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O MITO DA SOBERANIA DO CONSUMIDOR NA ERA DA HIPERMODERNIDADE: A ECONOMIA DO NOSSO TEMPO E SUAS IMPLICAÇÕES NO MERCADO DE CONSUMO

Authors:

Abstract

O objetivo do artigo é discutir criticamente a desconstrução da ideia de soberania do consumidor no contexto da hipermodernidade e os reflexos do neoliberalismo nesse cenário. Nesse sentido, persegue-se a problemática de compreender se a noção de soberania do consumidor no atual mercado de consumo não importaria em um verdadeiro mito. A resposta a esse problema de pesquisa é desenvolvida, metodologicamente, em um estudo de abordagem qualitativa e, quanto aos objetivos, exploratória, tendo como procedimentos o levantamento bibliográfico, entre outras fontes primárias e secundárias. Apresenta-se, inicialmente, um breve panorama do neoliberalismo e do capital financeirizado. Em seguida, é abordada a construção da ideia de hipermodernidade e sua conformação dentro da perspectiva neoliberal. Ao fim, discute-se a desconstrução da ideia de soberania do consumidor no mercado a partir das reflexões anteriormente propostas no presente estudo, especialmente, analisando a obra de John Kenneth Galbraith e a Teoria Econômica Neoclássica Marginalista
O mito da soberania do consumidor na era da hipermodernidade:
a economia do nosso tempo e suas implicações no mercado de
consumo
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O MITO DA SOBERANIA DO CONSUMIDOR NA ERA DA HIPERMODERNIDADE: A
ECONOMIA DO NOSSO TEMPO E SUAS IMPLICAÇÕES NO MERCADO DE CONSUMO
The myth of consumer sovereignty in the age of hipermodernity: the economy of our time and its implications
in the consumer market
Revista de Direito do Consumidor | vol. 141/2022 | p. 311 - 337 | Maio - Jun / 2022
DTR\2022\9978
____________________________________________________________________________________________________
Dennis Verbicaro
Doutor em Direito do Consumidor pela Universidad de Salamanca (Espanha). Mestre em Direito do
Consumidor pela Universidade Federal do Pará. Diretor do Brasilcon. Professor da Graduação e dos Programas
de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Federal do Pará-UFPA e do Centro Universitário do
Pará-CESUPA. Procurador do Estado do Pará, Advogado. dennis@verbicaro.adv.br
Felipe Guimarães de Oliveira
Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Direito pelo Centro Universitário
do Pará (CESUPA). Professor de Direito do Consumidor e Direito Econômico na Graduação e Pós-graduação do
Centro Universitário do Pará (CESUPA) e da Escola Superior da Advocacia (ESA OAB/PA). Advogado.
fguima.oliveira@hotmail.com
Área do Direito: Consumidor
Resumo: O objetivo do artigo é discutir criticamente a desconstrução da ideia de soberania do consumidor no
contexto da hipermodernidade e os reflexos do neoliberalismo nesse cenário. Nesse sentido, persegue-se a
problemática de compreender se a noção de soberania do consumidor no atual mercado de consumo não
importaria em um verdadeiro mito. A resposta a esse problema de pesquisa é desenvolvida,
metodologicamente, em um estudo de abordagem qualitativa e, quanto aos objetivos, exploratória, tendo
como procedimentos o levantamento bibliográfico, entre outras fontes primárias e secundárias. Apresenta-se,
inicialmente, um breve panorama do neoliberalismo e do capital financeirizado. Em seguida, é abordada a
construção da ideia de hipermodernidade e sua conformação dentro da perspectiva neoliberal. Ao fim,
discute-se a desconstrução da ideia de soberania do consumidor no mercado a partir das reflexões
anteriormente propostas no presente estudo, especialmente, analisando a obra de John Kenneth Galbraith e a
Teoria Econômica Neoclássica Marginalista.
Palavras-chave: Soberania do consumidor Neoliberalismo Hipermodernidade Mercado de consumo
Teoria econômica
Abstract: The aim of the article is to critically discuss the deconstruction of the idea of consumer sovereignty
in the context of hypermodernity and the reflexes of neoliberalism in this scenario. In this sense, it is pursued
the problem of understanding whether the notion of consumer sovereignty in the current scenario of the
consumer market, would not matter in a true myth? The answer to this research problem is developed,
methodologically, in a study with a qualitative approach and, as for the objectives, exploratory, having as
bibliographic survey procedures, among other primary and secondary sources. Initially, a brief overview of
neoliberalismo and financial capital is presented. Afterwards, the construction of the idea of hypermodernity
and its conformation within the neoliberal perspective is approached. Finally, we discuss the deconstruction of
O mito da soberania do consumidor na era da hipermodernidade:
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the idea of consumer sovereignty in the market based on the reflections previously proposed in the present
study, especially analyzing the work of John Kenneth Galbraith and the Marocinal Neoclassical Economic
Theory.
Keywords: Consumer sovereignty Neoliberalism Hypermodernity Consumer market Economic theory
Para citar este artigo: Verbicaro, Dennis; Oliveira, Felipe Guimarães de. O mito da soberania do consumidor na
era da hipermodernidade: a economia do nosso tempo e suas implicações no mercado de consumo. Revista de
Direito do Consumidor. vol. 141. ano 31. p. 311-337. São Paulo: Ed. RT, mai./jun. 2022. Disponível em: inserir
link consultado. Acesso em: DD.MM.AAAA.
Sumário:
1 Introdução - 2 O neoliberalismo e o império do capital financeirizado - 3.A era da hipermodernidade e seus
reflexos no mercado de consumo - 4 O mito da soberania do consumidor e o efeito dependência - 5
Considerações finais - 6 Referências bibliográficas
1 Introdução
O pensamento neoliberal, notadamente, nos últimos dois séculos, influenciado por políticas de extrema
direita, projetou-se para uma valorização excessiva do ideal de livre mercado e concorrência, e, de certa
forma, para uma redução da figura do Estado regulador como instrumento de coibição de condutas e de
repressão ao abuso de poder econômico pelos detentores do capital financeirizado.
Diante do neoliberalismo, a cultura do consumo é impactada, formatando o conceito de hipermodernidade,
uma sociedade liberal caracterizada pelo movimento, pela fluidez, pela flexibilidade, indiferente como nunca
antes se foi aos grandes princípios estruturantes da modernidade, que precisaram adaptar-se ao ritmo
hipermoderno para não desaparecer. Um mundo hedonista, medicalizado, on-line, conectado como nunca
antes e, na qual, a racionalidade do consumidor é paulatinamente mitigada em detrimento dos apelos da
indústria cultural, da mídia, do marketing, das estratégias digitais e da captação indevida de dados pessoais
em sistemas de big data.
A teoria econômica neoclássica marginalista de Léon Walras1, Carl Menger2, -William Stanley Jevons3 e Alfred
Marshall4 afirma que as escolhas do consumidor no mercado de consumo são sempre racionais, baseando-se
na ideia de valor-utilidade. Para essa corrente, a atividade desenvolvida pelos agentes econômicos produz
utilidades voltadas à satisfação das necessidades dos consumidores. Assim, para esses teóricos, portanto, o
ato de consumidor impulsionaria o desenvolvimento da atividade econômica e não o inverso com a ideia de
acumulação.
Nesse contexto, o artigo propõe uma discussão sobre os reflexos do neoliberalismo e da sociedade
hipermoderna trabalhada por Gilles Lipovetsky e Sébastien Charles5, bem como do impacto do atual cenário
econômico mundial na possibilidade de exercício racional do ato de consumo pelos indivíduos, como
defendido pelos economistas da teoria econômica neoclássica marginalista. Como questionamento central, o
texto indaga: A soberania do consumidor no atual mercado de consumo não importaria em um verdadeiro
mito?
A partir desse problema de pesquisa, as análises deste estudo, metodologicamente, são de abordagem
qualitativa e, quanto aos objetivos, exploratórias. Como procedimentos, tem-se o levantamento bibliográfico,
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entre outras fontes primárias e secundárias.
Após essa introdução, o texto tem mais três seções, trazendo a próxima uma abordagem acerca do
pensamento neoliberal e do capital financeirizado. Em seguida, é abordada a construção da ideia de
hipermodernidade e sua conformação dentro da perspectiva neoliberal. Ao fim, discute-se a desconstrução da
ideia de soberania do consumidor no mercado a partir das reflexões anteriormente propostas no presente
estudo, especialmente, analisando a obra de John Kenneth Galbraith e a Teoria Econômica Neoclássica
Marginalista. A última seção traz as considerações finais do artigo.
2 O neoliberalismo e o império do capital financeirizado
O neoliberalismo se consolidou ao longo das últimas décadas como um ideal crítico ao modelo de bem-estar
social do Estado e às políticas inspiradas no pensamento de Keynes6 na sua “Teoria Geral do Emprego, do Juro
e da Moeda”, as quais prescrevem uma atuação mais incisiva do Estado na economia. Esse movimento
neoliberal vem anunciando uma crise no denominado capitalismo democrático do pós-guerra em que o
modelo de Estado se orienta pela conciliação da garantia de -direitos fundamentais e da liberdade
econômica7.
Como importante pilar de incorporação do neoliberalismo enquanto modelo econômico e social de Estado,
projetam-se ao longo da história: a eleição de Margareth Thatcher (1979) como primeira-ministra do Reino
Unido e a de Ronald Reagan (1980) como presidente dos Estados Unidos (EUA). Na América Latina, uma das
primeiras aparições desse modelo ocorre no Chile com Augusto Pinochet, nos idos de 1970. Dentre as
principais medidas econômicas que o caracterizam tem-se a privatização, a desregulamentação do mercado,
além de políticas de austeridade visando o equilíbrio orçamentário.8
Notável característica desse modelo também é a flexibilização de direitos, sob o argumento de que essa
conduta é fundamental para resolver problemas de inúmeras ordens, resultando, então, em uma transição do
Estado provedor para um Estado facilitador da lógica do mercado e descomprometido com políticas sociais.9
Criou-se nas últimas décadas a falsa impressão de que todos podem empreender e todos podem ser
empreendedores, ignorando (ou não) uma gama de dificuldades inerentes à tal processo, como formação
técnico-profissional do trabalhador e condições financeiras para realização de aportes de capital e
contratações, na grande maioria das vezes inexistentes na realidade brasileira. É a denúncia que Byung-Chul
Han10 fará ao destacar que
“o regime neoliberal, portanto, opera com o choque que apaga e esvazia a alma, tornando-a indefesa, de tal
modo que o indivíduo se submete voluntariamente a uma espécie de reprogramação radical. Nesse cenário,
enquanto esses indivíduos ainda estão paralisados e traumatizados com a catástrofe, são automaticamente
submetidos à nova articulação neoliberal”.
É a construção de uma nova roupagem do império do capital a que referencia Wood11 ao destacar a ideia de
capital financeirizado, num contexto de
“capitalismo contemporâneo sem nenhum dos imperativos da produção competitiva e impulsionado por
requisitos não muito distintos de lucro sobre alienação ou de práticas usuárias ou predatórias. Pensa-se assim
numa forma de capital financeiro que se apropria da mais alta forma de lucro não mediado pela produção ou
prestação de serviços, nem mesmo o processo de comprar barato e vender caro, mas uma versão atualizada
da antiga usura”.
Dentro da dinâmica geral do capitalismo, o neoliberalismo não é uma exceção, conforme apontam Duménil e
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Lévy12. Na verdade, desde o início, a ambiciosa estratégia neoliberal, em seus componentes de classe e
internacionais, foi solapada por importantes contradições internas, dentre as quais, o Brasil, se insere e se
agrava, diante de crises, como a da COVID-19, tendo em vista a capacidade reduzida de governar a
macroeconomia. A livre mobilidade internacional do capital debilita ou impede macropolíticas em cada país.
Na ausência de regulação e de políticas globais, ou dada a sua baixa eficiência, o progresso irrestrito da
financeirização e da globalização impôs uma ameaça à capacidade dos países capitalistas de controlar os
mecanismos financeiros e sua macroeconomia, e, em várias situações, resguardar a incolumidade e a proteção
aos interesses do consumidor.
Castro13 identifica ainda que, no século XIX, a economia neoclássica postula a soberania do consumidor,
entendido como um agente racional movido pela maximização da utilidade. Conquanto seja herdeiro da
tradição que vem do liberalismo e passa pelos neoclássicos, o neoliberalismo destaca de outro modo a
importância do consumidor, celebrando o poder implicado na escolha. O consumidor assume ostensivamente
a precedência sobre o trabalhador e o cidadão como modelo hegemônico de subjetivação. Nesse contexto,
são fornecidos estímulos econômicos ao consumo, por meio de iniciativas como cortes de impostos, expansão
do crédito e desregulamentação financeira.
Wood14 aponta que o Estado continua sendo indispensável. O próprio fato de a globalização ter estendido os
poderes puramente econômicos muito além do alcance de qualquer Estado nacional significa que o capital
global exige muitos Estados-nação para executar as funções administrativas e coercivas que sustentam o
sistema de propriedade e oferecem o tipo de regularidade e previsibilidade, bem como a ordem legal que o
capitalismo necessita.
Todavia, o problema persiste, pois, segundo Santos,15 o capitalismo neoliberal incapacitou o Estado para
responder às emergências. As respostas que os Estados estão a dar à crise variam de Estado para Estado, mas
nenhum pode disfarçar a sua incapacidade, a sua falta de previsibilidade em relação a emergências que têm
vindo a ser anunciadas como de ocorrência próxima e muito provável. A desconstrução da ideia de soberania
do consumidor no mercado de consumo é a prova mais contundente dessa incapacidade do Estado regulador,
como será adiante proposto neste estudo.
Assim surgiu, a partir dos anos 80 do século XX, uma nova feição do Estado capitalista: o Estado regulador.
Envergonhado com a “traição” que representa, parece não querer abandonar inteiramente sua veste de
Estado intervencionista, propondo-se condicionar ou balizar a atuação dos agentes econômicos, em nome da
necessidade de salvaguardar o interesse público. Mas, na realidade, este Estado regulador apresenta-se,
fundamentadamente, como Estado liberal, visando, em última instância, assegurar o funcionamento de uma
economia de mercado em que a concorrência seja livre e não falseada. Portanto, os gestores do capitalismo
propõem-se a resolver a quadratura do círculo, advogando em sistema misto, com estruturas e relações de
produção capitalista e uma lógica de distribuição socialista, esquecendo que, desde os fisiocratas, parece ser
ponto assente na teoria econômica que as estruturas de distribuição do rendimento e da riqueza não podem
considerar-se separadas das estruturas e das relações sociais da produção.16
Nesse contexto, Estado regulador e políticas neoliberais promoveram a politização do dinheiro, do sistema
bancário e das finanças (que atualmente prevalece no mundo), conforme denuncia Greco17, permitindo a
concentração de poder e riqueza nas mãos de poucos, uma situação que tem sido extremamente nociva para
as sociedades, as culturas, as economias, o governo democrático, o meio ambiente e os consumidores. Os
governos nacionais se arrogaram um poder aquisitivo praticamente ilimitado, que lhes permite canalizar
riquezas para clientes favorecidos, travar guerras em escala gigantesca e subverter as instituições
democráticas e a vontade popular, promovendo ainda o estabelecimento de um sistema bancário privado
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privilegiado que conseguiu monopolizar o crédito, permitindo que poucos explorem muito por meio da
parcialidade de alocação de crédito, cobrando usura disfarçada de “juros” e taxas cada vez mais exorbitantes.
Tal denúncia se materializou no Brasil, com o Decreto Legislativo 6/2020 e o reconhecimento do Estado de
Calamidade Pública em decorrência da pandemia do novo coronavírus, na qual diversas instituições
financeiras, sob o manto de uma pseudoempatia para com seus consumidores, ofertaram a prorrogação do
pagamento de empréstimos bancários18, contudo, sem mencionar a aplicação de novas taxas de juros,
aumentando, por vezes, substancialmente o saldo devedor do contratante, que se encontrava em situação
de agravada vulnerabilidade e desigualdade, em decorrência de demissões, achatamento salarial, dificuldades
financeiras, doenças, entre outros fatores desencadeados pela pandemia. Mas esse é, infelizmente, apenas
um pequeno exemplo de vários outros dilemas recentes do esfacelamento da proteção aos vulneráveis e de
acentuação de desigualdades, corroborando com a ideia de que o consumidor muito tempo não é mais o
soberano no mercado.
Nesse sentido, é lúcida a reflexão conduzida por Santos19, que, enquanto modelo social, o capitalismo não tem
futuro. Em particular, a sua versão atualmente vigente, o neoliberalismo combinado com o domínio do capital
financeiro, está social e politicamente desacreditada em face da tragédia a que conduziu a sociedade global e
cujas consequências são mais evidentes do que nunca neste momento de crise humanitária global. O
capitalismo poderá subsistir como um dos modelos econômicos de produção, distribuição e consumo entre
outros, mas não como único e muito menos como o que dita a lógica da ação do Estado e da sociedade.
Este modelo, segundo o autor, põe de lado qualquer lógica de serviço público, e com isso ignora os princípios
de cidadania e os direitos humanos. Deixa para o Estado apenas as áreas residuais ou para clientelas pouco
solventes (muitas vezes, a maioria da população) as áreas que não geram lucro. Por opção ideológica,
seguiu-se a demonização dos serviços públicos (o Estado predador, ineficiente ou corrupto); a degradação das
políticas sociais ditada pelas políticas de austeridade sob o pretexto da crise financeira do Estado; a
privatização dos serviços públicos e o subfinanciamento dos que restaram por não interessarem ao capital. Os
cidadãos sabem agora o que está em causa. As políticas neoliberais continuarão a minar a capacidade do
Estado para responder, e as populações estarão cada vez mais indefesas. Tal ciclo só pode ser interrompido se
se interromper o capitalismo no modo em que está posto.
São, portanto, preocupações seletivas e nunca de aplicação universal. Conforme ressalta Santos, por vezes,
são abertas e intencionalmente adeptas do darwinismo social: propõem-se garantir a sobrevivência dos
corpos socialmente mais valorizados, os mais aptos e os mais necessários para a economia. Outras vezes,
limitam-se a esquecer ou negligenciar os corpos desvalorizados. O colonialismo e o patriarcado estão vivos e
reforçam-se nos momentos de crise aguda.
Importante destaque também deve ser realizado ao que Huws20 expõe nesse cenário, denominando a
chamada mercadorização. Gradualmente, destaca a autora, com o avanço do capitalismo, muitas das
atividades exclusivamente do lar como lavar roupa, cuidar de doentes, entre outras, transformaram-se em
serviços pagos que foram amplamente difundidos com o crescimento do assalariamento. A tecnologia e o
processo de trabalho permaneceram idênticos, a única alteração necessária foi a das relações sociais. Aqueles
que a realizavam o faziam agora por dinheiro, não para seu próprio uso ou de sua família. Tratou-se da
transformação dessas atividades em industrializadas, sua mercadorização.
Prossegue refletindo que a mercadorização dos serviços teve o efeito de criar novos tipos de trabalho de
“consumo” não remunerados. Isso dessocializou muitos processos de trabalho que anteriormente faziam
parte dos empregos remunerados. Por exemplo, nas lojas, o consumidor assumiu muitas das tarefas de
seleção de bens, transporte, pesagem, empacotamento e de espera que antes eram realizadas por assistentes
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remunerados.21
É a intensificação clara do precariado, que, segundo Standing,22 poderia ser descrito como um neologismo que
combina o adjetivo “precário” e o substantivo relacionado “proletariado”. É uma classe em formação, se não
ainda uma classe-para-si. Pode ser visto em termos de processos, na forma pela qual as pessoas são
“precarizadas”, sujeitas a pressões e experiências que levam a uma existência precarizada, de viver no
presente, sem uma identidade segura ou um senso de desenvolvimento alcançado por meio do trabalho e do
estilo de vida.
Nesse sentido, Lazzarato afirma que: “alinhar a sociedade e a democracia à valorização capitalista, o
neoliberalismo põe de lado toda produção de liberdade e não hesita em produzir uma governamentabilidade
autoritária pós-democrática”.23
Isso se reflete, naturalmente, no mercado de consumo, nos fatores de produção, na forma pela qual o Estado
enxerga a perspectiva de proteção e defesa do consumidor, muitas vezes, cedendo à pressão empresarial e
dos diversos agentes econômicos, esfacelando a tutela consumerista em uma espécie de utilitarismo hostil e
mitigador de direitos e garantias fundamentais, minimizando sua relevância no âmbito da Política Nacional das
Relações de Consumo.
Em um contexto de uma democracia deliberativa, o papel do Estado na ordem econômica é definido como de
um “mediador responsável”, no tênue e, talvez, fictício equilíbrio entre a liberdade dos agentes econômicos
do mercado e a tutela das categorias vulneráveis, como o consumidor.
Nesse sentido, o Estado vem se tornando cada vez mais dependente das grandes empresas multinacionais e
corporações internacionais e em razão disso vem perdendo seu poder de persuasão, hoje inevitavelmente
limitado, mesmo no âmbito territorial doméstico, pois não tem mais o monopólio da decisão política24.
Não se concebe sua posição errática e abstencionista em questões estratégicas para o consumo na atualidade,
como a demorada aprovação do PL 3515/15 (hoje Lei 14.181/2021 (LGL\2021\9138)) acerca do
superendividamento, a regulação insuficiente e falta de controle das plataformas eletrônicas (PL 3514/15
ainda não aprovado), os riscos à privacidade virtual pela insegurança e utilização mercadológica dos dados
pessoais, assim como por ignorar a difusão da inteligência artificial como estratégia eficaz do mercado para o
assédio de consumo.
Nessa projeção, a ideia de soberania do consumidor no mercado cada vez mais representa um mito do que
uma realidade. É um momento de rupturas e de incertezas que certamente apontam uma soberania exercida
não mais pelo consumidor, e sim pelos agentes econômicos fornecedores.
3.A era da hipermodernidade e seus reflexos no mercado de consumo
A era da hipermodernidade trabalhada por Gilles Lipovetsky e Sébastien Charles25 abarca um novo conceito de
sociedade moderna26. Trata-se não mais de sair do mundo da tradição para aceder à racionalidade moderna, e
sim de modernizar a própria modernidade, racionalizar a racionalização, ou seja, na realidade destruir os
arcaísmos e as rotinas burocráticas, pôr fim à rigidez institucional e aos entraves protecionistas, relocar,
privatizar e estimular a concorrência.
O neoliberalismo, como visto, possibilitou a construção de uma falsa impressão de liberdade do consumidor
ou de liberdade forjada. Mas essa é uma faceta a ser criticada, pois, como identifica Étienne de La Boétie27: “É
natural no homem o ser livre e o querer sê-lo, porém está igualmente na sua natureza ficar com certos hábitos
que a educação lhe dá”.
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Nesse contexto, nasce toda uma cultura hedonista e psicologista que incita a satisfação imediata das
necessidades, estimula a urgência dos prazeres, enaltece o florescimento pessoal, coloca no pedestal o paraíso
do bem-estar, do conforto e do lazer. Consumir sem esperar, viajar, divertir-se, não renunciar a nada, as
políticas do futuro radiante foram sucedidas pelo consumo como promessa de um futuro eufórico.28
Como idiossincrasia notável da nova era do “hiper”, tem-se o constante uso do crédito como instrumento
facilitador de consumo que, ao mesmo tempo, aprisiona o consumidor em um ciclo de perpetuação de dívidas
e de compras, e que se utiliza de tais recursos da forma mais eloquente possível, com fulcro na satisfação dos
seus desejos29 de consumo, que, ressalta-se, nunca são completamente satisfeitos, extirpando,
paulatinamente, sua capacidade racional de interceder sobre a gestão econômica do seu próprio dinheiro e
dos rumos de sua vida financeira e do seu próprio papel enquanto agente econômico.
Assim introduz Lipovetsky30, afirmando o nascimento de uma nova modernidade que coincide com a
civilização do desejo que se formou ao longo da segunda metade do século XX, constituindo-se como uma
revolução indissociável das novas orientações do capitalismo, que preconiza o incitamento perpétuo da
procura, da comercialização e da multiplicação indefinida das necessidades. O capitalismo de consumo
assumiu a liderança das economias de produção. Em algumas décadas, a affluent society abalou os modos de
vida e os costumes, insistiu uma nova hierarquia de objetivos, assim como uma nova relação do indivíduo com
as coisas e o tempo, consigo próprio e com os outros.
Percebe-se que o conjunto das relações sociais dos homens não é tanto o laço com seus semelhantes
quanto, no plano estatístico segundo uma curva ascendente, a recepção e a manipulação de bens e de
mensagens, desde a organização doméstica muito complexa e com suas dezenas de escravos técnicos, até o
mobiliário urbano e todo o maquinário material das comunicações e das atividades profissionais, até o
espetáculo permanente da celebração do objeto na publicidade e as centenas de mensagens diárias emitidas
pelas mídias de massa.31
Esse espetáculo, constituído a partir do desenvolvimento de instrumentos de controle das massas, por meio
do rádio, do cinema e da imprensa, será designado por Theodor Adorno32 como “A indústria cultural”,
expressão introduzida, inicialmente, na obra “Dialética do Esclarecimento”, escrita em coautoria com Max
-Horkheimer.
Uma verdadeira civilização do espetáculo33, utilizando a expressão de Llosa Vargas34, de um mundo onde o
primeiro lugar na tabela de valores vigentes é ocupado pelo entretenimento, onde divertir-se, escapar do
tédio, é a paixão universal. Esse ideal de vida é perfeitamente legítimo, sem dúvida. Mas transformar em valor
supremo essa propensão natural a divertir-se gera consequências inesperadas: banalização da cultura,
generalização da frivolidade e, no campo da informação, a proliferação do jornalismo irresponsável da
bisbilhotice e do escândalo com consequências negativas para o consumidor.
É preciso, ademais, compreender que o processo de globalização acelera com as novas tecnologias,
distanciando o espaço cultural. A proximidade que surge nesse processo produz uma plenitude, um fundo de
práticas de vida e formas de se expressar culturais. Esse processo globalizante atua de modo acumulativo e
condensador, no qual conteúdos culturais heterogêneos apinham-se em uma justaposição. Espaços culturais
se sobrepõem e se atravessam.35
O capitalismo de consumo da hipermodernidade perpassa por três grandes ciclos, o primeiro ciclo com relação
intrínseca aos chamados mercados de massa, o que envolve o sistema de produção de bens de consumo e
prestação de serviços, fortemente influenciado pelo marketing agressivo36 e pelo assédio de consumo.
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O ciclo I da era do consumo de massa, indica Lipovetsky,37 começa por volta dos anos 80 do século XIX e
termina com a Segunda Guerra Mundial, ciclo que assiste à constituição no lugar dos pequenos mercados
locais, dos grandes mercados nacionais, possíveis a partir das infraestruturas modernas de transporte de
comunicação: caminhos de ferro, telégrafo, telefone, entre outros.
É nessa perspectiva que uma tríplice invenção se sedimenta: marca, embalagem e publicidade. Até os anos 80
do século XIX os produtos eram anônimos, vendidos a granel, e as marcas nacionais em número muito
reduzido. Para controlar o fluxo de produção e a rentabilizar os seus equipamentos, as novas indústrias
começaram a acondicionar elas próprias os seus produtos, fazendo publicidade da sua marca à escala
nacional. O aparecimento das grandes marcas e dos produtos acondicionados transformou profundamente a
relação do consumidor no mercado de consumo, destruindo a antiga relação comercial com o típico vendedor
e transformando o cliente tradicional no consumidor moderno, um consumidor que era necessário educar e
seduzir, nomeadamente, por meio da publicidade.38
A produção em massa fez-se acompanhar da invenção de um comércio de massa impulsionado pelo grande
armazém, que por intermédio da publicidade, da animação e de uma decoração rica, desencadeou um
processo de democratização do desejo, transformando os lugares de venda em palácios de sonho,
revolucionando um processo histórico e a relação do homem com o consumo. O ciclo I inventou o
consumo-sedução, o consumo-distração de que somos fiéis herdeiros.39
Passando para outro patamar de comportamento do consumidor e reestruturação do mercado de consumo, o
ciclo II origem a um poder de compra discricionário em camadas sociais cada vez mais alargadas, que
podem aspirar, confiantes, ao melhoramento constante de seus recursos. Esse ciclo também prosperou na
difusão do crédito e permitiu à maioria das pessoas libertarem-se da urgência das necessidades imediatas.
Pela primeira vez, as massas ascendem a uma procura material psicologizada e mais individualizada, a um
modo de vida (bens duradouros, atividades de lazer, férias, moda, entre outros) até então exclusivo das elites
sociais.40
As palavras-chave no ciclo II, na organização industrial, passam a ser: especialização, estandardização,
repetitividade e aumento do volume de produção. Trata-se de fabricar produtos estandardizados em grande
quantidade, processo esse que foi possibilitado pela automatização e pelas cadeias de montagem. A lógica da
quantidade domina esse ciclo.
No decurso desse ciclo, edifica-se a sociedade de consumo de massa, propriamente dita, enquanto projeto e
objetivos supremos na parte ocidental do mundo. Nasce uma nova sociedade, na qual o crescimento, as
melhorias das condições de vida e os principais vetores do consumo se tornam os critérios por excelência do
progresso. Nesse contexto, há todo um ambiente de estimulação dos desejos, a euforia publicitária, a imagem
luxuriante das férias, a sexualização dos símbolos e dos corpos. Trata-se de um tipo de sociedade que substitui
a coerção pela sedução, o dever pelo hedonismo, a poupança pela despesa, a solenidade pelo humor, o
recalcamento pela libertação, as promessas do futuro pelo presente e o crédito encorajado para que se possa
comprar as maravilhas da terra da abundância, para que o indivíduo concretize os seus desejos sem ter de
esperar.41
Essa é a formatação da sociedade de consumo de objetos, em uma espécie de liturgia formal aos bens de
consumo, que segundo Baudrillard42 se insere quadro de evidência fantástica do consumo e da abundância,
criada pela multiplicação dos objetos, dos serviços e dos bens materiais, originando uma categoria de mutação
fundamental na ecologia da espécie humana. Nesse sentido, os homens de opulência (afortunados) não se
encontram rodeados, como sempre acontecera na história, por outros homens, mas sim por objetos.
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Thorstein Veblen,43 na obra The Theory of the Leisure Class” ou “Teoria da Classe Ociosa”, originalmente
publicada em 1899, teceu o conceito de consumo conspícuo, que, numa visão atual, espelha a perspectiva
acima pormenorizada em Lipovetsky e Baudrillard, especialmente, ao tratar de opulência e extravagância no
consumo de bens de alto valor agregado com o objetivo de criação de um ambiente de segregação entre
classes.
Salles e Camatta,44 ao abordarem a teoria vebleniana, destacam que o consumo conspícuo visa demonstrar,
prima facie, que o indivíduo/consumidor possui um elevado nível de renda e faz uso disso por meio de
ostentação consumista a fim de se diferenciar socialmente dos outros indivíduos. Através desse conceito,
compreende-se que tal padrão de consumo era característico das classes abastadas almejando ostentar seu
padrão de vida imódico. Ademais, esse comportamento da classe ociosa influenciava a formação de
preferências e o padrão de consumo das classes inferiores, de tal forma que essas procuravam emular o
padrão de consumo daquelas.
Em uma visão hipermoderna de consumo, a opulência e a extravagância, a amostra e a perpetuação da classe
ociosa se opera no digital, nas redes sociais. No mundo da felicidade paradoxal não há espaço para tristeza ou
frustrações em segmentações de aplicativos de interação social, apenas para o consumo conspícuo, que se
opera numa faceta moderna, fluída, digital, intangível. Esse formato tem conduzido os indivíduos a não
refletirem seus hábitos de consumo, a desejar o indesejável, a consolidar tentativas de experiências que o
orçamento doméstico não permite, e o pior, a perder a soberania sobre si próprio enquanto consumidor e na
forma como se relaciona no mercado de consumo, muitas vezes, expondo sua incolumidade física e psíquica a
riscos desnecessários, cedendo à pressão do mercado, da mídia, da internet, e do marketing.
A característica central da cultura do consumo trabalhada por Mike Featherstone45 é justamente “a
disponibilidade de uma vasta série de mercadorias, bens e experiências para serem consumidas, conservadas,
planejadas e desejadas pela população em geral”. Porém, esse consumo está longe de ser apenas o consumo
de utilidades destinadas à satisfação de necessidades fixas. Essa cultura do consumo, por meio da publicidade,
da mídia e das técnicas de exposição de mercadorias, é capaz de desestabilizar a noção original de uso ou
significado dos bens e afixar neles imagens e signos novos, que podem evocar uma série de sentimentos e
desejos associados. “A superprodução de signos e a perda de referências, portanto, é uma tendência imanente
da cultura de consumo.”
Cresce dentro dessa perspectiva uma nova cultura de consumo e de modernização da própria
pós-modernidade, na qual pautas como consumo consciente e responsável, hábitos sustentáveis, e
preocupação com saúde e segurança do consumidor são desmerecidas em prol do consumismo, da
ostentação, da euforia, do narcisismo e da instantaneidade. Todas essas novas características do mercado de
consumo subvertem a ideia de que o consumidor é o soberano no mercado. Na verdade, a liberdade
propagada pelo neoliberalismo não passa de uma ilusão e de um abstracionismo. O mercado de consumo cria
necessidades artificiais, assedia o consumidor, intensifica práticas hostis de marketing e branding. Portanto, o
soberano nessa relação não é mais o agente econômico consumidor e sim o próprio agente econômico
fornecedor.
A era da hipermodernidade trabalha, portanto, a “Pescaria de Tolos”, a que aludem George Akerlof e Robert
Shiller46, ou seja, levar as pessoas a fazerem coisas que são do interesse do pescador (fornecedor), mas não do
interesse do alvo (consumidores). Está relacionada a fisgar, deixar cair uma isca artificial na água, sentar e
esperar até que o peixe cauteloso nade, cometa um erro e seja fisgado. Nesse contexto, existem muitos
pescadores (fornecedores) e eles são os mais astutos na variedade de iscas que, pelas leis da probabilidade,
fisgarão a todos, mais cedo ou mais tarde, por mais cauteloso que o alvo seja. Com base nessa definição um
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a economia do nosso tempo e suas implicações no mercado de
consumo
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tolo é alguém que, por qualquer motivo, é pescado com sucesso. A sociedade civil e as normas sociais colocam
freios nessa pescaria, porém, no equilíbrio resultante do mercado, se houver uma oportunidade para pescar,
até mesmo os agentes econômicos com maior integridade moral geralmente apelarão para essa pescaria,
compelidos pelo espírito de competição e sobrevivência.
É neste cenário que as economias modernas vão esbarrar nos novos desafios da hipermodernidade,
especialmente no reconhecimento da perda da soberania do consumidor no mercado que será adiante
abordada, um reflexo direto e causal da nova sociedade de consumo que se configurou, de maneira mais
expressiva, dentro do atual ciclo III do capitalismo tratado por Lipovetsky.
4 O mito da soberania do consumidor e o efeito dependência
O consumidor é o soberano47 no mercado de consumo? A teoria econômica neoclássica marginalista
capitaneada por Léon Walras48, Carl Menger49, William Stanley Jevons50 e Alfred Marshall51 afirmava que sim.
No final do século XIX, afirmam Oliveira e Gennari52, assistiu-se a uma gigantesca revolução no pensamento
econômico, partindo-se da teoria econômica clássica. Nesse sentido, os neoclássicos marginalistas
baseavam-se na teoria valor-utilidade, trazendo a inovação da determinação do valor de troca, ou preço, pela
utilidade marginal. Os marginalistas seguiam a tradição das escolas que defendiam a ideia de harmonia social
e colaboração entre as classes sociais.
Para evidenciar melhor o conceito de utilidade marginal, as contribuições de John Kenneth Galbraith53 são
interessantes ao destacarem que a ideia de utilidade marginal não seria a satisfação total de possuir ou usar
um produto ou serviço que lhe dá valor, mas sim a satisfação ou prazer (a utilidade) proporcionada pelo último
e menos desejado acréscimo ao consumo. O último resto de comida numa época de fome é extremamente
valioso, e obteria um elevado preço; em condições de abundância não tem valor algum e será descartada.
Assim, mantendo-se os outros fatores constantes, a utilidade de qualquer bem ou serviço diminui com a sua
crescente disponibilidade. É a utilidade da última e menos desejada unidade (a utilidade da unidade marginal)
que determinará o valor de todas.
Esse dilema do valor-utilidade é bem ilustrado por Adam Smith54 quando ele exemplifica o caso da água e do
diamante. Nada é mais útil que a água, e, no entanto, dificilmente se comprará alguma coisa com ela, ou seja,
dificilmente se conseguirá trocar água por alguma outra coisa. Ao contrário, um diamante dificilmente possui
algum valor de uso, mas por ele se pode, muitas vezes, trocar uma quantidade muito grande de outros bens.
Nesse aspecto, os economistas neoclássicos, relembram Hunt e Sherman55, conseguiram estruturar uma
argumentação teórica em defesa da política liberal do laissez-faire que impressionava. Ao mesmo tempo,
cavaram um imenso abismo entre a teoria econômica e a realidade econômica. Muitos economistas filiados à
tradição neoclássica passaram a ignorar totalmente os problemas concretos e instituições econômicas
existentes na prática e ocupavam-se exclusivamente da construção de modelos matemáticos, intermináveis e
herméticas variações em torno das mesmas trivialidades.
Para a escola neoclássica marginalista a atividade desenvolvida pelos agentes econômicos produz utilidades
voltadas à satisfação das necessidades dos consumidores. Nessa corrente de pensamento, portanto, o ato de
consumidor impulsionaria o desenvolvimento da atividade econômica e não o inverso com a ideia de
acumulação. Sendo assim, o consumidor seria o soberano e não o fornecedor/produtor/fabricante.
Nessa acepção da teoria, o consumidor então seria o soberano na definição da demanda e na consequente
oferta de produtos e do impacto na sua escassez ou não no mercado, influindo decisivamente nos fatores de
produção.
O mito da soberania do consumidor na era da hipermodernidade:
a economia do nosso tempo e suas implicações no mercado de
consumo
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É justamente a partir desse ponto que o presente trabalho desenvolve a ratificação da perspectiva mítica de
soberania do consumidor, tão cara à escola neoclássica marginalista do valor-utilidade, criticando essa teoria
para desmistificar que diante da atual quadra neoliberal e hipermoderna, antes examinadas, a ideia de
soberania do consumidor tem sido paulatinamente mitigada por diversos fatores, que ora serão analisados.
Sempre tendo por base a perspectiva do texto “A Sociedade Afluente”, na qual John Kenneth Galbraith56, que
criticará ostensivamente a presunção equivocada de soberania do consumidor, com a qual concordaremos e
passaremos adiante expor.
Nesse sentido, o autor afirmará que um fator determinante na produção é, de fato, não a escolha do
consumidor, mas, em medida substancial, a manipulação que o fornecedor executa a partir da resposta do
consumidor. A arte da venda, do design e a inovação, são elementos amplamente utilizados para atrair,
capturar e alienar o consumidor. Nesse sentido, a ideia de soberania do consumidor não ocupa mais papel
central na economia de nosso tempo.
Numa crítica à perspectiva de racionalidade absoluta do comportamento do consumidor proposta pelos
marginalistas, é evidente uma falha. Se as necessidades do indivíduo devem ser urgentes, têm de se originar
nele próprio. Não podem ser urgentes se foram forjadas para ele. E, acima de tudo, não devem ser forjadas
pelo processo de produção pelo qual são satisfeitas. Assim, não se pode defender a produção por satisfazer as
necessidades se a produção cria as necessidades.
Assim, exemplifica Galbraith,57 se o consumo de um homem se torna o desejo de seu vizinho, isso significa
que o processo pelo qual as necessidades são satisfeitas é também o processo pelo qual as necessidades são
criadas. Quanto mais necessidades são satisfeitas, mais novas surgem. O desejo de conseguir bens superiores
adquire vida própria. Ele dá origem a um impulso por gastos mais elevados.58 Esse pode até ser mais forte do
que o originado das necessidades, que se supõem serem satisfeitas por esse gasto.
Mas esse não é o único diagnóstico a descortinar o mito da soberania do consumidor, pois como este mesmo
autor diagnostica, o elo ainda mais direto entre a produção e as necessidades é fornecido pelas empresas de
publicidade e de técnicas de venda modernas. Essas não podem estar conciliadas à noção de desejos
determinados independentemente, pois sua função é criá-los, dar vida às necessidades previamente não
existentes. Assim, cabe ao produtor tanto a função de produzir os bens quanto a de elaborar o desejo por eles.
Reconhece que a produção cria necessidades que busca satisfazer não apenas passivamente, por meio da
emulação, mas ativamente, a partir da publicidade e de atividades relacionadas.
Zygmunt Bauman59 examina especificamente a perspectiva de insatisfação forçada das necessidades pelo
mercado e, consequentemente, da nunca completa satisfação dos desejos do consumidor, ao relembrar que o
consumismo de hoje, porém, não diz mais respeito à satisfação das necessidades, nem mesmo das mais
sublimes, distantes (alguns diriam, não muito corretamente, “artificiais”, “inventadas”, “derivativas”)
necessidades de identificação ou da autossegurança quanto à “adequação”. O spiritus movens da atividade
consumista não é mais o conjunto mensurável de necessidades articuladas, mas o desejo, entidade muito mais
volátil e efêmera, evasiva e caprichosa e, essencialmente, não referencial que as “necessidades”, um motivo
autogerado e autopropelido que não precisa de outra justificação ou “causa”.
A lógica consumista da hipermodernidade, trabalhada anteriormente e alimentada pela perene busca de
satisfação de desejos dos consumidores construída na modernidade líquida, produz efeitos colaterais
exprimidos em eventos sintomáticos, ocorridos nos últimos anos entre a sociedade de produtores (empresas)
e a sociedade de devedores (consumidores), os quais mitigam ainda mais a ideia de soberania do consumidor
e agravam a sua vulnerabilidade, desencadeando fenômenos nefastos para a sociedade civil, a exemplo do
superendividamento, a medicalização do consumo, o assédio de consumo, a violação e captação irregular de
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a economia do nosso tempo e suas implicações no mercado de
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dados pessoais na rede mundial de computadores, o incremento de práticas abusivas, a formação de
monopólios, a prática de condutas predatórias, a oferta de produtos perigosos ou nocivos à saúde e segurança
do consumidor, entre outros.
A antropologia do consumo também destaca esses pontos de reflexões, assim como Diana Lima,60 que
identifica que o consumista moderno é movido pelo desejo de artigos que ultrapassam em muito aquilo que
seria necessário para a sua manutenção biológica. Mais do que para satisfazer necessidades, os produtos ou
serviços são adquiridos em nome do conforto e do prazer.
É nesse sentido que Colin Campbell61 deixa de lado a discussão econômica sobre a utilidade e necessidade
para recorrer à literatura sobre a força e a relevância do prazer, ou seja, do hedonismo. Pode-se dizer que
estímulos repetidos causam satisfação, o que não é o mesmo que prazer. A busca pelo prazer e pela sua
renovação precisa escapar da monotonia, exigindo, portanto, renovação.
Campbell62 aproxima-se da crítica construída neste estudo acerca do mito da soberania do consumidor, pois
também se apresenta como um autor combativo à ideia de racionalidade da teoria neoclássica marginalista,
reconhecendo que muito embora a teoria da utilidade marginal tenha mostrado ser uma ferramenta poderosa
para a análise de certos aspectos da escolha do consumidor, tem sido óbvio que ela não constitui uma teoria
do comportamento do consumidor. As críticas habituais da teoria da utilidade, tais como a do caráter
duvidoso das suposições referentes à racionalidade e ao propósito de elevar ao máximo a satisfação, são
menos pertinentes a esse respeito do que a simples observação de que ela é omissa demais. Uma teoria que
nem mesmo tenta explicar a natureza das necessidades e dos gostos, e oferece a mais diluída sugestão
sobre os motivos pelos quais as pessoas compram bens, dificilmente poderá ser chamada de uma teoria do
comportamento do consumidor.
Em outra obra, intitulada “A Economia das Fraudes Inocentes”, Galbraith,63 atento ao cenário refletido,
identifica que a inovação e a modificação de produtos são uma função econômica importante, e nenhum
fabricante expressivo lança um produto novo sem antes estimular a demanda por seu consumo, a não ser que
prefira influenciar e manter a demanda por um produto já existente. É aí que entra o universo da publicidade e
das vendas, da televisão, da manipulação do consumidor. Ou seja, uma agressão à soberania do consumidor e
do mercado.
Prossegue ratificando que, no mundo real, as empresas produtoras e a indústria fazem de tudo para
estabelecer preços e definir a procura, e empregam, para isso, o monopólio, o oligopólio, o design e a
diferenciação do produto, a propaganda e outras promoções de venda e de comercialização. Referir-se,
portanto, ao sistema de mercado como uma alternativa benigna ao capitalismo é um disfarce brando e sem
sentido de uma realidade empresarial mais profunda, na qual se encontra o poder cada vez maior do
fornecedor para influenciar ou mesmo controlar a procura do consumidor.
Mas outro elemento de mitigação paulatino da soberania do consumidor, que vem se consolidando nas
últimas duas décadas, de forma oculta e velada no mercado de consumo: a era digital, a captura dos dados
pessoais dos consumidores e o protocolamento total da vida na comunicação digital, este último
diagnosticado por Byung-Chul Han.
Segundo Han64, todo clique na rede mundial de computadores é salvo. Todo passo é rastreável. A vida digital
se forma de modo exato na rede e a possibilidade de um protocolamento total da vida substitui a confiança
inteiramente pelo controle. No lugar do Big Brother, a ascensão do Big Data. Essa estrutura especial
panóptica tem habitantes que se conectam e comunicam intensamente uns com os outros e vivem uma ilusão
de liberdade, abastecendo essa espécie de panóptico digital com informações que eles mesmos emitem e
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produzem voluntariamente. Essa é a sociedade de controle, que rompe com a possibilidade de soberania do
consumidor no mercado de consumo, na qual os habitantes se comunicam não por coação exterior, mas sim
por carência interna, onde, então, o medo de ter de abdicar de sua esfera privada e íntima dá lugar à carência
de se colocar desavergonhadamente à vista, ou seja, onde a liberdade e o controle são indistinguíveis.
Ainda assim, Han65 desenvolve a ideia de que se vive um novo tipo de panóptico na era hipermoderna: o
panóptico aperspectivístico. Esse panóptico digital do século XXI é considerado como aperspectivístico na
medida em que não é mais vigiado por um centro ou por um olhar despótico. Ele surge totalmente desprovido
de qualquer ótica perspectivística, e isso é que constitui seu fator de eficiência. Não se estabelece olho central
algum, não se dá qualquer subjetividade ou soberania central. Os habitantes desse panóptico digital imaginam
estar em total liberdade.
A perda de soberania ou a ratificação da inexistência mítica da figura do consumidor se evidencia quando,
nesta mesma era hipermoderna, consolida-se uma legião de consumidores imersos naquilo que Han66
chamará de sociedade do cansaço, alimentada diariamente por uma espécie de violência neuronal, com o
aparecimento de doenças como Depressão, Transtorno de Déficit de Atenção com Síndrome de Hiperatividade
(TDAH), Transtorno de Personalidade Limítrofe (TPL) ou a Síndrome de Burnout (SB). O começo do século XXI
não trata mais de infecções como outrora a medicina pontuava atenção e interesse, mas prioriza atendimento
a pessoas vítimas de enfartos. O homem como um todo se transforma numa máquina de desempenho, que
pode funcionar livre de perturbações e maximizar seu desempenho. A sociedade do cansaço também é a
sociedade do desempenho e a sociedade ativa que geram esgotamentos excessivos nos indivíduos.
Nesse sentido, ganha fôlego a construção da teoria da economia comportamental, como a descrita por
Richard Thaler67, este último, em coautoria com Cass Sunstein. Sob essa perspectiva, as decisões individuais de
cada consumidor não são tão racionais como previam os economistas clássicos ou neoclássicos da escola
marginalista, muito pelo contrário, essas escolhas nem sempre são racionais, e, em determinadas hipóteses,
são baseadas em questões subjetivas e culturais. O recorte anteriormente estudado e proposto por Han da
sociedade do cansaço ilustra claramente o quanto a perspectiva racional do consumo, apta a conceder uma
espécie de soberania ao consumidor, não encontra mais sua plenitude nos tempos atuais.
Por fim, e não menos relevante, formata-se mais recentemente um quadro geral de capitalismo de vigilância,
que se expressa, claramente, como mais um elemento de perda da soberania do consumidor no mercado. O
termo em referência foi cunhado por Shoshana Zuboff,68 que entende a atual quadra do capitalismo a partir
da vertente de vigilância, na qual os agentes econômicos conduzem suas operações de modo a torná-las
indetectáveis, indecifráveis, marcadas por retórica, com o objetivo de conduzir o consumidor por caminhos
obscuros e desconcertar a todos.
No início dos anos 2000 muitas informações de usuários e consumidores na rede mundial de computadores
eram consideradas adicionais ou como fumo de escape digital ou fumo digital” (data exhaust), tidas como
informações adicionais aleatórias, que, mais tardiamente, foram consideradas como uma base de informações
muito ricas. Acabou por se reconhecer que esses materiais residuais continham dados muito detalhados e
específicos dos usuários das plataformas on-line.69
Na perspectiva do capitalismo de vigilância, a maior parte dos dados e das informações pessoais dos
consumidores são usados pelos agentes econômicos para a criação de modelos, ou seja, padrões de
comportamento humano. Assim, ao se criar grandes padrões de comportamento (modelos),
automaticamente, o agente econômico consegue ver as pessoas, consumidores e suas características
peculiares. Identificam como elas se comportam ao longo tempo, permitindo ao fornecedor adequar os dados
dos consumidores a esse padrão e prever o que vão fazer não apenas agora, mas no futuro.
O mito da soberania do consumidor na era da hipermodernidade:
a economia do nosso tempo e suas implicações no mercado de
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Esse é o chamado excedente comportamental, ou seja, correntes de dados repletos de previsões ricas.
Chama-se de excedente, pois são dados utilizados além da necessidade de melhoramento da prestação do
serviço ou fabricação do produto. Em um primeiro momento, sabe-se que agora pode-se manipular sugestões
subliminares em um contexto on-line para mudar comportamentos no mundo real ou emoções no mundo
real. Em segundo, consegue-se exercer a esse poder, esses métodos, quando o utilizador não se apercebe. No
capitalismo de vigilância, na sua versão original, on-line, prevê-se a taxa de visitas e se vende isso ao
anunciante, que paga para ter visitas em seu site.70
Exemplos de materialização do capitalismo de vigilância na práxis mercantil são narrados por João Carlos
Caribé71, ao aduzir o caso da Amazon. Jeff Bezos, CEO da Amazon, que
“atingiu a marca de um milhão de clientes de livros em 1997. A Amazon desenvolveu uma solução de
relevância com base nos dados e comportamento dos clientes: que livros procuravam, compravam,
compartilhavam e colocavam em suas listas de desejos. Foi o primeiro agente inteligente que realmente
funcionou. Bezos, baseou seu método de relevância no livreiro do bairro, que conhece o interesse de cada
cliente. Ao observar o comportamento dos clientes, com o objetivo de ofertar livros com maior chance de
compra, a Amazon pavimentou o capitalismo de vigilância, em outras palavras, a Amazon extraía dados dos
clientes, e os modelava na busca de padrões, e através de homofilia, estabelecia relacionamentos, produzindo
indicações para o cliente, visando aprimorar a sua experiência. Dez anos depois, em 2007, a Amazon lançou o
Kindle, o leitor de e-book, e passou a extrair dados também dos hábitos de leitura de seus clientes, tais como
interesse, horário de leitura, destaques e compartilhamento de texto”.
Mas esse é apenas um exemplo do quanto a ideia de soberania do consumidor no mercado de consumo está
sendo a cada dia reduzida à vontade do empreendedor e do fornecedor. Inegável, portanto, que na economia
dos nossos dias, no domínio gradativo do online em detrimento do presencial, a perspectiva soberana do
consumidor neste cenário não vai além de uma ideia mítica e ultrapassada da escola neoclássica marginalista.
5 Considerações finais
As transformações da cultura do consumo, majoritariamente, com destaque à influência do neoliberalismo e
da hipermodernidade, revelam um cenário de complexidade e de perspectivas multifacetadas, demandando
uma análise conjuntural do problema e não apenas de um único fator isoladamente considerado.
A cultura do consumo passa a ser configurada para que ocorra uma pressão sobre os indivíduos e para que
esses sempre desejem ter algo a mais, contribuindo fortemente os agentes econômicos com esse objetivo ao
engendrarem a insatisfação com a identidade adquirida e o conjunto das necessidades pelo qual se define essa
identidade, pois, mudando de identidade, descartando o passado e procurando novos começos, dentro da
lógica consumista, o indivíduo é visto como pertencente ao grupo social.
As contribuições de consumo conspícuo de Veblen72 são importantes para diagnosticar esse quadro. No
mundo da felicidade paradoxal não há espaço para tristeza ou frustrações em segmentações de aplicativos de
interação social, apenas para o consumo conspícuo, que se opera numa faceta moderna, fluída, digital,
intangível. Esse formato tem conduzido os indivíduos a não refletirem seus hábitos de consumo, a desejar o
indesejável, a consolidar tentativas de experiências que o orçamento doméstico não permite, e o pior, a
perder a soberania sobre si próprio enquanto consumidor e na forma como se relaciona no mercado de
consumo.
A teoria econômica neoclássica marginalista como estudada neste trabalho, capitaneada por Léon Walras, Carl
Menger, William Stanley Jevons e Alfred Marshall, não é mais capaz de responder a estrutura atual do sistema
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econômico capitalista, especialmente na deficiência de conceber que os hábitos de consumo por parte dos
consumidores seriam racionais e calculados, pautados na ideia de valor-utilidade.
Nesse sentido, ratificando Campbell,73 muito embora a teoria da utilidade marginal tenha mostrado ser uma
ferramenta poderosa para a análise de certos aspectos da escolha do consumidor, tem sido óbvio que ela não
constitui uma teoria do comportamento do consumidor. As críticas habituais da teoria da utilidade, tais como
a do caráter duvidoso das suposições referentes à racionalidade e ao propósito de elevar ao máximo a
satisfação, são menos pertinentes a esse respeito do que a simples observação de que ela é omissa demais.
O que se percebe nessa quadra da história, portanto, é que a ideia de soberania do consumidor cada vez mais
tende a encontrar resistência, uma vez que a cada dia a indústria cultural, o assédio de consumo, a mídia, o
marketing e o próprio mercado ditam a oferta e criam novas demandas a partir da construção e incitação a
conquista de novos desejos pelos consumidores. A produção passou ela mesma a criar as necessidades e
hábitos de consumo e não os consumidores.
Na perspectiva digital, on-line e síncrona, o capitalismo de vigilância encontrou espaço para monitorar, ocultar
e perspicazmente, cada passo do consumidor nas plataformas on-line, em que são coletados dados pessoais,
gostos, preferências, estilos, opções políticas, experiências sensoriais, com fulcro na formatação de modelos.
Assim, ao se criar grandes padrões de comportamento (modelos), automaticamente, o agente econômico
consegue ver as pessoas, consumidores e suas características peculiares.
Não há como defender o indefensável, a soberania do consumidor no mercado atual é um mito. Pensar novas
diretrizes de tutela do vulnerável em tempos sombrios é uma necessidade.
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1 .Cf. WALRAS, Léon. Compêndio dos elementos de economia política pura. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
2 .Cf. MENGER, Carl. Princípios de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
3 .Cf. JEVONS, Willian Stanley. A teoria da economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
4 .Cf. MARSHALL, Alfred. Princípios de economia: tratado introdutório. São Paulo: Nova Cultural, 1996. v. 1.
5 .Cf. LIPOVETSKY, Gilles; CHARLES, Sébastien. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarrolla, 2004.
O mito da soberania do consumidor na era da hipermodernidade:
a economia do nosso tempo e suas implicações no mercado de
consumo
Página 18
6 .Cf. KEYNES, John Maynard. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
7 .STREECK, Wolfgang. Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático. São Paulo: Boitempo,
2018. p. 12.
8 .Cf. SAAD FILHO, Alfredo; MORAIS, Laecio. Brasil: neoliberalismo versus democracia. São Paulo: Boitempo,
2018.
9 .DUPAS, Gilberto. A lógica econômica global e a revisão do Welfare State: a urgência de um novo pacto.
Revista Estudos Avançados. v. 12, n. 33, maio-ago. 1998. p. 171-183. Disponível em: [www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-]. Acesso em: 20.12.2020.
10 .HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. 7. ed. Belo Horizonte:
Âyiné, 2020. p. 51.
11 .WOOD, Ellen Meiksins. O império do capital. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 145.
12 .DUMÉNIL, Gérard; LÉVY, Dominique. A Crise do Neoliberalismo. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 125-136.
13 .CASTRO, Júlio Cesar Lemes de. O consumidor como agente no neoliberalismo.Revista MATRIZes, São Paulo,
v. 9. n. 2. jun.-dez. 2015. p. 275. Disponível em: [www.revistas.usp.br /matrizes]. Acesso em: 05.01.2021.
14 .WOOD, 2014, p. 21-31.
15 .SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020. p. 28.
16 .NUNES, António José Avelãs. Economia e direito, direito e economia. Belém: CESUPA, 2019. p. 136-137.
17 .GRECO, Thomas. The end of money and the future of civilization. Vermont: Chelsea Green, 2009. p. 39-40.
O mito da soberania do consumidor na era da hipermodernidade:
a economia do nosso tempo e suas implicações no mercado de
consumo
Página 19
18 .Nesse sentido, o ajuizamento de Ação Coletiva de Consumo distribuída sob o
n. 5061898-19.2020.8.13.0024, em tramitação na 23ª Vara Cível de Belo Horizonte (MG), proposta pelo
Instituto Defesa Coletiva (IDC), em face da FEBRABAN, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander
Brasil, na qual se discute a propaganda enganosa das instituições mencionadas e as infundadas justificativas
para os bancos não atenderem as solicitações dos consumidores, que vão desde a celebração do contrato com
o banco ter sido feita fora da agência, estar adimplente com o contrato, mas com data de vencimento próximo
ao pedido, até ter firmado contrato com banco financiador integrante do grupo econômico.
19 .SANTOS, 2020, p. 23.
20 .HUWS, Ursula. A formação do cibertariado: trabalho virtual em um mundo real. São Paulo: Unicamp, 2017.
p. 77-78.
21 .HUWS, 2017, p. 80.
22 .STANDING, Guy. O precariado: a nova classe perigosa. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. p. 23.
23 .LAZZARATO, Maurizio. O governo do homem endividado. São Paulo: n-1 edições, 2017. p. 106.
24 .VERBICARO, Dennis. A construção de um novo modelo de cidadania participativa do consumidor a partir da
política nacional das relações de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 110, mar.-abr.
2017. p.319.
25 .LIPOVETSKY; CHARLES, 2004, p. 106.
26 .Cf. J BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Portugal: Edições 70, 2008.
27 .LA BOÉTIE, Étienne de. Discurso sobre a servidão voluntária. Lisboa: Antígona, 1984. p. 37.
28 .LIPOVETSKY; CHARLES, 2004, p. 61.
O mito da soberania do consumidor na era da hipermodernidade:
a economia do nosso tempo e suas implicações no mercado de
consumo
Página 20
29 .“Agora, num cenário exitosamente transformado, de uma sociedade de produtores (com lucros provindo,
sobretudo, da exploração do trabalho assalariado), numa sociedade de consumidores (sendo os lucros
oriundos sobretudo da exploração dos desejos de consumo), a filosofia empresarial dominante insiste em que
a finalidade do negócio é evitar que as necessidades sejam satisfeitas e evocar, induzir, conjurar e ampliar
novas necessidades que clamam por satisfação e novos clientes em potencial, induzidos à ação por essas
necessidades: em suma, uma filosofia de afirmar que a função da oferta é criar demanda. Essa crença se
aplica a todos os produtos, sejam eles fábricas ou sociedades financeiras. No que diz respeito à filosofia dos
negócios, os empréstimos não são exceção: a oferta de empréstimos deve criar e ampliar a necessidade de
empréstimos”. (BAUMAN, Zygmunt. Vida a crédito. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 28).
30 .LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaios sobre a sociedade do hiperconsumo. Lisboa: Edições
70, 2015. p. 11.
31 .BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2015. p. 14.
32 .Cf. ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz & Terra, 2015. ADORNO, Theodor;
HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. São Paulo: Zahar, 1985.
33 .Cf. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
34 .VARGAS LLOSA, Mario. A civilização do espetáculo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. p. 29-30.
35 .HAN, Byung-Chul. Hiperculturalidade: cultura e globalização. Rio de Janeiro: Vozes, 2019. p. 22-24.
36 .Vance Packard descreveu os agentes responsáveis (marqueteiros e anunciantes) como “Persuasores
Ocultos”, isto é, agentes de manipulação através do inconsciente dos indivíduos/consumidores. PACKARD,
Vance. The hidden persuaders. Nova York: IgPublishing, 2007. p. 32-36.
37 .LIPOVETSKY, 2015, p. 23.
38 .Ibid., p. 25-26.
O mito da soberania do consumidor na era da hipermodernidade:
a economia do nosso tempo e suas implicações no mercado de
consumo
Página 21
39 .Ibid., p. 27-28.
40 .Ibid., p. 28-29.
41 .LIPOVETSKY, 2015, p. 30-31.
42 .BAUDRILLARD, 2015, p. 13.
43 .VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 36-46.
44 .SALLES, Alexandre Ottoni Teatini; CAMATTA, Rafael Barbieri. A interpretação marginalista do consumo
conspícuo: inconsistências e limitações da síntese neoclássica da teoria da classe ociosa. Revista Economia e
Sociedade, Campinas, v. 29. n. 1. (68), p. 237-271, jan.-abr. 2020.
45 .FEATHESTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995. p. 159-160.
46 .AKERLOF, George A.; SHILLER, Robert J. Pescando tolos: a economia da manipulação e fraude. Rio de
Janeiro: Alta Books, 2016. p. 6-7.
47 .Atribui-se à Willian Harold Hutt (1990) na sua obra Economists and the Public: A Study of Competition and
Opinion”, publicada originalmente em 1936, a criação do termo “soberania do consumidor”, muito embora a
teoria econômica neoclássica marginalista implicitamente já trabalhasse a ideia na análise da racionalidade do
consumidor no modelo valor-utilidade.
48 .Cf. WALRAS, 1988.
49 .Cf. MENGER, 1988.
50 .Cf. JEVONS, 1988.
O mito da soberania do consumidor na era da hipermodernidade:
a economia do nosso tempo e suas implicações no mercado de
consumo
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51 .Cf. MARSHAL, 1996.
52 .OLIVEIRA, Roberson; GENNARI, Adilson Marques. História do pensamento econômico. o Paulo: Saraiva,
2009. p. 140.
53 .GALBRAITH, John Kenneth. O pensamento econômico em perspectiva: uma história crítica. São Paulo:
Pioneira, 1989. p. 97.
54 .SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 85-86.
55 .HUNT, E. K.; SHERMAN, Howard J. História do Pensamento Econômico. Rio de Janeiro: Vozes, 2010. p. 130.
56 .GALBRAITH, John Kenneth. Galbraith essencial: os principais ensaios de John Kenneth Galbraith. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 42-49.
57 .GALBRAITH, 2012, p. 45-46.
58 .Relembre-se a teoria do consumo conspícuo, trabalhada na seção anterior a partir de Thorstein Veblen.
59 .BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 96.
60 .LIMA, Diana Nogueira de Oliveira. Consumo: uma perspectiva antropológica. Rio de Janeiro: Vozes, 2010.
p. 35.
61 .Cf. CAMPBELL, Colin. Ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
62 .Ibid., p. 63.
O mito da soberania do consumidor na era da hipermodernidade:
a economia do nosso tempo e suas implicações no mercado de
consumo
Página 23
63 .GALBRAITH, John Kenneth. A economia das fraudes inocentes: verdades para o nosso tempo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2004. p. 22-23.
64 .HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas do digital. Rio de Janeiro: Vozes, 2018. p. 122.
65 .HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Rio de Janeiro: Vozes, 2017a. p. 106-108.
66 .HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Rio de Janeiro: Vozes, 2017b. p. 7-10.
67 .Cf. THALER, Richard H. Misbehaving: A Construção da Economia Comportamental. Rio de Janeiro:
Intrínseca, 2019. THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.
68 .ZUBOFF, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância: A Luta por um Futuro Humano na Nova Fronteira
do Poder. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020. p.18-19.
69 .Ibid., p. 86.
70 .Ibid., p. 92-101.
71 .CARIBÉ, João Carlos Rebello. Uma perspectiva histórica e sistêmica do capitalismo de vigilância. Revista
Inteligência Empresarial, Rio de Janeiro, n. 41, 2019. p. 6.
72 .Cf. VEBLEN, 1988.
73 .CAMPBELL, 2001, p. 63.
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Dados são o novo petróleo, o Facebook obteve uma receita bruta de U$ 55,83 bilhões em 2018i , Alphabet, holding da Google, faturou U$ 126,8 bilhões, no mesmo períodoii , um mercado crescente e atual, baseado no Capitalismo de Vigilância. Shoshana Zuboff (2015) popularizou o conceito de “capitalismo de vigilância” que denota um novo tipo de capitalismo monetizado por dados adquiridos por vigilância, e muitas vezes à margem da legalidade e da ética. A autora atribui o surgimento dessa nova forma de capitalismo à conjunção de vastos poderes digitais e a indiferença e narcisismo intrínseco do capitalismo financeiro, dentro da ótica neoliberal, frente à nova dependência da arquitetura global de mediação digital que produz o big data, e uma nova expressão de poder que ela chama de “Big Other”
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171 PARTIR DAS REFORMAS neoliberais, as questoes centrais envolvendo as relacoes entre a sociedade e os Estados nacionais tem a ver com a capacidade desses futuros Estados de assumir eficientemente seu novo papel indutornormativo-regulador, ao mesmo tempo em que um original pacto social consiga definir como lidar com a tendencia de crescente exclusao social decorrente do atual modelo economico global. A internacionalizacao dos agente economicos privados e a privatizacao dos servicos publicos de infra-estrutura, alem de trazer claros beneficios a eficiencia economica da producao, tem gerado tendencia simultânea de aumento do desemprego formal e crescente flexibilizacao da mao-de-obra, como constatado em pesquisa que conduzimos atualmente no Instituto de Estudos Avancados da USP (1). Em decorrencia, os governos inevitavelmente acabam pressionados a garantir certa protecao social as crescentes populacoes carentes, em contradicao com seus recursos fragilizados pela meta imperiosa de equilibrio orcamentario. Um novo pacto para o desenvolvimento exigira uma profunda reflexao sobre a natureza das novas relacoes entre o Estado, a sociedade civil e o setor privado, bem como a disposicao dessas sociedades em eleger prioridades que poderao, por vezes, conflitar com o primado absoluto do mercado. Assim, as tendencias do cenario internacional tem provocado a necessidade de uma profunda revisao no papel do Estado moderno. Apos ampla aceitacao do esgotamento das possibilidades de manutencao das praticas keynesianas, o debate acabou se balizando entre a ideia de um Estado minimo – que nao crie embaraco algum ao mercado – e de um Estado forte – que saiba atuar no mundo globalizado minimizando seus conflitos, inclusive a exclusao social. Recente relatorio do Banco Mundial (2) aponta quatro principais razoes para a preocupacao generalizada sobre a redefinicao e os limites do novo Estado: a explosao das economias socialistas; a crise fiscal do Welfare State em significativa parte das economias desenvolvidas; o colapso dos Estados e a explosao de emergencias humanitarias, notadamente nos paises em desenvolvimento; e o papel importante do Estado nas economias asiaticas (3). Certamente, a nova percepcao do fenomeno da exclusao social e uma destas emergencias humanitarias.
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O artigo, através de pesquisa bibliográfica nacional e estrangeira e método dedutivo, se propõe a estabelecer uma nova roupagem interpretativa do que seria o alcance e a finalidade da Política Nacional das Relações de Consumo, através da construção de um modelo de cidadania participativa do consumidor a partir de sua atuação efetiva e qualificada nos espaços políticos de deliberação existentes na Lei 8.078/90. A Política Nacional das Relações de Consumo passa a ser vista como um compromisso tripartido entre sociedade civil, fornecedores, sob a mediação responsável do Estado, e não como uma mera norma programática para o Poder Público, identificando-se as ferramentas jurídicas colocadas à disposição do consumidor, com especial ênfase na atuação concertada das associações representativas de defesa do consumidor. The article, through national and foreign bibliographic research and deductive method, proposes to establish a new interpretation of what would be the scope and purpose of the National Consumer Relations Policy, through the construction of a model of participatory citizenship of the consumer From its effective and qualified performance in the political spaces of deliberation existing in Law 8.078 / 90. The National Consumer Policy is seen as a tripartite commitment between civil society, suppliers, under the responsible mediation of the State, and not as a mere programmatic rule for the Public Power, identifying the legal tools available to the consumer to effectively occupy these spaces, with particular emphasis on the performance of representative associations of consumer protection.
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