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A Tabela Periódica de Primo Levi: Uma Análise a Partir das Concepções de Ciência e Arte de Lukács

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Abstract

A tabela periódica, obra literária do químico e escritor italiano Primo Levi, vem sendo objeto de estudos que articulam ciência e arte/literatura. Identificamos nesses e em outros trabalhos focados nessa relação duas lacunas importantes que trabalhamos neste artigo: não se apoiam em referenciais de interpretação estética; abordam essa relação destacando as suas similaridades ou diferenças. Este trabalho, de natureza teórico-conceitual, parte da análise da obra de Levi com o objetivo de compreender as relações entre ciência e arte por meio das categorias lukacsianas de reflexo, particular, antropomorfização e desantropomorfização. Assim, procuramos apresentar novas perspectivas nas associações entre ciência e arte, evitando reducionismos. Identificamos a relação do homem com o trabalho do químico como fio condutor dos capítulos da obra. Defendemos referenciais teóricos estéticos para melhor compreender a relação entre ciência e arte, além de apresentar algumas implicações para a Educação em Ciências a partir da discussão das lacunas.
RBPEC • Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências | Volume 22 | e37932, 1–26
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https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2022u965990
Submetido em 18/01/2022 • Aceito em 14/04/2022
Luciana Massi • Rafaela Valero • Carlos Sérgio Leonardo Júnior • Aislan Camargo Maciera
Palavras-chave CIÊNCIA • LITERATURA • PRIMO LEVI • A TABELA PERIÓDICA •
GYÖRGY LUKÁCS
A Tabela Periódica de Primo Levi: Uma Análise a Partir das Concepções
de Ciência e Arte de Lukács
Resumo
A tabela periódica, obra literária do químico e escritor italiano Primo Levi, vem sendo objeto de estudos
que articulam ciência e arte/literatura. Identicamos nesses e em outros trabalhos focados nessa relação
duas lacunas importantes que trabalhamos neste artigo: não se apoiam em referenciais de interpretação
estética; abordam essa relação destacando as suas similaridades ou diferenças. Este trabalho, de
natureza teórico-conceitual, parte da análise da obra de Levi com o objetivo de compreender as relações
entre ciência e arte por meio das categorias lukacsianas de reexo, particular, antropomorzação e
desantropomorzação. Assim, procuramos apresentar novas perspectivas nas associações entre ciência
e arte, evitando reducionismos. Identicamos a relação do homem com o trabalho do químico como o
condutor dos capítulos da obra. Defendemos referenciais teóricos estéticos para melhor compreender a
relação entre ciência e arte, além de apresentar algumas implicações para a Educação em Ciências a partir
da discussão das lacunas.
Abstract
e periodic table, a literary work by the Italian chemist and writer Primo Levi, has been the subject of
studies that articulate science and art/literature. We identied in these studies and other works focused
on that relationship two important gaps that are discussed in this article: they are not supported by
references of aesthetic interpretation and they approach this relationship highlighting their similarities
or dierences. is theoretical-conceptual article starts from the analysis of Levi's work in order to
understand the relationship between science and art through the lukacsian categories of reection,
particular, anthropomorphization and deanthropomorphization. We tried to present new perspectives on
the associations between science and art, avoiding reductionisms. e relationship between humankind
and the chemist's work was identied as a guiding thread of all chapters. We defend aesthetic theoretical
references to better understand the relationship between science and art and we present some implications
for Science Education from the discussion of those gaps.
Primo Levi's The Periodic Table: An Analysis Based on Lukács' Conceptions of
Science and Art
Keywords SCIENCE • LITERATURE • PRIMO LEVI • THE PERIODIC TABLE • GYÖRGY LUKÁCS
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Massi, Valero, Leonardo Júnior, & Maciera
RBPEC • Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências | Volume 22 | e37932, 1–26
A relação entre ciência e arte e a problemática dos reducionismos
O tema da relação entre ciência e arte e suas contribuições para o ensino têm
preocupado pesquisadores em Educação em Ciências, que justicam a presença dos
textos literários nas aulas dos seguintes modos: são meios para se discutir a natureza
da ciência (Piassi, 2012; Pinto, 2009); melhoram a apropriação de conceitos cientícos
pelos alunos (Avraamidou & Osborne, 2009; Drigo Filho & Babini, 2016; Giraldelli &
Almeida, 2008); diminuem a lacuna existente entre o cotidiano do aluno e o conceito
cientíco (Ferreira & Raboni, 2013; Lima & Ricardo, 2019; Souza & Neves, 2016).
O físico e romancista inglês Charles Percy Snow (1905–1980) foi um dos mais
reconhecidos estudiosos de nossa área quando o tema é a relação entre ciência e arte,
pois trouxe o assunto à tona, tanto denunciando essa separação, quanto defendendo
um diálogo. A ideia de oposição entre ciência e literatura é criticada por Snow (1995),
que defende que ciência e arte, embora sejam duas culturas distintas, deveriam manter
comunicação, uma vez que isso facilitaria um diálogo inteligente com o mundo (Snow,
1995). No Brasil, João Zanetic é outro físico reconhecido na área como um dos pioneiros
a tratar sobre o tema. Merece destaque sua classicação entre cientistas que escrevem
literatura — ou cientistas com veia literária — e escritores que trazem elementos
cientícos às suas tramas — ou escritores com veia cientíca (Zanetic, 2006).
Esses são exemplos de como temos visto esforços de diferenciar e aproximar
ciência e arte e de como as pesquisas apontam para pontos positivos que essa relação
carrega. Nesse contexto, surge o argumento da motivação, discutido por Piassi (2015) ao
analisar o uso da cção cientíca na Educação em Ciências. O autor nota que existe uma
defesa para a presença da cção cientíca na área e ela está pautada na motivação que o
recurso causaria no estudante. Todavia, “[...] embora quase todos os autores coloquem o
despertar do interesse como uma das razões para o uso didático da cção cientíca, não
vimos nenhum trabalho que tenha se debruçado por conrmar ou sustentar de forma
sólida tal armação” (Piassi, 2015, p. 785).
O escritor italiano Primo Levi é reconhecido como um dos casos mais
emblemáticos da relação entre ciência e arte. Sua formação como químico e sua
experiência como prisioneiro dos nazistas em um dos campos de concentração de
Auschwitz deram origem a uma obra capaz de transitar entre ciência, técnica e literatura
(Avraamidou & Osborne, 2009; Francisco Júnior et al., 2015; Silveira & Zanetic, 2016).
Apesar de ser possível considerar que todos os seus escritos — incluindo a literatura de
testemunho — nascem de uma mente habituada a ler o mundo a partir da perspectiva
cientíca, e que ciência e técnica são partes indissociáveis do próprio processo de criação
literária, é em A tabela periódica (Levi, 1994), livro escrito entre 1973 e 1975, que a ciência
— e mais especicamente a química — salta aos olhos e desnuda-se explicitamente.
A obra divide-se em 21 capítulos: cada um recebe o nome de um elemento
químico da tabela periódica de Mendeleiev e se relaciona diretamente à narrativa que
apresenta. Considerado pela Royal Institution of Great Britain, em 2006, o melhor
livro de ciência de todos os tempos, A tabela periódica tem ganhado espaço entre
educadores e pesquisadores da área de Educação em Ciências que buscam aproximar os
conhecimentos cientícos da arte literária.
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Uma busca não sistemática nos revelou alguns estudos sobre a obra no contexto
da área. Segundo esses estudos, A tabela periódica é um livro complexo, com grande
potencial didático (Targino & Giordan, 2021), que congrega diferentes áreas do
conhecimento humano e retrata o ofício de um químico (Sá, 2020). O estudo de Russo
(2018) arma que o livro reúne tanto aspectos históricos e sociais como cientícos.
Enquanto alguns desses trabalhos preocupam-se em analisar aspectos do livro dentro
de atividades desenvolvidas com estudantes do ensino médio ou do ensino superior
(Leonardo Júnior & Massi, 2019; Osório et al., 2007; Russo, 2018; Sá, 2020; Targino &
Giordan, 2021), outros focam em delinear ou discorrer sobre possíveis potencialidades
do livro na Educação em Ciências (Gonçalves, 2014; Pinto Neto, 2008; Wallau &
Sangiogo, 2016).
Os capítulos que mais recebem enfoque desses trabalhos são: “Potássio” (Gonçalves,
2014; Osório et al., 2007; Sá, 2020; Wallau & Sangiogo, 2016) e “Ferro” (Gonçalves, 2014;
Sá, 2020; Targino & Giordan, 2021). Também encontramos discussões sobre os capítulos
“Níquel” (Russo, 2018; Sá, 2020), “Cério” (Leonardo Júnior & Massi, 2019; Russo, 2018),
“Prata” (Pinto Neto, 2008; Sá, 2020), “Nitrogênio” (Gonçalves, 2014; Pinto Neto, 2008) e
“Hidrogênio” (Pinto Neto, 2008; Sá, 2020). Targino e Giordan (2021) armam que textos
literários podem contribuir para o letramento cientíco e devem sofrer adequações para
estarem presentes nas aulas de ciências. Russo (2018) aponta para as possibilidades de
se contextualizar o conteúdo cientíco a partir do texto literário. No mesmo sentido,
Wallau e Sangiogo (2016) armam que a literatura ajuda a problematizar os conteúdos
cientícos. Também Sá (2020) destaca essa ideia da contextualização quando arma que
o livro traz reexões sociais, éticas e políticas.
Uma análise dos estudos sobre a relação entre ciência e literatura e das pesquisas
sobre A tabela periódica aponta para três lacunas na discussão, de diferentes naturezas.
A primeira, de natureza estética, se refere ao fato de que esses trabalhos não se apoiam
em referenciais de interpretação estética ou literária para realizar as análises de uma
obra. Como indicamos anteriormente, Charles Snow ou os próprios estudiosos de nossa
área, como João Zanetic e Luís Paulo Piassi, são as principais referências que sustentam
as justicativas para introdução da literatura na Educação em Ciências, como podemos
observar em Targino e Giordan (2021, p. 3): “[...] Piassi (2015, p. 39) argumenta que
obras literárias, incluindo aquelas que não apresentam explicitamente conteúdos de
Ciências, podem trazer benefícios à educação cientíca”. Isso nos leva a questionar sobre
quais elementos literários não estamos conseguindo captar ao desconsiderar a ampla
produção dos estudos sobre estética e literatura.
A pesquisa de Piassi (2013) ilustra claramente quantos elementos sobre a cção
cientíca podem ser melhor compreendidos e orientar propostas de Educação em
Ciências quando entendidos a partir dos referenciais dos estudos literários. Porém, esse
esforço só foi feito em relação a esse gênero e identicamos diversos outros gêneros
sendo trazidos para o ensino, como literatura infantil, infanto-juvenil, divulgação
cientíca, literatura universal, cordel e obras variadas (Zilli & Massi, 2017). Perguntamo-
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nos, ainda, quais as perdas estéticas e literárias que ocorrem ao se selecionar extratos ou
capítulos dessas obras para inserção em aulas de ciências (Leonardo Júnior & Massi,
2019; Osório et al., 2007; Sá, 2020; Targino & Giordan, 2021).
A segunda lacuna, de natureza didático-procedimental, remete à identicação,
nesses estudos, de uma tendência de partir das obras literárias para explicar conceitos
cientícos (Almeida & Ricon, 1993; Avraamidou & Osborne, 2009; Borim & Rocha,
2017; Drigo Filho & Babini, 2016; Giraldelli & Almeida, 2008). Por exemplo, Drigo
Filho e Babini (2016) partem de Inferno de Dante Alighieri para calcular a suposta
velocidade de queda com que Lucífer teria caído na terra. Embora haja autores que
discutem também sobre a natureza da ciência, nos perguntamos quais concepções
de ciência estão subjacentes a essas escolhas e como a ciência é entendida a partir da
relação com a arte. Os estudos de Osório, Tiedemann e Porto (2007) e Wallau e Sangiogo
(2016), por exemplo, extraem d’A Tabela Periódica discussões sobre experimentação
para formar estudantes de graduação em química. As discussões são ricas e exploram
em profundidade esse elemento, mas, apesar da escolha deliberada por esse recorte,
questionamos quais outros aspectos da ciência poderiam estar envolvidos na obra e que
não foram explorados.
Por m, a terceira lacuna, de natureza epistemológica, remete à relação entre
ciência e arte de forma geral, pois percebemos, a partir desses estudos, que ela tende
a ser abordada num sentido de dicotomia ou de aproximação. Novamente a ausência
de um referencial teórico parece justicar esses posicionamentos ao não explicitar a
especicidade da ciência e da arte para pensar em sua relação. Citamos as perspectivas de
Snow (1995) e Zanetic (2006) que as diferenciam e pensam em possíveis aproximações
respeitando as diferenças. Entretanto, também encontramos, no caso da aproximação, em
Gough (1993) e Avraamidou e Osborne (2009), por exemplo, a defesa de que a literatura
possa ser trazida para o ensino de ciências porque a ciência e a literatura são narrativas.
Segundo Gough (1993), mitos, narrativas e rituais constituem a ciência contemporânea.
Discordamos plenamente da perspectiva pós-moderna de Gough (1993), para quem a
ciência é uma narrativa como qualquer outra história e que, por isso, ambas deveriam
ser aproximadas no ensino de ciências. Percebemos, assim, que entender a relação entre
ciência e arte envolve compreender os fundamentos sobre as suas especicidades para,
então, procurar formas de relacioná-las ou aproximá-las.
Neste artigo, de natureza teórica-conceitual (Martins & Lavoura, 2018), o método
materialista histórico-dialético orienta nossa análise, partindo, principalmente, das
categorias discutidas por György Lukács. Nosso objetivo foi, a partir da análise (mediação)
d’A tabela periódica de Primo Levi — obra frequentemente abordada em estudos da
área —, compreender as relações entre ciência e arte/literatura. Com base em Martins
e Lavoura (2018) e de acordo com o materialismo histórico-dialético, as categorias de
análise (reexo, particular, antropomorzação e desantropomorzação) emergiram do
próprio objeto de estudo — A tabela periódica —, uma obra literária que contém muitos
elementos da ciência. Salientamos que essas categorias são centrais na teoria de Lukács e
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estão relacionadas com sua concepção de arte e de ciência. Devido à complexidade e às
diferentes naturezas das lacunas que identicamos, focamos nas discussões que dizem
respeito à primeira e à terceira lacuna. Entendemos que esse enfoque permite apresentar
novas perspectivas sobre as relações entre ciência e literatura, evitando reducionismos,
e defender a importância de se apoiar em referenciais estéticos para tratar desse tema. A
seguir, apresentamos com mais detalhes essa obra de Levi.
A tabela periódica: a jornada do químico
A tabela periódica (Levi, 1994) é — quando consideramos o seu todo — uma
espécie de romance de formação, no qual as temáticas cientícas se inserem naquelas
mais propriamente humanísticas, e a aventura do ofício, do químico, transforma-se,
como consequência, na aventura de um homem, um lho do século, da era da catástrofe
e dos extremos (Hobsbawm, 2010). E não só: é a aventura de um país, a Itália, em um
dos momentos mais difíceis de sua história, e de um continente, a Europa, mergulhada
na guerra. Na obra, está presente a química em seus aspectos simbólicos e alegóricos,
além dos experimentais, nascidos da experiência do próprio autor; está a linguagem da
química e o pensar “quimicamente, já que a ciência sempre foi proposta por Levi como
forma de enxergar o mundo, requisito fundamental para sua atividade de escritor.
O paralelo entre ciência e literatura, em muitas de suas páginas, leva-nos a pensar
em uma comum metodologia para ambas as atividades, e chegar-se à conclusão de
que não se pode pensar em um Primo Levi cientista e técnico separado do Primo Levi
testemunha e escritor. Toda a concisão e clareza de sua escrita remete-nos a seu ofício,
o de técnico — Levi nunca se considerou um cientista — de laboratório: “[...] a minha
química, que era uma química baixa, quase uma cozinha, forneceu-me em primeiro
lugar uma vasta variedade de metáforas” (Levi & Regge, 2005, p. 19). Em uma entrevista
à RAI em 1982, momento no qual já era um conhecido e consagrado escritor, disse Levi:
A química me ensinou [...] exteriormente forneceu-me os meios para viver;
interiormente, creio que me tenha ensinado a escrever de certo modo. Sempre
pensei que o meu modelo literário não é Petrarca nem Goethe, mas o pequeno
relatório de m de semana, aquele que se faz na fábrica ou no laboratório, e que
deve ser claro e conciso, fazer pouca concessão àquilo que se chama “escrever
bonito” (Levi, 2018, pp. 315–316).
A tabela periódica é a coroação dessa ligação com a química e, ao mesmo tempo, o
livro diretamente responsável, pouco tempo depois, por dar ao químico e à testemunha
de Auschwitz o status de escritor. A maior parte da obra encontra apoio e inspiração
nas vivências do próprio autor, de sua relação com a química e com o trabalho como
químico, mas esse não pode ser considerado um livro autobiográco, como o próprio
Levi (1994) destaca, uma vez que também é composto por contos ccionais que não
remetem a sua história de vida. Cada capítulo do livro é um conto, uma short story ligada
diretamente a um dos elementos da tabela de Mendeleiev.
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Os 21 capítulos/contos d’A tabela periódica estão divididos entre o período
anterior e posterior à deportação de Levi. O capítulo “Cério”, nesse caso, tem um papel
central, porque é aquele que está exatamente na metade do livro e é o único ambientado
no Lager, que tem também um papel central e determinante na vida de Levi: é a partir
da experiência como deportado e da necessidade de narrar que surge toda a sua obra. Os
dez primeiros contos do volume apresentam predominantemente contos autobiográcos
do período anterior à deportação para Auschwitz, em uma ordem cronológica, desde a
escola média (“Hidrogênio”), passando pela universidade (“Zinco, “Ferro, “Potássio”),
pelas experiências de emprego após a graduação (“Níquel”, “Fósforo”) até a sua captura e
prisão e a deportação para o campo de trânsito de Fossoli (“Ouro”), de onde Levi partiria,
meses depois, para o complexo de Auschwitz. Nessa primeira parte do livro, está o conto
Argônio”, que relata a história dos judeus no Piemonte e, consequentemente, de seus
antepassados distantes e próximos, e duas cções, “Chumbo” e “Mercúrio.
Em relação aos dez contos que sucedem “Cério”, também encontramos a mescla
entre autobiograa e cção. Os relatos autobiográcos são, nessa parte do livro, dos
momentos após a volta para casa. “Cromo, “Arsênio, “Nitrogênio, “Estanho”, “Urânio,
“Prata” e “Vanádio” são narrativas que trazem memórias corriqueiras, mas signicativas,
principalmente de experiências vividas no exercício da prossão como químico. Dos
contos ccionais da segunda parte do livro — “Enxofre, “Titânio” e “Carbono” —,
aquele que aqui merece destaque é, sem dúvida, o último. “Carbono” é a história de um
átomo de carbono, elemento que o autor apresenta como genérico, mas do qual extrai
um episódio preciso: a partir da história da viagem de um átomo de carbono, por espaços
e eras diversas, transformando-se, de um composto a outro, até terminar no cérebro do
narrador, no momento que coloca o ponto nal e termina a obra. A química, ciência que
lhe ofereceu os olhos a partir dos quais observar o mundo, é retratada em todos os seus
aspectos, sobretudo nos mais simples, capazes de se aproximar da alquimia, a gênese de
si mesma.
O uso que Levi faz da tabela de Mendeleiev não é somente instrumental, mas
faz referência ao momento passado no qual a química se transforma, e encontra o
paralelismo entre a fórmula escrita no papel e o que acontece no laboratório e na natureza:
a codicação, a sistematização da experiência concreta. Por isso, transformar as próprias
experiências como químico e com a química em narrativa não é algo meramente casual,
mas indica que a química é a chave de acesso a uma questão central para Levi, a impureza
(Belpoliti, 2015), característica do mundo vivente, característica de si mesmo, “impuro
por ser italiano, mas judeu, químico, mas escritor, deportado, mas sobrevivente. Assim
como arma Belpoliti (2015): “[...] para Levi, a química é a linguagem da matéria, ou a
‘literatura da vida” (p. 279, tradução nossa).
Pautados no que representa a obra de Levi, um amálgama que une ciência, técnica
e literatura, e na teoria estética de György Lukács, apresentamos, a seguir, uma breve
síntese das categorias que emergiram da obra e que estão relacionadas com a concepção
de arte e de ciência de Lukács: reexo (reexos estético, cientíco e cotidiano), particular
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(dialética singular, particular e universal), antropomorzação e desantropomorzação.
Nessa síntese, também abordamos duas obras da lósofa húngara Agnes Heller (1929-
2019) porque, além de ser considerada discípula de Lukács, ela se dedicou a estudos sobre
os aspectos da vida cotidiana e sua diferenciação com outras esferas da vida humana.
Em seguida, desenvolvemos a análise dA tabela periódica com o objetivo de desvelar as
tensões dialéticas entre ciência e literatura que nela estão presentes mobilizando essas
categorias.
Alguns aspectos sobre ciência e arte em Lukács
György Lukács (1885–1971), lósofo marxista húngaro, desenvolveu sua
teoria da arte a partir da teoria do reexo na ciência presente na obra Materialismo e
empiriocriticismo de Vladimir Lênin e, principalmente, nos Cadernos losócos (Carli,
2020). Lukács dedicou-se à escrita de uma estética marxista, mobilizando diversas
categorias, procurando desenvolver uma compreensão do reexo estético por meio da
sua diferenciação com o reexo cientíco e o reexo cotidiano. Para compreender o
reexo ou espelhamento, começamos destacando a concepção ontológica materialista de
que as coisas (os seres/objetos) existem independentemente da consciência e sensações
humanas; fora de nós, existe o movimento da matéria de uma realidade objetiva (Lênin,
1982). Nossas percepções e representações produzem uma imagem do mundo real; se
essas imagens são verdadeiras ou falsas, isso será comprovado pela prática (Lênin, 1982).
Nos Cadernos losócos, Lênin sostica o
[...] reexo substancialmente, ao retirar o sujeito da condição contemplativa,
pondo-o na condição criativa, capaz de uma séria de abstrações, formulações,
concepções de conceitos, de leis, etc., que tocam relativamente a dialética da
natureza, sem jamais reproduzi-las em sua integralidade (Carli, 2020, p. 115).
Logo, o reexo é um processo complexo, não imediato e parcial — mesmo
no cotidiano — e a consciência humana tem materialidade e é ativa nesse processo;
contudo, o homem não é capaz de apreender a realidade em sua totalidade imediata, ele
se aproxima da essência parcialmente e eternamente por meio de abstrações, conceitos e
leis (Lênin, 2011). Dois equívocos devem ser evitados: embora existam diferentes tipos
de reexo, como o cientíco, o estético e o cotidiano, todos reetem a mesma realidade
objetiva (Lukács, 1966); o reexo não é mecânico, isto é, não é uma mera fotocópia
da realidade; essa concepção mecanicista leva à impossibilidade de uma apreensão da
realidade para além do fenômeno imediato (Lukács, 1966).
Em sua obra, Heller (2008) descreve momentos característicos do cotidiano,
que “[...] têm em comum o fato de serem necessários para que o homem seja capaz de
viver na cotidianidade” (p. 56); são eles: espontaneidade, pragmatismo, economicismo,
analogia, precedentes, juízo provisório, ultrageneralização, mimese e entonação. Para
Lukács (1966), o reexo cotidiano, embora seja materialista, é marcado por uma forte
conexão imediata entre teoria e prática na consciência humana; assim, na ausência de
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uma investigação exata, entra em ação a analogia, conferindo grandes semelhanças aos
traços e às características dos objetos. A analogia é um tipo de ultrageneralização que
aproxima casos singulares ao que já foi experienciado, trata-se de um juízo provisório
que tem o risco de se cristalizar (Heller, 2008). Marcado pelo imediato e pragmático,
o reexo cotidiano é acompanhado de certa fé e de certa conança diversos, que são
sucientes para a vida cotidiana e que têm função mediadora necessária em diversas
situações; embora a ciência também requeira conança, esta está ancorada na práxis, na
cognoscibilidade da realidade (Heller, 2008).
Para o marxismo, a essência não se manifesta imediatamente (Kosik, 1976). O
fenômeno esconde e revela a realidade ao mesmo tempo; por isso, é necessária uma
reexão que vá além do aparente (Carli, 2020). É por meio de uma complexicação de
mediações entre o pensamento — nesse caso, teórico — e a prática que o materialismo
espontâneo da vida cotidiana pode se autoaperfeiçoar em um materialismo losóco, e
esse processo só é possível graças à ciência, à arte e à losoa, que permitem a suspensão
do cotidiano, mas nunca o seu completo abandono (Lukács, 1966).
O reexo cientíco supera a forma fenomênica ao “[...] dissolver a ligação imediata
entre fenômeno e essência a m de poder expressar teoricamente a essência, bem como
as leis que regulam a conexão entre essência e fenômeno [...]”, e quanto mais precisa for
essa separação, maior é a aproximação do reexo com a realidade (Lukács, 2018, p. 202).
Por sua vez, o reexo estético realiza “[...] uma superação no sentido literal hegeliano da
palavra, ou seja, é ao mesmo tempo uma destruição, uma conservação e uma elevação a
nível superior” (Lukács, 2018, pp. 202–203). Para Lukács (2018), enquanto o objeto da
ciência é o conceito em si, em sua verdade objetiva, na arte importa “[...] o modo pelo
qual ele [o conceito] se torna fator concreto da vida em situações concretas de homens
concretos, [...] como meio importante para tornar sensível o especíco caráter humano
(pp. 197–198).
Por meio da arte, o indivíduo é capaz de reviver e sentir o presente e o passado
não como sua vida pessoal, mas como sua vida em relação à história da humanidade,
a qual não se dissocia da sua existência individual, ou seja, o homem é capaz de, com
emoção, reconhecer a si mesmo e aos seus destinos típicos (Lukács, 2018). A partir
da leitura d’A tabela periódica, identicamos que Levi constrói várias situações que
envolvem os modos distintos de se compreender a matéria/natureza, o que remete aos
diferentes tipos de reexo. Além disso, os elementos emocionais identicados remetem
às características do reexo estético, à relação da química com a história da humanidade.
Para o marxismo, as categorias de singularidade, particularidade e universalidade
são importantes para a apreensão, pelo pensamento, da realidade concreta e
multideterminada (Lukács, 2018).
A ciência autêntica extrai da própria realidade as condições estruturais e as suas
transformações históricas, e, se formula leis, estas abraçam a universalidade do
processo, mas de um modo tal que deste conjunto de leis pode-se sempre retornar
— ainda que frequentemente através de muitas mediações — aos fatos singulares
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da vida. É precisamente esta a dialética concretamente realizada de universal,
particular e singular. Esta conexão pode ser estudada muito bem na análise que
Marx nos fornece do capital em geral (Lukács, 2018, p. 92).
Lukács (2018) explicita que todo fenômeno da vida natural e social carrega em
si dimensões singulares, particulares e universais. Como esclarece Pasqualini (2020),
esses não são pontos de vista sobre o fenômeno, mas uma propriedade objetiva dele. O
singular, o particular e o universal coexistem no fenômeno ou objeto e são dimensões
deles.
A dimensão singular se refere àquilo que é irrepetível naquele fenômeno. Ao
mesmo tempo, esse fenômeno de dimensão singular, tem relações com determinações
gerais, universais, isto é, também tem dimensão universal. Por exemplo, quando
Arquimedes, supostamente, mergulhou a coroa do rei em uma banheira para descobrir
se era feita de ouro, esta foi uma ação irrepetível, singular. Ao mesmo tempo, leis da
natureza, posteriormente sistematizadas por Arquimedes, regem esse evento singular,
uma vez que a força de empuxo age em todo e qualquer corpo que se encontra parcialmente
ou totalmente submerso em um uido. Essa é, portanto, a dimensão universal desse
fenômeno. Enm, nenhum fenômeno se expressa ou no singular ou no universal, mas
por meio das particularidades, isto é, pelas mediações entre o singular e o universal. O
singular existe na sua relação que conduz ao universal e o universal só existe por meio
do singular (Lukács, 2018).
Partindo da dialética entre singular, particular e universal, Lukács (2018) postula
que a categoria central e especíca da estética é a particularidade. Ele compara a arte
com a ciência, em que esta teria como sua categoria central a universalidade. Diferente
do que ocorre na ciência, que busca leis gerais que expliquem os fenômenos singulares,
a verdadeira arte se desenvolve na mediação entre singular e universal, ou seja, no
particular.
A superação tanto do singular quanto do universal na particularidade faz com
que surja na obra de arte uma objetividade unitária, na qual as leis da vida se
unem inseparavelmente às formas fenomênicas imediatas da vida, penetram
nelas até o ponto de ser impossível uma distinção (Lukács, 2018, p. 200).
Para que uma obra de arte alcance tal particularidade, é preciso que o artista
esteja empenhado em reproduzir de modo el essa realidade. A razão pela qual é tão
importante que uma obra de arte centre-se na categoria particular é que só desse modo
“[...] os homens encontram a si mesmos e aos seus destinos, explicitados mediante uma
profundidade, uma compreensividade e uma clareza que não podem ocorrer na própria
vida” (Lukács, 2018, p. 216). Em nosso estudo, a categoria do particular foi importante
para que estudássemos essa obra não somente como um conjunto de contos, uma
autobiograa ou uma obra de divulgação cientíca, mas como uma obra de arte na qual
a química é o principal objeto.
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Outro aspecto bastante distintivo da ciência e da arte é que a ciência se refere a
um processo de desantropomorzação, enquanto a arte remete à antropomorzação.
Destacamos tais categorias na forma de tensão dialética em nossa análise, pois ela
embasa nossa discussão da terceira lacuna (abordar relação entre ciência e literatura
destacando similaridades e diferenças), permitindo que analisemos essa relação a partir
de uma concepção ainda não mobilizada na área. Lukács (1966) chega a usar a ciência e a
desantropomorzação como sinônimos e destaca que tanto a antropomorzação quanto
a desantropomorzação são características da atividade humana. Por meio do trabalho
de transformação da natureza e, principalmente, com a divisão social do trabalho, o ser
humano começou gradativamente a adotar percepções, explicações e referências para
explicar a realidade que se distanciam do humano, mesmo quando ainda não existia a
ciência. A explicação cientíca é desantropomorzadora, pois adota como referência
a prática social (histórica, humana, coletiva e contraditória) ao invés das percepções
humanas imediatas. Lukács (1966) identica o caráter antropomorzador na magia,
no animismo e nas religiões como formas de antropomorzação alienada, enquanto
existem formas humanizadoras de antropomorzação, como ocorre na arte.
Para Heller (1977), o antropomorsmo engloba três categorias presentes
no pensamento cotidiano e geralmente indiferenciadas, representando formas de
antropomorzação alienadoras. Entendemos que o conceito de Lukács (1996) se
refere a esse conjunto, considerando a proximidade da produção teórica desses autores
sobre esse tema, e que essas categorias nos ajudam a entender melhor o conceito de
antropomorzação, bem como seu contrário desantropomorzador. A primeira categoria
é o antropologismo, que se refere ao vínculo às percepções humanas, como ilustrado
pela Terra plana ou pelos equívocos associados à explicação humana sobre o movimento
do Sol. Armar que a Terra é plana porque enxergamos dessa forma a linha do horizonte
equivale a uma explicação antropomorzada — ou melhor antropologizada — da
realidade, uma vez que se baseia na experiência sensorial e imediata do olho humano
para compreender a natureza. A segunda é o antropocentrismo, no qual a teleologia
é referida ao particular, ou seja, são captadas apenas as relações particulares sem
alcançar a dimensão universal, como ocorre na ciência. Por m, a terceira categoria é o
antropomorsmo sensu stricto que identica a totalidade como análoga à vida cotidiana,
logo não comporta dimensões mais totalizantes do que a vida corriqueira e imediata.
Lukács (1966) arma que a desantropomorzação proporcionada pela ciência
foi responsável por um avanço fundamental nas relações entre homem-natureza-
sociedade, representando um instrumento do gênero humano para se desenvolver
e dominar seu mundo. Esse destacamento do humano proporciona uma ampliação,
um aprofundamento e uma concentração de todas as capacidades alcançadas pelo
gênero humano, logo é uma forma de desantropomorzação da atividade humana que
contribui para a humanização (Lukács, 1966). Por outro lado, em um sistema capitalista,
vivenciamos uma crescente desantropomorzação acompanhada do neopositivismo, que
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leva a formas alienadoras desse mesmo processo. Para Lukács (2012), o neopositivismo
se refere a uma fragmentação da ciência que deixa de se inserir em uma concepção de
mundo mais ampliada para assumir um papel de mera técnica.
Porque se a ciência não se orienta para um conhecimento mais adequado possível
da realidade existente em si, se ela não se esforça para descobrir com seus
métodos cada vez mais aperfeiçoados essas novas verdades, que necessariamente
são fundadas também em termos ontológicos e que aprofundam e multiplicam
os conhecimentos ontológicos, então, sua atividade se reduz, em última análise, a
sustentar a práxis no sentido imediato. Se a ciência não pode ou conscientemente
não deseja ir além desse nível, então sua atividade transforma-se numa
manipulação dos fatos que interessam aos homens na prática (Lukács, 2012, p.
47).
Nesse contexto neopositivista, no qual vivemos, corremos o risco da
desantropomorzação cientíca assumir um papel de desumanidade devido a sua
independência e hostilização ao humano (Lukács, 1966). Isso ocorre distorcendo a função
de ampliação e aprofundamento das capacidades humanas, que a desantropomorzação
em parte promove, mas não a serviço de uma concepção de mundo pautada em valores
como liberdade, desenvolvimento humano, igualdade etc. No caso do antropomorsmo,
a referência é o indivíduo particular e, por isso, ele incorre em tantos erros; já na arte,
a antropomorzação é constitutiva; porém, ela se pauta no gênero humano, isto é, na
arte a antropomorzação é humanizadora, enquanto na ciência ou no cotidiano ela é
alienadora. Portanto, não é um problema se uma obra de arte adota o humano como
referência — na verdade isso caracteriza a arte; contudo, esse humano não é o indivíduo
singular ou particular, há uma conexão com a universalidade do gênero humano nas
obras de arte.
Pautados nesses conceitos e categorias de Lukács (1966, 2012, 2018), procedemos
à análise da obra A Tabela Periódica visando captar a especicidade da ciência e da arte,
bem como suas relações.
Análise da obra A tabela periódica
Apesar do livro A tabela periódica ser uma reunião de contos com histórias que
fazem sentido em si — isto é, apresenta capítulos aparentemente independentes —,
encontramos nele uma lógica interna. Essa lógica não é a de uma autobiograa, na qual
o autor apresenta sua relação individual com a química; se assim fosse, não haveria os
contos ctícios “Chumbo”, “Mercúrio, “Enxofre”, “Titânio” e “Carbono. O o condutor
que liga os capítulos dessa obra entre si é a relação do homem com o trabalho do químico.
No capítulo “Carbono, lemos que essa obra “É, ou pretende ser [...] a história de um
ofício e de suas derrotas, vitórias e misérias, tal como cada um de nós deseja contar
quando sente prestes a encerrar-se o arco da própria carreira [...]” (Levi, 1994, p. 225).
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Ao longo de toda a obra, Levi (1994) apresenta a química sob diferentes aspectos
e enfoques, criando situações particulares que dão forma ao modo como o homem se
relaciona com a natureza por meio dessa ciência, desde o início de sua história. Essa
história da relação do homem com o trabalho do químico é apresentada contemplando
diferentes momentos ou níveis de desantropomorzação pelos quais essa ciência passou.
Partindo da alquimia, que se aproxima da magia antropomorzadora, passando pela
química clássica, em que a referência ainda eram as sensações humanas — mesmo que
convertidas em propriedades macroscópicas —, até a compreensão submicroscópica
do átomo, o que revela um grau máximo de desantropomorzação e ampliação das
capacidades humanas de compreender a realidade.
Nos contos “Chumbo” e “Mercúrio, entramos em contato com a predecessora da
química, a alquimia. Embora esses capítulos não sejam os primeiros na estrutura do livro,
eles foram escritos muito antes dos demais, quando Primo Levi trabalhava ilegalmente
no laboratório de uma mina antes da sua deportação (omson, 2002) — como relata
no capítulo “Níquel” —, talvez remetendo a essa primeira relação do próprio escritor
com a química. Tramas que parecem se passar em tempos ou locais em que a química
ainda não era desenvolvida trazem elementos de uma concepção antropomorzadora
da relação do homem com a natureza. Em “Mercúrio, por exemplo, conta-se a história
de moradores de uma ilha remota e desconhecida, onde um homem que manipula o
mercúrio é visto como alquimista e apresenta um discurso coerente com o misticismo
alquímico:
[...] tinha no baú todo o seu equipamento de alquimista. [...] O mercúrio, para
sua obra, seria indispensável porque é espírito xo volátil, ou seja, princípio
feminino, e combinado com o enxofre, que é terra ardente masculina, permite
obter o Ovo Filosóco que é exatamente a Besta com dois Dorsos, porque nela
estão unidos e entrelaçados o homem e a mulher (Levi, 1994, p. 105).
Em “Chumbo”, um viajante está em busca de jazidas de chumbo e de ouro em troca
de conhecimento. O autor traz elementos de saber popular, crenças, lendas e concepções
alquímicas das substâncias como no seguinte trecho: “[...] Para que [as mulheres]
serviriam? A pedra, não aprendem a encontrá-la, e aliás se nela tocam quando estão
menstruadas a pedra se dissolve em areia morta ou em cinzas” (Levi, 1994, p. 86). De
forma dialética, encontramos em Levi, nesse mesmo conto, alternâncias entre o reexo
artístico, que remete ao antropomorsmo, e o reexo cientíco, desantropomórco. A
percepção do viajante revela um olhar para a natureza típico de um reexo cientíco:
Ia descendo ao longo da torrente, um pouco sobre os penedos, um pouco
vadeando onde era possível, como um cão de caça, com os olhos grudados na
terra, e não é que, pouco depois da conuência de uma outra torrente menor, vi
uma pedra em meio a milhões de outras pedras, uma pedra quase igual a todas
as outras, uma pedra esbranquiçada com pequenos pontos negros, que me fez
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parar, tenso e imóvel, como um perdigueiro que olha xamente. [...] Um bom
buscador, sério, que não queira dizer mentiras nem aos outros nem a si mesmo,
não deve conar nas aparências, porque a pedra, que parece morta, está repleta
de enganos [...] (Levi, 1994, p. 88).
Embora se trate de um conto em que a química como ciência não estava
desenvolvida, Levi apresenta um personagem cujo reexo começa a não se limitar
ao reexo cotidiano antropomorzado: começa a se distinguir em um reexo mais
complexo — o cientíco, no qual não se deve conar nas aparências. No reexo
cotidiano, a aparência das pedras é a mesma, por analogia, ou seja, cada pedra singular
é ultrageneralizada; na falta de uma análise mais profunda, a forma fenomênica
representa a própria essência: as pedras parecem mortas (Heller, 2008; Lukács, 1966,
2018). O personagem, no entanto, não se limita a essa reexão e relaciona o fenomênico
— esbranquiçada com pequenos pontos negros — com a sua composição. No mesmo
conto:
[...] pouco abaixo havia chumbo: e isto é uma coisa em que muitas vezes pensei,
que nós buscadores acreditamos encontrar o metal com os olhos, a experiência e
o engenho, mas na realidade o que nos conduz é algo mais profundo, uma força
como aquela que orienta os salmões a subir por nossos rios ou as andorinhas a
voltar para o ninho (Levi, 1994, p. 96).
Nos dois trechos, vericamos que aqueles que se aventuravam em descobrir
os segredos da natureza e, portanto, necessitavam superar o reexo cotidiano, eram
chamados de “buscadores, na falta de uma sistematização da própria ciência/química
e do termo “cientista/químico. Novamente, o trecho traz a concepção de que não se
deve acreditar puramente nos órgãos dos sentidos ou, nos termos de Heller (1977),
no antropologismo, e essa força pode remeter ao olhar cientíco que começa a se
desenvolver, ainda que níveis mais maduros de cienticidade estejam muito distantes
do contexto místico alquímico descrito no conto.
Em “Potássio”, Levi mostra que o trabalho do químico é, às vezes, minucioso, pois
ele busca por diferenças entre fenômenos ou objetos que, na aparência, são similares,
isto é, se assemelham por analogia. No capítulo, Levi narra um incidente com hidróxido
de potássio, o qual entra em contato com água e inama gases de benzeno, incendiando
as cortinas do laboratório.
Eu pensava numa outra moral, mais terrena e concreta, e creio que todo químico
militante poderá conrmá-la: que é preciso desconar do quase-igual (o sódio
é quase igual ao potássio: mas com o sódio não teria acontecido nada), do
praticamente idêntico, do mais ou menos, do “ou seja, de todos os sucedâneos e
de todos os remendos. As diferenças podem ser pequenas e levar a conseqüências
radicalmente divergentes, como as agulhas das linhas de ferro; em boa medida,
o ofício do químico consiste em defender-se destas diferenças, conhecê-las de
perto, prever-lhes os efeitos (Levi, 1994, p. 65).
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Como na aparência e no imediato o hidróxido de sódio e o de potássio se
assemelham, e considerando que a reatividade do hidróxido sódio com a água era
previamente conhecida, o pensamento cotidiano tende a ultrageneralizar a reatividade
com a água do hidróxido de potássio — um caso singular — por meio da analogia,
subsumindo rapidamente o singular a algum tipo de universalidade (Heller, 2008). O
juízo que poderia emergir dessa ultrageneralização — de que o hidróxido de potássio
não apresenta tanto perigo em contato com a água, assim como o de sódio — só pode
encontrar amparo na probabilidade, em um tipo de conança e fé diversos, que são
insucientes para o conhecimento cientíco (Heller, 2008).
Outro aspecto destacado nesse conto é o caráter histórico e coletivo da ciência,
que por meio de uma referência comum de preocupação com a produção de um
reexo subjetivo da realidade objetiva, constrói formas de mediação — conceituais
e instrumentais — que permitem captar a essência dos fenômenos para além de sua
aparência macroscópica. No entanto, como indicado anteriormente, parte dessa
captação ainda não atingiu os graus máximos de desenvolvimento das capacidades
humanas que a desantropomorzação representa. Assim, no conto, especicamente no
trecho destacado a seguir, evidencia-se o aspecto histórico e coletivo da ciência, embora
ainda em dependências das características manipulativas e das capacidades perceptivas
humanas. O trecho evidencia ainda o reexo artístico que aponta para o gênero humano,
superando as percepções cotidianas, para descrever um procedimento químico de forma
literária.
Destilar é bonito. Antes de tudo, porque é um ofício lento, losóco e silencioso,
que te mantém ocupado mas deixa tempo para pensar noutras coisas, um pouco
como andar de bicicleta. Mais ainda, porque comporta uma metamorfose: de
líquido a vapor (invisível), e deste novamente a líquido; mas neste caminho
duplo, para cima e para baixo, atinge-se a pureza, condição ambígua e fascinante,
que parte da química e vai muito longe. E nalmente, quando te propões destilar,
adquires a consciência de repetir um rito já consagrado pelos séculos, quase um
ato religioso em que a partir de uma matéria imperfeita obténs a essência, o usía,
o espírito e, em primeiro lugar, o álcool, que alegra o ânimo e aquece o coração
[grifo do autor] (Levi, 1994, p. 62).
Em capítulos como “Hidrogênio” e “Ferro, o leitor tem contato com histórias nas
quais o homem busca, na química, o conhecimento acerca dos mecanismos da natureza,
para entender o mundo que o cerca e a si mesmo:
Não tínhamos dúvidas: seríamos químicos, mas as nossas expectativas e esperanças
eram diferentes. [...] Estava saciado de livros, que no entanto continuava a
engolir com voracidade indiscreta, e buscava uma outra chave para as verdades
supremas: uma chave devia existir, e estava certo de que, por alguma conspiração
monstruosa em meu prejuízo e no do mundo, não a obteria da escola.
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[...] Que a nobreza do Homem, adquirida em cem séculos de tentativas e erros,
consistia em tornar-se senhor da matéria, e que eu me matriculara em Química
porque queria manter-me el a esta nobreza. Que vencer a matéria é compreendê-
la e compreender a matéria é necessário para compreender o universo e a nós
mesmos [...] (Levi, 1994, p. 28 e p. 47).
Na passagem, o escritor italiano fala de uma chave e de uma nobreza do homem
ao narrar sobre sua escolha pela química; esta chave e, como vimos em “Chumbo, essa
força, podem remeter à capacidade do ser humano, do ser social, de complexicar sua
reexão imediata e subjetiva no nível de consciência e de elaboração da relação sujeito-
objeto, de elaborar objetivações mais complexas — como a ciência e a arte — para dominar
a natureza, para “vencer a matéria, no sentido de conhecer suas leis e mecanismos
(Lukács, 1966, 2018). Dialeticamente, ao mesmo tempo que o escritor humaniza a
matéria, atribuindo-lhe características humanas que remetem à antropomorzação, o
autor recupera o caráter histórico e coletivo da ciência, que se objetiva em conceitos,
procedimentos e instrumentos para avançar em direção à desantropomorzação da
realidade.
Em “Níquel, podemos notar uma relação bastante positiva entre o personagem
e a química. Nesse conto, o personagem demonstra estar apaixonado pelo seu ofício, e
por poder compreender de modo concreto os problemas diante de seus olhos a serem
resolvidos. Nas palavras de Levi (1994), “[...] a natureza é imensa e complexa, mas não
é impermeável à inteligência [...]”; é sobre esse trabalho na natureza de “[...] rodeá-
la, acossar, sondar, buscar o ponto de passagem ou construí-lo [...]” (p. 80) que Levi
discorre:
Por meu trabalho apaixonei-me desde o primeiro dia, embora naquela fase não
fosse nada mais que análises quantitativas em amostragens de rocha [...]. Mas
estimulante e nova era uma outra sensação: a amostragem para analisar não era
mais um anônimo pozinho manufaturado, um exame materializado; era um
pedaço de rocha, víscera da terra, arrancada à terra por força de explosivos: e
a partir dos dados das análises cotidianas nascia pouco a pouco um mapa, um
retrato dos veios subterrâneos. Pela primeira vez depois de dezessete anos de
carreira escolar, de aoristos e de guerras do Peloponeso, as coisas aprendidas
começavam assim a servir-me. A análise quantitativa, tão avara de emoções,
pesada como o granito, tornava-se viva, verdadeira, útil, inserida numa obra
séria e concreta. [...] Errar não mais era um infortúnio vagamente cômico, que
te arruína um exame ou te abaixa a nota; errar era como quando se escala uma
montanha, uma confrontação, uma percepção, um passo acima que te torna mais
valente e mais ecaz (Levi, 1994, pp. 76–77).
No entanto, nem tudo aparece de modo positivo nessa obra. Uma das formas
que o ofício de químico pode assumir, na sociedade capitalista, é o do trabalho
alienado. Como indicado anteriormente, o neopositivismo pode levar a um extremo
desantropomórco que desumaniza. Essa relação do homem com a química é abordada
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também na obra de Levi, em contos como “Enxofre” ou ainda em “Fósforo, no qual
notamos uma falta de identicação do personagem com o trabalho a ser realizado. Em
“Fósforo”, encontramos frases como “[...] meu trabalho estava se tornando inútil [...]” e
“[...] lancei-me ao trabalho com quase nenhuma convicção [...]”, trazidas por Levi para
se referir ao fósforo como um elemento que em um “[...] ambiente impregnado de magia
negra da Corte nazista, o designasse como medicamentum” [grifo do autor] (Levi, 1994,
p. 109 e p. 119). Percebemos, então, como o contexto neopositivista e a fragmentação do
trabalho alienado contrastam com as referências anteriores ao trabalho humanizador
do homem de compreensão e transformação da matéria/natureza. De forma ainda
mais imediata, em “Estanho” tomamos contato com um químico que trabalha de modo
precário:
Nosso laboratório parecia loja de quinquilharias e porão de baleeira. À parte suas
ramicações, que invadiam a cozinha, o vestíbulo e até o banheiro, constituía-se
de um só quarto e a sacada. [...] Por toda parte, na sacada e dentro do quarto,
espalhava-se uma quantidade inimaginável de trastes, tão vetustos e gastos que
se mostravam quase irreconhecíveis: só com um exame mais atento se podiam
distinguir componentes prossionais e domésticos.
No meio do laboratório cava uma grande capela de aspiração de madeira e de
vidro, nosso orgulho e nossa única proteção contra a morte por gás (Levi, 1994,
p. 185).
Nesse mesmo conto, a química é útil não para conhecer a natureza e suprir
as necessidades humanas, mas para ns mercadológicos, assim como em “Fósforo”,
“Cromo” e “Vanádio”. Usa-se essa ciência para transformar a matéria, criar substâncias
que podem ser vendidas e que são de interesse da grande indústria. Essa relação entre
a química e a sociedade também aparece em “Cério, mas novamente evidenciando
como a ciência que serve à indústria pode participar de processos de desumanização,
uma vez que Primo Levi narra sobre sua experiência trabalhando em um laboratório da
empresa alemã IG Farben, instalada dentro do complexo de Auschwitz. Levi destaca a
fome que era exacerbada e constante no campo — o que o levou a ingerir substâncias de
laboratório — e como o fato de encontrar bastões de ferrocério permitiu que ele e seu
amigo sobrevivessem por mais dias, pois passaram a vender os bastões como isqueiros
em troca de pão.
Havia feito várias tentativas no laboratório. Roubara algumas centenas de gramas
de ácidos graxos, trabalhosamente obtidos por oxidação da parana por algum
colega meu do outro lado da barricada: comera a metade deles, e verdadeiramente
saciavam a fome mas tinham um sabor tão desagradável que renunciei a vender
o resto. [...] Também me esforcei por ingerir e digerir a glicerina, baseando-me
no raciocínio simplista de que, sendo esta um produto da cisão dos graxos, deve
ser metabolizada e fornecer calorias de algum modo; e talvez fornecesse, mas à
custa de desagradáveis efeitos secundários (Levi, 1994, p. 141).
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Nessa passagem, vericamos que o reexo cientíco de Levi, que advém da sua
formação de químico, lhe serviu para a sobrevivência: por meio de um processo reexivo,
de uma condição criativa, ele articula uma série de abstrações, formulações e teorias
(Carli, 2000) — como a estrutura molecular e os princípios da calorimetria — para
apreender aquelas substâncias não somente como reagentes intragáveis, mas como fonte
de calorias, superando a espontaneidade cotidiana. “O pensamento cotidiano orienta-
se para a realização de atividades cotidianas [...]. As idéias necessárias à cotidianidade
jamais se elevam ao plano da teoria, do mesmo modo como a atividade cotidiana não é
práxis” (Heller, 2008, p. 49).
O excerto também evidencia uma das características do reexo estético: a
capacidade de fazer o leitor sentir algo de uma determinada situação e época mesmo
que ele não as tenha efetivamente vivenciado (Lukács, 2018). Em sua narrativa, somos
capazes de suspender nosso cotidiano e sentir o que era ser prisioneiro do campo de
concentração e ter que lutar contra a fome; enquanto o reexo cientíco nos permite
conhecer o que foi Auschwitz, o reexo estético nos permite senti-lo. Esse é um exemplo
do reexo antropomorzador da arte que nos aproxima do humano para promover nosso
desenvolvimento em conexão com o gênero humano e não com o cotidiano alienado.
Levi (1994) ainda aborda um aspecto fundamental, característica inerente
à prática química: a experimentação. Em diversos contos está presente a descrição
de procedimentos realizados em laboratório: processos de análise (descobrir o que é
determinada substância ou material, como em “Prata, “Urânio, “Cromo, “Vanádio”),
processos de cristalização, processo de separação de matéria, processo de investigação
em problema com produção de determinado produto. Em “Cromo, Levi narra sobre
sua suspeita acerca do controle de qualidade de lotes de cromato, uma vez que, nas
chas de análise, a porcentagem de óxido de cromo total marcada era igual há anos.
Senti minhas bras de químico retorcerem-se diante daquela abominação: com
efeito, cabe reconhecer que as naturais oscilações no método de preparação
de um cromato como aquele, somadas aos inevitáveis erros analíticos, tornam
extremamente improvável que muitos valores relativos a lotes e a dias diferentes
coincidam assim tão exatamente. Será que ninguém suspeitara de nada? (Levi,
1994, p. 154).
Nesse excerto, Levi evidencia a exatidão e precisão da ciência, que são próprias do
reexo cientíco. Para dissolver a ligação entre fenômeno e essência a m de construir
uma compreensão conceitual adequada da essência, o reexo cientíco requer certos
parâmetros de exatidão e precisão como forma de universalizar e desantropomorzar o
conhecimento, afastando-o do antropocêntrico, da pseudociência e da metafísica (Lukács,
2018). Há menção, nesse capítulo, ao processo de engadamento ou empulmonamento,
que representa esse resquício antropomórco dessa ciência que usa órgãos humanos
como referência para descrever processos químicos de passagem dos vernizes do
estado líquido ao sólido. Apesar dessa referência, não há mais os elementos místicos
alquímicos, observados em “Chumbo” e “Mercúrio”, em que não há uma sistematização
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procedimental. A abstração cientíca — ou desantropomórca — é capaz de reconhecer
a innitude extensiva da realidade e de “[...] tomá-la como ponto de partida e criar
formas (descobrir leis) por meio das quais um ponto qualquer da innitude [...] possa
ser concretamente identicado, colocado em seu contexto e denido com exatidão
(Lukács, 2018, pp. 233–234).
No conto “Urânio, também vericamos elementos da exatidão e precisão da
ciência. Nele o personagem está afastado do cotidiano laboratorial, pois exerce outras
atribuições, como atender clientes que comprariam os produtos, os vernizes. Um encontro
de um atendimento ao cliente faz com que o personagem volte ao laboratório para
realizar análises. Nesse contexto, relata-se a alegria de revisitar o espaço do laboratório
— que faz reacender os reexos do analista —, destaca-se aspectos sensoriais da química
e descreve-se o processo analítico qualitativo de um objeto.
[…] o laboratório revisitado é fonte de alegria e irradia um fascínio intenso, que
é aquele da juventude, do futuro indeterminado e pleno de potencialidades, ou
seja, da liberdade.
Mas os anos de inatividade não te fazem esquecer alguns tiques prossionais,
alguns comportamentos estereotipados que te identicam como químico em
qualquer circunstância: experimentar a matéria incógnita com a unha, com o
canivete, farejá-la, sentir com os lábios se é “fria” ou “quente”, ver se risca ou não
o vidro da janela, observá-la sob luz reexa, sopesá-la na palma da mão. Avaliar
sem balança o peso especíco de um material não é coisa assim tão fácil [...].
[...] Cortei com uma pequena serra um fragmento do metal (cortava-se sem
diculdade) e o submeti à chama do bico de Bunsen: aconteceu uma coisa pouco
comum, da chama se levantou um o de fumaça marrom, que se encaracolava
em volutas. Num átimo de voluptuosa nostalgia, percebi reacenderem-se em
mim os reexos do analista, ressequidos de longa inércia [...] (Levi, 1994, p. 198).
Tais descrições sobre procedimentos no laboratório químico se diferenciam de
um roteiro de laboratório ou de um livro didático, pois encontram-se particularizadas
nessa narrativa elaborada por Levi (1994). O autor italiano captou a essência da relação
do homem com a natureza por meio da química e expressou essa essência em situações
únicas e singulares, expressas em situações típicas e particulares. Cada uma das situações
por ele tratadas nos contos apresenta, por mediação do particular, a relação universal
que o homem tem com a matéria e suas transformações.
Em A tabela periódica, Levi (1994) explicita a relação do homem com a química
em situações particulares, de modo que, por meio dessa trama por ele criada, possamos
sentir como o homem, ao longo da história, se relacionou com a química. O reexo
estético na obra nos possibilita reconhecer a nós mesmos na história singular de um
químico singular — Primo Levi — a partir da particularidade da obra (Lukács, 2018).
Nesse caso particular, reconhecemos a nós mesmos enquanto gênero humano na história
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da humanidade, reconhecemos aspectos da história da química, reconhecemos lutas de
forças sociais reais e a busca por compreensão da matéria. Isso acontece desde uma relação
mais pobre e carecida de determinações reais, como na alquimia antropomorzada, nos
indícios de desantropomorzação em que o homem ainda é referência — mas que é
possível perceber um certo distanciamento —, passando por uma relação de trabalho
como estratégia para sobreviver dentro de Auschwitz, até em sua relação de trabalho
alienado, expressão do modo de produção capitalista. Levi particulariza essa relação e
nos faz sentir como o homem lida com a matéria e suas transformações. Reconhecemos,
no trabalho alienado de um químico particularizado nos contos de Levi (1994), o nosso
próprio trabalho alienado, seja ele qual for, e a alienação do gênero humano nessa
sociedade.
Enm, em “Carbono, ca explícita a relação da química com a história, com o
concreto, bem como o ápice do processo desantropomorzador dessa ciência. Não por
acaso este é o último capítulo do livro e traz elementos submicroscópicos, rompendo
totalmente com a referência humana presente na alquimia e nas fases mais experimentais
ou sensoriais da química, como identicamos nas seguintes frases, pertencentes à
descrição do ciclo biogeoquímico do carbono:
Nosso personagem, pois, jaz há centenas de milhares de anos ligado a três átomos
de oxigênio e a um de cálcio, sob a forma de rocha calcárea [...].
Entra na folha, colidindo com outras inumeráveis (mas aqui inúteis) moléculas
de nitrogênio e oxigênio. Adere a uma grande e complicada molécula que o ativa,
e simultaneamente recebe a mensagem decisiva do céu sob a forma fulgurante de
um feixe de luz solar [...].
[...] O anidrido carbônico, ou seja, a forma aérea do carbono [...], este gás que
constitui a matéria-prima da vida, a reserva permanente à qual recorre tudo
aquilo que cresce, e destino último de toda carne [...].
Ele está de novo entre nós, num copo de leite. Está inserido numa longa cadeia,
muito complexa, mas de tal natureza que quase todos seus elos são aceitos pelo
corpo humano. É engolido [...] (Levi, 1994, p. 226, p. 228 e p. 233).
O ciclo biogeoquímico do carbono é encarnado, isto é, toma forma na
particularidade, na história que Levi conta, ligando o universal com o particular, além
de estabelecer relações entre os estratos do inorgânico, do orgânico e do social (Lukács,
2012): o átomo de carbono viajante (inorgânico), que passou por diversas transformações
na natureza, está no leite que é ingerido por Levi e acaba entrando em uma célula nervosa
(orgânico), e acaba sendo responsável, junto a um conjunto de outros átomos no cérebro
do escritor, a fazê-lo movimentar a mão para escrever o capítulo “Carbono” (social).
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Algumas implicações para a Educação em Ciências
No início deste artigo, apontamos a crescente articulação que estudos vêm
fazendo entre ciência e arte por meio dA tabela periódica de Primo Levi (Leonardo
Júnior & Massi, 2019; Gonçalves, 2014; Osório et al., 2007; Pinto Neto, 2008; Russo,
2018; Sá, 2020; Targino & Giordan, 2021; Wallau & Sangiogo, 2016). Identicamos três
lacunas nesses trabalhos: (1) não se apoiam em referenciais de interpretação estética
para realizar as análises de uma obra; (2) tendem a partir de temas da obra para explicar
conceitos cientícos; (3) abordam a relação entre ciência e literatura pensando em
aproximá-las — atenuando os limites que as diferem entre si — ou em destacar apenas
suas diferenças.
Este artigo objetivou defender referenciais teóricos estéticos para melhor
compreender a relação entre ciência e literatura. Para tanto, analisamos A tabela
periódica de Primo Levi a partir das categorias lukacsianas de reexo, particular,
antropomorzação e desantropomorzação. Desse modo, pretendíamos contribuir com
alguns avanços em relação à primeira e à terceira lacunas, evitando reducionismos.
Em relação à primeira lacuna, percebemos que foi só por meio das categorias
de Lukács — que emergiram do objeto —, que conseguimos desvelar na obra de Levi
tensões dialéticas e elementos não percebidos antes por nós em outros estudos sobre o
escritor italiano nem pelos autores dos trabalhos da área já mencionados. A partir dessa
análise, que articulou categorias relacionadas com uma concepção marxista de arte e
de ciência — e, portanto, com uma concepção de mundo marxista —, chegamos a uma
compreensão mais rica, integrada e ampla da obra.
Sabemos que, enquanto educadores em ciências, nossa função não é desenvolver
análises literárias, mas consideramos que essa análise é importante se pretendemos trazer
a literatura para as aulas de ciências. Isso evidencia a importância de trabalhos como este
para orientar a prática do educador que se propõe a trabalhar com o reexo cientíco
por meio da literatura, uma vez que a análise literária — mesmo que parcial e centrada
em determinadas categorias — não é trabalhada na formação inicial. Assim, é preciso
que que claro para o professor quais são as determinações presentes na obra literária
a m de explorá-la do modo mais rico, coerente e consciente possível. A concepção de
arte e de ciência de Lukács, por exemplo, que está alinhada a uma concepção de mundo
marxista, é coerente com uma prática pedagógica pautada na Pedagogia Histórico-
Crítica. Demonstramos também que, se o livro possui uma unidade em si mesmo e se
essa unidade leva o receptor estético a entender como se dá a relação do homem com a
química, a seleção de excertos do texto sem o devido cuidado pode levar à redução da obra
a capítulos e/ou excertos dissociados da totalidade. Sem uma análise estética, a ciência
abordada na obra acaba sendo reduzida a um conteúdo ou a uma contextualização, ao
invés de se trabalhar sua relação com a concepção de mundo.
Assim, entendemos que a seleção de capítulos e excertos deve ser consciente e
devidamente localizada na obra para os alunos. Não desconsideramos a possibilidade de
se trabalhar conteúdos cientícos a partir da obra, mas a forma de abordagem deveria
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estar mais associada à concepção de mundo, de ciência. Por exemplo, o trecho que trata
da semelhança aparente dos hidróxidos de sódio e de potássio no capítulo “Potássio
permite que o professor trabalhe com as semelhanças e diferenças das substâncias, a
tensão entre a aparência e a essência, a tensão entre o reexo cotidiano e o cientíco, a
concepção de ciência e desses hidróxidos que se tinha naquela determinada época etc.
Quanto à terceira lacuna, entendemos que contribuímos com a reexão sobre
qual papel teria a literatura em uma sala de aula de ciências ao pensarmos na relação
entre reexo cientíco e estético, entre antropomorzação e desantropomorzação.
Nossa análise, que parte de um referencial teórico estético, permite constatar que a
antropomorzação, na arte, é requerida, uma vez que, nela, o homem é o centro: “[...]
a arte representa sempre e exclusivamente o mundo dos homens [...] em todo ato de
reexo estético (diferentemente do cientíco) o homem está sempre presente como
elemento determinante” (Lukács, 2018, p. 258). Na obra de Levi, a ciência é lapidada, o
desantropomorzado encontra-se antropomorzado, porque tratamos aqui, por meio
da literatura, da relação entre homem e química. Na contramão dos positivistas, que
defendem a neutralidade cientíca, Levi (1994) evidencia, por meio de um reexo
antropomorzado, a relação do homem com esse reexo desantropomorzado do real.
Nossa análise deixa claro que existe uma tensão entre ciência e arte, entre reexo
estético e cientíco, e entre antropomorzação e desantropomorzação. Tanto a ciência
quanto a arte são modos de reetir a realidade no pensamento (Lukács, 2018), ambos
são objetivações genéricas para si, que nos humaniza e nos suspende do cotidiano
(Heller, 2008). Armamos anteriormente que o reexo cientíco da realidade permite
que a conheçamos. Já o reexo estético, que busca exprimir a mesma realidade, permite
que a sintamos, que nos reconheçamos nela. Ciência e arte têm diferentes papéis na
vida do ser social, e ambos são importantes para a formação do indivíduo como ser
que pertence ao gênero humano. O educador que defende a presença da literatura em
aulas de ciências pode desenvolver melhor seu trabalho se estiver ciente dessas relações.
Assim, o professor pode explorar as especicidades da ciência e da arte a partir da tensão
dialética entre elas.
Ainda que o presente estudo não permita trazer elaboradas contribuições no
que diz respeito à lacuna didático-pedagógica, existem apontamentos com relação à
Educação em Ciências que faremos a m de contribuir com o início dessa discussão na
área.
O primeiro apontamento diz respeito à diferenciação histórica entre ciência e arte.
Percebemos — a partir da terceira lacuna — que existe um movimento de aproximação
ou diferenciação entre essas duas objetivações genéricas para si. No entanto, chamamos
atenção para o fato de que há uma separação histórica entre ciência e arte (Omodeo,
2012). Portanto, se, no curso do desenvolvimento humano, a ciência e a arte se
diferenciaram entre si, devemos analisar esse fato como ele é: histórico. Desse modo, é
possível compreender que não foi a escola que fragmentou as áreas do conhecimento,
assim como não será ela que resolverá esse problema da fragmentação sozinha.
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Outro apontamento é que ler uma obra é diferente de aprender sobre o conteúdo
que aquela obra traz. Por exemplo, ao ler Admirável mundo novo de Aldous Huxley, não
aprendemos como realizar uma inseminação articial ou produzir a droga Soma, mas
entramos em contato com uma sociedade ctícia que reete vários dilemas e sofrimentos
da nossa sociedade real, intensicamos algumas dores e medos que já existem e sentimos
outras dores e outros medos, sentimos como seria viver em uma das sociedades possíveis
nos horizontes sombrios da sociabilidade capitalista. Do mesmo modo, não aprendemos
química ao ler A tabela periódica de Primo Levi, mas entramos em contato com a relação
que o homem estabelece com a matéria, desvelando-a por meio da ciência, e como esse
desvelamento se articula com sua sobrevivência e concepção de mundo.
Lukács (2018a) enfatiza que conhecer outras áreas permite uma fecunda relação
recíproca entre elas. Como a realidade é uma só, entrar em contato com obras de arte
que falem sobre os problemas desta realidade enriquece nossa concepção de mundo.
Defendemos que esse tipo de leitura leva ao desenvolvimento da consciência de que a
ciência também é importante para o enriquecimento de nossa concepção de mundo.
Agradecimentos
Este trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) — Código de nanciamento 001.
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Editora Responsável
Márcia Gorette Lima da Silva
Manifestação de Atenção às Boas Práticas Científicas e de Isenção de Interesse
Os autores declaram ter cuidado de aspectos éticos ao longo do desenvolvimento da pesquisa e não ter
qualquer interesse concorrente ou relações pessoais que possam ter influenciado o trabalho relatado no
texto.
Luciana Massi
Universidade Estadual Paulista
Araraquara, São Paulo, Brasil
luciana.massi@unesp.br
Rafaela Valero
Universidade Estadual Paulista
Bauru, São Paulo, Brasil
rafaela.valero@unesp.br
Carlos Sérgio Leonardo Júnior
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Bauru, São Paulo, Brasil
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Universidade de São Paulo
São Paulo, São Paulo, Brasil
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Resumo Diversos estudos têm sugerido que a abordagem de textos de divulgação científica e de textos literários no ensino de Ciências pode trazer importantes contribuições, pois, além de permitir reflexões acerca de valores e atitudes, também pode auxiliar na construção de conceitos, contribuindo assim para o letramento científico. Tendo em vista essa perspectiva, foi elaborada e aplicada uma sequência didática (SD) intitulada Elementos químicos na natureza e na sociedade: o desastre socioambiental do Rio Doce, a qual foi aplicada na primeira série do Ensino Médio em uma escola pública da cidade de São Paulo. Após análise e seleção de alguns textos literários de divulgação científica (TLDC), excertos de algumas obras foram abordados em diferentes atividades de ensino. Neste artigo, analisamos interações discursivas observadas em sala de aula, resultantes de abordagem de capítulos do TLDC A Tabela Periódica, de autoria de Primo Levi. Dentre os resultados de aplicação, destaca-se a forma de retextualizar trechos da obra pelos estudantes e professor, em que foram observados momentos de iniciação e avaliação da interação pelos estudantes, um padrão de interação discursivo pouco frequente em sala de aula. Além disso, durante a abordagem de capítulos do TLDC em sala de aula foi constada a finalidade pedagógica de metacognição, pois foram observadas sequências discursivas em que ocorreram reflexões no que se refere às propriedades de elementos químicos. Tais resultados sugerem potencialidades didáticas da abordagem de TLDC em sala de aula de Química.
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RESUMO: O presente estudo tem por objetivo buscar indícios da mobilização de conhecimentos profissionais de professores em formação inicial a partir da leitura e reflexão de capítulos do livro A Tabela Periódica, de Primo Levi, no contexto de uma disciplina de caráter teórico-metodológico. Como referenciais teóricos recorremos a estudos que discutem as necessidades formativas do professor de ciências e os conhecimentos profissionais que orientam a prática docente. Os resultados apontam, dentre outros aspectos, que o espaço dedicado à leitura e à reflexão crítica contribuiu para a mobilização de conhecimentos profissionais importantes para a formação inicial de professores de química, além de incentivar a prática da leitura dos participantes.
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p>Este artigo pretende estudar o vínculo que há entre a teoria do reflexo em Lênin e a teoria da arte de Lukács. Descreve-se sumariamente o modo como Lênin elaborou a categoria tanto no Materialismo e empiriocriticismo quanto nos Cadernos filosóficos . Para, a partir daí, investigar de forma breve como se dá a recepção de Lukács da noção de reflexo. Sustenta-se no presente texto que Lukács incorpora a noção de reflexo de Lênin em sua versão mais complexa, enriquecida, que não prescinde da função criadora do sujeito do conhecimento. reflexo; Lênin; arte; Lukács.</p
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O presente trabalho trata-se da análise do potencial didático de uma obra literária de ficção científica no Ensino de Ciências, dando ênfase a Educação Ambiental. Foi desenvolvida uma sequência metodológica, voltada para alunos do Ensino Médio, além da aplicação de questionários antes e após as atividades. Utilizando-se da Análise de Conteúdo de Bardin (1977), os dados foram analisados e discutidos, buscando avaliar as potencialidades didáticas dos trechos do livro. Nos resultados observamos que: 65% dos alunos conseguiram identificar nos trechos do livro as problemáticas ambientais, as quais foram debatidas no fórum ambiental desenvolvido; mais de 80% dos alunos visualizaram que estes problemas ambientais estão presentes no seu cotidiano, dando possíveis soluções aos mesmos; mais de 60% dos alunos gostariam que uma obra de ficção científica estivesse presente em outras aulas de Biologia. Logo, consideramos que a pesquisa contribuiu para as discussões acerca do uso da ficção científica no âmbito escolar.
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O presente artigo tem por objetivo investigar o ensino da Mecânica Quântica no Ensino Médio por meio da abstração científica criada na interface física e literatura e é fruto da pesquisa de dissertação presente em Lima (2014). A relação entre física e literatura é defendida com o propósito de ser utilizada como ferramenta ao ensino e aprendizagem da física, especialmente por propiciar o desenvolvimento da abstração científica. A formação de conceitos científicos e a importância da palavra são analisadas em Vygotsky, na formação dos pseudoconceitos e desenvolvimento da abstração, juntamente com o aporte das representações semióticas de Raymond Duval. O desenvolvimento dos conceitos sobre Mecânica Quântica ocorreu por meio de duas leituras. A primeira tratou do capítulo XVIII da Era dos Extremos de Hobsbawm, objetivando a inserção filosófica, histórica, política e social sobre o surgimento da Física Quântica. A segunda ocorreu por meio da leitura dos três capítulos iniciais de Alice no País do Quantum de Gilmore, visando os conceitos físicos de Mecânica Quântica. Os dados colhidos dos alunos após a leitura e a análise destes apontam a interface física-literatura como uma alternativa didática promissora para o ensino da Mecânica Quântica, em particular, e para o ensino da física, em geral.
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ResumoPrimo Levi, químico italiano, participou da resistência italiana, e, judeu, foi capturado e levado a Auschwitz. Ao fim da segunda guerra mundial, retomou suas atividades na indústria, e iniciou a de escritor. Em suas memórias do Holocausto, a Química, seus elementos, e as habilidades necessárias nas suas práticas servem de fios construtores. Se a História da Ciência se constitui como uma área de interface, ela é interdisciplinar e, o livro A Tabela Periódica, como leitura contextualizada do período, mescla elementos históricos e científicos que permearam a construção do conhecimento. Por meio da leitura, a Química deixa de ser apenas ciência e se torna vivência. A Química, a matéria e suas transformações se tornam uma lente de mundo. A leitura de dois capítulos do livro foi mediada junto a alunos do terceiro ano do Ensino Médio. O objetivo foi compreender a possibilidade de emprego de sua leitura na formação de alunos do ensino médio, visando a interdisciplinaridade e despertar o interesse pela leitura. Observamos desconhecimento básico sobre acontecimentos recentes da história da humanidade, dificuldades na interpretação de texto, contudo percebemos após a leitura guiada dos dois capítulos uma melhor interpretação e compreensão dos fatos.Palavras chave: História da Ciência; História da Química; Ensino de Química; Primo Levi. AbstractPrimo Levi, an Italian chemist and Jewish men that had been a part of the Italian résistance movement, was captured and taken to Auschwitz during the World War II. After the war, he resumed his activities in the chemical industry and started a career as a writer. In his memories about the Holocaust, Chemistry, its elements and the abilities needed to its praxis, serve as conducting wire. If History of Science is an interface area, it is also interdisciplinary and his book, Periodic Table, as contextual reading of the period, has both historical and scientific elements that contribute to the construction of knowledge. Through the reading Chemistry is no longer just a science, it is experience. Chemistry becomes a lens through which to see the world. The reading of two chapters of the book was mediate amongst two different high school classrooms. The goal was to understand the possibility to use the reading in high school Education, aiming interdisciplinary formats and to promote the habit of reading. It was observed a lack of knowledge about recent events in human history and difficult to read the text, but it was also observed an improvement of both throughout the activity. Keywords: History of Science; History of Chemistry; Chemistry Teaching; Primo Levi.
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RESUMO O presente trabalho apresenta contributos do método denominado de materialismo histórico-dialético para as investigações em educação. Ao tempo em que se espera lançar argumentos que possam servir de fundamentos e de parâmetros de análises para as investigações em educação, norteadas pela premissa científica da busca pela inteligibilidade da realidade social, colocaremos em destaque as seguintes questões teórico-metodológicas: a relação entre a dimensão ontológica e a dimensão epistemológica da realidade, e os fundamentos teóricos que sustentam as categorias de análise do objeto investigado. Na sequência, procederemos à transposição dos referidos preceitos para as pesquisas denominadas empíricas e teórico-conceituais.
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http://dx.doi.org/10.5007/2175-7941.2016v33n3p1047 Nas primeiras décadas de 1300, o escritor florentino Dante Alighieri compõe a Divina Comédia, uma viagem ao além, em que o autor descreve, baseando-se nas teorias cosmológicas, filosóficas e teológicas do seu tempo, o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. A cratera do Inferno e a montanha do Purgatório teriam sido formadas pela queda de Lúcifer na Terra, após sua rebelião contra Deus. A ideia central desse texto é motivar a aprendizagem através de cálculos de grandezas físicas tendo como pano de fundo a cosmogonia da Idade Média. Nesse sentido, são estimadas, levando em conta as hipóteses formuladas, a velocidade de queda e a massa de Lúcifer. Espera-se que este trabalho possa contribuir para estreitar as relações entre Física e Literatura.
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http://dx.doi.org/10.5007/1982-5153.2016v9n2p61O trabalho discute a veia pedagógica de Monteiro Lobato, a partir da leitura da sua obra infantil, particularmente os Serões de Dona Benta, buscando identificar trechos onde apareciam abordagens específicas de conhecimentos químicos interpretados à luz da pedagogia de Paulo Freire, com destaque às noções de pedagogia da pergunta, curiosidade epistemológica e saberes necessários à formação de um professor crítico e reflexivo, na perspectiva de evidenciar as contribuições que as relações entre literatura e ciências podem trazer para o ensino da química. Nossa análise expõe que a ciência apresentada por Dona Benta exemplifica um professor que vai além de uma discussão estritamente centrada na especificidade da ciência ou dos conceitos químicos, por meio da pedagogia da pergunta, revelando que os Serões apresentam um potencial para problematizar questões a respeito da prática docente. Dona Benta, por exemplo, deixa evidente que formar não é treinar; ensinar não é transferir conteúdos e utiliza o diálogo, a problematização e a curiosidade como opção metodológica.
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This article presents the results of a research on the literary work of Jules Verne in the context of the teaching of scientific concepts. In the book "Twenty Thousand Leagues Under the Sea", taking Bakhtin as reference for analysis, we find a systematic and deliberate teaching concepts by Verne. We note a similarity between the situations described by the author and the statements of physical phenomena typical of high school textbooks, with some differences: the richness and complexity of the Verne's narrative, with plots that make highly contextualized the scientific concepts and that expand the possibilities for the reader's understanding. Accordingly, the approach of different genres allows the emergence of interdiscourses that reading can produce, or, in the context of Physics Education, we find in the Verne's literature various points of support for the understanding of scientific knowledge in this school discourse.