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Neoliberalismo, expansión de las desigualdades y deconstrucción de la democracia

Authors:

Abstract

En las democracias, la acumulación capitalista financiarizada ha implicado un bajo crecimiento económico y mayores desigualdades políticas, de ingresos y de riqueza. A nivel estatal, ha implicado la reducción de las políticas de bienestar social. Estos procesos alimentan la crisis de la legitimidad democrática. Considerando el capitalismo neoliberal, sus actores e intereses, el artículo pretende describir e interpretar las tensiones entre tres variables: la democracia, la desigualdad y el patrón del capitalismo. La hipótesis es que la democracia depende de una cierta igualdad política y socioeconómica. Se argumenta que el aumento significativo de la desigualdad, en el capitalismo neoliberal, debilita la legitimidad democrática y, en algunos países, ha estimulado el surgimiento de liderazgos autoritarios. La principal base empírica es Estados Unidos y Brasil. La metodología es cualitativa, de seguimiento de procesos: describimos el comportamiento temporal de variables cualitativas para explorar inferencias causales. Los datos cuantitativos están subordinados al análisis cualitativo.
* Este artigo resulta de uma linha de pesquisa compartilhada pelos autores. Financiado com recursos próprios. Artigo de
pesquisa recebido em 14.09.2021 e aprovado em 07.02.2022.
** Pesquisador do Programa de Pós-graduação em Economia e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política,
ambos da Universidade Federal Fluminense UFF (Brasil). Foi Visiting Scholar no Institute of Latin American Studies, na
Universidade de Columbia (Estados Unidos) (2017-2018). Faz pesquisas sobre Desigualdade Econômica e Distribuição
de Renda. Correio eletrônico: fermatt1@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1196-3246
*** Pesquisador do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFF. Entre 2015 e 2016, foi Academic Visitor na
Universidade de Oxford (Latin American Centre) (Reino Unido). Investiga teorias do Estado, regimes políticos, economia
política e políticas públicas, especialmente as relações entre Estado, regimes, interesses e economia. Correio eletrônico:
marcusianoni@id.u.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6072-0518
**** Mestre em Ciência Política pela UFF e doutorando na mesma instituição. Tem experiência no Direito, com ênfase
na área criminal e segurança pública. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Brasil).
Titular da 2ª Promotoria de Justiça na Auditoria Militar do Estado do Rio de Janeiro. Correio eletrônico: paulomc@mprj.
mp.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7886-5408
CS / ISSN 2011-0324 · e-ISSN 2665-4814 / Número especial / 19 - 49 / Julio, 2022
Neoliberalismo, expansión de las desigualdades
y deconstrucción de la democracia
Neoliberalism, Expansion of Inequalities
and Deconstruction of Democracy
Neoliberalismo, ampliação
das desigualdades e desconstrução
da democracia*
Fernando Augusto Mansor-De Mattos**
Marcus Ianoni***
Paulo Roberto Mello-Cunha****
Universidade Federal Fluminense (Niterói, Brasil)
Universidade Federal Fluminense (Niterói, Brasil)
Universidade Federal Fluminense (Niterói, Brasil)
DOI: https://doi.org/10.18046/recs.iEspecial.5211
Cómo citar/How to cite
Mansor-de Mattos, Fernando Augusto; Ianoni, Marcus; Mello-Cunha, Paulo Roberto (2022).
Neoliberalismo, ampliação das desigualdades e desconstrução da democracia. Revista CS, núm.
especial, 19-49. https://doi.org/10.18046/recs.iEspecial.5211
Resum0
Abstract
Resumen
Nas democracias, a nanceirização da acumulação capitalista tem implicado em baixo
crescimento econômico e no aumento das desigualdades políticas, de renda e riqueza.
No plano do Estado, tem implicado na redução das políticas de bem-estar social. Esses
processos alimentam a crise de legitimidade da democracia. Considerando o capitalis-
mo neoliberal, os atores e os interesses, o objetivo do artigo é descrever e interpretar
as tensões entre três variáveis: democracia, desigualdade e padrão de capitalismo. A
hipótese é que o compromisso democrático depende de certa igualdade política e socio-
econômica. Argumenta-se que o expressivo aumento da desigualdade, no capitalismo
neoliberal, enfraquece a legitimidade da democracia e, em alguns países, tem estimulado
a emergência de lideranças autoritárias. A principal base empírica são os EUA e o Brasil.
A metodologia é qualitativa, o processs tracing: descrevemos o comportamento tempo-
ral das variáveis qualitativas para explorar inferências causais. Os dados quantitativos
apresentados subordinam-se à análise qualitativa.
PALAVRAS-CHAVE:
neoliberalismo, desigualdades, democracia, Brasil, Estados Unidos
En las democracias, la acumulación capitalista nanciarizada ha implicado un bajo
crecimiento económico y mayores desigualdades políticas, de ingresos y de riqueza. A
nivel estatal, ha implicado la reducción de las políticas de bienestar social. Estos procesos
alimentan la crisis de la legitimidad democrática. Considerando el capitalismo neoliberal,
sus actores e intereses, el artículo pretende describir e interpretar las tensiones entre tres
variables: la democracia, la desigualdad y el patrón del capitalismo. La hipótesis es que
la democracia depende de una cierta igualdad política y socioeconómica. Se argumenta
que el aumento signicativo de la desigualdad, en el capitalismo neoliberal, debilita la
legitimidad democrática y, en algunos países, ha estimulado el surgimiento de liderazgos
autoritarios. La principal base empírica es Estados Unidos y Brasil. La metodología es
cualitativa, de seguimiento de procesos: describimos el comportamiento temporal de
variables cualitativas para explorar inferencias causales. Los datos cuantitativos están
subordinados al análisis cualitativo.
PALABRAS CLAVE:
neoliberalismo, desigualdades, democracia, Brasil, Estados Unidos
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
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In democracies, the nancialization of capital accumulation has implied low economic
growth and increased political, income, and wealth inequalities. At the State level, it has
led to the reduction of social welfare policies. These processes feed the crisis of democrat-
ic legitimacy. Considering neoliberal capitalism’s actors and interests, the paper aims to
describe and interpret the tensions among three variables: democracy, inequality, and the
pattern of capitalism. The hypothesis is that democratic commitment depends, to some
extent, on political and socioeconomic equality. It is stated that the signicant increase
in inequality in neoliberal capitalism weakens the legitimacy of democracy and, in some
countries, has stimulated the emergence of authoritarian leaderships. The main empirical
basis are the United States and Brazil. A qualitative methodology with process tracing
was used to describe the temporal behavior of qualitative variables aiming to explore
causal inferences. The quantitative data are subordinated to the qualitative analysis.
KEYWORDS:
Neoliberalism, Inequality, Democracy, Brazil, United States
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Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
Introdução
A pletora de trabalhos publicados nos últimos anos, por autores de diversas áreas das
ciências humanas e sociais, tratando da crise da democracia liberal – todos com títulos
pessimistas e alarmantes – é um dos indicadores, entre outros, de que estamos diante
de um problema político central e de envergadura internacional. Para destacar apenas
quatro obras com títulos alarmantes, mencionamos as seguintes: Buying Time: The
Delayed Crisis of Democratic Capitalism (Streeck, 2017); Rupture: the crisis of liberal
democracy (Castells, 2018); The People vs. Democracy: Why Our Freedom Is in Danger
and How to Save It (Mounk, 2018); Como a democracia chega ao m (Runciman, 2018).
Mas também, nesse período, surgiram vários trabalhos sobre a crise do capitalismo,
vários deles abordando sua interrelação com a questão democrática, por exemplo:
Streeck (2016), Fraser (2017a; 2017b) e Saad-Filho (2020).
Vários fatos da história recente induzem à percepção de que a democracia e o
capitalismo neoliberal estão em crise. Por um lado, observamos a ascensão de go-
vernantes autoritários, até nos EUA; o ressurgimento de um nacionalismo de direita
e apoiado em massas mobilizadas; os sobressaltos institucionais de constitucionali-
dade duvidosa – como foi a deposição da ex-presidente Dilma Rousse, no Brasil; a
desconança nos partidos, nas eleições, nos parlamentos, nos representantes eleitos
etc. Por outro lado, em 2007-2008, desencadeou-se a crise nanceira internacional,
que, até a atual crise provocada pela pandemia de -19, era considerada a maior
crise do capitalismo após a Grande Depressão.
A crise da democracia é nosso tema de pesquisa, mas, como ela será examina-
da em sua conexão com a desigualdade socioeconômica e política, abordaremos
também sua relação com as características do capitalismo neoliberal. Sendo assim,
três variáveis se destacam nesta pesquisa: a democracia, a igualdade-desigualdade
e o capitalismo, pois esses conceitos e estruturas se relacionam. A hipótese é que o
compromisso democrático depende de certa igualdade política e socioeconômica.
Se a igualdade não cumpre esse papel mínimo, a democracia pode entrar em crise.
Se tomarmos a igualdade-desigualdade como variável independente, a variável
dependente é a legitimidade da democracia. Mas o capitalismo neoliberal é outra
variável importante nesta pesquisa, que tanto pode ser vista como variável indepen-
dente que explica a desigualdade, como também pode ser vista como uma variável
interveniente, situada entre a desigualdade e a legitimidade democrática.
A bibliograa de referência deste artigo contribui para construir a interrelação
entre a crise democrática, o agravamento das desigualdades socioeconômica e
política e o capitalismo neoliberal. Consideramos que a crise da democracia, o au-
mento das desigualdades e o padrão de capitalismo neoliberal têm íntima conexão,
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
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são elementos articulados em uma totalidade. Esse tipo de capitalismo neoliberal
foi se construindo e se tornando hegemônico nas Américas, na Europa e em alguns
países da Ásia desde a aurora dos anos 1980, porém, sob ele, tem aumentado a per-
cepção dos cidadãos de que a democracia liberal não está entregando o bem-estar
prometido por seus defensores.
Nosso método de abordagem é qualitativo, baseia-se no process tracing (Collier,
2011). Descreveremos características-chave do problema de pesquisa, considerando,
principalmente, as consequências da mudança de trajetória decorrente do capi-
talismo neoliberal, que resultou no abandono do padrão de capitalismo regulado
do pós-guerra. Para a descrição, usaremos as fontes mencionadas acima, além de
outras, assim como dados quantitativos sobre a crise da democracia em geral e, es-
pecialmente, seu comportamento nos EUA e no Brasil. Estes países são duas grandes
democracias das Américas e, nos últimos anos, passaram e ainda vêm passando,
como é o caso do Brasil, por experiências de governos com perspectiva político-i-
deológica autoritária. Os dados quantitativos serão usados a serviço da estratégia
metodológica qualitativa. Além disso, recorreremos ao que a teoria política tem a
dizer sobre a democracia e sobre suas relações com a igualdade e com o capitalismo.
Nosso argumento apoia-se na identicação das duas diferentes estruturas de
relação entre Estado (política) e mercado (economia) vigentes, por um lado, na
Golden Age (1945-1975) e, por outro lado, no capitalismo neoliberal. Na Golden Age,
o padrão de relação entre o Estado e o mercado nos países desenvolvidos, que
alavancava a economia mista, expressava um equilíbrio de forças favorável a que a
representação democrática e a gestão parlamentar cumprissem a função política de
serem um contrapeso à desigualdade decorrente do desenvolvimento econômico
(Stone; Trisi; Sherman; Beltrán, 2020); além disso, o desempenho do padrão de ca-
pitalismo então existente era melhor em termos de geração de empregos e de diretos
trabalhistas, inclusive, em vários países, o pleno emprego era um objetivo central
da política econômica (Shoneld, 1965). Por outro lado, a estrutura de relação entre
Estado e mercado, desde o nal dos anos 1970, evoluiu no sentido de os governos
privilegiarem a desregulamentação das atividades econômicas e diminuírem os
gastos com políticas de bem-estar social e seu arcabouço institucional. Além disso,
o desempenho dos mercados no capitalismo neoliberal, resultante do desmonte da
economia mista, passou a ser inferior ao da Golden Age, tanto em matéria de cresci-
mento econômico, quanto em termos da geração e da qualidade de empregos. Nesse
sentido, o capitalismo neoliberal é muito mais propenso a promover a exclusão social,
tanto pelo mercado quanto pelo Estado. Essa dinâmica duplamente excludente tem
enfraquecido os fundamentos do regime da soberania popular, pois ele se enraíza no
princípio da igualdade política (Aristotle, 1887; Dahl, 2006). Apesar de sermos críticos
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Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
em relação ao capitalismo neoliberal, não faz parte de nosso objetivo defender e nem
prever que ele seja superado, ou que a economia internacional deva retornar ao para-
digma keynesiano. Nosso propósito é compreender a relação atual entre democracia
e desigualdade, e não prever o futuro ou prescrever como ele deve ser. Também
não queremos propor como os atores devem se comportar para mudar a realidade.
O artigo possui três seções. Primeiramente, descreveremos a crise internacional
da democracia liberal, inclusive fornecendo algumas informações quantitativas. Em
segundo lugar, faremos a conexão entre as mudanças no padrão de capitalismo regu-
lado, predominante no pós-guerra (economia mista), e a referida crise da democracia
liberal. Na terceira seção, recorreremos a alguns dados empíricos da concentração
de renda e riqueza nos EUA e no Brasil, para dar sustentação ao argumento teórico
de que, no capitalismo neoliberal, as mudanças no mercado e no Estado e nas rela-
ções entre um e outro têm alimentado a crise de legitimidade da democracia. Como
estrutura de poder, o Estado lastreia-se, com mais intensidade que outrora, nos ricos
e muito ricos. Como produtor de políticas públicas, suas decisões são muito voltadas
aos interesses dos agentes de mercado. E, como regime, o Estado democrático se
enfraquece, devido à ampliação das desigualdades, especialmente nas esferas da
política, da renda e da riqueza, embora não só. Esses processos esvaziam o conteúdo
normativo da democracia como regime do poder popular e como regime do poder
da maioria. Nas conclusões, formularemos uma síntese do artigo.
Evidências da crise da democracia liberal
Como a crise da democracia liberal se manifesta? Castells (2018) arma que dois
terços da população mundial são se sentem representados pelos governos, políticos,
partidos e parlamentos. Essas pessoas consideram-se prejudicadas pela corrupção,
pela opressão e pela inecácia dos sistemas políticos de seus países. Reunindo dados
de várias pesquisas, Mounk (2018) avalia que está em curso a recessão democrática,
cuja principal característica é o forte abalo na conança depositada nas instituições.
Ele analisou a conança na democracia nos EUA desde a década de 1970. Concluiu
que, naquele país, caíram rapidamente tanto a conança dos norte-americanos nos
políticos quanto sua conança nas instituições políticas, tendo ambas alcançado
níveis muito baixos. Ou seja, não se trata apenas de descrença nos políticos, mas
no próprio regime democrático-representativo.
Em relação às gerações mais jovens, nascidas após a década de 1980, Mounk
arma que, nos Estados Unidos, em torno de 25% dos millenials avalia que o gover-
no democrático não é adequado. Esse percentual é mais do que 100% maior que
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
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o mensurado nas pessoas mais velhas da amostra. Também no Reino Unido, na
Holanda, na Suécia e na Nova Zelândia, ele observa o fenômeno da decepção com
a democracia. Arma ainda que, no Canadá, Alemanha e Suécia, que são vistos
como democracias consolidadas, os jovens estão muito mais insatisfeitos com esse
regime político que seus pais e avós.
A disponibilidade de parte do público para alternativas autoritárias à democracia
também teve um aumento expressivo nos EUA e em outros países. Ainda segundo
Mounk (2018), de 1995 a 2011, aumentou de 34% para 44% a quantidade de jovens
entre 18 e 24 anos que avaliavam como bom ou muito bom um sistema político que
admitisse um líder autoritário, para que o governo não fosse prejudicado pelas elei-
ções e pela política parlamentar. No conjunto das faixas etárias e no mesmo período,
essa mesma avaliação subiu de 24% para 32%. Tendências crescentes de apoio a
regimes e a políticos autoritários foram identicadas também nas principais demo-
cracias europeias, como Alemanha, França e Reino Unido. Referindo-se à Espanha
e apoiado em pesquisas do Eurobarômetro e do CIS, Castells (2018) arma que, de
2000 a 2016, a desconança dos cidadãos nos partidos políticos aumentou de 65%
para 88%, e a desconança no parlamento e no governo elevou-se de 39% para 77%.
Segundo o relatório do Latinobarómetro (2018), apenas cerca de 20% dos latino-
-americanos acreditavam que seus países estavam progredindo. Dos mais de 20 mil
entrevistados em 18 países da região, somente 5% avaliavam que existia democracia
plena no país em que viviam. Cerca de 25% das pessoas apontavam pequenos pro-
blemas e, para quase 50%, havia sérias deciências no regime político. Além disso,
14% avaliavam que seus governos não podiam ser considerados democráticos. Marta
Lagos, diretora do Latinobarômetro, considerou que 2018 foi o annus horribilis da
democracia na América Latina. Disse também que uma diabete democrática se espa-
lhava pela região e que era necessário compreender essa situação1. Ao contextualizar
historicamente a avaliação popular da democracia, os dados do Latinobarómetro
indicavam que, desde a segunda metade dos anos 1990, quando essa agência come-
çou a realizar pesquisas em todos os países da América Latina, o ponto mais alto de
apoio ao regime democrático foi alcançado em 1997, quando atingiu 63%. Nos anos
mais recentes (antes da crise da -19), a avaliação positiva da democracia caiu
para 48%, o ponto mais baixo desde 2001.
Os fatos políticos conrmam as pesquisas de opinião. Nos últimos anos, ascen-
deram líderes e movimentos que questionam a democracia liberal, tanto de direita
como, em menor medida, de esquerda. A direita ideológica tem feito uma crítica
radical à institucionalidade democrática, propondo mudanças urgentes para comba-
1. Consultar Molina (2018).
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Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
ter a corrupção (que considera ser decorrente do crescimento da máquina pública)
e para proteger a identidade nacional ou religiosa da nação. Sabemos que Donald
Trump e Jair Bolsonaro incluem-se no extremo dessa perspectiva ideológica, que,
inclusive, põe em xeque o regime democrático. A esquerda, por sua vez, denuncia
a captura das instituições políticas pelas elites e propõe reformas que democrati-
zem a democracia. Bernie Sanders, do Partido Democrata dos EUA, e o Partido
dos Trabalhadores, no Brasil, são exemplos desse tipo de crítica. Enm, esses fatos
evidenciam a crise de legitimidade das instituições da democracia liberal, que mina
um princípio moderno desse regime político: a representação política. Está posta
em questão a pretensão – e presunção – representativa da democracia moderna de
poder ser ou de ser uma imagem el das vontades e interesses de seus constituintes.
Instituições políticas corporicam ideias e valores no mundo político real. O
entendimento de que o parlamento e o governo agem, primordialmente, norte-
ados pela vontade popular dos eleitores fornece, em tese, a crença-chave para a
legitimidade da democracia representativa, não apenas para a credibilidade dos
políticos eleitos, mas para a própria convicção de que o sistema representativo em
si, a despeito das falhas ocasionais e corrigíveis, é, efetivamente, o melhor arranjo
político-institucional para garantir o poder soberano do povo. Mas o que ocorre se
essa crença vital é abalada?
A eleição de Trump, nos EUA, e a vitória do Brexit, no referendo do Reino Uni-
do, ambos em 2016; a eleição de Bolsonaro, em 2018; os votos recebidos, em vários
outros países, por candidatos a chefes de governo inclinados ao extremismo político
de direita; a invasão do Capitólio pelo trumpismo, em janeiro de 2021, enm, esses
fatos iluminam a percepção empírica da desconança na democracia e na globali-
zação. Prever tendências futuras é arriscado. Será que a virada autoritária ocorrida
na década passada está se esvanecendo, sobretudo devido à vitória do Partido De-
mocrata nas eleições de 2020? Mas em que medida a crise da democracia poderá ser
superada sem que o modelo econômico que fornece a base material do desencanto
com o regime popular sofra alteração?
Um relatório publicado em 2004 pela American Political Science Association
(APSA) foi premonitório. Concluiu que a ínma minoria do 1% mais rico se dis-
tanciou não apenas dos pobres, mas também da classe média; que a participação
popular nas eleições era decrescente, mas bastante desigual, pois se concentrava
especialmente nos mais pobres, distorcendo a representação popular no sistema
político; e que as doações para as campanhas eleitorais provinham cada vez mais,
e em quantias volumosas e crescentes, dos ricos e muito ricos. Como resultado,
a atuação parlamentar dos políticos eleitos passa crescentemente a ser exercida,
visando atender às demandas dos que nanciam as eleições.
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
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Além disso, há outras mudanças sociais e institucionais originadas neste con-
texto econômico e político, que contribuem para distorcer adicionalmente a repre-
sentação popular e as motivações dos representantes políticos, como a crescente
concentração de renda e riqueza, a queda da taxa de sindicalização, a deterioração
dos mercados de trabalho e da vinculação prossional das pessoas e a legalização
e ampliação das empresas de lobby. Essas mudanças, por um lado, enfraquecem as
relações dos trabalhadores e mais pobres com o sistema representativo e, ao mesmo
tempo, promovem a mercantilização crescente da política e das decisões do Estado,
que cam, por assim dizer, à imagem e semelhança do Deus Capital.
Ademais, em um mundo de emergência de tecnologias disruptivas, a exclusão
digital de parcelas da população é outro fator de geração da desigualdade social e
política (Eubanks, 2017). As novas tecnologias de informação e comunicação torna-
ram-se um recurso político fundamental, mas elas vêm sendo incorporadas de modo
crescentemente desigual pelos distintos grupos sociais. Algumas organizações já
atuantes e enraizadas, como é o caso do Political Action Committee (PAC) nos EUA,
aprofundam sua imersão na política, acentuando ainda mais as desigualdades de
todos os tipos (APSA, 2004).
A democracia liberal tem sido contestada e pressionada regressivamente tanto
na questão dos direitos individuais fundamentais como na questão da soberania
popular, que se expressa institucionalmente no princípio majoritário. Essa regres-
são democrática não ocorre por meio de tanques nas ruas, parlamentos fechados
e nem pela suspensão de eleições, como se deu no século XX, nas ondas reversas
da democracia, que resultaram em ditaduras fascistas na Europa, em ditaduras
militares na América Latina e assim por diante. Pelo contrário, os ataques atuais
à democracia liberal têm sido feitos em seu nome e em nome da liberdade. Em
alguns casos, esses ataques vêm dos próprios representantes de corpos legislativos,
mas também de forças da sociedade civil, como a grande mídia e os movimentos
conservadores enraizados em igrejas neopentecostais e em ideologias de direita e
extrema-direita. Na América Latina, por exemplo, discute-se sobre os novos golpes
de Estado (Cruz; Kaysel; Codas, 2015).
David Runciman (2018) discorre sobre alguns políticos eleitos que usam a demo-
cracia como porta de entrada para combatê-la. Uma explicação para essa estratégia
argumenta que as instituições democráticas se rmaram como ordem político-nor-
mativa, tornando-se mais resistentes aos golpes armados e às fraudes eleitorais. Esse
combate à democracia a partir de dentro remete aos golpes graduais, colocados em
prática por meio de uma luta política ambígua e disfarçada, que pode durar anos,
dicultando seu enfrentamento, devido à sua feição dissimulada e à astúcia de sua
condução. A passividade participativa da cidadania, que vem caracterizando alguns
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Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
regimes democráticos e tem relação com os resultados ruins do mercado e da política
representativa, é uma expressão da perda de qualidade da democracia, que pode
beneciar os golpes graduais ou novos golpes.
Cabe uma referência empírica mais abrangente sobre o que se passa com a demo-
cracia em 167 países, nos últimos 15 anos. Ela é fornecida pela The Economist Intelli-
gente Unit´s Index of Democracy (EIU) (Tabela 1). A despeito de possíveis críticas a seus
pressupostos ideológicos e critérios metodológicos, seus relatórios anuais não deixam
de ser uma referência para avaliar os tipos de regime e a qualidade da democracia.
Democracias
plenas
Democracias
falhas
Regimes
híbridos
Regimes
autoritários
2006 28 54 30 55
2008 30 50 36 51
2010 26 53 33 55
2011 25 53 36 53
2012 25 54 37 51
2013 25 54 36 52
2014 24 52 39 52
2015 20 59 37 51
2016 19 57 40 51
2017 19 57 39 52
2018 20 59 37 51
2019 22 54 37 54
2020 23 52 35 57
2021 21 53 34 59
Fonte: Economist Intelligence Unit (EIU) - https://www.eiu.com/n/
TABELA Índice de Democracia por Tipo de Regime (2006-2021)
A Tabela 1 evidencia que caiu o número de democracia plenas de 2008 a 2021 (de
30 para 21); que aumentou o número de democracias falhas de 2014 a 2018 (de 52 para
59); e que, de 2018 a 2021 aumentou o número de regimes autoritários (de 51 para 59).
Antes da próxima seção, precisamos esclarecer dois pontos teóricos fundamentais
sobre a democracia, que são úteis para compreender a crise da democracia acima
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
30
descrita. Em primeiro lugar, a democracia funda-se no princípio da igualdade políti-
ca, formulado pioneiramente por Aristóteles (Aristotle, 1887). Ao abordar essa tese
clássica, Dahl (2006: 6) diz que “the only political system for governing a state that
derives its legitimacy and its political institutions from the idea of political equality is a
democracy 2. Na losoa política clássica, a principal característica do cidadão era a
participação nas magistraturas, direito que se aplicava, principalmente, ao cidadão
da democracia, sobretudo em seu tipo mais perfeito, que se fundava na igualdade
denida pela lei.
Além disso, a democracia clássica era direta. O critério de escolha das magis-
traturas era o sorteio, e não a representação política. Todos os cidadãos devem ser
eleitores e eleitos, de modo que, por alternância, todos comandam cada um e cada
um comanda todos. Os cidadãos são iguais e participam nas decisões políticas,
que são tomadas conforme a escolha da maioria, que é formada pelos pobres. Em
consequência, a democracia se defronta com o difícil dilema de convivência da
maioria pobre com a minoria rica, ou seja, com a oligarquia. Na reexão aristoté-
lica da democracia, a tendência de oposição entre a maioria pobre e a minoria rica
é uma preocupação central. Ele menciona, por exemplo, a opinião dos ricos, que
consideram injusta a igualdade política entre quem tem e quem não tem bens. Esta
discussão nos remete à tendência de oligarquização da representação democrática,
induzida, mais intensamente que outrora, pelo capitalismo neoliberal, cujas práticas
de mercado e inuência nas políticas públicas alteram, em prol dos ricos, a relação
de forças entre capital e trabalho.
Capitalismo neoliberal e seu impacto na democracia
A crise da democracia liberal tem relação com as mudanças sociais e políticas
produzidas pela metamorfose do capitalismo no pós-guerra. De modo desigual
e combinado, conforme cada país, uma economia política internacional de perl
keynesiano transformou-se em um modelo de corte neoliberal-hayekiano. O esgo-
tamento do ciclo econômico de expansão do pós-guerra e do modelo keynesiano que
lhe sustentou começou a se manifestar na recessão internacional de 1973-75, que
foi caracterizada como uma crise de estagação. Essa crise ensejou a oportunidade
histórica para que os insatisfeitos com o padrão regulado de capitalismo pressio-
nassem pela liberalização dos mercados. Abordando esta transição, Streeck (2017)
destaca o impacto negativo nos empregadores e em alguns governos causado pela
2. “o único sistema político para governar um Estado que deriva sua legitimidade e suas instituições
políticas da ideia de igualdade política é a democracia” (tradução própria).
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Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
onda de greves e protestos de 1968 e 1969, em vários países. Essa turbulência polí-
tica foi atribuída à longa fase de crescimento e pleno emprego aberta no pós-guerra,
acompanhada também da expansão do Estado de bem-estar social. Em reação, o
grande capital teria iniciado seus preparativos para se livrar do contrato social da
Golden Age e da economia mista. Nesse sentido, o neoliberalismo é visto como uma
reação do capital para alterar, a seu favor, a relação de forças com os trabalhadores,
reagir à democracia social e, assim, melhorar sua posição no conito distributivo.
Vários autores destacam a desregulação nanceira e o modelo nanceirizado
de acumulação de capital como uma das principais características econômicas do
neoliberalismo (e.g. Guttmann, 2008; Stiglitz, 2003; Stiglitz; Ocampo; Spiegel;
Ffrench-Davis; Nayyar, 2006). Saad-Filho (2020) identica cinco características no
sistema de acumulação do capitalismo neoliberal: (1) a nanceirização da produção,
das relações de troca e da reprodução social; (2) a globalização da produção e dos
circuitos de acumulação; (3) a função-chave da transnacionalização e nanceirização
do capital na acumulação e na estabilidade da balança de pagamentos, favorecendo,
em escala internacional, a incorporação de novas tecnologias, modos de produção e
especialização, que mudaram os sistemas econômicos e sociais e viabilizaram taxas
de exploração mais elevadas que as possíveis de serem alcançadas em sistemas de
acumulação anteriores, como o liberalismo do século XIX, o keynesianismo e o
desenvolvimentismo; (4) amplas privatizações, adoção generalizada de regulações
pró-capital e um padrão especíco de gestão das corporações e do Estado; e (5)
a exigência de políticas scais e monetárias contracionistas e de bancos centrais
independentes, enm, de padronização da política macroeconômica. Essas carac-
terísticas identicam o caráter intensamente market-oriented do neoliberalismo,
embora ele não seja um processo apenas econômico, mas também social, político
e ideológico, que congura um modelo de sociedade e de sistema capitalista.
A crise de 2008 ensejou uma oportunidade ímpar para os críticos do capitalismo
neoliberal, mesmo os mais moderados politicamente, avaliá-lo. Delm Netto (2018:
280), ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura no Brasil, consi-
dera que sua origem estava na “maléca autonomização do sistema nanceiro”,
que, segundo (Stiglitz, 2003), foi impulsionada pela política de desregulamentação
desenfreada, iniciada nos EUA e expandida pelo resto do mundo. Essa intensa
liberalização diminuiu a proteção aos consumidores dos serviços bancários e nan-
ceiros, enfraqueceu as regras de higidez contábil e incentivou a criação de bolhas
especulativas. Além disso, foram cortados impostos sobre ganhos de capital, ou seja,
sobre a valorização de ativos, como ações. Houve um culto explícito e interessado ao
acionista, que, por ser visto como um herói, deveria ser taxado com menos ênfase
que os trabalhadores, que ganham o pão com o suor do rosto.
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
32
As transformações neoliberais são amplas e profundas, não foram restritas à
esfera econômica e à modalidade de acumulação de capital que elas promoveram.
As mudanças alcançaram o campo das ideias, a disputa das narrativas. Mudou a
reexão sobre os efeitos da economia na esfera social. Palma (2009) aborda a expli-
cação que os ideólogos do neoliberalismo dão para o fracasso de algumas pessoas e
grupos sociais. Ele seria decorrente de causas como pouca sorte, falta de habilidades
úteis e especícas, experiência anterior circunscrita a ambientes com barreiras ao
funcionamento do livre mercado, ou, enm, por resistência deliberada dos fracas-
sados aos supostos efeitos harmonizadores da mão invisível. Suas palavras tocam
no ponto central do pensamento social e político do neoliberalismo:
In sum, within this framework [free market of neoliberalism] it cannot be said that in
capitalism there are systematic inequalities or injustices, only anonymous market forces
that produce an ecient distributive outcome (given certain conditions). Furthermore,
the story of anonymous free market forces and optimum equilibria allows one to blame
the state (and those who do not respect the rules of the game) rather than capitalism
or unregulated markets for anything that goes wrong3. (Palma, 2009: 838)
Não ignoramos que os atores políticos preocupados com a superação das desi-
gualdades podem tirar proveito de janelas de oportunidade para se oporem ou pelo
menos para amenizarem a forte tendência estrutural no sentido da padronização
neoliberal das relações econômicas e sociais e das políticas públicas governamentais.
A ideologia que propõe o casamento entre o Estado mínimo e os mercados desregu-
lados tende a gerar precarização do trabalho, crescimento baixo, maior vulnerabi-
lidade a crises e a diminuir os gastos públicos em novos investimentos produtivos
e nas políticas sociais. Obviamente, não consideramos que o Estado seja mínimo
para todas as pessoas. Sabemos, por exemplo, o quanto a minoria rica captura o
orçamento público, seja pelo rentismo com os títulos públicos, com a privatização
das empresas estatais, com as reformas da seguridade social etc.
A chamada Onda Rosa latino-americana, sobretudo na primeira década deste
século, congurou um contexto no qual governos de centro-esquerda e esquerda, na
Venezuela, Brasil, Uruguai, Equador, Bolívia, Chile, Honduras, México e Nicarágua
procuraram construir uma alternativa progressista para responder à insatisfação
3. Em suma, dentro desse quadro [livre mercado do neoliberalismo] não se pode dizer que no capitalismo
existam desigualdades ou injustiças sistemáticas, apenas forças de mercado anônimas que produzem
um resultado distributivo eciente (dadas certas condições). Além disso, a história das forças anônimas
do livre mercado e do equilíbrio ótimo permite culpar o Estado (e aqueles que não respeitam as regras
do jogo) em vez do capitalismo ou mercados não regulamentados por qualquer coisa que dê errado.
(Palma, 2009: 838, tradução própria)
33
Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
popular com os resultados das políticas orientadas para o mercado nos anos 1990.
Entre 2003 e 2013, a desigualdade foi reduzida, apesar do ambiente institucional
hostil. Vários programas de transferência condicional de renda foram executados.
Em alguma medida, tentou-se exibilizar a disciplina dos mercados, conciliando
neoliberalismo, desenvolvimentismo e políticas de bem-estar social (Campello,
2015). Porém, em todos esses países, houve e ainda há profunda diculdade para
se alterar os fundamentos da política macroeconômica (áreas monetária, scal e
cambial). Devido à globalização, os investidores possuem o direito à mobilidade
de capital, o que torna os governos vulneráveis às suas exigências. A experiência
internacional recente na América Latina mostrou que a tentativa de exibilizar as
exigências dos investidores globais e de introduzir políticas sociais compensatórias,
quando são bem feitas, tendem a produzir resultados positivos mais relevantes ape-
nas nas fases expansivas do ciclo da economia global, como ocorreu no boom das
commodities (2000-2014). Porém, mesmo nesse período, os investidores admitiram,
no máximo, a exibilização nas políticas microeconômicas, mas não na ordodoxia
macroeconômica. Não queremos dizer que essa tendência estrutural de manter a
política macroeconômica moldada pela ideologia dos mercados livres seja uma lei
natural irrevogável, mas que é difícil enfrentá-la. Nosso argumento é que a combi-
nação entre as relações desreguladas nos mercados e o constrangimento estrutural
do Estado para não alterar essa situação acaba por promover a desigualdade pela
porta de entrada da economia e pela porta de entrada da política, de modo que essa
dupla tendência restritiva impacta negativamente na democracia.
Na ciência política, as consequências do capitalismo neoliberal colocaram em
xeque o conceito de median-voter (que revela semelhanças com a crença nos mer-
cados livres e equilibrados presente na economia neoclássica). Hacker e Pierson
(2010: 164) questionam esse conceito nos seguintes termos:
In a competitive system, after all, rising inequality—especially rising inequality that
makes most citizens relatively worse o—should create pressures for a government
response, as politicians vie to attract majority support. The lack of such a response is
thus deeply puzzling in standard median-voter models of redistribution, which argue
that greater inequality in the distribution of market income (typically operationalized
as the ratio of median income to mean income) should lead to greater median-voter
support for redistribution and, thereby, more redistributive public policy4.
4. Em um sistema competitivo, anal, o aumento da desigualdade – especialmente o aumento da de-
sigualdade que torna a maioria dos cidadãos relativamente pior – deve criar pressões por uma resposta
do governo, à medida que os políticos competem para atrair o apoio da maioria. A falta de tal resposta
é, portanto, profundamente intrigante nos modelos padrão de redistribuição do eleitor mediano, que
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
34
Tomando como exemplo os EUA, esses autores avaliam que diminuíram bastante
as políticas governamentais (impostos e benefícios) redutoras da desigualdade. As
decisões políticas têm favorecido o aumento da desigualdade de renda, devido à
queda tanto do salário direto, com as leis que exibilizam o mercado de trabalho,
como no salário indireto, devido à política tributária favorável aos ricos e à redução
das políticas de bem-estar social.
O conceito de median-voter vem sendo colocado em questão desde os anos 1980,
devido especialmente à conjunção de dois processos complementares: (a) o eleitorado
tem se eximido de participar do processo político, a começar pela esfera eleitoral; (b)
ao contrário do que ocorreu na Golden Age, as eleições e os mandatos dos represen-
tantes, enm, a democracia, tem sido crescentemente capturada pelos muito ricos e
pelos milionários, pois a função parlamentar vem se caracterizando, tendencialmente,
por responder aos interesses dos que não apenas votam, mas nanciam as campanhas
eleitorais. cada vez mais, a concentração da riqueza e do poder político se associam.
Ademais, o atual ambiente político é repleto de mecanismos de construção de
um pensamento único, de uma ideologia hegemônica, que propala ideias como
meritocracia, livres mercados, Estado mínimo, individualismo, empreendedorismo,
austeridade scal e assim por diante, mobilizadas para legitimar e dar racionali-
dade ao capitalismo desregulado. O principal instrumento dessa nova tecnologia
do poder (Palma, 2009) é o Estado, que se vê induzido, pelas pressões de agentes
econômicos oligopolizados e globalizados, a facilitar o caráter nanceirizado e
rentista da acumulação de capital. Entre os arquitetos dessa obra política, pode-se
incluir alguns setores de atividade como as instituições nanceiras, as gigantes do
petróleo (corporações produtivas mais poluentes do antigo padrão de acumulação),
as big techs, partidos políticos e redes de intelectuais, destacando-se economistas
vinculados à ortodoxia neoclássica. Esta formulação de Palma (2009) dialoga com o
conceito de income defense industry, cunhado por Winters (2011), qu e inclui também
os prossionais de diversas áreas, que têm espaço na mídia, como, entre outros,
advogados, administradores de empresas, advogados, cientistas políticos, além,
obviamente, dos economistas. Os meios de comunicação, por sua vez, são cada vez
mais controlados (inclusive na propriedade do seu capital) por empresas das nan-
ças, de modo que promovem concepções ultraliberais da economia e do Estado,
como se não houvesse alternativa a elas. Winters cunhou o referido conceito para
destacar como se conjugam, atualmente, as relações entre a política democrática e
os negócios do setor privado. Os prossionais que atuam na indústria de defesa da
argumentam que uma maior desigualdade na distribuição da renda do mercado (normalmente operacio-
nalizada como a razão entre a renda mediana e a renda média) deve levar a um maior apoio dos eleitores
medianos à redistribuição e, portanto, a uma política pública mais redistributiva. (tradução própria)
35
Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
renda dedicam-se a inuenciar a produção legislativa dos parlamentos em inúmeros
países. Articulando-se com o poder político, os ideólogos e os agentes econômicos
do grande capital concentrado nutrem-se com vantagens e rendas. Ao inuenciar a
formação da opinião pública, a mídia produz e reproduz valores ideológicos favoráveis
à acumulação nanceirizada do capital e à precarização do trabalho, participando,
assim, do mecanismo que opera para esvaziar a capacidade da democracia divergir
do mainstream (Streeck, 2017).
Novamente, enfatizamos que há contradições. Polanyi (1957), por exemplo,
abordou o duplo movimento, uma dinâmica que, por um lado, pressiona no sentido
do mercado e, por outro lado, resiste a ele, seja para corrigir seus excessos ou mesmo
colocar em questão sua própria existência. Mas, diante do atual impasse do capita-
lismo neoliberal, há até quem avalie que esse sistema econômico está morrendo por
autodestruição. Tendo perdido a capacidade de restauração, o capitalismo estaria
em estado de entropia (Streeck, 2016).
Para entender o que se passa, os velhos ensinamentos da Teoria Geral de Keynes
(1936 ) são atuais. Ao referir-se à eutanásia do rentista, esse autor pensava em reduzir
o poder do sistema nanceiro na economia. Nesse sentido, na Conferência de Breton
Woods, em 1945, Keynes posicionou-se favoravelmente à regulação internacional
das nanças, para que as autoridades de política econômica dos Estados nacionais
pudessem formular políticas que estivessem, ao menos parcialmente, protegidas
contra eventuais instabilidades na ordem nanceira mundial, como havia ocorrido
na Grande Depressão. Não p or acaso, as crises nanceiras foram bem menos comuns
nas décadas de 1950 e 1960 do que vêm sendo desde os anos 1980. O objetivo nor-
mativo de Keynes era alcançar o pleno emprego nos diversos países. Com a regulação
nanceira do pós-guerra e com a expansão da democracia nos países desenvolvidos,
as políticas econômicas puderam promover crescimento em níveis mais elevados,
propiciando uma expansão mais igualitária da renda (Stone et al., 2020; Shoneld,
1965). Naquela fase do capitalismo, o crescimento também se deu sob estruturas
institucionais reguladas de mercados de trabalho nacionais, com proteções aos que
recebiam rendas menores.
Além de preconizar a eutanásia do rentista, ou seja, o investidor sem função,
Keynes também defendeu políticas scal e tributária progressivas, visando que a
renda uísse em proporções maiores para as mãos dos mais pobres, que têm maior
propensão marginal a consumir. Sua principal preocupação era expandir a demanda
efetiva, para avançar em direção ao pleno emprego. Nesse sentido, as políticas de
gastos públicos e de arrecadação de impostos indutoras do aumento do consumo
articulam-se com sua proposta de uma taxa de juros adequada ao aumento dos
investimentos diretos.
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
36
Após estas considerações sobre como as transformações no padrão de capitalismo
regulado do pós-guerra têm impactado no Estado, na democracia e nas ideias (eco-
nomia política, ciência política, meios de comunicação etc.), vamos agora recorrer
a alguns dados empíricos sobre a desigualdade, sobretudo nos EUA e no Brasil, e
sobre a distribuição dos regimes políticos no mundo. Pensamos que eles contribuem
para o argumento central deste trabalho sobre os nexos atuais entre democracia,
desigualdades e capitalismo neoliberal: o regime da soberania popular vem sendo
enfraquecido pelo modelo de capitalismo ultraliberal, pelo fato dele elevar as de-
sigualdades nas esferas socioeconômica e política em níveis que deterioram pres-
supostos básicos da legitimidade democrática. Por outro lado, não ignoramos que
há também inúmeras outras desigualdades, tais como de gênero, racial, de opção
sexual, de expressão religiosa etc.
Democracia e Desigualdade: no mundo, nos EUA
e no Brasil
A compreensão do processo mais ou menos simultâneo de ampliação das desigualda-
des e de erosão do papel progressista que a democracia desempenhou no pós-guerra,
sobretudo nos países do hemisfério Norte, onde se garantia melhor distribuição da
renda e da riqueza, requer descrever e diagnosticar linhas gerais da relação entre
capitalismo e democracia nos últimos 40 anos.
Nosso argumento é que a relação entre capitalismo e democracia na globalização
neoliberal tem sido uma espécie de círculo vicioso, distinto da tendência relativamen-
te mais satisfatória da Golden Age, quando um e outro se fortaleceram mutuamente,
ao menos nos países desenvolvidos. Dizer isso não signica miticar o capitalismo
regulado do pós-guerra e nem sonhar com seu retorno, tampouco signica ignorar
as desigualdades entre os países e as relações de poder no sistema internacional,
tanto no pós-guerra como ainda hoje. Signica apenas comparar características
gerais daquele padrão de capitalismo com o padrão atual.
A relação entre capitalismo e democracia é controversa na teoria política, ha-
vendo pontos de vista otimistas e pessimistas. Abordando esse problema, Almond
(1991) lembra que, entre os liberais, há desde os otimistas, que consideram que
o mercado e o comércio incentivam as liberdades, os direitos civis e a paz, até os
pessimistas, como Schumpeter, que previu a decadência do capitalismo. No campo
do pessimismo, com a democracia burguesa, estão também os socialistas, a começar
por Marx. Dahl (1971) avalia que as democracias (poliarquias) enfrentam problemas
quando há desigualdades extremas, pois isso equivale a uma distribuição desigual dos
37
Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
recursos políticos fundamentais para a competição política, gerando ressentimentos
e frustrações, que prejudicam o compromisso democrático. Ou seja, a igualdade
política depende também da igualdade socioeconômica.
Entre outros conteúdos, esta seção apresenta, como referência empírica, as
seguintes informações e dados: a) sobre a concentração de renda e riqueza no capi-
talismo globalizado neoliberal, com ênfase nos EUA e do Brasil; b) sobre o compor-
tamento desses dois países na classicação dos regimes políticos da já mencionada
Economist Intelligence Unit; c) sobre reações sociais, políticas e intelectuais contra a
globalização e a desigualdade.
Hacker e Pierson (2010) argumentam que a análise política dos EUA, país cres-
centemente desigual, padece de fraquezas, pois não foca nas políticas públicas que
provocam aumento da desigualdade e nem nos grupos organizados que as defendem,
por meio de ações de lobby. Avaliam que a análise política naquele país adota um
foco individualista, seja em pessoas ou personalidades, ou seja na relação entre o
eleitor e o político. Consideram que essa abordagem perde de vista a real nature-
za do funcionamento da política que, desde o nal dos anos 1970, caracteriza-se,
segundo eles, pela interação entre a winner-take-all economy e a winner-take-all
politics. A ideia de winner-take-all economy remete ao conceito de winner-take-all
market, um mercado em que, mesmo que um produto ou serviço seja somente um
pouco melhor que os ofertados pelos concorrentes (1% melhor, por exemplo), ele
acaba tendo uma participação desproporcionalmente elevada (90% a 100%) nas
receitas totais das vendas. Assim, o principal fornecedor ganha muito mais que os
concorrentes. Criticando a ideia de que a economia atual é um resultado das leis
do mercado, da globalização, da competição e das mudanças tecnológicas, esses
autores argumentam que ela tem íntima relação com as decisões políticas que lhe
dão suporte, denominadas pelos autores de winner-take-all politics.
Essa economia política é caracterizada pela hiperconcentração de renda, que
opera por mecanismos sustentáveis no tempo, ao passo que os não ricos (pobres e
classe média) usufruem apenas de benefícios distributivos limitados. Resulta daí o
que eles chamam de winner-take-all inequality. As políticas públicas que sustentam a
winner-take-all economy não são apenas as das áreas tributária, scal e de rendas, mas
também as que denem a estrutura e remuneração das empresas, o funcionamento
dos mercados nanceiros e as relações industriais. Em 1996, Frank e Cook publicaram
o livro Winner-Take-All Society. Why the Few at the Top Get So Much More Than the Rest
of Us, no qual argumentaram que os winner-take-all markets aumentaram as disparida-
des entre ricos e pobres. Em relação à winner-take-all politics, destacam-se a ascensão
de novos grandes grupos empresariais, com redobrada capacidade de delimitar o
processo decisório público, a aliança entre o movimento evangélico politicamente
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
38
mobilizado e as megacorporações, o fortalecimento do espectro político-ideológico de
direita no Partido Republicano, a profunda inuência dos nanciadores eleitorais nos
resultados das eleições, os regimentos internos dos parlamentos, o funcionamento
do Poder Judiciário etc. A winner-take-all politics diz respeito também às mudanças
nas instituições democráticas e no Estado como um todo, que impactam no sistema
representativo, no mercado e nos diversos tipos de desigualdade.
Adotando essas metáforas para comparar o capitalismo regulado com o ca-
pitalismo neoliberal, pode-se dizer que, nas últimas décadas, o casamento entre
capitalismo e democracia tem cada vez mais se processado no sentido de minimi-
zar a chance de induzir a que, em certa medida, os regimes democráticos possam
avançar em relações socioeconômicas do tipo win-win. Ao contrário, a tendência
predominante nas democracias é no sentido lose-lose. Avaliamos que a interação
entre a winner-take-all economy e a winner-take-all politics tem desencadeado uma
tendência no sentido da sociedade em que tanto a maioria quanto o regime de governo
da maioria perdem.
Dois fatos históricos podem ser destacados como demarcadores do fortalecimen-
to do debate atual sobre a interligação dos temas da desigualdade, da democracia e do
capitalismo neoliberal: a crise nanceira internacional de 2007-2008, desencadeada
nos EUA, onde cou conhecida como Great Recession, e o protesto Occupy Wall Street,
ocorrido em Nova York, em 201 1, que, em seguida, se desdobrou no Occupy Movement,
envolvendo manifestações em cerca de 30 países, em vários continentes. O slogan
do protesto foi We are the 99%, que criticava diretamente a concentração da renda e
da riqueza nas mãos do 1% mais rico dos EUA, em prejuízo da imensa maioria. Esse
movimento foi, na ocasião, o segundo mais importante da história da globalização,
desde a queda do Muro de Berlin, em 1990. O primeiro havia sido a Battle of Seattle,
ocorrida em Washington, em 1999, durante um encontro da Organização Mundial
do Comércio. Nesse evento, os manifestantes, cuja maioria eram jovens, armaram,
em alto-falantes, que sua proposta era formar uma cidadania global a serviço de uma
economia democrática global. Por outro lado, a Great Recession alavancou o debate
sobre a crise do capitalismo neoliberal, até hoje em pé.
Uma das consequências da conjunção entre esses fatos e processos – a crise de
2007-2008, a globalização neoliberal e o aumento da preocupação com as desigual-
dades, nas universidades, movimentos sociais, ONGs, enm – foi a ênfase sobre o que
se passa não apenas nos 10% mais ricos como um todo, mas também no segmento
especíco do 1% mais rico. Uma especicidade da concentração da renda e da rique-
za em curso nas últimas décadas, em praticamente todos os países, é sua crescente
acentuação nesse 1%, ou seja, no ápice da pirâmide distributiva. O entendimento
desse fenômeno de extrema concentração de renda e riqueza tem aproximado pes-
39
Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
quisadores do temário das desigualdades situados na economia política, na ciência
política e na sociologia, com o objetivo de compreender a relação entre as esferas
de poder econômico e de poder político, sendo cada vez mais difícil identicar onde
começa uma e termina a outra (Grin; Hajnal; Newman; Searle, 2016).
Facundo, Chancel, Piketty, Saez y Zucman (2018) publicaram o World Inequality
Report, baseado em dados de países de todos os continentes, referentes ao ano de
2016, do World Inequality Database (s.f.a), organizado por pesquisadores liderados
pelo economista francês Thomas Piketty. Pelos dados dessa fonte, em 1978, o Top
1% scal income share nos EUA era 10.4%. Desde então, percorreu uma trajetória de
aumento. Em 2007, no início da crise nanceira internacional, esse indicador estava
em 18.5%. Em 2019, era 18.8% (Tabela 2 ). Note-se que, no mesmo período, enquanto
a participação do 1% mais rico na renda e na riqueza crescia, respectivamente, 80%
e 62%, ocorria o inverso com a renda dos 50% da base da pirâmide social e com a
riqueza dos Middle 40% share, que caíram, respectivamente, 30% e 20%.
1978 2019
Desigualdade
de renda
1% Topo 10.4% 18.8%
50% De baixo 19.1% 13.3%
Desigualdade
de riqueza
1% Topo 21.5% 34.9%
40% Do meio 34.8% 27.8%
Fonte: World Inequality Database (s.f.b).
TABELA Desigualdade Socioeconômica EUA
Segundo Piketty (2014; 2020) essas tendências têm produzido os novos bilioná-
rios, cujo número não cessa de crescer desde 1990. Ele argumenta que, diferente-
mente da crença comum, esses bilionários não criam empregos e nem impulsionam
o crescimento econômico. Além disso, toda essa concentração de renda e riqueza
nos EUA tem ocorrido ao mesmo tempo em que a taxa de crescimento da renda per
capita nesse país, onde mais há bilionários, caiu de 2.2%, entre 1950 e 1990, para
1.1% atualmente. Ademais, a dinâmica econômica de acumulação de capital que
alavanca essas concentrações é mais propensa a crises nanceiras. Por tudo isso,
Piketty tem defendido um imposto gradativo sobre o patrimônio, visando redistri-
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
40
buição de renda. Para os que possuem riqueza superior a dois bilhões de euros ou
dólares, o imposto proposto chega a 90%5.
No referido relatório, o Brasil destaca-se negativamente por ser o país onde o
1% mais rico da população (cerca de 2,1 milhões de pessoas) detém a maior fatia
proporcional de renda nacional no mundo: 28% (antes dos impostos). Ou seja,
mais que qualquer outra nação, o Brasil é o país do 1%. Como a equipe do relatório
ainda não possuía dados consolidados para o conjunto da América Latina, eles se
limitaram a indicar que, na Argentina e Colômbia, o 1% mais rico é maior que 16%.
Em relação aos 10% mais ricos, a renda por eles concentrada, em 2016, era 61%
no Oriente Médio, 55% no Brasil e na Índia e 54% na África Subsaariana. A região
menos desigual do planeta é a Europa, onde os 10% mais ricos compartilham 37%
da renda produzida.
Tanto os EUA quanto o Brasil seguiram, cada qual à sua maneira e ao seu ritmo,
trajetórias de implementação de políticas neoliberais. Nos EUA, a economia orien-
tada para o mercado inaugurou-se com o governo Ronald Reagan, empossado em
1981; no Brasil, em 1990, com a posse do presidente Fernando Collor. Em ambos
os países, desde então, observamos tendências estruturais restritivas à expansão
da democracia e da igualdade. Ou seja, essas tendências estruturais do mercado,
no sentido da concentração de renda e riqueza, assim como as decisões do Estado
que favorecem especialmente os 10% mais ricos, em prejuízo do conjunto da po-
pulação, têm enfraquecido a democracia e promovido aumento das desigualdades
socioeconômica e política, entre outras. Há uma relação viciosa entre mercado e
Estado, que enfraquece o bem-estar social e o regime político do poder do povo.
Sabemos que esses dois países experimentaram, nos últimos anos, a vitória de can-
didatos de extrema-direita nas eleições presidenciais: Donald Trump, em 2016, e
Jair Bolsonaro, em 2018. Vejamos como tem se comp ortado o Índice de Democracia
nos EUA e no Brasil.
A tabela 3 mostra algo muito interessante em relação aos EUA: desde 2016 até
hoje, essa potência do capitalismo, que tem também uma trajetória discursiva e
ideológica no sentido de se colocar como autoridade democrática internacional,
enm, este país ingressou na categoria de democracia falha, segundo o respeitado
ranking da EIU. No mesmo período, a pontuação do Brasil, que nunca saiu da con-
dição de democracia falha, caiu 7%, ou seja, de 7.38 em 2014, para 6.86 em 2021. A
democracia não vai bem nesses dois países das Américas.
Na verdade, em meados dos anos 1970, já se debatia a crise da democracia
representativa nos países desenvolvidos, na Europa e América do Norte, que se ex-
5. Consultar também: Frank (2019) e Dolan (2021).
41
Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
Classificação Pontuação Tipo de Regime
2006 17 8.22 Democracia plena
2008 18 8.22 Democracia plena
2010 17 8.18 Democracia plena
2011 19 8.11 Democracia plena
2012 21 8.11 Democracia plena
2013 19 8.11 Democracia plena
2014 19 8.11 Democracia plena
2015 20 8.05 Democracia plena
2016 21 7.98 Democracia falha
2017 21 7.98 Democracia falha
2018 25 7.96 Democracia falha
2019 25 7.96 Democracia falha
2020 25 7.92 Democracia falha
2021 26 7.85 Democracia falha
TABELA Índice de Democracia e Tipo de Regime – EUA e Brasil (2006-2021)
Classificação Pontuação Tipo de Regime
2006 42 7.3 2 Democracia falha
2008 41 7.3 8 Democracia falha
2010 47 7.1 2 Democracia falha
2011 45 7.1 2 Democracia falha
2012 44 7.12 Democracia falha
2013 44 7.1 2 Democracia falha
2014 44 7.3 8 Democracia falha
2015 51 6.96 Democracia falha
2016 51 6.90 Democracia falha
2017 49 6.86 Democracia falha
2018 50 6 .97 Democracia falha
2019 52 6.86 Democracia falha
2020 49 6.92 Democracia falha
2021 47 6.86 Democracia falha
EUA
BRASIL
Fonte: Economist Intelligence Unit (EIU) - https://www.eiu.com/n/
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
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pressava, desde então, na queda da conança dos cidadãos nas instituições eleitorais
e partidárias, no absenteísmo, na não liação a partidos políticos e na insatisfação
com a ação governamental em geral. Uma obra importante sobre esse tema é a de
Crozier, Huntington e Watanuki (1975), livro em que se publicou o relatório da Co-
missão Trilateral, um grupo de discussão internacional de iniciativa privada, criado
por David Rockefeller em 1973, e liderado por intelectuais dos EUA, da França e do
Japão, para debater a situação mundial e reforçar laços entre os países desenvolvidos.
Em relação à democracia, a obra considerou que seus problemas estavam no excesso
de demandas sobre os governos, que estariam causando crise de governabilidade e
desgastando o regime político. Ou seja, o diagnóstico era que a crise da democracia
decorria do excesso de participação e de demandas, tendências que estariam ali-
mentando a crise scal do Estado, de modo que a solução proposta pelos autores foi
amenizar essas pressões por meio da redução do welfare state. Além da contenção de
gastos considerados excessivos, avaliaram que a apatia política seria positiva, pois
evitaria o excesso de demandas. Pouco depois, como sabemos, Margaret Thatcher,
do Partido Conservador, venceu as eleições no Reino Unido, abrindo espaço político
para a new right, uma direita que surgiu se opondo ao social-liberalismo.
As transformações no sentido do capitalismo neoliberal possuem trajetórias na-
cionais e históricas distintas, que têm congurado variedades. Ao analisar o cenário
político norte-americano em 2017, a lósofa Nancy Fraser (2017a; 2017b) identicou
três tipos políticos na ideologia do neoliberalismo: o progressivo, o reacionário e o
hiper-reacionário. Ela avalia que todos eles contêm uma economia política regres-
siva em relação ao capital produtivo, por se apoiarem na nanceirização. Mas o
neoliberalismo progressivo, dos Democratas, tenta dourar a pílula com a agenda do
reconhecimento, mas com uma concepção meritocrática de redução da desigual-
dade. O neoliberalismo reacionário manifestou-se de Reagan a Bush pai, depois
novamente com Bush lho. Nele, a política de reconhecimento foi conservadora,
porém, um conservadorismo elegante, de salão. Já a versão hiper-reacionária surgiu
com Trump, que reforçou muito as posições racistas, misóginas, homofóbicas, xe-
nofóbicas, islamofóbicas etc. Ademais, Trump acrescentou também nacionalismo
e certo protecionismo. Um pano de fundo do trumpismo é a desindustrialização e a
deterioração das condições de vida dos trabalhadores e da classe média. Enquanto
a China, seguindo outra economia política, arma-se cada vez mais no cenário
internacional, o capitalismo neoliberal, além de regredir na industrialização e na
qualidade dos empregos, ameaçou também, com Trump, a própria democracia nos
EUA, algo inédito na história do país.
O cenário geral é a crise deste capitalismo neoliberal desde a Grande Recessão,
deagrada nos EUA. Lá, ela se manifestou de 2007 a 2009, mas, ao contagiar a
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Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
Europa, durou no Velho Mundo até o início de 2013. Se, em um primeiro momento, a
América Latina escapou do pior, em 2011 começaram a aparecer os primeiros sinais
do m do boom das commodities, que alimentava os avanços sociais dos governos da
Onda Rosa. O vale dos preços desses bens de exportação congurou-se em 2014. Já
mencionamos que muito do que foi alcançado em matéria de crescimento e redução
da pobreza no Brasil e na América Latina em geral deveu-se à janela de oportunidades
propiciada pela elevação dos preços internacionais das commodities. Mas não deve-
mos ignorar que o leque de políticas públicas que cada país da região implementou
implicou em obter maior ou menor sucesso a partir dessa maré favorável.
À semelhança de Donald Trump, cremos que Jair Bolsonaro pode ser visto como o
exemplar brasileiro da crise internacional do capitalismo neoliberal, um portador do
neoliberalismo hiper-reacionário. Porém, os demais governos desses dois países, no
caso dos EUA, desde 1981, com Reagan, e no caso do Brasil, desde 1990, com Collor,
também estiveram inseridos nesse ambiente estrutural de economia política do
capitalismo neoliberal, que pressiona contra a igualdade socioeconômica e contra a
igualdade política. De diferentes maneiras, essas pressões prejudicam a democracia,
seja gerando crise de legitimidade – quando o eleitor ca insatisfeito com a política
e distante dela –, seja se desdobrando em tendências de deformação autoritária do
regime político - destacando-se, nos anos recentes, tanto nos EUA como no Brasil,
aquelas lideradas pela extrema-direita populista -, buscando reconstruir um padrão
de legitimidade com perl neofascista.
Em relação à desigualdade política nos EUA, Grin et al. (2016: 16), avalia
o seguinte:
On one level the results that we have presented here rearm existing studies of inequal-
ity in responsiveness. Using a new method that focuses on individuals and incorporates
a range of demographic and political groups, we nd that there are real imbalances in
the policy world. The government responds much more to advantaged interests than it
does to disadvantaged preferences. Both race and class shape policy responsiveness6.
Em relação à desigualdade política no Brasil, podemos formular a seguinte
questão: por que motivo, por muito pouco ou quase nada, houve deposição pre-
sidencial em 2016, ou seja, por que, mesmo diante de fatos no mínimo altamente
6. Em um nível, os resultados que apresentamos aqui rearmam os estudos existentes sobre a desigualdade
na capacidade de resposta. Usando um novo método que se concentra em indivíduos e incorpora uma série
de grupos demográcos e políticos, descobrimos que existem desequilíbrios reais no mundo das políticas
públicas. O governo responde muito mais aos interesses privilegiados do que às preferências dos desfavore-
cidos. Tanto a raça quanto a classe moldam a capacidade de resposta da política pública. (tradução própria)
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
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controversos, emergiu uma ampla e substantiva frente única empresarial contra
a presidente Dilma Rousse, mas, agora, diante de uma avalanche de crimes de
responsabilidade do atual presidente da República, as lideranças institucionais no
Poder Judiciário e no Poder Legislativo, no máximo, prendem ativistas bolsonaristas
e fazem discursos moderadamente contrários, mas, na prática, poupam Bolsonaro
de responsabilização? O contexto da pandemia evidenciou publicamente o contraste
entre, por um lado, a rápida deposição de Dilma Rousse, no início de seu segundo
mandato, por um motivo scal duvidoso, e, por outro lado, a tolerância das elites
políticas e econômicas em relação ao presidente Bolsonaro, que vem cometendo
crimes de modo contumaz, a começar pelos relacionados à saúde pública, e, por
esse motivo, é objeto de cerca de 130 pedidos de impeachment, mas todos eles têm
sido engavetados pela presidência da Câmara dos Deputados, casa legislativa que,
em seu governo, aprovou medidas caras aos interesses nanceiros, como a reforma
da previdência social e a formalização da autonomia do Banco Central.
Temos visto no Brasil e em vários países que, entre o risco à democracia e à eco-
nomia, os interesses neoliberais se inclinam muito mais a sacricar o regime político
fundado na igualdade política dos cidadãos que o interesse material erguido nas
relações desiguais de propriedade. Isso expressa a referida simbiose entre a winner-
-take-all economy e a winner-take-all politics, qu e gera o processo de produção da dupla
desigualdade, a socioeconômica e a política. O poder de inuência dos cidadãos
sobre o Estado se revela bastante desigual, tão desigual quanto a desigualdade de
renda e riqueza. Se, por um lado, Bolsonaro atenta contra a vida humana, por outro
lado, sua política econômica é fortemente pró-mercado e pró-Estado mínimo. Ou
o grande capital e a maioria dos políticos eleitos são aliados ao programa neolibe-
ral do presidente da República e de seu ministro da Economia ou, ao menos, não
querem romper com ele, ao passo que, em 2016, por um motivo muito duvidoso,
romperam com a presidente Dilma Rousse. Naquela ocasião, houve uma frente
única deposicionista no Brasil, mas agora ela não se congura (Ianoni, 2018). Um
pacto neoliberal está vetando o impeachment de Bolsonaro.
No capitalismo neoliberal, como a contradição entre economia de mercado e
democracia vem se exacerbando de modo estrutural, a igualdade política e a igual-
dade socioeconômica passam, cada vez mais, a serem reguladas pela luta de classes,
tanto na sociedade civil quanto no âmbito das instituições do Estado. A correlação
de forças explica as desigualdades. Durante os governos encabeçados pelo Partido
dos Trabalhadores, entre 2003 e 2016, tentou-se exibilizar as políticas neoliberais
com políticas sociais e políticas de crescimento econômico, mas essa estratégia
sempre enfrentou forte resistência contra qualquer alteração nos fundamentos
market-oriented da política macroeconômica.
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Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
Conclusões
Este trabalho procurou articular, com uma abordagem interdisciplinar, três variáveis:
desigualdades (sobretudo a socioeconômica e a política), democracia e capitalis-
mo neoliberal. Nossa hipótese é que a democracia depende do nível da igualdade
política e socioeconômica, uma vez que ambas são interdependentes. Em termos
empíricos, mencionou algumas informações e dados sobre a democracia no mundo,
com foco nos EUA e no Brasil, mas subordinando-os a uma metodologia qualitativa,
estruturada em torno de um procedimento descritivo, com o objetivo de investigar
inferências causais entre as variáveis mencionadas.
Atualmente, a combinação dessas três variáveis congura uma moeda de dupla
face, que forma um conjunto articulado. Por um lado, ocorre o declínio da democra-
cia liberal, devido à sua crise de legitimidade; uma das decorrências, como é o caso
dos EUA e do Brasil, tem sido a emergência de lideranças populares de extrema-di-
reita, que buscam uma modalidade de legitimação política de massas distinta da
representação democrática, caracterizada por alguns autores como populismo e por
outros como tendências neofascistas. Por outro lado, há a percepção geral de que as
desigualdades de renda e riqueza são elevadas e persistentes. Essa situação induz a
ressentimentos e frustrações e que implica em desigualdade política, condição que,
por sua vez, favorece a emergência do populismo de extrema-direita. Em outros casos,
cai a qualidade da democracia sem que surjam governantes extremistas. A queda no
número de democracias plenas, mostrada na Tabela 1 é um indicador dessa tendência.
Em termos gerais, como vimos na primeira seção, o fraco desempenho do capi-
talismo neoliberal nos países democráticos, tanto no plano do mercado quanto na
esfera do Estado, estimula o aumento da descrença na democracia, nas eleições, na
participação nas instituições políticas e em organizações da sociedade civil, como os
sindicatos, que vêm sendo esvaziados pelas políticas contra os direitos trabalhistas e
contra as organizações de representação de classe dos trabalhadores. As mudanças
nos mercados de trabalho têm tido um papel decisivo na descrença na democracia e
no avanço do individualismo como estratégia de sobrevivência. Em vários países, a
exibilização das relações trabalhistas, a instabilidade dos empregos, o desemprego,
a uberização e a desindustrialização esvaziam a percepção de pertencimento a uma
categoria prossional e a percepção de que a política democrática é eficaz.
Sabemos que o neoliberalismo, como modelo de capitalismo, não surgiu hoje. Ele
vem sendo colocado em prática há mais de 40 anos. Mencionamos a tipologia pro-
posta por Fraser para analisar fases do neoliberalismo. Vimos também que, ainda em
meados dos anos 1970, quando se desenrolava a crise de estagação, cujo desfecho
abriu caminho para a virada política neoliberal, já se falava em crise da democracia,
Fernando Augusto Mansor-De Mattos • Marcus Ianoni • Paulo Roberto Mello-Cunha
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mas, principalmente, a partir de uma perspectiva conservadora, que acabou por
contribuir para a retração das políticas de bem-estar social e para a apatia política.
Nos anos 1990, alguns interpretaram a queda do Muro de Berlim como expressão do
m da história e como demonstração de que o reino da democracia havia vencido a
Guerra Fria. Na década seguinte, vimos, pelo relatório da APSA (2004), que a insa-
tisfação com a democracia persistia e reproduzia sintomas já detectados no relatório
da Comissão Trilateral, escrito nos anos 1970. Mas, no atual milênio, tem crescido,
sobretudo nos países desenvolvidos, a percepção da desigualdade política, sendo
uma de suas expressões a consciência de que o regime da maioria vem favorecendo
muito mais o 1% composto pela minoria rica do que os 99% da população.
Embora desde os anos 1960 e 1970, observavam-se sintomas críticos nas intera-
ções entre as três variáveis aqui consideradas, o regime da maioria, as desigualdades
e o capitalismo, o modelo neoliberal de sociedade e economia está fazendo soar um
alarme de incêndio. A hipótese de que a democracia depende da igualdade e que
esta última, para não alcançar níveis extremados, depende de um adequado sistema
de relações entre a economia e o Estado é plausível.
Mas permanecem uma série de questões. Nos EUA, com a derrota de Trump,
embora não do trumpismo, o neoliberalismo hiper-reacionário ensejará o retorno
à variedade do neoliberalismo progressivo, que não foi capaz de reverter a crise
da democracia, pelo contrário? Interessado em enfrentar a ascensão produtiva da
China e o próprio trumpismo, Biden vai enfraquecer o neoliberalismo e avançar
no sentido de um desenvolvimentismo de inclinação social-democrata, capaz de
reverter a trajetória de produção de desigualdade pelo mercado e pelas políticas
públicas pró-ricos? No Brasil, que se encontra isolado do mundo devido à desastrosa
presidência de Bolsonaro, uma eventual vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva nas eleições de 2022, candidato hoje amplamente favorito, ensejará ao menos
uma tentativa de amenizar os efeitos negativos do neoliberalismo com algumas
ações social-desenvolvimentistas, que recuperem a atividade econômica produtiva,
combatam a pobreza e as desigualdades e retomem o processo de fortalecimento da
democracia, hoje estancado? Enm, o fato é que imensos desaos estão colocados
para que se possa superar o atual padrão de lose-lose society, em que a maioria e o
regime de governo da maioria perdem. A entropia será revertida?
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Nuevas perspectivas sobre desigualdad y política social en América Latina
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... É, certamente, um nítido exemplo de desdobramento decorrente do neoliberalismo (Andrade, 2019) e, assim, o fortalecimento de categorias classistas no campo do trabalho é colapsado, fulminando o que seria uma alternativa a possibilitar a modernização das relações de trabalho, mas que resta mascarada pela oportunização, por parte das empresas, de triturar os direitos e compulsar uma estrutura desfavorável aos trabalhadores. Está-se, portanto, em um estágio de consubstanciamento das desigualdades e, sob este prisma, a cidadania e da democracia se diluem (Mattos;Ianoni;Mello-Cunha, 2022), potencializando o mercado como agente regulador da economia social. Como sugerem Durães, Bridi e Dutra (2021), será o teletrabalho uma armadilha içada pelo mercado institucionalizado? ...
Article
Full-text available
Este estudo tem como objetivo explorar e aprofundar a análise que envolve a utilização do teletrabalho como instrumento presente nas relações laborais, com elevada ênfase desde a emergência da Covid-19. Tomando a formação do corpo teórico como marco, com a apresentação de estudos desenvolvidos por outros pesquisadores, caminha-se na direção da constatação de que há evidentes riscos sociais para o trabalhador que, impelido compulsoriamente a aderir a tal formato, se vê diante de um panorama desfavorável, com clara desconfiguração nos seus direitos sociais, mesmo aqueles naturalmente previstos na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Como resultado, propugna-se aqui que, não obstante o teletrabalho se constituir uma alternativa atual e moderna, a sua adoção representa, em muitas situações, a institucionalização do desmonte social, cuja repercussão imediata é a ausência de cobertura social para os trabalhadores, fragilizando a cidadania e a própria democracia, enquanto vetor de consubstanciamento das conquistas sociais.
Article
Full-text available
O capitalismo dirigido pelas finanças sempre teve uma propensão a crises financeiras em momentos fundamentais de sua expansão territorial ao trazer economias até então dirigidas pelo Estado para a órbita da regulamentação do mercado. A crise atual, todavia, é diferente. Não apenas emanou do centro, em vez surgir de algum ponto da periferia, como também revelou falhas estruturais profundas na arquitetura institucional de contratos, fundos e mercados que compunham o sistema financeiro novo e desregulamentado. Estamos diante de uma crise sistêmica, que é sempre um evento de proporções épicas e efeitos duradouros. O objetivo deste artigo é lançar uma luz sobre este momento significativo.
Article
The main feature of capital accumulation in Brazil during the administrations led by Luís Inácio Lula da Silva and Dilma Rousseff of the Partido dos Trabalhadores (Workers’ Party—PT) was the continuity of neoliberalism of two varieties: inclusive (2003–2006) and developmental (2006–2013). The PT’s attachment to neoliberalism was mitigated by the party’s (shifting) commitment to (mild) developmental outcomes, redistribution of income (at the margin), social inclusion (within narrow limits), and democratization of the state (bounded by the 1988 Constitution). Achievements in these areas were further constrained by the inability or unwillingness of the PT to confront the institutionalization of neoliberalism in the fields of economics, politics, ideology, the media, and class relations. The political crisis unfolding in Brazil since 2013 and the imposition of authoritarian neoliberalism after Rousseff’s impeachment can be examined from the perspective of the contradictions in the dominant varieties of neoliberalism under the PT and the limitations of the party’s political ambitions.
Book
This book was originally published by Macmillan in 1936. It was voted the top Academic Book that Shaped Modern Britain by Academic Book Week (UK) in 2017, and in 2011 was placed on Time Magazine's top 100 non-fiction books written in English since 1923. Reissued with a fresh Introduction by the Nobel-prize winner Paul Krugman and a new Afterword by Keynes’ biographer Robert Skidelsky, this important work is made available to a new generation. The General Theory of Employment, Interest and Money transformed economics and changed the face of modern macroeconomics. Keynes’ argument is based on the idea that the level of employment is not determined by the price of labour, but by the spending of money. It gave way to an entirely new approach where employment, inflation and the market economy are concerned. Highly provocative at its time of publication, this book and Keynes’ theories continue to remain the subject of much support and praise, criticism and debate. Economists at any stage in their career will enjoy revisiting this treatise and observing the relevance of Keynes’ work in today’s contemporary climate.
Book
Robert A. Dahl, one of the world's most influential and respected political scientists, has spent a lifetime exploring the institutions and practices of democracy in such landmark books as Who Governs?, On Democracy, and How Democratic Is the American Constitution? Here, Dahl looks at the fundamental issue of equality and how and why governments have fallen short of their democratic ideals. At the center of the book is the question of whether the goal of political equality is so far beyond our human limits that it should be abandoned in favor of more attainable ends, or if there are ways to realistically address and reduce inequities. Though complete equality is unattainable, Dahl argues that strides toward that ideal are both desirable and feasible. He shows the remarkable shift in recent centuries toward democracy and political equality the world over. He explores the growth of democratic institutions, the expansion of citizenship, and the various obstacles that stand in the way of gains in political equality. Dahl also looks at the motives, particularly those of emotion and reason, that play such a crucial role in the struggle for equality. In conclusion, Dahl assesses the contemporary political landscape in the United States. He looks at the likelihood of political inequality increasing, and poses one scenario in which Americans grow more unequal in their influence over their government. The counter scenario foresees a cultural shift in which citizens, rejecting what Dahl calls "competitive consumerism," invest time and energy in civic action and work to reduce the inequality that now exists among Americans.
Book
The Politics of Market Discipline in Latin America uses a multi-method approach to challenge the conventional wisdom that financial markets impose broad and severe constraints over leftist economic policies in emerging market countries. It shows, rather, that in Latin America, this influence varies markedly among countries and over time, depending on cycles of currency booms and crises exogenous to policy making. Market discipline is strongest during periods of dollar scarcity, which, in low-savings commodity-exporting countries, occurs when commodity prices are high and international interest rates low. In periods of dollar abundance, when the opposite happens, the market's capacity to constrain leftist governments is very limited. Ultimately, Daniela Campello argues that financial integration should force the Left toward the center in economies less subject to these cycles, but not in those most vulnerable to them.
Article
Joseph Schumpeter, a great economist and social scientist of the last generation, whose career was almost equally divided between Central European and American universities, and who lived close to the crises of the 1930s and '40s, published a book in 1942 under the title, Capitalism, Socialism, and Democracy. The book has had great influence, and can be read today with profit. It was written in the aftergloom of the great depression, during the early triumphs of Fascism and Nazism in 1940 and 1941, when the future of capitalism, socialism, and democracy all were in doubt. Schumpeter projected a future of declining capitalism, and rising socialism. He thought that democracy under socialism might be no more impaired and problematic than it was under capitalism. He wrote a concluding chapter in the second edition which appeared in 1946, and which took into account the political-economic situation at the end of the war, with the Soviet Union then astride a devastated Europe. In this last chapter he argues that we should not identify the future of socialism with that of the Soviet Union, that what we had observed and were observing in the first three decades of Soviet existence was not a necessary expression of socialism. There was a lot of Czarist Russia in the mix. If Schumpeter were writing today, I don't believe he would argue that socialism has a brighter future than capitalism. The relationship between the two has turned out to be a good deal more complex and intertwined than Schumpeter anticipated.
Article
The Council of the American Political Science Association approved the appointment of a Task Force on Inequality and American Democracy in the fall of 2002. A fifteen-member task force was convened in January 2003 and collectively worked during the subsequent eighteen months to prepare extensive reviews of research on inequality and American democracy. (The research reviews are available on the APSA Web site—as are materials for undergraduate and graduate teaching—http://www.apsanet.org/inequality.) Based on three reviews, the task force prepared a short report, which forms the basis of the present text. It concludes that progress toward realizing American ideals of democracy may have stalled—and in some arenas reversed. The task force's work was extensively and rigorously debated among its members, scrutinized by three distinguished independent peers, and reviewed by the APSA Council. This report is ultimately the responsibility of its authors; no opinions, statements of fact, or conclusions should be attributed to the American Political Science Association or to the Russell Sage Foundation, which provided some support to the task force. The members of the task force are: Lawrence Jacobs (Chair, University of Minnesota), Ben Barber (University of Maryland), Larry Bartels (Princeton University), Michael Dawson (Harvard University), Morris Fiorina (Stanford University), Jacob Hacker (Yale University), Rodney Hero (Notre Dame University), Hugh Heclo (George Mason University), Claire Jean Kim (University of California, Irvine), Suzanne Mettler (Syracuse University), Benjamin Page (Northwestern University), Dianne Pinderhughes (University of Illinois, Champagne–Urbana), Kay Lehman Schlozman (Boston College), Theda Skocpol (Harvard University), and Sidney Verba (Harvard University). © 2004, American Political Science Association. All rights reserved.
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The dramatic rise in inequality in the United States over the past generation has occasioned considerable attention from economists, but strikingly little from students of American politics. This has started to change: in recent years, a small but growing body of political science research on rising inequality has challenged standard economic accounts that emphasize apolitical processes of economic change. For all the sophistication of this new scholarship, however, it too fails to provide a compelling account of the political sources and effects of rising inequality. In particular, these studies share with dominant economic accounts three weaknesses: (1) they downplay the distinctive feature of American inequality —namely, the extreme concentration of income gains at the top of the economic ladder; (2) they miss the profound role of government policy in creating this “winner-take-all” pattern; and (3) they give little attention or weight to the dramatic long-term transformation of the organizational landscape of American politics that lies behind these changes in policy. These weaknesses are interrelated, stemming ultimately from a conception of politics that emphasizes the sway (or lack thereof) of the “median voter” in electoral politics, rather than the influence of organized interests in the process of policy making. A perspective centered on organizational and policy change —one that identifies the major policy shifts that have bolstered the economic standing of those at the top and then links those shifts to concrete organizational efforts by resourceful private interests —fares much better at explaining why the American political economy has become distinctively winner-take-all.