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Título: Agricultura e questão agrária no Brasil – condicionantes estruturais da
concentração fundiária
1
Autor: Joelson Gonçalves de Carvalho
2
Resumo
A partir dos anos 1980, a questão agrária brasileira, após o “esquecimento” a que
foi relegada durante todo o período militar, ganhou maior dimensão em estudos e
debates acadêmicos. Desde então, ela ressurge, ainda que apenas no debate, como
estratégia de desenvolvimento nacional que, em tese, associar-se-ia à geração de renda,
desenvolvimento regional e local, empregos, melhoria das condições de vida da
população rural e no entorno de assentamentos, entre outros. Em grande parte, isto se
deve à articulações de movimentos sociais rurais que, por suas ações em diversas
escalas territoriais, obrigaram tanto a academia como o governo a se voltarem aos
problemas fundiários nacionais e suas conseqüências tanto econômicas quanto sociais.
Os estudos mais recentes estão alicerçados na criação de projetos de
assentamentos rurais em um contexto marcado pelos caminhos desenhados pela
modernização agrícola. Sendo assim, o foco deste artigo é tecer considerações que
demonstrem as interligações entre a economia rural e a questão agrária nacional, a partir
de uma visão histórica do processo que, como se verá, foi marcado pelo
conservadorismo social e político. O argumento central deste trabalho é o de que,
mesmo com o desenvolvimento de modernas forças capitalistas no meio rural brasileiro
e de suas fortes ligações com a indústria nacional e internacional, isso não só não
resolveu como também contribuiu para agravar as contradições socioeconômicas no
meio rural brasileiro. O intuito é demonstrar que o desenvolvimento da agropecuária no
Brasil e as políticas públicas voltadas para ele não foram capazes de enfrentar os
principais desafios impostos pela secular estrutura agrária nacional, a saber: aumento de
emprego e renda e desconcentração fundiária.
Palavras chaves: Agricultura; questão agrária; concentração fundiária.
1
Artigo apresentado no VI Coloquio de la SEPLA. Setembro de 2010, Montevidéu, Uruguai.
2
Professor Assistente do Departamento de Ciências Econômicas e Exatas da UFRRJ, Instituto Três Rios.
E-mail: joelsonjoe@yahoo.com.br
1 – Da integração nacional à modernização conservadora da agricultura: uma
análise sobre a questão agrária no Brasil
O debate sobre a questão agrária brasileira está intimamente ligado ao processo
histórico de colonização do país. A posse da terra sempre foi um tema, além de
relevante, extremamente atual para se entender o subdesenvolvimento nacional desde a
inserção brasileira, mesmo como colônia, no capitalismo internacional. O sistema de
produção implantado no Brasil-Colônia, alicerçado na monocultura, em grandes
extensões de terras, com trabalho escravo e produção destinada, quase exclusivamente,
ao mercado internacional, adaptou-se convenientemente nas novas terras, reduzindo
custos e facilitando a colonização, instaurando a desigualdade econômica e social. Esse
sistema conhecido como plantation foi ratificado durante o Segundo Reinado em 1850,
pela imposição da Lei de Terras
3
que antecedeu a abolição da escravatura. O êxodo
rural brasileiro, com todas as suas implicações urbanas, não foi caracterizado, portanto,
pela busca de melhores condições sociais e econômicas, mas sim porque se tornou uma
das poucas alternativas possíveis aos desprovidos de terra.
A apropriação privada do território, as migrações rurais e entre o rural e o
urbano em busca de terra e trabalho são fatos relevantes para a história social e política
do país. Fica evidente, portanto, que a falta de acesso à terra, à educação e ao trabalho
de nossa população rural e urbana, nunca pôde ser equacionada nos marcos do nosso
precário estado de direito (TAVARES, 1999). Focada a análise a partir da segunda
metade do século passado, percebe alterações de fundo que alteram toda a dinâmica
capitalista nacional sem, contudo, comprometer o pacto de dominação interno imposto
pelas elites.
Até meados da década de 1950, a mudança mais significativa na economia
brasileira é a suplantação do setor agroexportador pelo industrial. Setor esse que passa a
ser determinante para a reprodução da força de trabalho. Já a partir da segunda metade
dos anos de 1950, rompem-se os constrangimentos à industrialização nacional em bases
mais capitalistas, típicos da fase anterior, dados pela fragilidade das condições técnicas
e financeiras do capital (CARDOSO DE MELLO, 1975). O período que se inaugura –
o da industrialização pesada – a partir de 1956, trouxe mudanças extremamente
3 A Lei nº 601, de 1850, segundo Darcy Ribeiro (1995) reduziu o contingente de trabalhadores rurais,
obrigado a coroa a fazer uma intensa propaganda para a imigração de trabalhadores pobres oriundos da
Europa.
relevantes para a dinâmica econômica e para o processo de urbanização, com alterações
significativas no desenho agrícola e o agravamento da questão agrária.
As décadas seguintes, notadamente os anos de 1960 e 1970, foram marcadas
pelo aumento vertiginoso da utilização de máquinas pesadas, insumos específicos,
adubação química e consequente aumento da produtividade. Este conjunto de alterações
caracterizados pela pecha de “modernização agrícola” foi de grande valia para a
consolidação dos grandes complexos agroindustriais (CAIs)
4
, incapazes, diga-se, de
amenizar a pobreza rural agravando sobremodo as discrepâncias da estrutura agrária
nacional (Tabela 1).
Tabela 1 – Índice de Gini corrigido
5
da distribuição da posse da terra e
porcentagens de áreas correspondentes de estabelecimentos agropecuários no
Brasil – 1960, 1970 e 1975.
1960
1970
1975
G* 0,842
0,844
0,855
(50-) 3,1%
2,9%
2,5%
(10+) 78,0%
77,7%
79,0%
(5+) 67,9%
67,0%
68,7%
(1+) 44,5%
43,1%
45,2%
Média 75 ha
60 ha
65 ha
Mediana 12 ha
9 ha
9 ha
Censo Agrícola de 1960 e Censos Agropecuários de 1970 e 1975. Apud Graziano da Silva,
1980, Pág. 355-360. Alterado pelo autor. Nota: * Calculado estimando desigualdades intra-
estratos em metodologia proposta por Hoffmann (1979).
Observados os dados da tabela 1 pode-se concluir que a concentração na
distribuição da posse da terra aumentou entre 1960 e 1975. Além disso, fica patente que
a participação da área correspondente aos 50% de estabelecimentos agropecuários com
área inferior a mediana (50% menos) no Brasil só foi superior a 3% em 1960.
4
Em termos históricos pode-se dizer que os complexos agroindustriais são resultado de um processo que
começou com a crise dos modelos rurais tradicionais e na estruturação de algo novo, mais moderno e
dinâmico: o complexo cafeeiro paulista. A forma como o sistema, denominado por Cano (2007) como
“complexo cafeeiro”, organizou-se política e economicamente propiciou tanto a garantia de melhor
lucratividade quanto a sua própria superação, dirigindo-se para um modelo mais capitalista no campo, no
qual o Departamento de Bens de Produção, mesmo que ainda não desse a tônica do desenvolvimento,
ganhou expressiva importância.
5
Índice de Gini (G) é uma medida de grau de desigualdade. Seu valor varia entre 0 (ausência de
desigualdade) e 1 (máxima desigualdade). Geralmente, ele é calculado sem levar em consideração a
desigualdade dentro dos estratos; ou seja, considerando que em cada estrato o ponto médio representa
fielmente todos os indivíduos aí contidos. No caso do Censo Agropecuário, este índice se torna pouco
verdadeiro, pois os dados são apresentados todos estratificados. Diante disto, tem-se o G*, calculado
estimando as desigualdades intra-estratos, considerando função de densidade linear e de Pareto com dois
parâmetros no último estrato se este for aberto à direita (HOFFMANN, 1979).
Em paralelo, os estabelecimentos com áreas superiores a 10%, 5% e 1%
aumentaram sua participação em todos os anos da série. A discrepância da posse da
terra também pode ser observada comparando-se a média e a mediana. Enquanto, na
média, em 1975, os estabelecimentos brasileiros tinham 65 hectares, a moda estatística
(valor que mais repete) era de apenas 9%.
O modelo agrícola baseado na elevada produtividade foi incentivado pelo
governo federal até o final da década de 1980, quando os Complexos Agroindustriais já
estavam bastante estruturados. Este modelo, que ratificou o avanço das forças
capitalistas na agricultura brasileira, desconsiderou o fato de ser, a questão agrária
brasileira, marcada pela desigualdade de acesso a terra e a trabalho.
Em síntese, desde o surgimento e consolidação dos Complexos Agroindustriais,
o processo de modernização foi altamente excludente de determinados grupos sociais e
regiões econômicas (KAGEYAMA et al., 1990; DELGADO,1985). Portanto, as
políticas públicas voltadas para um modelo produtivista que privilegiou a formação de
cadeias complexas teve como conseqüência três características complementares entre si:
a primeira foi a verticalização da produção agrícola, voltada à consolidação de
complexos agroindústrias internacionalizados; a segunda foi a formação de nichos
regionais de especialização produtiva e a terceira foi o elevado grau de concentração
tanto da terra como do capital.
2 – Década perdida, neoliberalismo, movimentos sociais e questão agrária no
Brasil
A adoção indiscriminada das políticas neoliberais, notadamente a partir dos anos
1990, no bojo do processo de globalização, trouxe à realidade brasileira um duro golpe:
o agravamento dos problemas estruturais nacionais, a exemplo da concentração de renda
e propriedade. Este quadro de agravamento ocorreu pari passu com a redução das
possibilidades de ação estatal concreta e coordenada para a efetiva superação do atraso
social e econômico nacional. No campo, viu-se o agravamento da realidade agrária,
aumento de ocupações e consequente aumento da violência no campo.
Na tentativa de garantir o pagamento da dívida externa houve corte de gastos de
investimento e manutenção de subsídios e incentivos às exportações a fim de gerar
dólares e garantir mega-superávits que foram transferidos ao exterior. Isso, por sua vez,
ratificou uma vez mais a concentração de terra e sedimentou o agronegócio como
agente econômico importante para o crescimento (desigual) nacional, construindo uma
nova fuga para frente, das elites nacionais.
O agronegócio pode ser visto de maneira puramente conceitual e acrítica como a
somatória das operações de produção, distribuição, armazenamento, processamento,
financiamento e outras atividades ligadas à produção agropecuária. Contudo, a
compreensão do agronegócio neste trabalho extrapola a visão puramente conceitual e
acrítica. Incorpora-se a ideia de que o agronegócio é o nome dado ao atual modelo de
desenvolvimento da agricultura capitalista. Neste sentido, concordamos com a
contribuição do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária
(NERA/UNESP/Presidente Prudente) na qual o agronegócio é a ampliação do conceito
de latifúndio que, para além da terra, também concentra tecnologia, políticas de crédito
e desenvolvimento, expandindo e ampliando o seu controle sobre o território e as
relações sociais presentes nele.
6
Todavia, a capitalização da agricultura e o avanço do agronegócio não
ocorreram sem traumas, trazendo consigo o ressurgimento da mobilização social,
seguida de repressão e assassinatos (MENDONÇA, 2006). Segundo Oliveira (2001,
pág. 197) “A análise da realidade agrária brasileira do final do século XX mostra, de
forma cabal, a presença dos conflitos de terra. Se por um lado a modernização
conservadora ampliou suas áreas de ação, igual e contraditoriamente os movimentos
sociais aumentaram a pressão social sobre o Estado na luta de terra”. Isso explica, em
parte, o aumento do número de assassinatos no campo, pelo menos até 1987.
Desde o início da Nova República houve um aumento expressivo das
mobilizações sociais em torno de questões nacionais relevantes, dentre elas a reforma
agrária. Contudo, a repressão sobre os movimentos sociais, especialmente sobre os
movimentos camponeses, foi maior que a envergadura do debate sobre a necessidade de
mudanças na legislação e na Constituição, conforme apontam dos dados da tabela 2.
6
Para uma análise mais completa das contribuições do NERA ver:/www4.fct.unesp.br/nera
Tabela 2 – Número de assassinatos em conflitos agrários no Brasil (1980 – 2005)
Ano Assassinatos Ano Assassinatos
1980 53 1993 45
1981 69 1994 29
1982 57 1995 34
1983 81 1996 49
1984 124 1997 30
1985 171 1998 47
1986 150 1999 32
1987 216 2000 25
1988 89 2001 34
1989 70 2002 43
1990 78 2003 44
1991 51 2004 39
1992 50 2005 38
Fonte: Comissão Pastoral da Terra - CPT / Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra - MST
Os dados da tabela 2 deixam claro que o período com o maior número de mortos
(1984 a 1987) foi justamente o período de constituição de novos atores políticos e
sociais tais como o MST e a UDR, além de ser o período da redemocratização nacional.
Não obstante, segundo dados do DATALUTA
7
, de 1988 a 2007 ocorreram 7.561
ocupações de terras no Brasil envolvendo 1.119.654 famílias nos diversos estados
brasileiros. Estes números demonstram a magnitude da luta pela reforma agrária no
Brasil. É notório que, mesmo à luz da redemocratização, prevaleceu o viés da
modernização agrícola subordinando a função social da terra à garantia ao direito à
propriedade privada e, por consequência, à justiça social.
3 – Concentração fundiária, uso e ocupação do solo no Brasil: análises e
comparações
O ressurgimento das discussões sobre a estrutura agrária no Brasil não é
responsabilidade apenas dos movimentos organizados no campo, notadamente o MST,
nem muito menos um modismo acadêmico. É resultado de um processo idiossincrático
que, ao longo do tempo, na medida em que dava respostas à questão agrícola, agravava
a questão agrária. Neste sentido, o Censo Agropecuário de 2006 deixou visível os fortes
impactos da política neoliberal sobre a agropecuária nacional. Dentre as principais
conclusões a que o censo chegou pode-se listar a redução do pessoal ocupado, a redução
de estabelecimentos agropecuários, a redução pouco significativa do Índice de Gini para
7
O DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra – é um projeto de pesquisa e extensão criado no
Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária NERA – vinculado ao Departamento de
Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, campus de Presidente Prudente.
o país como um todo e o avanço do agronegócio enquanto modelo de desenvolvimento
adotado pelo mercado e referendado pelo Estado.
A constatação principal do Censo, a nosso ver, a saber: a elevada concentração
fundiária no Brasil, se baseia no fato de que os estabelecimentos rurais com menos de
10 hectares ocupavam, na data do censo, aproximadamente 2,4% da área total, ao passo
que os estabelecimentos maiores que 1000 hectares concentravam 44% do total (Tabela
3). No que tange o número de estabelecimentos, 47% tinham menos que 10 hectares e
os estabelecimentos maiores de 1000 hectares representavam 1% do total.
Tabela 3 - Área dos estabelecimentos rurais, segundo o estrato de área Brasil - 1985/2006
Estrato de área Área dos estabelecimentos rurais (ha)
1985 % 1995 % 2006 %
Menos de 10 ha 9.986.637
3%
7.882.194
2%
7.798.607
2%
De 10 ha a menos de 100 ha 69.565.161
19%
52.693.585
15%
62.893.091
19%
De 100 ha a menos de 1000 ha 131.432.667
35%
123.541.517
36%
112.696.478
34%
1000 ha e mais 163.940.667
44%
159.493.949
46%
146.553.218
44%
Total 374.924.421
100%
343.611.246
100%
329.941.393
100%
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1985/2006. Alterado pelo autor.
No que tange ao uso e a ocupação do solo, observados os dados estruturais do
Censo Agropecuário (Tabela 4), pode-se perceber que a área dos estabelecimentos
rurais diminuiu em 23,7 milhões de hectares entre os dois últimos censos, o que
corresponde a aproximadamente 6,7%. A área de pastagens naturais, dentre as formas
de utilização das terras, foi a que apresentou a maior redução (cerca de 20,7 milhões de
hectares).
Tabela 4– Número de estabelecimentos, área total e forma de utilização das terras em hectares – Brasil -
1970/2006
Dados estruturais
(1)
Censos
1970 1975 1980 1985 1995-1996 2006
Estabelecimentos 4.924.019
4.993.252
5.159.851
5.801.809
4.859.865
5.175.489
Área total (ha) 294.145.466
323.896.082
364.854.421
374.924.929
353.611.246
329.941.393
Utilização das terras (ha)
Lavouras permanentes 7.984.068
8.385.395
10.472.135
9.903.487
7.541.626
11.612.227
Lavouras temporárias 25.999.728
31.615.963
38.632.128
42.244.221
34.252.829
48.234.391
Pastagens naturais 124.406.233
125.950.884
113.897.357
105.094.029
78.048.463
57.316.457
Pastagens plantadas 29.732.296
39.701.366
60.602.284
74.094.402
99.652.009
101.437.409
Matas naturais 56.222.957
67.857.631
83.151.990
83.016.973
88.897.582
93.982.304
Matas plantadas 1.658.225
2.864.298
5.015.713
5.966.626
5.396.016
4.497.324
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1970/2006. Nota: (1) Para explicação metodológica ver IBGE (2009).
É expressivo o montante, em hectares, das áreas destinadas a pastagens
plantadas, contudo, das áreas que mais aumentaram sua participação sobre o total, ela
foi a que menos incremento apresentou. Todavia, vale ressaltar a melhoria da qualidade
das pastagens plantadas no Brasil, que permitiu aumento do rebanho bovino vis-à-vis
redução das pastagens naturais. No que se refere ao aumento da participação relativa
sobre a utilização de áreas, fica evidente o elevado crescimento das lavouras tanto
permanentes (54,0%), quanto das temporárias (40,8%).
Analisando os dados da tabela 5, percebe-se a importância da criação de bovinos
sobre o número total do efetivo animal. A taxa de participação da pecuária bovina que
era de 59% no primeiro ano da serie apresentada, chega a 70% em 1985 e a 76% nos
dois últimos censos analisados. Isto, por sua vez, gera impactos na (sub)utilização do
uso do solo no Brasil dado o caráter extensivo da pecuária nacional.
Tabela 5 – Número do efetivo de animais no Brasil - 1970/2006
Dados estruturais Censos
1970 1975 1980 1985 1995-1996 2006
Efetivo de animais
Bovinos 78.562.250
101.673.753
118.085.872
128.041.757
153.058.275
171.613.337
Bubalinos 108.592
209.077
380.986
619.712
834.922
885.119
Caprinos 5.708.993
6.709.428
7.908.147
8.207.942
6.590.646
7.107.608
Ovinos 17.643.044
17.486.559
17.950.899
16.148.361
13.954.555
14.167.504
Suínos 31.523.640
35.151.668
32.628.723
30.481.278
27.811.244
31.189.339
Aves
(1)
213.623
286.810
413.180
436.809
718.538
1.401.341
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1970/2006. Notas: (1) Galinhas, galos, frangas e frangos por mil cabeças.
A redução do pessoal ocupado na agropecuária é expressiva: nos últimos 10
anos mais de 1,3 milhão de pessoas abandonaram as atividades rurais. Analisando-se os
últimos 20 anos tem-se um número mais expressivo ainda: 6,8 milhões de trabalhadores
ou uma redução de quase 30% do pessoal ocupado (Tabela 6).
Tabela 6 - Confronto dos resultados dos dados estruturais dos Censos Agropecuários no Brasil – 1970/2006
Dados estruturais Censos
1970 1975 1980 1985 1995-1996 2006
Pessoal ocupado 17 582 089
20 345 692
21 163 735
23 394 919
17 930 890
16 567 544
Tratores 165 870
323 113
545 205
665 280
803 742
820 673
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1970/2006.
A forma com que se deu o desenvolvimento capitalista no campo, acabou por
subordinar a agricultura brasileira à lógica do capital, com sua tendência à concentração
da propriedade da terra e dos meios de produção, tais como máquinas, equipamentos,
insumos, entre outros. Entretanto, para uma compreensão mais efetiva e de caráter mais
estrutural da argumentação desenvolvida neste artigo é necessário adentrar na seara da
economia política, especialmente a partir das reflexões apresentadas por Tavares (2000)
e Cano (2010). Ambas as reflexões convergem para entendimento do histórico papel do
capital mercantil na questão regional e o arcaico pacto de dominação interno enquanto
questões centrais e estruturais para a permanência da desigualdade e do
subdesenvolvimento no Brasil.
A primeira característica a ser citada é a apropriação privada e concentrada da
terra como uma das formas concretas de acumulação patrimonial da riqueza capitalista.
Esta especificidade marcante, presente pelo menos desde 1850, tornou-se perene na
dinâmica capitalista nacional a partir do periódico fechamento e posterior reabertura da
“fronteira econômico-territorial” mediante a exploração predatória dos recursos
naturais, a expulsão e a incorporação de populações locais e imigradas submetidas à
constante exploração (TAVARES, 2000, pág. 137). Isto acaba por ratificar o caráter
paradoxal da modernização rural iniciada em 1960. Em outras palavras, o progresso
trazido pela expansão das atividades rurais exportadoras é acompanhado pela geração
de miséria, reproduzindo bolsões de pobreza rural e urbana, maior concentração
fundiária e novos espaços para a serem explorados pelo arcaico e capital mercantil
(CANO, 2010).
Uma segunda característica marcante está presente nas relações patrimonialistas
entre as oligarquias regionais e o poder central na distribuição e apropriação dos fundos
públicos (TAVARES, 2000). Em que pese existir uma gama infindável de articulações
políticas locais/regionais na defesa de interesses relacionados à perpetuação da relação
dominância, o melhor exemplo que pode ser dado é a Bancada Ruralista no Congresso
Nacional. Ela é uma agremiação tanto antiga quanto conservadora no Congresso
Nacional e não conta com status jurídico definido. Em sua roupagem mais recente,
datada de fevereiro de 2008, se converteu em uma Frente Parlamentar da Agropecuária
(FPA) tendo como objetivo “estimular a ampliação de políticas públicas para o
desenvolvimento do agronegócio nacional”, sendo composta por 235 Deputados
Federais e 33 Senadores.
8
A terceira característica estrutural está presente nas relações de dominação e
cumplicidade entre os agentes do dinheiro mundial e as burocracias do dinheiro
nacional que, dialeticamente, alimenta os conflitos do governo central com as elites
regionais pelos “escassos fundos públicos” (TAVARES, 2000). Este processo ao
mesmo tempo em que enfraquece várias frações da burguesia nacional, em detrimento
dos capitais estrangeiros, faz recrudescer a burguesia agrária, aumentando o poder dos
donos da terra pelo seu viés extra-econômico, o que, por seu turno, tem como
conseqüência direta e constante a piora das condições de vida do povo (TAVARES,
2000).
Um importante elemento sobre o caráter desta transformação é apresentado por
Cano (2010) para o qual o modelo de dominância ao qual o agronegócio se sobrepõe, a
saber, o capital mercantil, vê diminuído seu poder, mas raramente o tem eliminado por
completo, o que o faz assumir outras formas, tais como a industrial, bancária, financeira
sem, contudo, diminuir sua ambigüidade. Nas palavras de Cano: “Além dessa forma
moderna e mais progressista, manterá muitos dos traços anteriores que lhe garantem sua
participação no poder (local, regional ou nacional). Ou ainda, e visto de forma distinta,
manterá estruturas ambíguas de ativos, onde a propriedade fundiária se destaca” (2010,
pág. 5).
Para Tavares (2000, pág. 136) existem fundadas razões para atribuir importância
fundamental às dimensões econômicas e políticas da ocupação e do domínio privado e
político do território. Entre as dimensões econômicas mais importantes para o processo
de acumulação de capital, a expansão da fronteira pelos negócios de produção e
exportação do agrobusiness e da exploração de recursos naturais mantém-se ao longo de
toda a história econômica brasileira.
Isto fica claro na medida em que a difusão do progresso tecnológico e a
consequente inserção comercial dos países subdesenvolvidos, como o Brasil, estão
sujeitas a esquemas mutáveis de concorrência e de estratégias de grandes empresas
internacionais (TAVARES, 2000). Cabe como ilustração o fato das 20 maiores
8
Segundo informações colhidas no site oficial da FPA, em setembro de 2010. Apenas como ilustração,
em seu Relatório de Atividades 2009/2010, a FPA se arroga de ter contribuído para a revisão de
demarcações de terras quilombolas, sustação de demarcação de terras indígenas, mobilização contra
revisão de índices de produtividade, entre outras ações de igual teor político. Para maiores detalhes ver:
http://www.fpagropecuaria.com.br.
empresas do agronegócio em 2008 presentes no Brasil segundo receita liquida, 12 são
transnacionais e representam 63% de toda a receita líquida do setor (REVISTA VALOR
1000, 2009).
Por fim, por serem estruturais, tais características ajudaram a sedimentar e
agravar, ao longo das décadas, a exclusão social e econômica no país sem rupturas no
pacto de dominação interna. O avanço do agronegócio sobre antigas áreas gerenciadas
pela ótica patriarcal-patrimonialista foi e é ambígua, pois “atendidos os interesses desse
capital moderno, o possível antagonismo entre o antigo e este é contido, e, assim, abre-
se novo campo conciliatório entre eles” (CANO, 2010, pág. 11). O que por sua vez
seculariza e ratifica a terra muito mais que um fator de produção e sua posse um signo
de poder extra-econômico que sobrevive, amiúde, a ciclos de crise e expansão
econômica.
Considerações finais
O objetivo deste artigo foi demonstrar que existe um descompasso estrutural no
campo brasileiro de modo que, mesmo com a implantação das modernas forças
capitalistas na agricultura nacional, os problemas socioeconômicos de grande parte da
população rural não se arrefeceram, pelo contrário. Este processo foi caracterizado por
três elementos fundamentais: a desigualdade, a exclusão e a convivência simultânea
com outras formas de produção. No que tange a desigualdade, esta se mostrou e se
mostra tanto social quanto territorial, haja vista a concentração e desproporcionalidade
do desenvolvimento das regiões sul e sudeste vis-à-vis as regiões norte e nordeste do
Brasil. Soma-se a isso o fato da marginalização de uma imensa massa de despossuídos
do meio rural, inexoravelmente migrantes para cidades, geralmente médias ou de grande
porte ou ainda para regiões de fronteiras agrícolas, constantemente em movimento.
Mesmo com a forte integração agricultura e indústria, o processo de
desenvolvimento da agricultura brasileira ainda foi marcado pela convivência (não
necessariamente pacífica) e a reprodução de relações sociais arcaicas ao lado de
relações mais avançadas, tais como parcerias e “moradores de condição” convivendo ao
lado do assalariamento rural e atividades não agrícolas no campo.
Em síntese, enquanto características mais gerais de um longo processo de
industrialização da agricultura pode-se dizer que a questão agrária no Brasil está
marcada por a) permanência do êxodo rural e redução do número absoluto de
trabalhadores no campo; b) crescente aumento na produtividade do trabalho no meio
rural, dadas as constantes inovações tecnológicas tanto em máquinas quanto em
insumos e c) aumento da integração e subordinação de pequenos produtores ao
agronegócio com conseqüente aumento da seletividade e especialização destes
produtores.
Este quadro de agravamento ocorreu com a redução das possibilidades de ação
estatal concreta e coordenada para a efetiva superação do atraso social e econômico
nacional. Fica patente que as análises e elaborações de políticas públicas que tenham
como foco o campo ou o desenvolvimento rural-regional devem incorporar a noção de
espaço de disputa, dada a convivência (não pacífica) de um processo de centralização do
capital no campo, expresso no latifúndio monocultor de alta capacidade tecnológica e a
existência de movimentos sociais organizados em diversas escalas de ação, facilmente
identificados em diversas ocupações em todas as unidades da federação.
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