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As Últimas Testemunhas de Svetlana Aleksiévitch: Uma reportagem literária de guerra

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Abstract

PT. Narrar acontecimentos de guerras faz parte de uma tradição jornalística há milênios. No entanto, diferentemente de reportagens de guerra comumente publicadas, a jornalista e escritora Svetlana Aleksiévitch escreve sobre uma guerra que não presenciou. Em As Últimas Testemunhas, publicado no Brasil em 2018 pela Companhia das Letras, são os adultos que, na infância, enfrentaram os horrores da II Guerra Mundial na então União Soviética, que acionam e narram suas memórias muitas décadas depois de terminado o evento. A autora as ressignifica e elabora, a partir delas, uma densa reportagem de guerra, mas permeada de representações, sensações e imaginações dos depoentes. A presença da autora bielorussa se faz sentir indiretamente, isto é, na seleção das fontes, na organização e edição da centena de entrevistas que coletou entre 1978 e 1985, para torná-las legíveis, coerentes e condizentes com qualquer reportagem de guerra. Mas, além disso, também faz uso do jornalismo literário, ao produzir um texto bem escrito, com recursos literários e altamente informativo sobre o conflito e seu contexto. Este artigo usa como procedimento metodológico a análise dessas narrativas. Busca-se, assim, investigar as articulações entre as categorias testemunho, nostalgia, utopia e heterotopia, identificadas nos depoimentos com os quais se constrói uma reportagem de guerra. Afirma-se que a literatura testemunhal nascida do trauma que a guerra instaura, e com a qual a reportagem de Aleksiévitch se imbrica, revela a conciliação entre a vontade de esquecer e a de testemunhar; entre o evento vivido, materializado na memória declarativa do testemunho e a memória arquivada, publicada em forma de livro. Conclui-se que a literatura, a memória social e os testemunhos se colocam como mediações entre jornalista, reportagem e leitor, fazendo perceber a amplitude que as fontes ganham como atores e sujeitos da história. Surgem formas jornalísticas mais criativas, mais particulares e, ao mesmo tempo, compartilhadas pelo imaginário. A fundamentação teórico-metodológica assenta-se nos conceitos de testemunho, nostalgia, utopia e heterotopia. *** EN.Raconter la guerre renvoie à une tradition journalistique millénaire. Cependant, contrairement aux reportages de guerre habituellement publiés, la journaliste et écrivaine Svetlana Aleksiévitch décrit une guerre dont elle n’a pas été témoin. Dans l'ouvrage Les Derniers Témoins, publié au Brésil en 2018 par Companhia das Letras, ce sont des adultes qui, ayant fait face aux horreurs de la Seconde Guerre mondiale pendant leur enfance dans l’ex-Union soviétique, cherchent au fond de leur mémoire et racontent leurs souvenirs plusieurs décennies après la fin de l’évènement. L’auteure les re-signifie et élabore grâce à eux un récit de guerre dense mais imprégné de leurs représentations, de leurs sensations et de leur imaginaire. La présence de l’auteure biélorusse se fait sentir d’une façon indirecte à travers la sélection des sources et l’organisation et l’édition d’une centaine d’entretiens qu'elle a recueillis entre 1978 et 1985, pour les rendre lisibles, cohérents et conformes à tout reportage de guerre. En outre, l’auteure a également recours au journalisme littéraire, en produisant un texte bien écrit, avec des références littéraires et très informatif sur le conflit et son contexte. A travers une méthodologie d'analyse des récits, cet article cherche à étudier les articulations entre les catégories de témoignage, de nostalgie, d'utopie et d'hétérotopie, identifiées dans les témoignages avec lesquels se construit un reportage de guerre. Nous y démontrons que la littérature testimoniale, née du traumatisme que la guerre établit, et dont le reportage d'Aleksiévitch est imprégné, révèle la conciliation entre la volonté d'oublier et de témoigner (entre l'événement vécu, matérialisé dans la mémoire déclarative du témoignage et la mémoire archivée, publiée sous forme de livre). Nous arrivons à la conclusion que la littérature, la mémoire sociale et les témoignages forment des médiations entre le journaliste, le reportage et le lecteur, nous faisant réaliser l'amplitude que les sources gagnent en tant qu'acteurs et sujets de l'histoire. Des formes journalistiques plus créatives émergent, plus particulières et, en même temps, partagées par l'imaginaire. Le fondement théorique et méthodologique repose sur les concepts de témoignage, de nostalgie, d'utopie et d'hétérotopie. *** FR. Raconter la guerre renvoie à une tradition journalistique millénaire. Cependant, contrairement aux reportages de guerre habituellement publiés, la journaliste et écrivaine Svetlana Aleksiévitch décrit une guerre dont elle n’a pas été témoin. Dans l'ouvrage Les Derniers Témoins, publié au Brésil en 2018 par Companhia das Letras, ce sont des adultes qui, ayant fait face aux horreurs de la Seconde Guerre mondiale pendant leur enfance dans l’ex-Union soviétique, cherchent au fond de leur mémoire et racontent leurs souvenirs plusieurs décennies après la fin de l’évènement. L’auteure les re-signifie et élabore grâce à eux un récit de guerre dense mais imprégné de leurs représentations, de leurs sensations et de leur imaginaire. La présence de l’auteure biélorusse se fait sentir d’une façon indirecte à travers la sélection des sources et l’organisation et l’édition d’une centaine d’entretiens qu'elle a recueillis entre 1978 et 1985, pour les rendre lisibles, cohérents et conformes à tout reportage de guerre. En outre, l’auteure a également recours au journalisme littéraire, en produisant un texte bien écrit, avec des références littéraires et très informatif sur le conflit et son contexte. A travers une méthodologie d'analyse des récits, cet article cherche à étudier les articulations entre les catégories de témoignage, de nostalgie, d'utopie et d'hétérotopie, identifiées dans les témoignages avec lesquels se construit un reportage de guerre. Nous y démontrons que la littérature testimoniale, née du traumatisme que la guerre établit, et dont le reportage d'Aleksiévitch est imprégné, révèle la conciliation entre la volonté d'oublier et de témoigner (entre l'événement vécu, matérialisé dans la mémoire déclarative du témoignage et la mémoire archivée, publiée sous forme de livre). Nous arrivons à la conclusion que la littérature, la mémoire sociale et les témoignages forment des médiations entre le journaliste, le reportage et le lecteur, nous faisant réaliser l'amplitude que les sources gagnent en tant qu'acteurs et sujets de l'histoire. Des formes journalistiques plus créatives émergent, plus particulières et, en même temps, partagées par l'imaginaire. Le fondement théorique et méthodologique repose sur les concepts de témoignage, de nostalgie, d'utopie et d'hétérotopie.
74 B. Heller, L. Santa-Cruz, M. R. Ferrari Nunes, P. Ferreira Perazzo, V. Souza - As Últimas Testemunhas de Svetlana Aleksiévitch
As Últimas Testemunhas
de Svetlana Aleksiévitch
Uma reportagem literária de guerra
B H
Professora Pesquisadora
Universidade Paulista - Unip
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação
Brasil
b.heller.sp@gmail.com
L S-C
Professora Pesquisadora
Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM-RIO
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Economia Criativa
Brasil
lucia.santacruz@espm.br
M R F N
Professora Pesquisadora
Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Comunicação e Práticas de Consumo
Brasil
monicarfnunes@espm.br
P F P
Professora Pesquisadora
Universidade Municipal de São Caetano do Sul - USCS
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação
Brasil
prisperazzo2@gmail.com
V S
Professor pesquisador
Universidade de São Paulo-Universidade Federal de
Mato Grosso
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação
Brasil
vgpsouza@uol.com.br
O
objeto de análise deste texto é o
livro As Últimas Testemunhas, de
Svetlana Aleksiévitch, publicado
pela primeira vez na então União
das Repúblicas Socialistas Soviéti-
cas (URSS) em 1985 e, no Brasil,
em 2018. A autora manteve o mes-
mo método de entrevistar pessoalmente as vítimas da
II Guerra Mundial empregado em seu outro livro in-
titulado A Guerra Não Tem Rosto de Mulher, de 1983.
Dessa vez, não foram exclusivamente mulheres, mas
adultos que experimentaram os horrores do conito
na então União Soviética durante a infância e se dis-
puseram a contar-lhe suas memórias, dar seus teste-
munhos. Muitos caram órfãos e uma minoria teve a
sorte de reencontrar, ao menos, um dos pais, irmãos
ou outros parentes vivos.
Svetlana Aleksiévitch nasceu em  na Ucrânia.
Ainda muito jovem, trabalhou como repórter no jornal
local na cidade de Narovl, região de Gomel. Em ,
foi estudar jornalismo na Universidade de Minsk, na
República Socialista Soviética da Bielorrússia. Foi cor-
respondente da revista literária Neman, onde chegou
a chefe da seção de não cção. Na década de , jor-
nalista e escritora consagrada com seu primeiro livro
I’ve Le My Village (não publicado no Brasil), baseado
em depoimentos “de pessoas que abandonaram suas
terras nativas”, teve problemas de ordem política com
as autoridades da então URSS, tanto pelo seu estilo de
escrita, quanto por não ter se liado ao Partido Co-
munista. Com o m da União Soviética em , suas
Pour citer cet article, to quote this article,
para citar este artigo:
Barbara Heller, Lucia Santa-Cruz, Monica Rebecca
Ferreira Nunes, Priscila Ferrari Perazzo, Vinicius
Souza « As Últimas Testemunhas de Svetlana Aleksié-
vitch. Uma reportagem literária de guerra », Sur le
journalisme, About journalism, Sobre jornalismo
[En ligne, online], Vol11, n°1 - 2022, 15juin - june15
- 15dejunho.
URL : https://doi.org/110.25200/SLJ.v11.n1.2022.478
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Sur le journalisme - About journalism - Sobre jornalismo - Vol 11, n°1 - 2022
obras se tornaram mais conhecidas mundialmente,
culminando com o Prêmio Nobel de Literatura em
.
As Últimas Testemunhas, a exemplo de suas outras
obras, traz a transcrição das narrativas dessas testemu-
nhas que relatam, em primeira pessoa, as lembranças
de quando nem sabiam o signicado da palavra guerra
e a mudança abrupta em suas vidas e destinos quando
o conito se tornou uma experiência vivida. Os únicos
textos em que se percebe a voz da autora são, o ini-
cial, “Em Lugar de Prefácio”, e o nal, “Tentativa de
Epílogo”.
Diferentemente de textos tradicionais de repor-
tagem de guerra, como os de Marcelle Prat sobre a
Guerra da África, em , de Jean Perrigault – que,
além de ter sido membro da Associação dos Escritores
Combatentes, também publicou artigos sobre os en-
treguerras na Etiópia – ou do brasileiro José Hamilton
Ribeiro, autor de reportagens sobre a Guerra do Viet-
, Svetlana Aleksiévitch escreve sobre uma guerra
que não presenciou. Ao contrário, ressignica os teste-
munhos de sobreviventes que lhe contam suas experi-
ências pessoais em um registro a posteriori e indireto,
pautado menos pelo olhar do acontecimento e mais
pelos sentidos dos testemunhos.
Narrar acontecimentos de guerras faz parte de uma
tradição jornalística milenar. Segundo Jorge Pedro
Sousa (: ), a escrita e a distribuição de relatos
de guerra, desde a Antiguidade, já traziam formatos
jornalísticos atuais como a “pirâmide invertida”. Para
ele, e muitos outros, as Actae Romanas, publicadas por
Júlio César a partir de  a.C, com informações diárias
em latim sobre vários assuntos, incluindo as notícias
das frentes de combate do Império, foram, talvez, o
primeiro jornal da história. No Brasil, a cobertura de
guerra se consagrou como estilo literário em Os Ser-
tões, considerado o primeiro livro-reportagem nacio-
nal. A obra, de , levou o jornalista Euclides da
Cunha ao posto de membro da Academia Brasileira de
Letras. É literatura, é reportagem, é jornalismo sem as
amarras de leads, manchetes, olhos e aspas.
Ainda que não tenha vivido a guerra que reporta,
Aleksiévitch evidencia sua presença na escolha dos en-
trevistados como fontes, na organização da centena de
entrevistas que coletou entre  e , na seleção,
nos recortes inevitáveis para torná-las legíveis e no es-
tilo que reconhecemos no texto.
A possibilidade do aoramento de uma polifonia
discursiva que permita reconstituir um acontecimento
é discutida por Passos () ao analisar o papel das
fontes de informação no jornalismo, especialmente no
literário, um “gênero fronteiriço, que tira partido das
técnicas literárias e dos elementos básicos jornalísti-
cos, como levantamento de informações, para produ-
zir um texto bem apurado e escrito” (Martinez, :
) e que se coloca como modelo em contraposição ao
jornalismo de pirâmide (Passos, ). Nessa perspec-
tiva, consideramos que Aleksiévitch se vale de recur-
sos do jornalismo literário para produzir uma repor-
tagem de guerra sobre crianças que vivenciaram a II
Guerra Mundial. Entre estes recursos estão a imersão,
o emprego de estruturas complexas no texto, a preci-
são, a voz autoral, a responsabilidade ética, a criação
de sentidos de uma história (Sims, ), a atenção às
histórias cotidianas e o estilo do autor (Sims & Kra-
mer, ).
A técnica que a autora adota, articulação dos rela-
tos de seus entrevistados em primeira pessoa, permite
a criação de sentidos múltiplos, pois mais que fontes
ou meras personagens, seus entrevistados se armam
autores de suas histórias. Todavia, também observa-
mos homogeneidade nas narrativas, como se tivessem
sido produzidas por um único autor. Tais característi-
cas conguram o que se entende por reportagem jor-
nalística, gênero explicado por Gonçalves, Santos e
Porto Renó (dez. -mar. : ) como:
[...] produto de um processo de seleção contí-
nuo − seleção que começa pela temática, pe-
las fontes de informação, pela seleção lexical e
também pelo estilo de narrativa mais apropria-
da para a abordagem proposta. Em cada forma
de seleção e em cada opção de como articular as
informações podem ser encontradas as marcas
da subjetividade do jornalista, que não se mos-
tra abertamente, mas deixa-se entrever pelas
escolhas e pelo tom que emprega ao narrar ou
comentar fatos.
Dessa maneira, partimos da premissa de que As Úl-
timas Testemunhas é uma reportagem de guerra narra-
da aos moldes da literatura e sustentada na conjunção
dos relatos testemunhais de quem viveu o conito e
também na narrativa jornalística que Aleksiévitch lhe
imprime.
A autora constrói em seus livros a mesma “inter preta-
ção sutil e rigorosa” já sugerida por Bos i (: ), quan-
do teoriza sobre a importância da memór ia e da oralidade.
“Quando se trata da história recente, feliz o pesquisador
que pode se amparar em testemunhos vivo s e reconstituir
comportamentos e sensibilidade de uma época” (Bosi,
: ). Tanto pesquisadores, como jornalistas, quan-
do atentos “às tensões implícitas, aos subentendidos, ao
que foi só sugerido e encober to pelo medo (Bosi, :
), têm elementos para construir textos que repor tam os
leitores àquela época, seja pelos testemunhos, seja pelas
reportagens de guerra ou pela literatura. Esses três ele-
mentos se encontram nos textos premiados da jornalista
e já foram analisados por diversos pesquisadores que se
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debruçaram sobre sua obra. O que nos interessa aqui é
investigar, a partir da análise da narrativa jornalística, as
articulações entre as categorias de testemunho, nostalgia,
utopia e heterotopia identicadas nos depoimentos com
os quais Aleksié vitch constrói uma reportagem de guerra
em As Últimas Testemunhas. A análise das narrativas é uma
metodologia frequentemente
utilizada, nos estudos de Comunicação, para
compreender histórias em circulação no am-
biente das mídias. ‘Narrativa’, neste caso, é en-
tendida em sentido amplo, como toda história
organizada de maneira que possa ser compar-
tilhada. [...] Nas pesquisas em Comunicação, a
análise de narrativas procura compreender as
estratégias e os modos de contar uma história.
(Martino, : )
De posse dessa metodologia, seguimos com a aná-
lise narrativa do livro.
T   
  
Tratar de imaginários permite entender as imagens
para além do visual: a imagem não é uma exclusivida-
de do visível. Há um visível que não produz imagens,
há imagens que estão todas em palavras” (Rancière,
: ). Para o autor, as imagens podem ir da pura
representação como “testemunho da realidade” (Ran-
cière, : ) à “imagem como cifra da história e a
imagem como interrupção” (Rancière, : ). Para
ilustrar a primeira categoria, o autor indica, assim
como Aleksiévitch, imagens de vítimas do nazismo
naII Guerra Mundial, ao analisar a exposição Memó-
rias do Campo, com uma seção apenas para fotograas
originais de , assinadas por nomes como Lee Mil-
ler e Margaret Bourke-White, importantes fotojorna-
listas da história:
As imagens dos campos de concentração tes-
temunham não apenas os corpos supliciados
que nos mostram, mas também o que elas não
mostram: os corpos desaparecidos, claro, mas
sobretudo o processo de aniquilamento. As fo-
tos dos repórteres de , portanto, convocam
dois olhares distintos. O primeiro vê a violência
inigida por seres humanos invisíveis a outros
seres humanos cuja dor e o esgotamento nos
afrontam e suspendem toda apreciação estética.
O segundo não vê a violência e a dor, porém um
processo de desumanização, o desaparecimen-
to das fronteiras entre o humano, o animal e o
mineral. (Rancière, : )
Com a leitura da obra de Aleksiévitch, podemos
construir duas categorias de imagens pensadas por
Rancière: a representação da ausência do sentimento
de segurança e de acolhimento dessas vítimas ainda
jovens, bem como a desumanização a que estavam
submetidas, potencializada pela fome, pelo medo e
pela destruição generalizada. Tais imagens, socialmen-
te compartilhadas, “geram um sentimento de perda e
luto muito próximos das noções gregas de tragédia que
se perpetuaram enquanto gênero literário e como re-
ferência para o sofrimento extremo no Ocidente” (Ne-
pomuceno, : ).
Por isso, essa obra de Aleksiévitch, que trata a
guerra como a grande tragédia que acometeu milhões
de crianças soviéticas, evoca imagens comuns tanto
para a autora quanto para seus leitores, ainda que não
tenham conhecido a guerra como experiência indivi-
dual. Daí a necessidade, para quem lida com testemu-
nhos e com histórias de vida, de ler nas entrelinhas,
criar vínculo de conança, ouvir os silêncios, uma vez
que os depoentes, quando evocam suas memórias, “vi-
vem atualmente e com intensidade nova a sua experi-
ência” (Bosi, : ).
As entrevistas nos colocam em face de condições
particulares para a atividade testemunhal e de memó-
ria, seja porque seus depoimentos recordam a infância
e, neste sentido, o tempo transcorrido, as fantasias e
o imaginário de seus depoentes podem alterar as per-
cepções do acontecimento vivido, seja porque são tes-
temunhos dos horrores da II Guerra. Para Paul Rico-
eur (: ) esse processo instaura uma crise, pois,
“para ser recebido, um testemunho deve ser apropria-
do, quer dizer, despojado tanto quanto possível da es-
tranheza absoluta que o horror engendra”.
Com as catástrofes do século XX, modica-se a
episteme do testemunho: não é mais a luta contra a
impostura que originou a crítica histórica e os ques-
tionamentos sobre documentos para os quais a ascen-
são dos testemunhos contribuiu, fruto da vontade de
lembrar, mas a luta contra a incredulidade e a vontade
de esquecer (Ricoeur, ). Por sua vez, a literatura
testemunhal nascida do trauma que a guerra instaura,
e com a qual a reportagem de Aleksiévitch () se
imbrica, revela a conciliação entre a vontade de esque-
cer e a de testemunhar; entre o evento vivido, materia-
lizado na memória declarativa do testemunho, e a me-
mória arquivada, publicada em forma de livro à espera
da inquietação de seus leitores.
A sensibilidade da autora ao acolher testemunhos
nunca antes ouvidos, como anuncia a contracapa do
volume, corrobora o paradoxo da linguagem vicária,
ilusória e incompleta como lugar do irrepresentável,
mas também como escritura e resolução de sentimen-
tos soterrados pelo silêncio. Ninguém acredita em
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Sur le journalisme - About journalism - Sobre jornalismo - Vol 11, n°1 - 2022
mim, nem mamãe acreditava. Quando começamos a
recordar depois da guerra ela se surpreendia: ‘Você
não pode se lembrar disso, era pequeno. Alguém te
contou...’. Não, eu mesmo lembro...” (Aleksiévitch,
: , entrevista com Vássia Khárevski).
“Eu mesmo lembro”, “eu me lembro de tudo” são
frases recorrentes. Sabe-se que a memór ia, em sua plas-
ticidade, é capaz de modicar acontecimentos, even-
tos, experiências e, por meio da linguagem, reconstrói
liames rotos e dá à nossa existência uma expressão
explicável e clara (Yourcenar, ). Os testemunhos
assumem a condição de superstes, testemunhos so-
breviventes, os primeiros narradores, aqueles que vi-
venciaram a morte de perto (Seligmann-Silva, ).
Nessas circunstâncias, sobrevivem às próprias memó-
rias traumáticas que permanecem, tornando-se, po-
rém, suportáveis (Sarmento-Pantoja, ) para serem
narradas, ainda que a inteireza da experiência nunca
chegue a ser alcançada. Sobram silêncios discursivos,
interrupções no uxo do pensamento, “eu mesmo
lembro... minha mãe entregou para mim e para meu
irmão as duas últimas batatinhas, e ela só olhava para
nós [...]. Não, eu mesmo. Vi nosso primeiro soldado...
Eu me lembro de tudo...» (Aleksiévitch, : , en-
trevista com Vássia Khárevski).
Esse depoimento, assim como todos os coligidos,
faz-nos entender a aporia do testemunho de um even-
to catastróco em diálogo com os limites da linguagem
e da própria memória, frágil, conuente ao imaginário
e à imaginação. Nem mesmo a mãe de Vássia acredita-
va que ele se lembrou do que viu – ao que ele arma
peremptoriamente: “eu me lembro”. Seligmann-Sil-
va () ressalta o papel da imaginação como meio
para enfrentar a crise do testemunho provocada pela
destruição. São as reservas de imaginação que podem,
pela via da linguagem, criar outros mundos possíveis
igualmente presentes à memória de quem narra: as
utopias e as heterotopias das quais trataremos mais
adiante neste texto.
A crise do testemunho sugere os recursos do ima-
ginário, ou mesmo da imaginação, para a produção do
texto testemunhal em sua relação com a reportagem
de guerra numa escritura literária. A crise, originada
na incapacidade de testemunhar graças à própria inca-
pacidade de imaginar, dado o elemento inverossímil da
guerra, impõe testemunhar e narrar de forma impera-
tiva para a sobrevivência. Mas esse testemunho lança
mão da imaginação, que vem ao “auxílio do simbólico
para enfrentar o buraco negro do real do trauma. O
trauma encontra na imaginação um meio para sua nar-
ração. A literatura é chamada diante do trauma para
prestar-lhe serviço” (Seligmann-Silva, : ).
A sensibilidade de Aleksiévitch a fez ouvir o que
até então foi indizível, uma vez que, enquanto crian-
ças, suas fontes não tinham sido capazes de decifrar a
dimensão do sentido da morte e muito menos de con-
tá-la: “Fico sem voz quando conto isso... Minha voz
morre...” (Aleksiévitch, : , entrevista com Ánia
Grúbina). Por esses testemunhos da morte, constro-
em-se as imagens imaginárias possíveis para enfrentar
a crise que o testemunho gera. Nesse caso, as imagens
mentais surgem mesmo sem serem desejadas e de
modo imediato, ou seja, a “imagem é um ato que visa
em sua corporeidade um objeto ausente ou inexisten-
te, através de um conteúdo físico ou psíquico que não
se dá em si mesmo”, mas, sim, como um representante
do objeto (Sartre, : ).
Quando os bombardeios atingiram suas cidades e
os incêndios devastaram suas casas, as primeiras víti-
mas surgiram aos olhos de todos. Para algumas crian-
ças, entretanto, se as vítimas fossem seus familiares po-
deriam até voltar à vida, desde que não fossem vistas
mortas. Entremeios aos testemunhos, práticas cultu-
rais e crenças são reportadas, derivadas das memórias
dessas pessoas.
Reconhecemos nos inúmeros depoimentos que,
apesar de tão pequenas, as crianças compreenderam,
pouco tempo depois do início do conito, que morrer
signicava separar-se denitivamente do corpo. Trata-
-se da categoria que Philippe Ariès () denomina
como “morte do outro”, aprendida e apreendida a par-
tir do século XVIII. Ainda segundo o autor, foi nessa
época que a humanidade chegou ao limite da sanidade
para compreender e aceitar a morte alheia. Para isso,
instituíram-se os rituais do luto e as grandes manifes-
tações de dor. Até então, a morte era ritualizada de
modos diversos e tinha diferentes representações no
imaginário social.
No entanto, para as testemunhas do livro, os cor-
pos cavam para trás, ao relento, sem nenhuma rituali-
zação, ainda que fossem de seus entes queridos. Além
disso, não poderiam mais voltar à vida porque foram
vistos mortos.
O relato de Andrei Tolstik, a seguir, traz sua cons-
ciência e incompreensão do m da vida quando encon-
tra o corpo de sua mãe. Angustiado, quer transportá-
-la, com a ajuda de seu avô, para sua cidade a m de
enterrá-la:
Mamãe levara uma rajada de metralhadora em
todo o peito. Havia uma faixa na blusa... E um
buraquinho preto na têmpora.... Eu queria que
amarrassem logo o lenço branco dela, para não
ver esse buraquinho preto. Tinha a sensação de
que ela ainda sentia dor. (Aleksiévitch, :
)
78 B. Heller, L. Santa-Cruz, M. R. Ferrari Nunes, P. Ferreira Perazzo, V. Souza - As Últimas Testemunhas de Svetlana Aleksiévitch
Tolstik constrói a imagem do trauma por meio do
“buraquinho preto na têmpora” da mãe, porque “a sen-
sação de que ela ainda sentia dor” tornara-se o teste-
munho imaginado da sua própria dor. Como lembra
Morin (: ), “a dor provocada por uma morte só
existe se a individualidade do morto tiver sido presen-
te e reconhecida: quanto mais próximo for o morto,
íntimo, familiar, amado ou respeitado, isto é, ‘único’,
mais a dor é violenta”.
Nas narrativas de Nina Iarochévitch compreende-se
que não há “perturbações por ocasião da morte do ser
anônimo” (Morin, : ). “Fazia um frio terrível, os
enforcados estavam tão congelados que, quando o vento
os balançava, eles tilintavam. Tilintavam como árvores
congeladas na oresta... Aquele som...” (Aleksiévitch,
: , entrevista com Nina Iarochévitch). Aparente-
mente, o relato é desprovido de sentimentos de impactos
com a morte. Ela fala dos corpos enregelados como se
fosse algo que lhe é alheio. No entanto, a morte do Outro,
nesse caso materializada no símile como árvores con-
geladas”, desconstrói a ideia da indiferença prevista por
Morin (). Se entendermos que a “memória resgata o
tempo mediante as imagens» (Bosi, : ), veremos
que a depoente utilizou sua intuição poética e, por meio
de metáforas, foi capaz de expressar sua subjetiv idade “te-
cida de imagens escavadas do subconsciente e salvas do
esquecimento” (Bosi, : ), constituídas, assim, pelo
ato da imaginação, “destinado a fazer aparecer o objeto”
pensado e dele tomar posse (Sartre, : ). Apesar
de Nina narrar a morte de pessoas anônimas, diferentes
de outros que deram nomes e vida aos seus mortos, ela
construiu por imagens sua representação da morte que
viu diante dos olhos, e
[…] embora nem a imagem nem a poesia pos-
sam libertar alguém da prisão, nem interromper
um bombardeio, nem, de maneira nenhuma,
reverter o curso da guerra, podem, contudo,
oferecer as condições necessárias para libertar-
-se da aceitação cotidiana da guerra e para pro-
vocar um horror e uma indignação mais genera-
lizados, que apoiem e estimulem o clamor por
justiça e pelo m da violência. (Butler, : )
A imagem acionada por Nina adulta, dos enforca-
dos congelados que já não são humanos, mas pingen-
tes formados de água da chuva, não é nem realista,
nem idealizada, uma vez que o tempo a afastou desse
cenário de guerra.
Este passado, que é evocado pelo presente, não
é o mesmo que aquele constituído pelos even-
tos decorridos num tempo pretérito. É, antes,
uma interpretação criativa e plástica que permi-
te preencher a distância que media a experiên-
cia e a recordação, convertendo o passado em
memória. (Peralta, : )
A plasticidade desse evento chama a atenção para
aspectos não visuais. A ideia dos corpos que tilintam
ao sabor do vento traz, sob sua superfície, musicalida-
de: é possível imaginar a suave vibração emitida por
esses macabros pedaços de gelo e, ao mesmo tempo,
sua pouca transparência. Menos translúcidos que os
pingentes gelados que se formam espontaneamente
na natureza e com as notas sonoras que emitem, esses
corpos congelados também acionam cores em nossa
memória. A se acreditar nas narrativas dos depoentes,
também elas compõem parte signicativa do que se
conta. Em As Últimas Testemunhas, a policromia suge-
re uma metáfora da guerra:
Ficou na minha memória uma cor...
Eu tinha cinco anos, mas lembro muito bem...
A casa do meu avô era amarela, de madeira, e
atrás da sebe havia troncos sobre a grama. A
areia branca na qual brincávamos parecia lava-
da. Era branca, branca. [...]. Depois, todas as
lembranças têm cor escura. (Aleksiévitch, :
, entrevista com Liônia Khosseniévitch)
Eu tinha medo de olhar para o céu – estava pre-
to por causa dos aviões – e para a terra – havia
mortos por todo lado. (Aleksiévitch, : ,
entrevista com Valódia Parabkóvitch)
Mamãe estava sempre de avental branco... Pa-
pai era ocial, e mamãe trabalhava no hospital
militar. Foi meu irmão mais velho que me con-
tou isso, já depois. Mas eu só lembro do avental
branco da mamãe. Nem do rosto eu lembro, só
do avental branco. (Aleksiévitch, : , en-
trevista com Sacha Suiétin).
A memória tem cor…
Eu sempre me lembro do que aconteceu antes
da guerra em movimento, tudo se move e muda
de cor. Em geral, cores vivas. Já a guerra, o or-
fanato: parece que tudo parou. E as cores são
cinza. (Aleksiévitch, : , entrevista com
Gália Spannóvskaia)
Esses quatro exemplos mostram como as pala-
vras se haviam tornado insuficientes para expressar
os sentimentos profundos e silenciados por décadas
de quem presenciou cenas inimagináveis. Embora
os leitores não tenham acesso ao ritmo e à melodia
das falas que os depoentes lhes impõem enquanto
contam suas histórias, Aleksiévitch foi uma ouvinte
privilegiada, considerando-se que os escutou na lín-
gua materna, que também é a sua. É possível supor
que a autora privilegiou textos metafóricos e poé-
ticos que mostram os impactos da guerra para os
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Sur le journalisme - About journalism - Sobre jornalismo - Vol 11, n°1 - 2022
pequenos soviéticos. Afinal, associar a cor branca
(da areia e do uniforme) a um cenário de alegria e
de proteção e a cor negra (do céu com aviões) ao
bombardeio e à guerra propriamente dita, corres-
ponde ao imaginário ocidental de uma “sociedade
instituinte”, criada em e por significações imaginá-
rias instituídas (Castoriadis, ).
Mais uma vez, recorremos a Peralta (: ),
quando arma que somos afetados pelo passado, es-
pecialmente pelas experiências traumáticas. Como
somos seres sociais, envoltos pela cultura, elas não só
são incorporadas, como também reconhecidas no ou-
tro, com quem compartilhamos memórias, imagens e
imaginários. O passado
[...] marca-nos pessoalmente, socialmente e
culturalmente, fazendo parte das vidas de cada
um, independentemente da instrumentalização
que sobre ele se zer. Tal acontece especial-
mente no caso das experiências traumáticas ou
de outras especialmente marcantes, em que o
passado se torna ‘parte de nós’, compelindo-
-nos à sua recordação [...].
Vimos até agora que as narrativas das testemunhas
ativam as memórias sociais daqueles que participam
do ato de conhecê-las. Antecipadas por imagens tam-
bém compartilhadas, passamos a reconhecer nesse
outro a dor da tragédia da guerra, ainda que não verba-
lizada. Os silêncios dizem tanto ou mais que o discurso
encadeado, permeado de símiles ou metáforas. Nessa
reportagem de guerra, as impressões fragmentadas
possuem uxo narrativo, gozam de coerência e tam-
bém falam de nós.
N  :  
Mesmo o passado doloroso, que articula memó-
rias traumáticas, pode promover certa nostalgia, ex-
pressa no testemunho. Comumente associada à ideia
de lamento pela ausência de um objeto, uma pessoa
ou um lugar que não se pode mais recuperar, a nos-
talgia pode também compreender o sentimento por
um passado ou uma vivência que não existiu, além
de também operar de forma propositiva, apontando
para o futuro. Nesse sentido, o mais adequado é con-
siderar a existência de nostalgias, como propõe Nie-
meyer (). As Últimas Testemunhas é atravessado
pelas construções de imagens e imaginários, articu-
lando um sentimento nostálgico em torno da infância
abandonada ou abreviada em decorrência da guerra.
Em quase todos os depoimentos, encontramos a
constatação da guerra como um marco na transforma-
ção de crianças em adultos, acompanhada do lamento
por essa perda.
A infância acabou.... Com os primeiros tiros.
Uma criança vivia dentro de mim, mas já ao
lado de alguma outra pessoa. (Aleksiévitch,
: , entrevista com Efrim Fridliand)
A guerra é meu livro de história. Minha soli-
dão... Perdi a época da infância, ela fugiu da mi-
nha vida. Sou uma pessoa sem infância, em vez
de infância tenho a guerra. (Aleksiévitch, :
, entrevista com Vássia Khárevski )
A palavra nostalgia foi cunhada no século  pelo
médico Johannes Hofer a partir de duas palavras gre-
gas - nostos (voltar para casa) e algia (dor) –, para
designar uma doença que afetava soldados e traba-
lhadores distantes de suas terras (Boym, ). Dois
séculos depois, o conceito perdeu seu significado
médico e passou de uma saudade da pátria para uma
saudade do passado (Landwehr, ). Uma mudança
de deslocamento espacial para deslocamento tempo-
ral (Keightley & Pickering, ), ao se tornar asso-
ciada ao oposto de modernidade e progresso. Essa
denição de nostalgia ajudou a transformá-la em um
sentimento negativo, representando uma fuga da re-
alidade na direção de um passado idealizado.
Somente no nal do século  a nostalgia foi rea-
bilitada como fenômeno psicológico e sociológico.
Pode ser melancólica, na concepção de lamento e
sofrimento, e também utópica (Keightley & Picke-
ring, ), permitindo que os indivíduos atuem
produtivamente sobre seu passado. A atuação pro-
dutiva que a nostalgia aciona é percebida nos teste-
munhos reportados pelas pessoas que contaram suas
memórias da infância. Boym () sinalizou a exis-
tência de dois tipos de nostalgia. A restauradora, que
tem o objetivo de reconstruir a casa perdida e preen-
cher as lacunas da memória, propondo um retorno ao
estado original, o qual seria paradisíaco, encontra-se
nos testemunhos de Raia Ilinkóvskaia e Jênia Belkié-
vitch, respectivamente:
Na guerra, tudo o que existia antes parecia o
que havia de mais maravilhoso no mundo. Isso
me cou para sempre. Até hoje. (Aleksiévitch,
: )
A última coisa que me lembro da vida de paz
é uma historinha, mamãe a lia de noite. Era a
minha preferida, a do Peixinho Dourado [...].
Uma manhã acordei de medo. Uns sons desco-
nhecidos... [...]. Foi assim que cou associado
na minha memória – guerra é quando o meu pai
não está. (Aleksiévitch, : )
Por sua vez, o segundo tipo descrito por Boym
(), a nostalgia reexiva, volta-se para uma valo-
rização das ruínas e do sonho com outros lugares e
80 B. Heller, L. Santa-Cruz, M. R. Ferrari Nunes, P. Ferreira Perazzo, V. Souza - As Últimas Testemunhas de Svetlana Aleksiévitch
outros tempos, mas sem se dedicar a reconstruir esse
passado, como no depoimento de Macha Ivánova:
Eu e minha mãe amávamos o papai. Eu o ado-
rava, e ele nos adorava. Eu e mamãe. Será que
estou enfeitando minha infância? Mas tudo de
antes da guerra que me vem à memória é alegre
e radiante. Porque... era a infância. A verdadei-
ra infância... [...] Depois de uma infância tão
feliz... De repente.... Logo veio a guerra! (Alek-
siévitch, : )
A restauração da infância ou a reexão do passado,
diante do testemunho nostálgico, reabilita Raia, Jênia
ou Macha a se reestabelecerem com seus sentimentos
e a lidarem com a crise do testemunho, despojando-o
do passado de dor e horror (Ricoeur, ), restauran-
do-o no presente da reportagem. Desse modo, a nos-
talgia pode operar como um recurso afetivo, ajudan-
do as pessoas a enfrentarem situações difíceis, como
um recurso psicológico adaptativo (Sedikides et al.,
). Muitos depoimentos reportam estratégias que
as crianças utilizaram para sobreviver à barbárie do
conito bélico.
Eu já era grande, mas sentia saudade de ter brin-
quedos. Quando me deitava e todos já estavam
dormindo, eu tirava peninhas do travesseiro e
olhava para elas. Era minha brincadeira prefe-
rida. Se estava doente, dormia e sonhava com
minha mãe. Queria ser a única lha da mamãe...
e que ela me mimasse. Passei muito tempo sem
crescer... Todos nós no orfanato crescíamos
mal. Acho que era de tristeza, provavelmente.
Não crescíamos porque ouvíamos poucas pa-
lavras carinhosas. Sem mãe não crescíamos.
(Aleksiévitch, : , entrevista com Maria
Puzan)
No orfanato eu queria ter uma xícara individu-
al, que fosse só minha. Sempre tive inveja: as
outras pessoas guardavam alguns objetos da
infância, e eu não tinha nenhum. Não tenho
nada para dizer: ‘Isso é da minha infância’. Que-
ria tanto dizer isso que às vezes até inventava...
(Aleksiévitch, : , entrevista com Ira
Mazur)
Como queria brinquedos de criança! Queria ser
criança... Pegávamos um pedacinho de tijolo e
imaginávamos que era uma boneca. Ou o me-
norzinho de nós ngia ser uma boneca. Se hoje
eu vejo um vidrinho color ido na areia, quero pe-
gar. Até hoje acho bonito. (Aleksiévitch, :
, entrevista com Marlen Robiêitchikov)
Por esse entendimento, pensamos na nostalgia
como uma força ativa que motiva os sujeitos a ado-
tarem uma memória também ativa (Kalinina, ),
praticando o que Sedikides et al. () chamam de
nostalgizar. Longe de ser apenas uma produção saudo-
sa do passado, nostalgizar tem efeitos de ordem prá-
tica por ser “um ato de fala que pode potencialmente
se transformar em um processo criativo pragmático”
(Niemeyer, : ), que ressalta o potencial criativo
da nostalgia resistente, não só por combater a acelera-
ção do tempo, mas também por criar espaços para se
reetir sobre o próprio tempo, “às vezes criticamente,
às vezes alegremente e às vezes calmamente” (Nie-
meyer, : ). Como pergunta Liudmila Nikanóro-
va: “Quero lembrar... Antes da guerra, falávamos de
guerra?” (Aleksiévitch, : ).
Essa característica ativa da nostalgia encontra eco
no conceito de memória produtiva de Huyssen (:
), que reforça a importância da rememoração como
ato político, uma forma de resistência contra forças que
promovem o apagamento do passado. Lembrar, portan-
to, não é se envolver nas brumas de um tempo perdido
e irrecuperável, mas é rearmar fatos e lutar contra o es-
quecimento, como se lê nas frases de Guena Iuchkiévit-
ch: “Tudo acontecia como se fosse num sonho. Não na
realidade. Eu já não era pequeno, lembro dos meus sen-
timentos” (Aleksiévitch, : ); e de Vália Brínskaia:
“Somos as últimas testemunhas. Nosso tempo está aca-
bando. Devemos falar… Nossas palavras serão as últimas”
(Aleksiévitch, : ).
O passado também pode ser o combustível do
futuro, uma condição positiva e produtiva para a fa-
bricação do presente e para a imaginação de novos
futuros potencialmente libertadores. Nostalgia pro-
positiva é um conceito que se aproxima do que Leal e
Ribeiro (: ) defendem ao desencadear a articu-
lação entre nostalgia e utopia. Ao indicar um projeto
de futuro no presente, em diálogo com o passado, a
utopia não é mais vista como sinônimo de “lugar ne-
nhum”, mas de “outro lugar”, tensionada pela dialé-
tica entre identidade e diferença do nosso mundo.
É o que nos faz entender Zoia Vassílieva, ao dizer:
“Quantas alegrias tive antes da guerra! Que felicida-
de! E isso me salvou...” (Aleksiévitch, : ).
Nem sempre essa utopia se concretizará, mas ela dá
alento e energia enquanto é praticada e nostalgizada:
Para mim e para minha irmã, a única coisa que
nos cou da guerra é que comprávamos bone-
cas. Não sei por quê. Talvez porque sentíamos
falta da infância. Da alegria infantil. Eu estava na
universidade, e minha irmã sabia que o melhor
presente para mim era uma boneca. (Aleksiévi-
tch, : , entrevista com Vália Brínskaia)
Passei a guerra toda esperando que, quando
acabasse, eu e o vovô fôssemos atrelar o cavalo
81
Sur le journalisme - About journalism - Sobre jornalismo - Vol 11, n°1 - 2022
e buscar a mamãe. [...] A guerra acabou... Es-
perei um dia, dois, ninguém veio me procurar.
Minha mãe não veio me buscar, e papai estava
no Exército, eu sabia. Esperei assim por duas
semanas, já não tinha mais forças para esperar.
[...]. Eu já tenho  anos, tenho meus lhos.
Mesmo assim, eu quero a mamãe… (Aleksiévit-
ch, ; , entrevista com Zina Kossiak)
A memória costuma ser percebida como um me-
canismo que dá sentido tanto individual quanto cole-
tivo aos sujeitos. A nostalgia, despida de uma concep-
ção negativa e cristalizada, também pode operar nos
mesmos moldes de maneira produtiva e resistente.
Nostalgizar, para essas pessoas que, quando crianças,
foram submetidas a uma situação-limite em suas vi-
das, é também o que as impulsiona, pelo testemunho,
a trazer para o presente as experiências traumáticas
que vivenciaram durante a guerra.
U  :  
  
Retomamos o papel da imaginação no enfrenta-
mento da crise do testemunho provocada pela des-
truição. São as utopias e as heterotopias – encon-
tradas nas memórias, nas imagens, nos imaginários,
acionadas nos testemunhos – que criam outros mun-
dos possíveis. A memória viva muta-se em memória
arquivada com a gravação e a publicação dos teste-
munhos prestados pelos sobreviventes da guerra e
editados pela jornalista, a ponto de ganharem o esta-
tuto de prova documental, dialogando com Ricoeur
() ao tratar da operação historiográca e, tendo
em vista a reportagem, uma operação midiática. Para
além da experiência da catástrofe, há nos relatos for-
mas de vida talhadas pela imaginação.
Reconhecemos a criação de utopias e heterotopias
em que esses modos clássicos de compreender o espaço
tornam-se códigos espaciotemporais para a memória do
futuro, no sentido atribuído pelas pesquisas de Nunes e
Bin () e, também, Nunes, Bin e Lobato (), isto é:
“uma memória que se volta continuamente para o futuro,
que arrasta outros elementos do passado” (Nunes & Bin,
: ). Gália Spannóvskaia, separada de sua mãe e
mantida em um orfanato, expressa: “Por toda guerra eu
queria que a mamãe viesse logo, e que nós voltássemos
para Minsk. Sonhava com as ruas, com o cinema perto
da nossa casa, sonhava com a campainha do bonde [...]”
(Aleksiévitch, : ).
Feitas de sonho, as projeções reminiscentes de Gá-
lia, o que ela arrasta do passado para o futuro – o cine-
ma, o bonde, Minsk –, falam à imaginação utópica que
a impulsiona a aguardar o retorno materno: “E então
mamãe me achou e veio para o orfanato. Foi comple-
tamente inesperado” (Aleksiévitch, : ). O en-
contro desejado se mostra paradoxalmente imprevis-
to, revelando o que Gabriel Saldías () denomina
como utopia crítica: uma sociedade não existente, po-
rém localizada no tempo-espaço, vista como melhor
que a sociedade em que se vive. Para Gália, o desejo
utópico de estar com a mãe convive com a desconan-
ça, por isso o encontro é inesperado, mesmo desejado.
Sua memória voltada ao futuro imagina os tempos vin-
douros compostos pelas reminiscências do passado. A
despeito da incerteza, “sobrevém a promessa, a espe-
rança: o futuro em aberto e que será diferente, capaz
de gerar novas realidades” (Nunes et al.,  : ).
Entretanto, após a guerra, junto à mãe e nalmente
regressando a Minsk, o fracasso da utopia se materiali-
za: desconhecem a cidade e a si mesmas: “Nosso cine-
ma não estava lá... nem nossas ruas [...] Mamãe estava
sempre triste. Não brincava e falava pouco [...]. À noite
eu chorava: onde está minha mãe alegre? De manhã
sorria para que mamãe não suspeitasse das minhas lá-
grimas...” (Aleksiévitch, : ).
Em outros testemunhos, a esperança do retorno
materno também aparece. Tamara Parkhimóvitch re-
lata: Passei toda a guerra pensando na mamãe. Per-
di a mamãe nos primeiros dias” (Aleksiévitch, :
). A menina sonhava todas as noites com a mãe.
“E de repente ela apareceu na realidade, mas me pa-
recia que era um sonho. Estava vendo: mamãe! Não
acreditava. Passaram alguns dias me convencendo,
mas eu tinha medo de me aproximar da mamãe. Vai
que era um sonho!” As consequências do trauma in-
fantil persistiram por toda a vida: “Tenho medo da
felicidade. Sempre acho que logo mais ela vai aca-
bar” (Aleksiévitch, : ). A imaginação utópica
cumpre seu destino de fracasso, como diz Jameson
() ao tratar da utopia na pós-modernidade.
Suspeitamos que, nesses testemunhos, o fracasso se
soma à quase impossível memória-feliz, no sentido
de Ricoeur (). O trauma permanece indelével,
mesmo narrado.
De outra forma, heterotopias, isto é, lugares que se
opõem a todos os outros, destinados, de certo modo,
a apagá-los, neutralizá-los ou puricá-los (Foucault,
), como contraespaços servem como antídoto
para viver a guerra, comparecem à memória arquivada
das testemunhas em seus relatos projetivos. Zina Chi-
mánskaia relata:
[...] as pessoas gritavam: ‘Guerra!’. Todas as
crianças disseram: ‘Viva!’ Nos alegramos. Ima-
ginávamos a guerra assim: pessoas usando bu-
dionovkas e montando cavalos. Agora íamos
mostrar, ajudaríamos nossos soldados. Viraría-
mos heróis” (Aleksiévitch, : ).
82 B. Heller, L. Santa-Cruz, M. R. Ferrari Nunes, P. Ferreira Perazzo, V. Souza - As Últimas Testemunhas de Svetlana Aleksiévitch
A imaginação infantil é reserva para as criações
utópicas e heterotópicas. Neste depoimento, a guerra
se torna lugar heterotópico, ideal para cultivar aven-
turas, líderes soviéticos e seus símbolos, como o faz a
menina ao narrar que, mesmo com a invasão dos ale-
mães aos apartamentos de Minsk, ela e uma amiga bur-
lavam as advertências da mãe.
[...] Mamãe disse: ‘Esconda seu lenço de pio-
neira’. De dia eu escondia o lenço, mas de noite,
quando ia dormir, usava. Mamãe tinha medo: e
se os alemães baterem à noite? Ela tentava me
convencer. Chorava. Eu esperava até mamãe
dormir, a casa e a rua carem quietas. Então pe-
gava do armário o lenço vermelho, pegava os li-
vrinhos soviéticos. E minha amiguinha dormia
de budiônovka. Até hoje me agrada que fôsse-
mos assim. (Aleksiévitch, : )
Os espaços heterotópicos podem ser utopias lo-
calizadas, como arma Foucault (), lugares que
crianças conhecem bem, contestações de todos os ou-
tros espaços que nos relatos coligidos por Aleksiévitch
surgem nos sonhos, bosques, ruas, espaços vividos que
se mesclam aos não vividos, imaginados, contrapostos
àqueles destruídos pela guerra. Das frágeis fronteiras
da memória, a escritura do espaço-tempo catastróco
pode, contudo, tecer esperanças.
C F
Ao nal de As Últimas Testemunhas, podemos com-
preender os motivos da escolha do título do livro, cuja
importância não está em serem as últimas, mas, sim, e
sobretudo, em serem testemunhas. Como crianças du-
rante a II Guerra Mundial, seus relatos dizem respeito
ao que assistiram e viveram. Mesmo não tendo sido
soldados nas frentes de batalha, não é na perspectiva
de meros espectadores da história que Aleksiévitch
posiciona suas fontes. A jornalista e escritora constrói
sua reportagem de guerra conjuntamente com as úl-
timas testemunhas. Nesse sentido, a memória social,
articulada décadas após o evento, atesta a importância
do jornalismo pautado na reportagem de guerra em
termos de representações e imaginações.
Buscamos mostrar ao longo do artigo que a au-
tora articulou, na construção de seu livro, categorias
que reconhecemos nas narrativas dos depoentes, tais
como testemunho, nostalgia, utopia e heterotopia. To-
das elas tratam de um mundo perdido, imaginado, so-
nhado ou recuperado, em uma relação espaço-tempo
simultaneamente etérea e concreta.
Para darmos conta dessas questões, analisamos
conceitos mais gerais e as relações entre testemunho,
representações formuladas nas narrativas e os imagi-
nários da guerra. Identicamos que a linguagem arti-
culada nos testemunhos construiu imagens e imaginá-
rios sobre a guerra. Por meio da memória, as narrativas
das lembranças infantis trazem cores, sons, imagens,
sentimentos gerados pela catástrofe. Em cena, as ten-
sões entre esquecer, lembrar, narrar e imaginar.
Em seguida, compreendemos como esses teste-
munhos, em suas dimensões imaginárias, articularam
o sentimento nostálgico que possibilita o ato criativo.
As representações da memória e dos imaginários nos
mostraram que nostalgizar ressignica o trajeto mar-
cado pelo trauma.
Sendo esses testemunhos relatos imaginário s e nos-
tálgicos, a utopia que se apresenta diante de nós é re-
dentora, porque é composta de sonhos e de projeções
de futuro mesmo quando fracassa. Desse modo, na
terceira seção do texto, reetimos, a partir das narrati-
vas, as utopias e as heterotopias geradas pela guerra. E
a reportagem que nos traz Aleksiévitch, em seu texto
jornalístico, literário e produzido com a ação e reação
das fontes, vem a público como a memória comparti-
lhada das testemunhas em seus relatos projetivos.
A literatura, a memória social e os testemunhos se
colocam como mediações entre o jornalista, a reporta-
gem e o leitor. Tais conexões fazem-nos perceber a am-
plitude que as fontes ganham como atores e sujeitos da
história; acionam sentimentos, emoções, nostalgias,
utopias e heterotopias; modicam o entendimento do
jornalista quanto ao acesso ao campo, aos atores, às si-
tuações. Motivam, por m, formas jornalísticas criati-
vas e particulares.
Submetido em 28-11-2020
Aceito em 01-10-2021
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Sur le journalisme - About journalism - Sobre jornalismo - Vol 11, n°1 - 2022
N
1. Informações recuperadas de https://www.nobelprize.org/
prizes/literature/2015/alexievich/ biographical/
2. Informações sobre como e quando Aleksiévitch produziu os
registros de depoimentos aparecem de diferentes maneiras nas
resenhas e artigos cientícos produzidos sobre a autora premiada e
sua obra. Assim, optamos por nos basear em duas fontes: a página
do Prêmio Nobel: https://www.nobelprize.org/prizes/litera-
ture/2015/alexievich/biographical/ e a introdução da primeira
edição brasileira do livro A guerra não tem rosto de mulher (2016).
3. Apenas nos primeiros quatro meses de 2021 já foram publicados
doze artigos sobre a autora, conforme o Google Acadêmico.
4. No original: “an act of speech that can potentially turn into a
pragmatic creative process”.
5. No original: “sometimes critically, sometimes joyfully and some-
times calmly”.
84 B. Heller, L. Santa-Cruz, M. R. Ferrari Nunes, P. Ferreira Perazzo, V. Souza - As Últimas Testemunhas de Svetlana Aleksiévitch
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As Últimas Testemunhas de Svetlana Aleksiévitch. Uma reportagem literária de
guerra
Les derniers témoins de Svetlana Aleksiévitch. Un reportage littéraire de guerre
Last Witnesses by Svetlana Aleksiévitch. A literary war reporting
Pt.Narrar acontecimentos de guerras faz parte de uma tradição jornalística há milênios.
No entanto, diferentemente de reportagens de guerra comumente publicadas, a jor-
nalista e escritora Svetlana Aleksiévitch escreve sobre uma guerra que não presen-
ciou. Em As Últimas Testemunhas, publicado no Brasil em  pela Companhia das Letras, são os
adultos que, na infância, enfrentaram os horrores da II Guerra Mundial na então União Soviética,
que acionam e narram suas memórias muitas décadas depois de terminado o evento. A autora as
ressignica e elabora, a partir delas, uma densa reportagem de guerra, mas permeada de repre-
sentações, sensações e imaginações dos depoentes. A presença da autora bielorussa se faz sentir
indiretamente, isto é, na seleção das fontes, na organização e edição da centena de entrevistas que
coletou entre  e , para torná-las legíveis, coerentes e condizentes com qualquer repor-
tagem de guerra. Mas, além disso, também faz uso do jornalismo literário, ao produzir um texto
bem escrito, com recursos literários e altamente informativo sobre o conito e seu contexto. Este
artigo usa como procedimento metodológico a análise dessas narrativas. Busca-se, assim, inves-
tigar as articulações entre as categorias testemunho, nostalgia, utopia e heterotopia, identicadas
nos depoimentos com os quais se constrói uma reportagem de guerra. Arma-se que a literatura
testemunhal nascida do trauma que a guerra instaura, e com a qual a reportagem de Aleksiévitch
se imbrica, revela a conciliação entre a vontade de esquecer e a de testemunhar; entre o evento
vivido, materializado na memória declarativa do testemunho e a memória arquivada, publicada
em forma de livro. Conclui-se que a literatura, a memória social e os testemunhos se colocam
como mediações entre jornalista, reportagem e leitor, fazendo perceber a amplitude que as fontes
ganham como atores e sujeitos da história. Surgem formas jornalísticas mais criativas, mais parti-
culares e, ao mesmo tempo, compartilhadas pelo imaginário. A fundamentação teórico-metodoló-
gica assenta-se nos conceitos de testemunho, nostalgia, utopia e heterotopia.
Palavras-chave: Reportagem. Guerra. Testemunho. Imaginário. Memória.
Fr.Raconter la guerre renvoie à une tradition journalistique millénaire. Cependant,
contrairement aux reportages de guerre habituellement publiés, la journaliste et
écrivaine Svetlana Aleksiévitch décrit une guerre dont elle na pas été témoin. Dans
louvrage Les Derniers Témoins, publié au Brésil en  par Companhia das Letras, ce sont des
adultes qui, ayant fait face aux horreurs de la Seconde Guerre mondiale pendant leur enfance dans
lex-Union soviétique, cherchent au fond de leur mémoire et racontent leurs souvenirs plusieurs
décennies après la n de lévènement. Lauteure les re-signie et élabore grâce à eux un récit de
guerre dense mais imprégné de leurs représentations, de leurs sensations et de leur imaginaire.
La présence de lauteure biélorusse se fait sentir dune façon indirecte à travers la sélection des
sources et lorganisation et lédition dune centaine dentretiens quelle a recueillis entre  et
, pour les rendre lisibles, cohérents et conformes à tout reportage de guerre. En outre, lauteur
a également recours au journalisme littéraire, en produisant un texte bien écrit, avec des réfé-
rences littéraires et très informatif sur le conit et son contexte. A travers une méthodologie dana-
lyse des récits, cet article cherche à étudier les articulations entre les catégories de témoignage,
de nostalgie, dutopie et dhétérotopie, identiées dans les témoignages avec lesquels se construit
un reportage de guerre. Nous y démontrons que la littérature testimoniale, née du traumatisme
que la guerre établit, et dont le reportage dAleksiévitch est imprégné, révèle la conciliation entre
la volonté doublier et de témoigner (entre lévénement vécu, matérialisé dans la mémoire décla-
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Sur le journalisme - About journalism - Sobre jornalismo - Vol 11, n°1 - 2022B. Heller, L. Santa-Cruz, M. R. Ferrari Nunes, P. Ferreira Perazzo, V. Souza - As Últimas Testemunhas de Svetlana Aleksiévitch
rative du témoignage et la mémoire archivée, publiée sous forme de livre). Nous arrivons à la
conclusion que la littérature, la mémoire sociale et les témoignages forment des médiations entre
le journaliste, le reportage et le lecteur, nous faisant réaliser lamplitude que les sources gagnent
en tant quacteurs et sujets de lhistoire. Des formes journalistiques plus créatives émergent, plus
particulières et, en même temps, partagées par limaginaire. Le fondement théorique et méthodo-
logique repose sur les concepts de témoignage, de nostalgie, dutopie et dhétérotopie.
Mots-clés: Reportage. Guerre. Témoignage. Imaginaire. Mémoire.
En.Narrating war events has been part of a journalistic tradition for millennia. Howe-
ver, unlike commonly published war reports, journalist and writer Svetlana Alek-
siévitch writes about a war she did not witness. In e Last Witnesses, published
in Brazil in  by Companhia das Letras, it is the adults who, as children, faced the horrors of
World War II in the then Soviet Union, who trigger and narrate their memories many decades
aer the event ended. e author re-signies them and elaborates, based on them, a dense war
reportage permeated with the deponents representations, sensations, and imaginations. e Be-
larusian authors presence is indirect, that is, in the selection of sources, in the organization and
editing of the hundred interviews she collected between  and , to make them readable,
coherent, and consistent with any war reportage. But in addition, she also uses literary journalism,
by producing a well-written text, with literary resources, which is highly informative about the
conict and its context. is article uses as methodological procedure the analysis of these narra-
tives. It thus seeks to investigate the articulations between the categories of testimony, nostalgia,
utopia, and heterotopia, identied in the testimonies with which a war reportage is built. e tes-
timonial literature born from the war trauma, and with which Aleksiévitchs reportage is imbrica-
ted, reveals the reconciliation between the will to forget and that of witnessing; between the lived
event, materialized in the declarative memory of testimony, and the archived memory, published
in book form. We conclude that literature, social memory, and testimonies are placed as media-
tions between journalist, reportage, and reader, making us realize the amplitude that sources gain
as actors and subjects of history. More creative journalistic forms emerge, are more particular,
and, simultaneously, shared by the imaginary. e theoretical and methodological foundation
works with the concepts of testimony, nostalgia, utopia, and heterotopia.
Keywords: Report. War. Testimony. Imaginary. Memory.
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Analisamos, em A guerra não tem rosto de mulher, de Svetlana Aleksiévitch, o método pelo qual a autora reconstruiu as narrativas das combatentes do Exército Vermelho na Segunda Guerra Mundial. A hibridização narradora-personagem caracteriza sua escritura. Estudos da memória, da história oral e do jornalismo compõem os referenciais. Os resultados sugerem: a) a força da obra reside na inclusão das vozes das mulheres excluídas nas narrativas de guerra; b) transformadas em narrativas, essa memória oral ressignifica o passado, atualiza o presente, cria vínculos de confiança entre depoentes, narradora e leitores.
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Na tradição dos estudos sobre testemunho encontramos duas formas bem delimitadas de narradores, caracterizadas a partir dos estudos de Émile Benveniste (1969), e amplamente utilizados pelas pesquisas sobre o autoritarismo e a Shoah, que veem, no Brasil, as contribuições de Márcio Seligmann-Silva (2008) na fixação dos conceitos de testemunho testis e testemunho superstes. Na esteira desses estudos, proponho uma nova categoria de testemunho o arbiter, que se configura na narração realizada por meio da recuperação do testemunho ouvido. Por muito tempo, esse tipo de testemunho fora desvalorizado, por não representar as formulações tradicionais do testemunho testis (terceiro), aquele que viu e testemunhou a cena dolorosa, ou do testemunho superstes (primeiro), aquele que viveu e testemunha sua própria experiência. Compreendemos que o testemunho arbiter (segundo), daquele que ouviu e arbitra o que e como narrar, deve ser validado como parte de uma tríade testemunhal, já que se encontra imiscuído às outras formas de testemunho, pois a identificamos em narradores testis e superstes, ao descrever experiências de outros a ele contada. Essa categoria de testemunho também se apresenta no que chamamos de narrativa de segunda geração, dos filhos de sobreviventes, que na maioria dos casos narram por meio da reconstrução testemunhal das experiências de outros, ou dos testemunhos de outros, inclusive em relação a sua própria experiência
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Propomos demonstrar e refletir sobre a articulação entre passado e futuro, tendo como elemento articulador as ideias de nostalgia e utopia. Para isso, entendemos que a série Westworld (HBO) materializa uma peculiar articulação entre esses dois termos, cujas implicações buscaremos delinear. Em nosso movimento reflexivo, faremos primeiro um breve diagnóstico da experiência temporal e da memória hoje. Em seguida, buscaremos refletir sobre a potencial e aparentemente paradoxal associação entre utopia e nostalgia, observando pistas que apontam para seus complexos modos de articulação. Para isso, propomos uma revisão nas formas cristalizadas como os conceitos foram classicamente entendidos.
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Nostalgia is often understood as a syndrome and a therapeutic mechanism for healing traumatic past experiences, a retrospective utopia of safety and stability, or a revisionist project of rewriting history in a more user-friendly and appealing way. The literature also highlights different uses of nostalgic sentiments, such as their commercial and aesthetic applications, affective nature, material dimensions, and political relevance, among many others. Previous research has shown that media, popular culture and creative industries are the central platforms for nostalgic productions, which not only allow for creativity but also manipulate users' attitudes towards the past and induce nostalgia in audiences. Such an abundance of perspectives and theories on nostalgia creates conceptual confusion. With this in mind, this essay aims at more clearly elucidating theories on nostalgia. As engagement with broader debates on the role of the media in nostalgic experiences has also been limited, this essay will provide some remarks on the relations between media and nostalgia.
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Nostalgia is a self-conscious, bittersweet but predominantly positive and fundamentally social emotion. It arises from fond memories mixed with yearning about one's childhood, close relationships, or atypically positive events, and it entails a redemption trajectory. It is triggered by a variety of external stimuli or internal states, is prevalent, is universal, and is experienced across ages. Nostalgia serves a self-oriented function (by raising self-positivity and facilitating perceptions of a positive future), an existential function (by increasing perceptions of life as meaningful), and a sociality function (by increasing social connectedness, reinforcing socially oriented action tendencies, and promoting prosocial behavior). These functions are independent of the positive affect that nostalgia may incite. Also, nostalgia-elicited sociality often mediates the self-positivity and existential functions. In addition, nostalgia maintains psychological and physiological homeostasis along the following regulatory cycle: (i) Noxious stimuli, as general as avoidance motivation and as specific as self-threat (negative performance feedback), existential threat (meaninglessness, mortality awareness), social threat (loneliness, social exclusion), well-being threat (stress, boredom), or, perhaps surprisingly, physical coldness intensify felt nostalgia; (ii) in turn, nostalgia (measured or manipulated) alleviates the impact of threat by curtailing the influence of avoidance motivation on approach motivation, buttressing the self from threat, limiting defensive responding to meaninglessness, assuaging existential anxiety, repairing interpersonal isolation, diminishing the blow of stress, relieving boredom through meaning reestablishment, or producing the sensation of physical warmth. Nostalgia has a checkered history, but is now rehabilitated as an adaptive psychological resource.
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The concept of nostalgia has an invaluable advantage: In contrast to other cultural concepts, it has an exact date of birth. It was in 1688 when the medic Johannes Hofer published a thesis in which he described an illness he termed with the neologism “nostalgia.” But instead of following the academic and larger cultural discourses that evolved from this starting point until the present, the question that deserves some attention is which temporal setting goes along with the concept of nostalgia. Most of the experts on nostalgia as a sickness during the last three and a half centuries did not diagnose themselves but others, quite often patients from rural areas who had to leave home to work abroad, where they became nostalgic. With this diagnosis these experts also established a certain time‐model, because they separated a “modern” time‐model of irreversibility from a “nostalgic” time‐model of reversibility. If we take a closer look at the nostalgia diagnosis and its consequences, we might also gain some ideas for our thinking about the theory of history.
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Resultado parcial de pesquisa desenvolvida com apoio do CNPq, este artigo problematiza a constituição da cena steampunk; tem como objetivo descrever e analisar esta cena e suas teatralidades, atentando às conexões entre a ambiência espaciotemporal, o corpo-mídia dos jovens steamers e a produção da memória. Observa-se que a cena steampunk é ainda pouco estudada na área da Comunicação, considerando a problematização e os objetivos propostos. Com base em autores da Teoria Semiótica de Tártu-Moscou, como Iuri Lotman, em pensadores vinculados a estudos sobre a memória, tais como: Maurice Halbwachs, Paul Ricoeur, Andreas Huyssen e Mary Carruthers – e também em pesquisa etnográfica realizada nos festivais Anime Festival Winter, em Belo Horizonte/MG, e Steamcom, em Paranapiacaba/SP – espera-se demonstrar que a memória gerada se revela como memória do futuro tendo em vista a dimensão inventiva do retrofuturismo.