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XLVI Encontro da ANPAD - EnANPAD 2022
On-line - 21 - 23 de set de 2022
2177-2576 versão online
“Qual é a dessa mulher?” Um estudo sobre empoderamento, desafios e conquistas das
mulheres na política brasileira
Autoria
Camilla Fernandes - camillafer05@gmail.com
Prog. de Pós-Graduação em Administração/PPGADM / UFPR - Universidade Federal do Paraná
Mariane Lemos Lourenço - psimari@uol.com.br
Prog. de Pós-Graduação em Administração/PPGADM / UFPR - Universidade Federal do Paraná
SAMANTHA FROHLICH - samantha_0906@hotmail.com
Prog. de Pós-Graduação em Administração/PPGADM / UFPR - Universidade Federal do Paraná
Mara Rosalia Ribeiro Silva - mararosalia87@gmail.com
Prog. de Pós-Graduação em Administração/PPGADM / UFPR - Universidade Federal do Paraná
Lady Day Pereira de Souza - lady.souza@ifro.edu.br
Prog. de Pós-Graduação em Administração/PPGADM / UFPR - Universidade Federal do Paraná
Gestão pública / IFRO - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
Resumo
A política é umas das áreas onde a sub-representação feminina se faz evidente. Com o
objetivo de analisar os principais desafios e conquistas de mulheres na política sob a ótica da
teoria de empowerment individual e social, realizou-se entrevistas semiestruturadas com
mulheres eleitas atuantes na política brasileira. Os resultados revelam vários desafios que
permeiam suas experiências com a política, desde a intenção de inserção nesse ambiente até
a atuação como eleita. Todavia, apesar dos percalços, foi possível verificar as conquistas
expressas na forma como as causas defendidas por tais mulheres passam a ser percebidas e
respeitadas, nas mudanças promovidas na utilização dos recursos públicos e no próprio
tratamento que recebem neste ambiente. Assim, ressalta-se a importância da participação
feminina em todos os tipos de organizações.
“Qual é a dessa mulher?” Um estudo sobre empoderamento, desafios e conquistas das
mulheres na política brasileira
RESUMO
A política é umas das áreas onde a sub-representação feminina se faz evidente. Com o objetivo
de analisar os principais desafios e conquistas de mulheres na política sob a ótica da teoria de
empowerment individual e social, realizou-se entrevistas semiestruturadas com mulheres eleitas
atuantes na política brasileira. Os resultados revelam vários desafios que permeiam suas
experiências com a política, desde a intenção de inserção nesse ambiente até a atuação como
eleita. Todavia, apesar dos percalços, foi possível verificar as conquistas expressas na forma
como as causas defendidas por tais mulheres passam a ser percebidas e respeitadas, nas
mudanças promovidas na utilização dos recursos públicos e no próprio tratamento que recebem
neste ambiente. Assim, ressalta-se a importância da participação feminina em todos os tipos de
organizações.
Palavras-chave: mulheres; política; desafios; conquistas; empowerment.
1 Introdução
Segundo a International Labour Organization (2020), o mundo precisa melhorar os
aspectos relacionados ao trabalho das mulheres em todos os países, pois, o empoderamento
econômico das mulheres contribui para uma maior igualdade de gênero, bem como para maior
geração de empregos e desenvolvimento econômico. Neste sentido, o mundo precisa também
de mais mulheres atuantes na esfera política, uma vez que as organizações desse ambiente são
predominantemente masculinas (Karawejczyk, 2013; Tosi, 2016). Assim, debates tanto
políticos quanto acadêmicos têm se voltado para a importância da participação de mulheres na
política, já que, elas enfrentam vários desafios no âmbito político devido à existência de
barreiras que se opõem não somente à sua inserção, mas também, à sua permanência na política
(Bauer, 2015; Lee, 2018; Zakar et al., 2018).
Quando as mulheres ocupam lugar de poder, essas barreiras se manifestam,
principalmente, por meio dos julgamentos e estereótipos atribuídos ao gênero. Em razão disso,
as mulheres são tratadas como sensíveis e emocionais demais para cargos de liderança pois, na
perspectiva dos estereótipos de gênero, se espera de representantes políticos posicionamentos
brutos e agressivos (Bauer, 2015; Biroli, 2010; Chikaipa, 2019; Eagly & Karau, 2002; Huddy
& Terkildsen, 1993; Johns & Shephard, 2007; Lee, 2018; Sanbonmatsu, 2002).
Tais barreiras podem ser explicadas parcialmente devido ao fato de que, muitas vezes
as mulheres acabam sendo retratadas, principalmente pela mídia, sob o viés desses estereótipos,
mas também sob comportamentos “amenizados” como por exemplo, a compaixão (Renner &
Masch, 2019). Torna-se importante ressaltar que esses comportamentos, como a compaixão,
para citar um aspecto atribuído as mulheres, podem estar em todos os gêneros, não sendo de
todo modo ruins e sim positivos, por trazerem pluralidade ao sistema.
Diante de tal cenário, um crescente corpo de literatura tem analisado se existem
diferenças entre legisladores femininos e masculinos, e, se tais diferenças interferem na
aceitação e participação dos candidatos (Costa & Schaffner, 2018; Geys & Mause, 2014; Grant
et al., 2018; Stadelmann et al., 2014). Neste escopo, discute-se que essas distinções podem
afetar a percepção de empowerment por parte das mulheres, uma vez que este se trata de um
elemento relevante à compreensão das possibilidades e dos limites existentes no incentivo à
participação social e política (Becker et al., 2004; Kleba & Wendausen, 2009; Vasconcelos,
2003). O empowerment tem por foco o desenvolvimento do potencial individual e, ao mesmo
tempo, promove ideais nos níveis organizacionais e sociais (Eylon, 1998). Assim é relevante
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estudar essa perspectiva com mulheres inseridas no sistema política do cenário brasileiro pois,
o Brasil ocupa a 145ª posição, dentre 235 países pesquisados no ranking de representatividade
feminina em congressos, ranking este que analisa qual a quantidade de cargos políticos
legislativos ocupados por mulheres (IPU, 2022). O ranking citado indica uma sub-representação
feminina no cenário político brasileiro e, diante desse contexto, o presente artigo tem como
objetivo analisar os principais desafios e conquistas de mulheres na política sob a ótica da teoria
de empowerment individual e social. Dessa forma, mulheres já inseridas no ambiente político
relataram às pesquisadoras os principais desafios e conquistas enfrentados em suas trajetórias,
por meio de abordagem qualitativa, com auxílio de entrevistas semiestruturadas e apoio da
análise de conteúdo.
No que tange às contribuições, a presente pesquisa com base nos resultados, permite
compreender e avançar na literatura a respeito de mulheres inseridas em organizações
predominantemente masculinas com base nas questões individuais e sociais indicadas pela
teoria escolhida. Além disso, a pesquisa contribui na ampliação de estudos voltados às mulheres
na política dentro do campo dos Estudos Organizacionais, uma vez que o sistema político é
composto por organizações com diretrizes únicas, a exemplificar-se assembleias legislativas e
câmaras de vereadores, em que as pessoas ali atuantes chegam à suas posições por meio de voto
popular. Espera-se também que o estudo chame a atenção para a temática, com o intuito de
incentivar uma maior participação feminina na política, e de colocar em discussão alguns pontos
que são negligenciados pelo governo, pelos partidos políticos e população em geral.
2 Referencial Teórico
2.1 Empowerment
Com origem inglesa e traduzido por muitos autores brasileiros como empoderamento,
o empowerment é um elemento relevante à compreensão das possibilidades e dos limites
existentes no incentivo à participação social e política (Becker et al., 2004; Kleba &
Wendausen, 2009; Vasconcelos, 2003). Fialho et al. (2018) esclarecem que o empowerment
consiste no ato de ter autonomia, como uma espécie de mecanismo no qual tanto pessoas quanto
organizações detêm o controle de seus assuntos, destinos, habilidades e competências.
Em um contexto organizacional, o empowerment possui foco no desenvolvimento do
potencial individual ao mesmo tempo que promove ideais organizacionais maiores e, vai além
de um sentimento pessoal (ex.: “sinto-me empoderado hoje”). Trata-se de um processo
resultante de mudanças e variáveis inter-relacionais individuais, como: a quantidade e
qualidade de informações a seu dispor, o grau de confiança recebido em um ambiente de
trabalho, bem como o grau de responsabilidade que essa pessoa percebe ter em seu cargo
(Eylon, 1998).
Além de ser multifacetado, enquanto processo, o empowerment se apresenta de forma
dinâmica, envolvendo aspectos cognitivos, afetivos e de conduta. Seu processo pode ser
apresentado a partir de dimensões da vida social em três níveis: Psicológico ou individual,
grupal e social. Em nível pessoal, o empoderamento possibilita o aumento de autonomia e
liberdade do indivíduo. Já em nível grupal, o empowerment é o responsável por desencadear o
respeito recíproco, bem como o apoio mútuo entre os membros do grupo, promovendo o
sentimento de pertencimento, a existência de práticas solidárias e de reciprocidade. Por fim, o
empoderamento social favorece e viabiliza o engajamento, a corresponsabilização e a
participação social na perspectiva da cidadania (Kleba & Wendausen, 2009). Dentre as
possibilidades de análise a respeito do empowerment, neste artigo tem-se por foco o nível
individual e social.
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O empowerment, quando analisado individualmente, está relacionado aos atributos
interpessoais e comportamentais da pessoa no seu processo de apropriação do poder (Ninacs,
2003). Nesse contexto, o poder representa um “sentimento de poder pessoal sobre o próprio
comportamento ou capacidade de influenciar o dos outros, [...] uma orientação para o aumento
das forças ou recursos dos indivíduos e das comunidades” (Pinto, 2012, p. 69).
Deste modo, o empowerment individual tem a possibilidade de ser desenvolvido sob
quatro perspectivas (Ninacs, 2003). A primeira é a autoestima, que diz respeito ao senso de
identidade, competência pessoal e de confiança em si mesmo, auxiliando o indivíduo na
construção de autovalor. A segunda perspectiva se refere à consciência crítica, um exercício
reflexivo do indivíduo voltado para a sua formação de consciência coletiva, social e política. A
terceira perspectiva é a de competências, que são as capacidades criadas ou aperfeiçoadas pelo
indivíduo para colocar os seus planos em ações. Por fim, a quarta perspectiva é a de
participação, quando o indivíduo passa a se envolver progressivamente em processos de decisão
e, também, a assumir as consequências dessa maior participação.
Do ponto de vista social, o empowerment é processo multidimensional pelo qual grupos
sociais desenvolvem estratégias para alcançar seus objetivos no intuito de melhorar a própria
vida e a de outras pessoas (Gutiérrez, 1990; Page & Czuba, 1999). Nesse sentido, o
empowerment envolve aspectos políticos, estruturais, sociais e coletivos, sobre uma população
específica que tem dificuldades de acessar determinados elementos de poder, como no caso das
mulheres que atuam em organizações do sistema político.
Portanto, as investigações desse campo de estudo, tendem a implicar na identificação
dos aspectos que limitam o alcance do poder e na busca de desenvolvimento de estratégias que
auxiliam na redução dessas limitações (Pinto, 2012). Uma vez que, a medida em que os sujeitos
alcançam lugares de poder por meio do seu processo de empowerment, eles geram condições
para transformações nas dinâmicas de desigualdades e desvantagens que constituem as relações
de poder na sociedade (Atkinson, 1999). Dessa forma, a mudança social por meio do processo
de empowerment, ocorre pela criação de competências coletivas, pela inspiração e participação
de mais sujeitos e pela ampliação do seu capital social (Pinto, 2012), como é o caso de mulheres
que buscam reconhecimento no ambiente político no Brasil.
2.2 Mulheres na política
No Brasil desde que a primeira vila portuguesa foi fundada, em 1532, ocorrem eleições,
mas a luta pelo voto feminino iniciou-se somente em 1891. Nesse período, 31 constituintes
haviam assinado uma emenda ao projeto da Constituição, conferindo à mulher o direito a voto,
porém, a emenda foi rejeitada (Buonicore, 2009; Tosi, 2016). Foi apenas por meio da
constituição de 1934 que as mulheres brasileiras passaram a ter o direito de exercer seus votos
pois, por muito tempo o sufrágio não era visto como um direito e sim, um privilégio, geralmente
atribuído à “cabeça política da família” (Cajado et al., 2014).
Desde então, no campo político, as mulheres vivenciam realidades diferentes das de
homens devido à lógica patriarcal dominante neste tipo de organização, além de questões de
estereótipo de gênero historicamente arraigadas no sistema político e social (Bauer, 2020; Lee,
2018; Miguel & Feitosa, 2009; Zakar et al., 2018). Por consequência, é possível evidenciar a
existência da sub-representação feminina. Essa evidência é de interesse não somente em
ambientes acadêmicos, mas também da sociedade, haja vista que tal problemática interfere
diretamente na operacionalização de cada governo (High-Pippert & Comer, 1998; Lee, 2018;
Romero & Kerstenetzky, 2015).
Mesmo com a existência de cotas e demais incentivos, alguns estudos demonstram que
as mulheres enfrentam uma série de desafios não somente para se elegerem, mas também
durante o desenrolar de suas trajetórias, desde a decisão de concorrer a um cargo político,
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perpassando a campanha eleitoral bem como, o efetivo exercício do cargo (Bauer, 2020; Schulz
& Moritz, 2015). Entender a participação feminina na política requer, antes de tudo, a ciência
de que quase nenhum país do mundo tem um percentual de 50% de mulheres ocupantes de
assentos em suas casas legislativas (Paxton & Kunovich, 2003; Sacchet, 2018). Araújo (2010)
aponta que esse fato é decorrente da existência de percepções arraigadas que postulam que o
poder é voltado aos homens, e isso, dificulta a participação e motivação de outros grupos
excluídos do sistema político.
Um fator que interfere na participação de mulheres na política é a insuficiência do apoio
dos partidos, bem como a pouca destinação de recursos, especialmente financeiros, à suas
campanhas (Bauer, 2020; Homola, 2019; Rezende, 2017). Isso demarca a desigualdade entre
homens e mulheres e a ausência de regras e procedimentos que sejam efetivos na regulação e
interação equitativa dos partidos com seus candidatos independente do gênero. Tal perspectiva,
requer o exercício potencial de ações para mudanças nas condições de garantias à maior
representatividade de mulheres nos espaços de poder e decisão (Homola, 2019; Rezende, 2017).
No entanto, a ampliação da representação feminina, não garante o apoio para as aprovações de
seus projetos, muito menos aumenta a propensão às suas reeleições (Brollo & Troiano, 2016;
High-Pippert & Comer, 1998).
As mulheres no poder são recorrentemente julgadas por uma série de estereótipos
atribuídos ao gênero, desconsiderando-se suas atuações efetivas nos cargos (Ragins & Winkel,
2011; Chikaipa, 2019; Renner & Masch, 2019). Isso justifica-se, em partes por conta de que
muitas vezes, as mulheres acabarem sendo retratadas, principalmente pela mídia, sob o viés não
apenas de estereótipos, mas também sob comportamentos “amenizados” como por exemplo, a
compaixão (Renner & Masch, 2019).
Alguns estudos apontam que estereótipos atrelados às mulheres são uma das principais
fontes de interferência direta na escolha do voto por parte da população. Muitas vezes, as
mulheres são vistas como sensíveis e emocionais demais para cargos mais altos, contrariando
a expectativa da população, por um posicionamento político mais agressivo e competitivo
(Bauer, 2015; Biroli, 2010; Eagly & Karau, 2002; Johns & Shephard, 2007; Lee, 2018;
Sanbonmatsu, 2002; Paxton & Hughes, 2014).
Apesar de mudanças significativas no campo político, o gênero ainda se torna critério
para a sociedade conceber inferências sobre os traços, competências crenças e posicionamentos
de pessoas que estejam envolvidas na política (Johns & Shephard, 2007; Sanbonmatsu, 2002).
Contudo, alguns estudos que verificam a influência referente à presença da mulher no ambiente
político, demonstram que a participação de mulheres neste cenário gera mudanças significativas
sejam estas em relação aos pensamentos ali desenvolvidos, às políticas criadas ou então à forma
como o dinheiro público é investido (Bhalotra & Clots-Figueras, 2014; Brollo & Troiano, 2016;
Chattopadhyay & Duflo, 2004; Costa & Schaffner, 2018).
Entendendo-se a conexão existente entre o empowerment e mulheres na política,
apresenta-se a seguir os procedimentos metodológicos utilizados na presente pesquisa.
3 Procedimentos Metodológicos
Esta pesquisa consiste em um estudo qualitativo básico (Merriam, 2009). Este tipo de
estudo visa compreender um fenômeno, seus processos, as perspectivas e visões de mundo que
as pessoas nele envolvidas possuem. Uma das características centrais de um estudo qualitativo
básico foca em como os indivíduos constroem suas realidades perante suas interações em seus
mundos sociais(Merriam, 2009).
De forma a viabilizar a análise do fenômeno, as pesquisadoras acessaram sites de
câmaras municipais e assembleias legislativas onde obtiveram o contato público de mulheres
atuantes nessas esferas. Foram selecionadas apenas mulheres do poder legislativo pois
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verificou-se que a participação de mulheres neste cenário político ainda é um assunto a ser
desenvolvido conforme destacado no ranking de representatividade feminina em congressos
nacionais em que o país ocupa o 145º lugar dentre 235 países pesquisados (IPU, 2022). Porém,
é importante salientar que a sub-representação também ocorre em outros níveis de poder. Em
nível municipal, por exemplo, apenas 16,1% dos cargos políticos municipais são ocupados por
mulheres (TSE, 2021).
Nesta pesquisa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas no período de agosto a
novembro de 2019, orientadas por um roteiro fundamentado na literatura apresentada e no
objetivo delineado. As entrevistadas e participantes assinaram um termo de consentimento livre
esclarecido de forma a garantir o sigilo quanto à identificação das participantes e a autorização
do uso dos dados para a pesquisa. Todas as entrevistas ocorreram nos gabinetes de trabalho das
participantes, sendo gravadas após os consentimentos e, posteriormente transcritas.
Visando garantir o sigilo das entrevistadas optou-se por atribuir a estas nomes de deusas
da mitologia grega, que de certa maneira, representassem suas causas defendidas. Para melhor
visualização dispõe-se no quadro a seguir algumas informações referentes às participantes da
pesquisa:
QUADRO 1: CARACTERIZAÇÃO DAS RESPONDENTES
Respondentes
Idade
Formação
Função
Tempo em
atuação na política
Causas defendidas
Hera (Deusa do
matrimônio, da
família, a rainha
dos deuses).
56
Ensino
médio
completo
Deputada
estadual
3º mandato como
deputada
1 mandato como
vereadora
Causas da família.
Atena (deusa da
civilização e da
sabedoria referente
às estratégias de
batalha).
60
Ensino
Superior
Vereadora
1º mandato como
vereadora
Causas da mulher,
direitos humanos, meio
ambiente e segurança
Hemera (que
personifica o dia e
sua luz).
43
Ensino
Superior
Vereadora
1º mandato como
vereadora
Controle ético dos
animais, controle e
restrição do comércio
dos animais,
fiscalização e punição
para maus-tratos,
guarda responsável e
atendimento
veterinário gratuito.
Artemis (deusa
protetora dos
animais).
70
Ensino
Superior
Vereadora
2º mandato como
vereadora
Políticas públicas que
visem a saúde pública
do município bem
como as causas
animais.
Nice (A deusa da
conquista e da
vitória).
44
Ensino
médio
completo
Deputada
estadual
1º mandato como
deputada
2 mandatos como
prefeita
Causas voltadas à
saúde, turismo,
educação, direito das
mulheres e da criança e
adolescente.
Métis (é a deusa da
saúde, virtudes,
proteção, prudência
e astúcia).
51
Ensino
superior
Deputada
estadual
1º mandato como
deputada estadual
Causas voltadas à
representatividade
feminina na política.
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Respondentes
Idade
Formação
Função
Tempo em
atuação na política
Causas defendidas
Gaia (representa
mãe terra e seu
potencial gerador).
72
Ensino
Superior
Vereadora
6º mandato como
vereadora
Causas voltadas à
cultura,
desenvolvimento,
educação, urbanismo e
melhor idade.
Têmis (deusa da
justiça e guardiã
dos juramentos
humanos e da lei).
70
Ensino
Superior
Deputada
estadual
3º mandato como
deputada estadual
Causas voltadas à
educação e
ressocialização.
Fonte: A autoria (2022)
Após a organização das transcrições, a análise foi elaborada utilizando-se da técnica de
análise de conteúdo por este tipo de análise permitir a interpretação de aspectos subjetivos
referentes ao teor dos dados coletados (Saldaña, 2016). Seguindo o protocolo delimitado por
Bardin, (2011), a análise dividiu-se em três momentos. O primeiro referente à “pré-análise”
consistiu na organização dos dados e das concepções iniciais a respeito de como proceder com
a análise em si. No segundo momento, as pesquisadoras realizaram a leitura dos materiais,
codificando e categorizando os mesmos, levando em consideração a literatura bem como os
temas emergentes em campo. Como resultado, duas dimensões de análise foram delimitadas:
“os desafios enfrentados” e “as conquistas alcançadas”, analisadas pela lente teórica de
empowerment individual (Ninacs, 2003) e social (Gutiérrez, 1990; Page & Czuba, 1999).
Dentro de tais dimensões, Bardin (2011) aponta a existência de unidades de contexto
que, tem por propósito a codificação dos dados para que assim seja possível compreender as
especificidades existentes. Assim, na dimensão “Os desafios enfrentados” delineou-se como
unidades de contexto “falta de apoio partidário”, “batalha por espaço”, “demonstração de
competências”, “desafios de empowerment individual” e “desafios de empowerment social”.
Já na dimensão “conquistas alcançadas”, as unidades de contexto foram: “eleição”, “projetos
de leis aprovados”, “mudanças percebidas”, “conquistas voltadas ao empowerment individual”
e, “conquistas voltadas ao empowerment social”.
Após essa etapa, partiu-se para o terceiro e último momento da análise que consistiu na
inferência e interpretação dos conteúdos das entrevistas para assim, alcançar uma análise crítica
e reflexiva a respeito do que foi ali exposto. Neste último processo, as pesquisadoras realizaram
uma análise em conjunto de forma a debater diferentes pontos de vista acerca dos dados e da
literatura trabalhada e assim, chegar a um consenso que constituiu a análise final. Dessa
maneira, após expostos os procedimentos metodológicos que nortearam a presente pesquisa,
expõe-se a seguir a análise e discussão dos resultados encontrados.
4 Análise e discussão dos resultados
4.1 Os desafios enfrentados
Conforme Rezende (2017), existe uma série de desafios à atuação política de mulheres,
considerando-se a distribuição de recursos, a atuação propriamente dita, dentre outros aspectos.
Schulz & Moritz (2015) argumentam que houve um grande avanço na representação feminina
na política desde que implementadas as cotas de participação obrigatória, todavia, as cotas não
são suficientes para reverter o que as autoras pontuam como “desvantagens” das mulheres na
esfera política. Mesmo com a existência de cotas, a grande maioria dos partidos políticos não
consegue cumpri-las e por consequência, as mulheres enfrentam um conjunto maior de
dificuldades ao se lançarem à corrida eleitoral. Sobre essa temática, as respondentes relatam a
existência de dificuldades em suas atuações justamente por serem mulheres e salientam que tais
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dificuldades envolvem todo o processo de sua atuação política, de candidatas à eleitas, sendo
assim, salientada a questão de falta de apoio partidário:
[...]o partido não reconhece a importância da mulher, então, portanto, ele não dá
dinheiro pra você, não dá tempo de televisão pra você, não dá oportunidade pra você
tentar debater... eles escolhem um grupo, geralmente homens, e esse grupo que é
apoiado em todos esses sentidos de abrir portas, entendeu? [...] eles deixam você
participar, mas não promovem você na eleição, em nenhum sentido [...] não
ajudam...não sei se não atrapalham... não fazem nada pela candidata mulher. Aí, eu fiz
sozinha, né?! Eu e meus relacionamentos pessoais, meus amigos, minha rede
(ATENA).
[...] me esfalfei trabalhando, eu perdi até a unha do dedo do pé de tanto caminhar
panfletando porque quem faz campanha falando em animais, tu sabes que não tem
financiamento [...] é campanha franciscana de chinelo e sandália batendo perna na rua
(ARTEMIS).
Nesse sentido, Homola (2019) expõe que os partidos agem sendo mais responsivos às
preferências de homens do que de mulheres no que tange às suas atuações de maneira geral.
Como resultado, o processo de eleição da mulher candidata é ainda mais desafiador do que o
enfrentado pelas suas contrapartes masculinas, uma vez que o apoio do partido é menor, ou
mesmo nulo. Além disso, algumas respondentes, como Gaia e Hemera destacaram a existência
de conflitos referentes aos papéis assumidos pelas mulheres, aqui representado pelo relato de
Métis:
[...] eu sabia o que eu enfrentaria eleita e no processo eleitoral, mas mesmo assim, eu
decidi encarar o desafio e decidi participar. Acabou dando certo, me elegi e estou aqui
hoje, com inúmeras dificuldades porque realmente não é fácil para mulher. A gente
acaba tendo esse monte de papéis que a gente assume no dia a dia, a política acaba
ficando muito pesada para o dia a dia. Ao contrário do que as pessoas pensam, exige
muita dedicação, exige que nos finais de semana eu tenho que estar aqui, nos finais de
semana eu tenho que viajar para a base, tem que ter tempo para você, tempo para a
família...tempo para as relações pessoais praticamente não tem mais, você acaba
abrindo mão. Os homens também fazem isso, não são só as mulheres, mas, a gente
acaba...a gente não deixa de ser mãe, não deixa de ser dona de casa, não deixa de ser
esposa. (MÉTIS).
Considerando a existência de conflitos entre a vida pessoal e profissional, Têmis relatou
sentir que tudo na política ocorre de maneira natural. Entretanto, em sua visão, alguns aspectos
da vida pessoal precisam ser alinhados para ampliar as condições de inserção no espaço político:
[...] outra coisa que abala o emocional da mulher na política, que ela tem que saber
fazer, é conquistar primeiro em casa, porque não adianta ela se meter na política e o
marido dar pra trás, elas acabam no divórcio, culpa a política...não tem nada a ver, eu
sempre aconselho: Conquiste em casa, o pai ou a mãe ou o marido ou namorido e,
conquiste os filhos também, porque mesmo conquistando é difícil, quando estão
maiores não, mas quando estão pequenos sim, exigem a sua presença (TÊMIS).
Ainda dentro desse escopo, a respondente Métis destacou a dificuldade na conciliação de
atividades que exerce enquanto deputada e suas atividades pessoais. Ela relatou que por estar
inserida nesse ambiente por vários anos, sabia o preço que seria necessário “pagar” e que
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inclusive, tais questões a influenciaram anteriormente quanto à decisão de se candidatar ou não.
Segundo ela: “pensava se isso valia a pena, se valia a pena abrir mão desse papel de mãe”,
porque grande parte de seus votos estavam na região onde morava anteriormente, e por isso
teria que viajar aos finais de semana.
Uma vez que enfrentam os obstáculos mencionados e são eleitas, a baixa
representatividade feminina em ambientes políticos culmina em outra dificuldade a ser
enfrentada: a necessidade de conquistar espaço para dar relevância às pautas defendidas por
elas, neste ambiente predominantemente masculino:
[...] eu tenho várias amigas, eu faço parte de um grupo no whatsapp que são de
mulheres vereadoras no Brasil da nossa causa e elas disseram que enfrentam muitas
dificuldades nas casas legislativas em conquistar os seus espaços porque é um
ambiente onde ainda predominam homens, onde se tem um certo preconceito, mas a
gente também vê a questão de mulher votando em mulher, ainda não se trabalhou
muito isso em sociedade de que a mulher pode votar em outras mulheres para
representá-las (HEMERA).
Neste sentido, as participantes comentaram sobre as dificuldades referentes à atuação.
Elas destacaram sentir que um dos motivos que as impedem de executar suas atividades
igualitariamente, apesar da sub-representação, é a existência de uma série de estereótipos e a
necessidade de provar suas competências (Ragins & Winkel, 2011; Chikaipa, 2019; Renner &
Masch, 2019):
As mulheres acham que elas chegam aqui e que vão se dar bem. Não é. Eles dizem
que não tem preconceito, que nãnãnã, não é bem assim... Eles te testam e te testam
muito. Eles partem do princípio de que se tu é mulher, for novinha e bonitinha, tu é
burra...se for loira, mais burra ainda. Então, eles testam, testam e tu tem que provar
que você presta, com bons argumentos de que você sabe o que está fazendo e que tu é
inteligente. Acima de tudo, se eles desconfiarem que tu não é inteligente...acabam
contigo (ARTEMIS).
Percebe-se que apesar de existirem incentivos para que a mulher participe desse cenário,
o ambiente político não é um lugar onde homens e mulheres compartilham das mesmas
oportunidades. E, tratando-se de situações críticas, Artemis salientou a existência de percalços
construídos pelos próprios colegas: “eles tentam te desmerecer, desmerecer a tua causa...dizer
que tua causa é ridícula, é menos necessária...” (ARTEMIS).
Já a respondente Atena destacou ter sofrido por conta dos estereótipos impregnados no
sistema cultural: “Eles acham que vão acotovelar muito você, que eles vão te intimidar, é muito
difícil e complicado principalmente com as minhas posturas mais abertas...comprometida com
causas e não com os executivos”. Estes relatos são compatíveis aos achados dos estudos de
Chikaipa (2019) nos quais identifica-se que a mulher atuante na política geralmente é retratada
com base em estereótipos de gênero que são atribuídos a ela, e não com base em suas ações
políticas.
Outras situações vivenciadas por mulheres neste ambiente podem ser identificadas no
relato de Atena sobre uma ocasião que presenciou com outra mulher na câmara, e no relato de
Nice sobre questões de estereótipos de gênero:
[...] teve uma vereadora que ela estava fazendo uma fala assim e um vereador, outro
homem, levantou, pegou o celular dele, chegou perto dela e começou a filmar e, ela no
plenário fazendo uma fala, reclamando de uma questão e ele assim [a entrevistada
demonstrou a forma com que vereador se expressou] grosseiramente autoritário. Um
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outro vereador, levantou da bancada dele, foi lá no plenário e filmou ela e ela dizia:
para com isso [fulano 1] e todo mundo olhando e o [fulano 2] que é um vereador
homem que estava do meu lado falou “se sou eu lá, o [fulano 1] não iria fazer isso”.
Até ele fez essa leitura e, é óbvio que ele não faria...é uma intimidação grosseira
(ATENA).
As pessoas subjugam muito a capacidade da mulher de alcançar postulações na
política. As pessoas olham... a sociedade no geral, até as mulheres olham pra mulher
na política de uma forma muito caricata... ou elas vão dizer que a mulher é muito
assanhada, ou é grossa, ou enfim... e aí, se a gente for trazer pros adjetivos que a gente
usa no nosso paladar diário tu já imagina o que não vem, né!? (NICE).
Nesse sentido, a respondente Hera ressaltou a existência de uma discriminação referente
à mulher que se perpetua de geração em geração. Muitas vezes, esse contexto de discriminação
e preconceito gera medo na tomada de decisão e posicionamentos das mulheres, pois,
inicialmente podem não ser bem aceitos: “você não vai ser aceita em todo lugar... é uma
questão de você chegar, se posicionar e as coisas mudarem naquele cenário” (HERA).
Já a respondente Métis ressaltou que por mais que estejam havendo mudanças, ainda se
trata de um ambiente “muito machista, que a gente precisa brigar diariamente para poder
conquistar um lugar no meio” (MÉTIS). Salienta-se que a dinâmica do ambiente político, por
mais que existam mulheres nele inseridas, ainda é muito masculina, e isso contribui para a
exclusão sistemática das mulheres (Bauer, 2020; Lee, 2018; Miguel & Feitosa, 2009; Zakar et
al., 2018). No entanto, a respondente destacou não achar que isso ocorra por conta de
preconceito ou de maneira intencional, mas sim, como algo resultante da cultura do ambiente e
do país. É interessante mencionar que anteriormente quando questionada a respeito da
existência de preconceito a respondente havia afirmado não perceber preconceito por parte de
colegas, fato este que ressalta o quão arraigadas encontram-se tais questões: “é difícil explicar,
eu convivo com eles de forma tranquila” afirmou Métis.
A participante Atena relatou uma situação crítica de exclusão que vivenciou após sua
eleição, na qual não foi consultada acerca de suas preferências em participar de uma reunião:
A gente ia começar já a questão de quem era o prefeito que a gente iria apoiar...eles
marcaram as reuniões com os possíveis candidatos, na época o candidato 1 que ficou
no segundo turno e o candidato 2...no primeiro turno o partido apoiou o candidato 3.
Eles marcaram reunião com o 1 e o 2, com os vereadores eleitos...menos eu. Quando
eu soube disso, eu já rachei com o partido naquele momento: “Escute, vocês marcaram
reunião?” “Ah, pois é, a gente achou que você não quisesse ir” ... E, eu falei: “Mas eu
estou eleita.” E, a partir desse momento nós rachamos [...] eu passei dois anos sem
relacionamento com meu partido por causa desse posicionamento que eles têm
(ATENA).
Nota-se que as entrevistadas percebem sofrer discriminações no ambiente político,
contudo, não associam esta discriminação a uma prática consciente, mas, a algo inerente ao
espaço tradicionalmente masculino no qual estão inseridas.
Além disso, quando atuantes em ambientes predominantemente masculinos, espera-se
das mulheres posicionamentos mais brutos e agressivos, em razão do ideal de estereótipos de
gênero. E, essa questão se revela marcante, nesta pesquisa, por se tratar do ambiente político
(Paxton; Hughes, 2014). Pode-se perceber que por mais que tenham sido eleitas da mesma
forma que os colegas homens, as mulheres são vistas pejorativamente, como sensíveis e
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emocionais demais para ocupar os cargos políticos conquistados por direito (Bauer, 2015;
Biroli, 2010; Eagly & Karau, 2002; Johns & Shephard, 2007; Sanbonmatsu, 2002).
É possível afirmar que o gênero do representante político conduz à expectativas por parte
da sociedade acerca dos traços, competências, posicionamentos e crenças deste representante
(Araújo, 2010; Johns & Shephard, 2007; Miguel & Feitosa, 2009; Sanbonmatsu, 2002). Diante
disso, o gênero feminino é associado ao estereótipo de pessoas carinhosas e sensíveis,
características estas que se opõe ao esperado de um candidato político: que sejam francos,
decisivos e agressivos (Bauer, 2015; Eagly & Karau, 2002).
Mediante as expectativas estereotipadas acerca de seu gênero, as mulheres inseridas no
ambiente político enfrentam desafios ainda na maneira como são julgadas pelo seu
comportamento, e até mesmo, no modo de vestir:
Se eu fico muito quieta, eu sou muito quieta, se eu sorrio demais, eu sou oferecida...
sempre tem uma coisa para as pessoas dizerem em razão da tua forma de se apresentar,
da tua conduta. Nós nunca seremos ainda nesses tempos julgadas apenas pelo produto,
pelo extrato do nosso trabalho... por enquanto a gente ainda, porque, eu sempre digo
isso... tu vai pra Brasília, tu vê assim... tu passeia pelos corredores do congresso, eu
gosto de fazer essa brincadeira de roupa porque ela te provoca os teus estímulos
visuais... o que tem assim de homem mais gordinho com a camisa apertada, o botão
pra fora, a gravata pela metade... a camisa verde musgo, umas coisas assim
completamente fora de propósito... mas absolutamente ninguém dirige o olhar para um
homem no mundo da política pelo modo em que ele se veste, ninguém! Isso passa
batido... agora conforme é o jeito que tu te veste, alguém vai dizer alguma coisa da
mulher, entende? E isso é muito presente, muito vivo ainda no mundo da política, mas
são questões muito sensíveis que vem muito, assim, nós temos que entender que nós
temos costumes seculares nas nossas costas, meu amor?! Nem as mulheres queriam
ver as mulheres aqui, eu acho... ou estavam preparadas pra isso...que eu vou te dizer...
nos momentos de preconceito que eu vivi, eu te digo assim, na questão da posse, as
piores críticas, as mais duras, as mais angustiantes vieram de mulheres... como se as
próprias mulheres se envergonhassem da conduta das outras (NICE).
No relato, o preconceito de homens e das próprias mulheres é destacado como um dos
motivos pelos quais ainda há dificuldade para o preenchimento das cotas, achado esse que
converge com os estudos do Tribunal superior eleitoral (TSE, 2021). Os relatos revelam outros
desafios referentes às cotas, aprovações de leis e mudanças já percebidas por elas na política:
Tem um machismo, na hora de aprovar uma lei que tire benefício dos homens, não
aqui, mas na câmara, mas de dar essa paridade, é uma discussão que vai muito longe.
Cada mulher que entra é um homem a menos, tem toda uma história que vem junto
com isso, não é uma mudança que vem de um dia para o outro. Ela é gradual, mas
precisa estar participando para mostrar que dá (MÉTIS).
A violência contra a mulher e eu falo da violência patrimonial, a psicológica e a física,
mas, eu falo também de outros tipos de violência que existem e eu posso te dizer que
isso que acontece com a mulher na política, é uma violência, é um bullying, é
crime...simplesmente por você ser mulher. Simplesmente por eu ser mulher. Não é
porque eles têm raiva de você... Não! É porque você é mulher... você é mulher e você
não merece estar ali. É, como se tua cadeira, na hora que a mulher ganha “poxa,
perdemos essa cadeira” Entendeu? É algo que tem que ser mudado...é cultural e tem
que ser mudado [...] é crime usar a mulher para 30% de cota, é crime! (HERA).
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Pode-se perceber que existem diversos desafios no percurso de inserção e atuação da
mulher no ambiente político. Estes desafios, conforme destacado por Araújo (2010) Bauer
(2015), Lee (2018) e Zakar et. al. (2018) não resultam apenas do preconceito e demais questões
históricas arraigadas no sistema, mas especialmente, por elas serem minoria na esfera política.
Nesse contexto, os posicionamentos e as lutas das mulheres eleitas são questionados com mais
frequência do que o de colegas homens.
Percebe-se que o ambiente político não é pensado para ser um ambiente onde homens e
mulheres tenham as mesmas oportunidades. As mulheres relatam reiteradamente que lidam
com questões culturais arraigadas, como o machismo decorrente de um ambiente
predominantemente masculino. Além disso, consideram que a inserção da mulher este ambiente
ocorre de forma tardia, assim, ainda há muitos fatores a serem transformados. Destaca-se, ainda
a necessidade de conciliar família e vida pessoal à uma organização que demanda mais do que
a jornada de trabalho propriamente dita. Em suas funções estão inclusos viagens, compromissos
externos, demandas de uma parcela da população e toda a alta carga de responsabilidades
sociais. Assim, por vezes, a falta de apoio familiar e de pessoas próximas pode fragilizar a
conquista de maior representatividade da mulher na política.
É nesse cenário turbulento de inserção de mulheres no âmbito político que se catalisa o
processo de empowerment das representantes, sejam elas ainda candidatas ou já eleitas. Isto
porque o ambiente de poder na política é marcadamente masculino e, ao buscarem adentrar essa
esfera, as mulheres enfrentam uma série de desafios, como os que aqui foram mencionados:
falta de apoio partidário, conflito trabalho-família, necessidade de provar suas competências e
intimidações por parte dos correligionários homens.
Para então romperem com o sistema de poder que simbolicamente está detido na figura
masculina, as mulheres se veem na necessidade de refletir e adaptar o seu comportamento no
sentido de reunir forças e recursos pelo bem das causas que defendem (Pinto, 2012). Essa
reflexão está intimamente relacionada à constituição do seu empoderamento (Ninacs, 2003),
uma vez que as mulheres reconhecem que a sua representatividade é constantemente ameaçada
por conta do contexto machista do poder público legislativo. Por sua vez, a adaptação de
comportamentos resultante da aprendizagem no exercício da práxis política auxilia essas
mulheres na construção do seu empoderamento, especialmente na sua autoestima (Ninacs,
2003), afinando a sua concepção identitária sobre o significado de ser mulher e do valor de ser
mulher na política.
Ademais, ainda em relação ao processo de empowerment ocorre uma mudança social na
criação de competências coletivas quando as mulheres passam a enfrentar os desafios
catalisados pelo ambiente político. A inspiração e participação de mais pessoas envolvidas
nesse processo, e também na ampliação do conhecimento desses desafios contribui para a busca
por mudança, ainda que distante de uma realidade de direitos iguais entre os sujeitos envolvidos
(Bauer, 2020; Lee, 2018; Miguel & Feitosa, 2009; Pinto, 2012; Zakar et al., 2018).
As estratégias de enfrentamento dos desafios relacionados às desigualdades e
desvantagens de poder na sociedade, basicamente, buscam ir contra o que refletem os desafios
de âmbito social das mulheres na política. O que as mulheres enfrentam diariamente ao
buscarem transformações significativas em um meio essencialmente burocrático e conservador,
também é resultado de um contexto histórico relacionado ao poder e processo de empowerment
(Atkinson, 1999; Pinto, 2012). Este processo de empowerment em um contexto social é
interpretado pelas entrevistadas “como um grande jogo de poder” (Hemera); e “uma briga diária
por direitos” (Métis). O que reforça os aspectos voltados a competências coletivas e pela busca
de transformações destacadas na teoria do processo de empowerment.
Por fim, sabe-se que o percentual de mulheres na política aumentou consideravelmente
nos últimos anos, porém, ainda se trata de um número muito baixo (IPU, 2022) e, de acordo
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com os relatos aqui selecionados, pode-se averiguar algumas das causas que muitas vezes
podem desestimular a participação de outras mulheres nesse cenário. Todavia, apesar dos
percalços enfrentados, a representação feminina traz consigo conquistas, que são discutidas a
seguir.
4.2 As Conquistas Alcançadas
Quando questionadas acerca de suas trajetórias, todas as respondentes destacaram que
consideravam como conquistas além de terem sido eleitas sem apoio efetivo dos partidos que
são vinculadas, terem seus projetos de leis aprovados e representarem efetivamente a
população. Quanto a este tema, em cada entrevista, as respondentes falaram um pouco sobre
seus projetos que, majoritariamente, são voltados à saúde pública e às causas específicas que
cada uma dessas mulheres defende. Neste momento, foi possível verificar as quatro
perspectivas de empowerment individual (autoestima, consciência crítica, competências e
participação) destacadas por Ninacs (2003). Portanto, ao ressaltarem as suas conquistas,
verifica-se de maneira mais nítida nas mulheres eleitas, o senso de autovalor, a reflexividade a
respeito de suas atuações, a percepção de suas próprias competências e as consequências de
suas participações no cenário político.
No entanto, ao ser questionada sobre quais conquistas mais se destacam em seu cotidiano,
a respondente Gaia ressaltou o caráter emocional envolvido em tal processo: “As maiores
emoções positivas ocorrem quando você consegue resolver problema, as maiores frustrações
vêm quando você não consegue [...] o problema para nós é o desafio e, eu tenho que resolvê-
lo, tenho que lutar por eles (população)” (GAIA). Com o relato de Gaia, compreende-se o
exposto por Pinto (2012) de que a percepção de poder traz consigo a conscientização a respeito
do seu próprio comportamento e da capacidade que tal pessoa possui em influenciar o cotidiano
de outros. Têm-se aqui a orientação delineada pelo autor a respeito do aumento de forças e
recursos não somente para si mesmo, mas para comunidades (Pinto, 2012).
As entrevistadas ressaltaram que percebem preconceito forte e latente em toda sua
trajetória política e nos ambientes das câmaras e assembleias. No entanto, também conseguem
perceber aspectos de mudanças de comportamento por parte de seus colegas homens nas
questões de tratamento, e mudanças em relação aos posicionamentos que estes possuíam
perante as causas defendidas por elas. Como exemplo, a vereadora Hemera, defensora da causa
animal, ressaltou que essa causa foi o motivo que fez com que a população a elegesse. Em sua
opinião, as pautas a serem defendidas por ela necessitam de coerência com seu propósito na
câmara de vereadores: “Nunca senti repressão dos outros colegas, mas, às vezes eles fazem
‘au-au’ ou algo assim”.
Em sua visão, Hemera relatou que não acreditava que tais comentários eram depreciativos
e sim em tom de brincadeira. “Mas aí, na última sessão daquele ano apareceu uma cachorrinha
na porta do plenário [...] e ela não saía dali. Naquele dia, vários vereadores mandaram no
grupo, me chamando, mandando foto ‘Veio uma visita pra você, alguém aqui veio te visitar’”.
A vereadora afirmou que, de acordo com sua percepção, desde que iniciou-se a discussão a
respeito das causas animais, estes deixaram de ser invisíveis para os outros participantes
daquela organização: “talvez eles nunca tivessem tido esse olhar do cuidado, da proteção, do
amor, da empatia, da compaixão e foi o que eu falei durante todo o ano e eu pensei: ‘na
primeira sessão daquele ano eu tive que pedir autorização para falar de um animal e na última
eles olharam para aquela cachorrinha’” (HEMERA).
Artemis, que também atua na mesma causa da respondente Hemera porém, em outra
cidade, ressaltou uma situação semelhante ao relatar que percebe mudanças de comportamento
em relação ao que defende: “tinham uns dois ou três que me olhavam atravessado e, o turning
point, o “x” da questão foi que eles ficaram “qual é a dessa mulher?!” (ARTEMIS). Ela
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afirmou que no início de sua trajetória, era muito criticada ao contrariar questões culturalmente
aceitas em sua cidade e que hoje percebe uma maior aceitação em relação a seus projetos:
“quando temos sessão para aprovar um projeto de lei, o plenário enche... acho que eles ficaram
com uma pulga atrás da orelha do tipo ‘ah, porque acho que essa causa não é uma coisinha
tão boba’ como eles, na ignorância e na simplicidade deles achavam que era.” (ARTEMIS).
Diante dessas duas experiências, verifica-se que a ação das vereadoras frente a causa pela
qual atuam, pode ser considerada uma estratégia de empowerment social, que impacta e
transforma a sociedade dentro do objetivo delineado por elas, uma vez que sua ação traz
visibilidade para a causa animal (Gutiérrez, 1990; Page & Czuba, 1999).
Ao discutir a aprovação de leis e aspectos específicos das causas que defende, a
respondente Têmis salientou outro ponto de vista quanto às conquistas, ressaltando que elas
devem voltar-se à população e não a aspectos pessoais: “Nunca olhei para o meu umbigo, eu
acho que o deputado estadual, federal, seja lá quem for, eles são funcionários do povo que
elegeu eles, eles não são deputados, eles estão deputados” (TÊMIS). O relato de Têmis
concorda com o exposto por Eylon (1998) em que o autor debate que o empowerment possui
foco no desenvolvimento do potencial individual, mas também pode ir além de um sentimento
pessoal, trazendo consigo percepções que sobressaem a individualidade e despertam uma
consciência crítica.
Conforme Ninacs (2003), o empowerment mesmo em sua perspectiva individual
desenvolve-se por meio da consciência coletiva, social e política. Ao passo que a pessoa começa
a ter percepções a respeito de