: garantir a cooperação social,
evitando o surgimento de trapaceiros, o que aumenta a probabilida-
de de sobrevivência do indivíduo dentro de uma sociedade.
Psicologia evolucionista: Abordagem da psicologia que aplica a teoria
darwinista da evolução aos comportamentos e à cognição, buscan-
do, notadamente, explicá-los por sua função adaptativa por seleção
natural, seus universais, suas diferenças individuais e suas decor-
rências sociais e culturais. Enfatiza as diferenças entre o ambiente
contemporâneo e aquele que foi compartilhado por nossos ances-
trais. Identifica as funções adaptativas dos mecanismos cognitivos
92 CAPÍTULO 6
subjacentes aos comportamentos e as formas pelas quais eles se es-
pecializam e organizam para guiar o pensamento e a ação.
Psicologia moral: Área da psicologia que busca explicar os mecanis-
mos psicológicos envolvidos na moralidade, tais como as emoções
morais, o raciocínio moral, o julgamento moral, os valores morais e
as atitudes. Congrega diversas abordagens e teorias diferentes.
Psicologia moral evolucionista: Área da psicologia que busca explicar os
mecanismos psicológicos envolvidos na moralidade, tais como as
emoções morais, o raciocínio moral, o julgamento moral, os valores
morais e as atitudes, utilizando a teoria evolutiva como arcabouço
conceitual.
Teoria das Fundações Morais: Teoria da psicologia moral evolucionista
que busca compreender quais são e por que há valores morais dife-
rentes dentro das culturas e entre as culturas. Utiliza dados de di-
versas áreas do conhecimento, mas especialmente as ferramentas
da psicologia evolucionista para formular os critérios do que é uma
fundação moral.
Teoria moral descritiva: Espécie de teoria que busca entender o fenômeno
moral, investigando sua natureza, suas causas, seu funcionamento,
sua gênese etc., sem fazer juízos de valor. A psicologia moral evolu-
cionista é uma teoria descritiva.
Teoria moral normativa: Espécie de teoria que busca descobrir o que é
certo fazer. Investiga quais são os cursos corretos (e incorretos) de
ação, quais razões morais estariam justificadas (ou injustificadas). É
uma teorização engajada, que costuma estipular princípios morais
fundamentais.
Wason selection task: ou tarefa de seleção de cartas, é um problema ou
puzzle lógico, que deve ser resolvido com o emprego de raciocínio
dedutivo-inferencial. Na tarefa, são apresentadas quatro cartas, que
possuem diferentes informações de um lado e do outro. O sujeito
que realiza a tarefa precisa avaliar se as cartas confirmam uma hipó-
tese. A versão clássica da tarefa é a seguinte: mostra-se um conjunto
93PSICOLOGIA MORAL EVOLUCIONISTA
de quatro cartas, que possuem números em uma face e cores em
outra. Vamos supor que as faces visíveis das cartas mostram um
“5”, um “6”, a cor vermelha e a cor azul. A hipótese é: se uma carta
mostra um número par num dos lados, então seu lado oposto será
vermelho. Agora, a tarefa do participante é: escolher o mínimo
de cartas a virar para mostrar se a hipótese é verdadeira ou falsa.
Quais cartas o participante deve virar: A resposta correta é virar as
cartas “6” e azul, porque apenas elas poderiam refutar o que foi dito.
Virando a carta vermelha, não será possível confirmar a hipótese, já
que ela diz que há uma conexão entre número par e vermelho, mas
não diz que todas as cartas vermelhas terão números pares em suas
faces opostas. Então, se o número no lado oposto da carta vermelha
for ímpar, isso não confirma nem desconfirma a hipótese. Isso vale
para a carta virada com o número ímpar. Se ela for vermelha no lado
oposto, isso em nada altera a hipótese, já que a hipótese não diz res-
peito aos números ímpares. A carta azul, por sua vez, pode refutar
a hipótese, já que se o seu lado oposto tiver um número par, então
não é verdade que cartas de números pares são vermelhas do outro
lado. Igualmente, se atrás do número “6” estiver a cor azul, a hipóte-
se também estará refutada. Trata-se de uma tarefa difícil, as pessoas
costumam errar a resposta (Cosmides & Tooby 1992). A versão al-
terada, que acrescenta informações sociais à tarefa, substitui os nú-
meros e as cores das cartas por informações sobre idade mínima
para o consumo de álcool. A hipótese a ser testada passa ser: se está
bebendo álcool, então deve ter 18 anos ou mais. As cartas possuem
a idade de um lado e a bebida consumida do outro (refrigerante de
coca ou cerveja). As cartas com as faces visíveis mostram as idades
“16 anos” e “25 anos”, e “cerveja” e “coca”. Quando os participantes
precisam apontar quais cartas devem virar para ver se a regra está
sendo cumprida, têm desempenho consideravelmente superior do
que no exemplo abstrato envolvendo cores e números (Cosmides &
Tooby 1992, 2005, 2008).
94 CAPÍTULO 6
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96 CAPÍTULO 7
7
SOCIOLOGIA EVOLUCIONISTA
André Luís Ribeiro Lacerda
Para os sociólogos que não trabalham com uma perspectiva evolucio-
nista, que são a grande maioria, no curto prazo, a continuidade das
estruturas sociais geralmente parece bem mais evidente do que a mudança
social. Mas, estudar a mudança social sempre foi algo mais atrativo para
os sociólogos.
A noção de evolução sempre pareceu atrativa para os teóricos da so-
ciologia da mudança social porque conseguia estabelecer relações entre as
vidas sociais no passado, no presente e no futuro das sociedades.
Contudo, apesar de conter muitos atrativos, a presença da ideia de
evolução darwiniana na sociologia enfrentou muitas resistências. O his-
toriador Carl Degler descreve o desenvolvimento e desaparecimento do
darwinismo social na sociologia e, portanto, o recuo dos cientistas sociais
e seu posterior retorno no que se refere à consideração do papel da biologia
humana na explicação do comportamento social humano. De acordo com
Degler (1991), no final do século XIX e começo do século XX, a maioria
dos cientistas sociais concordava que muito do comportamento humano
estava enraizado na biologia.
Variáveis como raça e sexo eram consideradas as principais deter-
minantes do comportamento. O racismo e o sexismo foram difundidos:
não-brancos, imigrantes da América do Sul e leste da Europa, e as mu-
lheres de maneira geral eram considerados inferiores aos homens brancos
97SOCIOLOGIA EVOLUCIONISTA
de descendência anglo-saxônica. Uma crença generalizada nas diferenças
genéticas entre os grupos sociais desenvolveu um movimento eugênico.
Foi nesse contexto que se desenvolveu uma reação antibiológica, li-
derada por estudiosos como o antropólogo Franz Boas. Ele separou radi-
calmente os conceitos de raça e cultura e argumentou que a cultura era um
fenômeno inteiramente extrabiológico. Boas teve grande influência sobre
cientistas sociais como Alfred Kroeber, Robert Lowie e Howard Odum e,
por volta de 1920, esses cientistas sociais foram bem-sucedidos em seus es-
forços de defender que diferenças entre raças humanas seriam explicadas
inteiramente em termos de influências ambientais.
O argumento de que a diferença entre os sexos era fundamental-
mente ambiental e não genética tornou-se preponderante por volta de
1930. Isso ajudou a prosperar a ideia de que variáveis biológicas não eram
relevantes na explicação do comportamento humano, o que contribui para
que a perspectiva antibiológica avançasse na explicação de outros aspectos
do comportamento humano, como o crime, por exemplo, e no enfraque-
cimento de conceitos então populares que utilizavam variáveis biológicas,
como o conceito de instinto.
Entre 1950 e 1960, alguns cientistas sociais que acompanhavam o
que se desenvolvia na etologia, biologia evolucionista e genética de popu-
lações, aquilo que Wilson chamou de nova síntese, começaram a reconsi-
derar a influência da biologia na ação humana. Em dois tradicionais pe-
riódicos de sociologia, American Sociological Review e American Journal
of Sociology é possível ver resenhas e artigos de sociólogos que mencionam
livros de biólogos e primatológos que, segundo eles, estariam abordando
temas de interesse sociológico: “Biólogos estão falando de sociologia”, era
a mensagem.
Entre 1967 e 1974 alguns artigos de sociólogos sugerem possibili-
dades de recombinações entre especialidades da sociologia e da biologia.
Eckland (1967) propõe a integração de princípios sociológicos e genéti-
cos para estudar a inteligência. Booth (1972) investiga a relação entre sexo,
como variável biossocial, e participação social. Ele compara a extensão e