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Studies in Health Sciences, Curitiba, v.3, n.3, p. 1427-1438, jul./sep., 2022
Cuidando do cuidador: um relato de experiência da organização
e utilização de atividades na favela da rocinha para cuidar de um
grupo de cuidadores
Caring for the caregiver: an experience report of the organization
and use of activities in the rocinha slum to care for a group of
caregivers
DOI: 10.54022/shsv3n3-012
Recebimento dos originais: 05/05/2022
Aceitação para publicação: 01/07/2022
Mariana Pace Alves
Mestre
Instituição: Saúde Contato
Endereço: Rua Macedo Sobrinho 67, 307, Humaitá - Rio de Janeiro,
CEP: 22271-080
E-mail: maripacealves@gmail.com
Jainne Martins Ferreira
Phd
Instituição: Saúde Contato
Endereço: Rua Macedo Sobrinho 67, 307, Humaitá - Rio de Janeiro,
CEP: 22271-080
E-mail: jainne@gmail.com
Maria Gefé da Rosa Mesquita
Phd
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Endereço: Av. Pedro Calmon, 550, Cidade Universitária da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - RJ, CEP: 21941-901
E-mail: mariagefe@gmail.com
RESUMO
O objetivo desse estudo é descrever as atividades organizadas e utilizadas para
um grupo de moradores da favela da Rocinha responsáveis por cuidar de pessoas
em cuidados paliativos. Trata-se do relato de uma experiência desenvolvida de
março a dezembro do ano de 2021. As atividades foram utilizadas no programa
denominado “Cuidando do Cuidador”, construído pela instituição Saúde Contato
em parceria com o projeto de extensão das universidades UFRJ e UFSJ intitulado
“Comunidade Compassiva”. Foram produzidas e executadas por equipe
multidisciplinar palestras e rodas de conversa relacionadas ao autocuidado com
foco na promoção da saúde. Na sequência, atividades que incluíram práticas de
exercícios físicos, alongamentos, meditação, atendimentos de massagem
terapêutica, de psicoterapia, de fisioterapia, de nutrição e auriculoterapia, foram
realizadas com o grupo. Os resultados, registrados por meio de observações
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empíricas e anotações de relatos verbais durante os nove meses, demostraram
uma mudança positiva na forma de se cuidar tais como: mudanças no padrão de
alimentação para dieta mais equilibrada, início da prática do exercício físico de
forma regular, melhora na autoestima e na postura corporal, maior conhecimento
sobre o corpo e seu funcionamento, emoções e sentimentos, diminuição da
ansiedade, estresse, depressão e dor física. Assim sendo, verificamos que as
atividades utilizadas no programa “Cuidando do Cuidador” impactaram
positivamente o bem-estar físico, mental, social e espiritual dos moradores da
favela da Rocinha responsáveis por cuidar de algum familiar/paciente em
cuidados paliativos. Merece destaque que os participantes se tornaram
multiplicadores dos conteúdos aprendidos, ajudando a engajar outras pessoas da
comunidade para atitudes mais saudáveis.
Palavras-chave: cuidadores familiares, promoção de saúde, cuidados paliativos,
autocuidado.
ABSTRACT
The objective of this study is to describe the activities organized and used for a
group of residents of the Rocinha favela responsible for caring for people in
palliative care. This is a report of an experience developed from March to
December 2021. The activities were used in the program called "Cuidando do
Cuidador" (Caring for the Caregiver), built by the institution Saúde Contato in
partnership with the extension project of the universities UFRJ and UFSJ entitled
"Comunidade Compassiva" (Compassionate Community). Lectures and
conversation rounds related to self-care with a focus on health promotion were
produced and executed by a multidisciplinary team. In the sequence, activities that
included physical exercises, stretching, meditation, massage therapy,
psychotherapy, physical therapy, nutrition, and auriculotherapy were carried out
with the group. The results, recorded through empirical observations and notes of
verbal reports during the nine months, showed a positive change in the way of
taking care of oneself, such as: changes in the eating pattern for a more balanced
diet, the beginning of regular physical exercise, improvement in self-esteem and
body posture, more knowledge about the body and its functioning, emotions and
feelings, a decrease in anxiety, stress, depression, and physical pain. Therefore,
we verified that the activities used in the "Cuidando do Cuidador" program had a
positive impact on the physical, mental, social and spiritual well-being of the
residents of the Rocinha slum responsible for taking care of a family
member/patient in palliative care. It is worth mentioning that the participants
became multipliers of the contents learned, helping to engage other people in the
community to healthier attitudes.
Keywords: family caregivers, health promotion, palliative care, self-care.
1 INTRODUÇÃO
Dado o aumento da expectativa de vida, cada vez mais é necessário o
desenvolvimento de um olhar especial para os diferentes aspectos envolvidos no
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ato de cuidar. Torna-se cada vez mais comum na sociedade a presença de
pessoas que se tornam responsáveis por cuidar de algum familiar, parente
próximo, amigo ou até mesmo um vizinho que possui alguma condição limitante
ou doença que impõe insuficiência. Cuidar pode ser gratificante, no entanto,
muitas vezes gera sobrecarga causando desgastes físico, emocional, espiritual e
social 1.
A experiência de cuidar de alguém ocasiona adentrar em uma experiência
complexa que provoca o despertar de necessidades e sentimentos ambíguos2.
Ser um cuidador, é uma atividade que exige muita atenção, paciência,
conhecimento e dedicação; da mesma forma, provoca desgaste, cansaço,
insegurança e ansiedade. Isso posto, é de extrema relevância que um indivíduo
que se dedica a cuidar de alguém, desenvolva atividades que minimizem todo o
desgaste fisco e emocional que vivencia, a fim de prevenir o burnout que é
prevalente entre cuidadores, sobretudo quando se trata de um cuidador familiar
3,4,5.
O adoecimento no contexto familiar suscita reordenamento dos processos,
modificando a rotina da casa e dos seus moradores. Marcadamente, o papel de
cuidador principal costuma ser assumido por mulheres, que ainda se sentem
pressionadas socialmente a esse papel de cuidado, provocando a elas jornadas
extras na tentativa de conciliar com o trabalho remunerado e por vezes perda
financeira decorrente da renúncia do mesmo6. De todo modo, o surgimento da
sobrecarga física, emocional e espiritual, cria um ambiente propício para o
desenvolvimento de disfunções familiares, problemas de saúde, dificuldades
financeiras e sociais 7,8.
Assim, destaca-se que o cuidador familiar deve receber apoio, atenção e
informação para cuidar de si. A elaboração de programas de intervenção de
autocuidado para auxiliar o cuidador a manter-se saudável e prevenir doenças
surge como opção de melhorar o bem-estar e diminuir a sobrecarga 9. Em alguns
países desenvolvidos, onde é elevado o número de pessoas idosas, existe a
preocupação com a elaboração e execução de políticas e programas para
fornecer apoio financeiro e melhorar o bem-estar do cuidador10.
A sobrecarga do cuidador pode influenciar também na qualidade vida de
quem necessita do cuidado, evidenciando a necessidade de atenção não só na
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saúde do paciente como também na saúde do cuidador11. Cuidar de pessoas é
um desafio para a família, a sociedade e o estado. É importante a elaboração de
políticas públicas que possam melhor organizar os espaços, as comunidades e as
pessoas para um mundo que não só se viva mais, mas que se viva com
qualidade12.
No Brasil, a discussão e a reflexão sobre a necessidade de criar estratégias
para cuidar da saúde do cuidador ainda é incipiente. Entretanto, desde 2008, com
a publicação do “Guia Prático do Cuidador”, o Ministério da Saúde destaca essa
área temática como importante a ser desenvolvida, indica a necessidade e a
importância do cuidador na atenção à saúde das pessoas de qualquer idade,
acamadas ou com limitações físicas e recomenda a prática de atividades de
autocuidado pelos mesmos 13.
Nesse contexto foi criado o programa “Cuidando do Cuidador” para cuidar
da saúde de quem cuida na favela da Rocinha. Entre os meses de março e
dezembro de 2021, foram planejadas e realizadas atividades para um grupo de
moradores responsáveis em cuidar de pessoas em cuidados paliativos. As
atividades desenvolvidas no programa tiveram a duração de nove meses e foram
organizadas pelo Saúde Contato
1
*, em parceria com o projeto de extensão
Comunidade Compassiva
2
** da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
da Universidade Federal De São Joao Del Rei (UFSJ).
Consideramos de grande valia a vivência e o aprendizado estimulados nas
ações e definimos como objetivo relatar a experiência obtida no desenvolvimento
das atividades praticadas no programa “Cuidando do Cuidador”, na favela da
Rocinha, Rio de Janeiro.
2 MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiência, sobre a
1
*O Saúde Contato é um negócio social que tem o propósito de transformar a sociedade
promovendo o bem-estar físico e mental por meio da massagem terapêutica e do ensino de
estratégias para o autocuidado. Além de prestar consultorias, palestras, workshops, atendimentos
e realizar pesquisas o Saúde Contato se preocupa em levar o conhecimento para as comunidades,
bem como possibilitar que mais pessoas possam ter acesso às atividades de relaxamento com
foco no bem-estar.
2
**O projeto Comunidade Compassiva trata-se de um projeto de extensão universitário das
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal De São Joao Del Rei
(UFSJ) que objetiva promover o acesso aos cuidados paliativos a moradores de favelas,
conectando-se à rede de atenção à saúde do território e a sociedade civil.
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implantação e realização das atividades desenvolvidas no programa “Cuidando
do Cuidador” para os cuidadores, moradores da favela da Rocinha, responsáveis
por cuidar de pessoas em cuidados paliativos.
O programa aconteceu entre os meses de março e dezembro de 2021 na
sede do projeto “Comunidade Compassiva”, localizada na favela da Rocinha. As
atividades foram desenvolvidas por uma equipe multidisciplinar constituída por
profissionais voluntários de diferentes áreas de atuação como: psicólogos,
nutricionistas, terapeutas ocupacionais, esteticistas, massoterapeutas,
fisioterapeutas, enfermeiros, médicos, neurocientistas e educadores físicos.
Na intencionalidade de planejar as atividades de acordo com a necessidade
dos participantes, a coordenação do programa “Cuidando do Cuidador” realizou
visitas domiciliares aos moradores da favela da Rocinha, cuidadores de familiar
em cuidados paliativos, objetivando um diálogo com os cuidadores primários e
secundários, com o propósito de identificar as principais dificuldades e
sobrecargas físicas, emocionais e sociais vivenciadas no dia a dia. Um
questionário de elaboração própria foi aplicado para identificar as sobrecargas
físicas, emocionais e sociais relatadas.
Após conhecer a realidade desse grupo, os coordenadores elencaram as
prioridades de temas e avaliaram as melhores estratégias que viabilizassem
trabalhar os conteúdos com os moradores, de acordo com as necessidades e
possibilidades dos mesmos. Na sequência, um calendário de atividades foi
desenhado e divulgado. Os encontros aconteceram aos sábados, na sede do
projeto “Comunidade Compassiva” e tinham a duração média de três horas.
O grupo que participou das atividades desenvolvidas no programa
“Cuidando do Cuidador” foi constituído por 20 pessoas, sendo 18 mulheres e 2
homens. As seguintes atividades compuseram o conteúdo do programa: 15
palestras seguidas de roda de conversa envolvendo temas relacionados ao
autocuidado, 137 atendimentos de massoterapia, 103 sessões de psicoterapia, 21
consultas de nutrição, 7 sessões de fisioterapia, 7 práticas de exercício físico
personalizado e 17 atendimentos de auriculoterapia.
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3 RESULTADOS/DISCUSSÃO
Foi constatada a necessidade de cuidar da saúde integral desses
cuidadores, bem como disponibilizar ensinamentos relacionados ao autocuidado,
para que eles pudessem melhorar seu bem-estar, no entendimento que para
cuidar de alguém é necessário e fundamental que se esteja bem.
As atividades desenvolvidas dentro do programa ‘Cuidando do Cuidador”
foram agrupadas em ações de cuidado direto à saúde e bem-estar e ações de
educação para o autocuidado. As ações de cuidado direto à saúde e bem-estar,
foram constituídas pela disponibilização de atendimentos com profissionais das
especialidades psicologia, nutrição, fisioterapia, educação física e massoterapia
aos cuidadores, de acordo com as necessidades dos mesmos. No mês de abril
de 2021 demos início às sessões de massagem terapêutica para promover:
conforto, acolhimento, diminuir as dores físicas e aliviar o estresse e a ansiedade
dos cuidadores. As sessões de psicoterapia, tiveram início no mês de agosto
tendo como objetivo contribuir para aliviar todo o sofrimento físico, emocional
social e espiritual dos cuidadores. Os atendimentos de fisioterapia, de atividade
física e nutricional também iniciaram em agosto e colaboraram para o alívio de
dores físicas e uma alimentação mais saudável. Em outubro de 2021 os
atendimentos de auriculoterapia foram iniciados e fortaleceram ainda mais as
ações de promoção à saúde.
Nas ações de educação para o autocuidado, profissionais de saúde de
diferentes formações produziram conteúdo, palestras e rodas de conversa sobre
diferentes temas que tiveram início no mês de julho, em paralelo aos atendimentos
que já estavam em andamento. O ensino de estratégias educativas para o
desenvolvimento do autocuidado visou fornecer conhecimentos no campo da
saúde para que os indivíduos tivessem a oportunidade de conhecer mais sobre si
próprio, bem como fazer escolhas e mudanças no seu estilo de vida, a fim de
melhorar a sua saúde física e mental.
As palestras foram desenvolvidas por uma equipe multidisciplinar de
voluntários e os temas principais abordados foram: 1) Saúde e Autocuidado, (2)
Cuidar de si para Cuidar do Outro, (3) Saúde Mental e Autocuidado e (4)
Prevenção, Promoção da Saúde e Autocuidado
Na primeira temática, Saúde e Autocuidado, abordamos aspectos
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importantes sobre os fatores internos e externos do sistema de saúde que são
considerados agentes determinantes da saúde e do bem-estar social.
Conversamos sobre o que é o autocuidado e os diferentes tipos de autocuidado:
físico, mental, emocional, espiritual, social e intelectual.
Na segunda temática, Cuidar de si para Cuidar do Outro, foi abordada a
necessidade de cuidar de si para cuidar do outro e a importância do uso das
práticas integrativas e complementares para promover o bem-estar. Foram
ensinadas atividades práticas envolvendo a respiração consciente, a meditação,
a automassagem, a aromaterapia, o alongamento, entre outras. Além disso, foi
trabalhada a importância de uma alimentação consciente e balanceada.
Na terceira temática, Saúde Mental e Autocuidado, foram abordados os
aspectos relacionados à depressão, à ansiedade, ao estresse e à importância de
pedir ajuda sempre que necessário, assim como a importância da psicoterapia, da
rede de apoio, do exercício físico, da alimentação e do sono para a saúde mental.
Na quarta temática, Prevenção, Promoção da Saúde e Autocuidado, foi
apresentada a importância dos exames de rotina e de ter-se em dia as vacinas
recomendadas pelo calendário do Ministério da Saúde. Além da necessidade de
exercer diariamente a auto-observação, a autopercepção e a autocompaixão
como estratégias de prevenção ao adoecimento físico e mental. Foi abordada a
importância de uma rede de apoio e de se conversar sobre os sentimentos e
desejos, a fim de evitar a somatização, que muitas vezes levam ao adoecimento,
ressaltando a necessidade de aprender a criar estratégias para cuidar do corpo e
da mente visando a prevenção de doenças e a promoção da saúde. Foi abordado
que a temática da promoção da saúde é um tema de interesse mundial que
recebeu grande destaque na I Conferência Internacional sobre Promoção da
Saúde, realizada em Ottawa, no Canadá, em 1986, onde foi estabelecida uma
série de princípios éticos e políticos, definindo os campos de ação14.
À medida que os meses foram passando, com a convivência e o vínculo
estabelecido com os moradores, mudanças positivas foram passíveis de serem
observadas na forma dos indivíduos se auto cuidarem, bem como no cuidado aos
familiares em cuidados paliativos. Da mesma forma, nas rodas de conversa, os
relatos dos moradores foram ganhando outras características, com mais
profundidade, perguntas e depoimentos sobre as mudanças experimentadas,
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dificuldades e/ou facilidades nas práticas realizadas.
Merece destaque o relato de muitos participantes quanto a experiência de
terem se tornado multiplicadores do conteúdo aprendido no programa, que passou
a ser transmitido para familiares e amigos, impactando dessa forma outros
membros da comunidade. Os participantes demostravam interesse e
engajamento nas atividades propostas em grupo, o que corrobora com achados
que descrevem as práticas grupais no cotidiano da Atenção Primária à Saúde
como ferramenta de promoção da saúde, indicando que atividades em grupo
favorecem a permanência dos participantes pelo reconhecimento de seus saberes
e necessidades afetivas, sociais e de saúde 15.
Criar estratégias para promover a saúde, prevenir doenças e atender a
população em vulnerabilidade social é de extrema relevância principalmente para
a população carente que vive em situação de vulnerabilidade social. A saúde é o
maior recurso para o desenvolvimento social, econômico e pessoal,
consequentemente, a promoção da saúde deve receber destaque não só dos
órgãos públicos, mas também das instituições privadas. Vivemos uma nova
realidade na nossa sociedade, em que cada uma das nossas ações, tanto como
pessoas quanto como associações, instituições, organizações e empresas,
precisa ser pensada e realizada de forma consciente e voltada para gerar e
expandir impacto social e ambiental positivo e proativo.
Valorizamos e entendemos a promoção da saúde como um processo que
envolve a capacitação da comunidade para atuar de forma ativa na melhoria de
sua qualidade de vida e saúde. A organização de estratégias para a promoção da
saúde demanda uma ação coordenada entre várias partes envolvidas como:
governo, setor saúde, setor social e econômico, organizações voluntárias e não-
governamentais, autoridades locais, indústria e mídia. Portanto, todos devem
envolver-se neste processo como indivíduos, famílias e comunidades 16.
No Brasil, vale destacar um programa organizado em 1992 e depois
transformado em política estruturada com foco na promoção da saúde. Trata-se
do Programa Saúde da Família no qual o Ministério da Saúde começou a formular
e implementar algumas estratégias de reorientação do modelo assistencial
organizando equipes multidisciplinares em unidades básicas de saúde para atuar
com a promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e
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agravos mais frequentes, e na manutenção da saúde da comunidade, 17
As transformações no padrão do perfil epidemiológico e demográfico da
população, o crescimento urbano acelerado e desorganizado, a alteração nos
hábitos alimentares e o estilo de vida dos indivíduos fazem com que cada vez
mais cresça o número de pessoas que adoecem e, consequentemente, precisam
de alguém para ajudar nas atividades de vida diária. Existe uma crise nos sistemas
de saúde na maioria dos países e também no Brasil, sendo urgente a elaboração
de propostas para aliviar o sofrimento da população em especial os mais
vulneráveis, que enfrentam barreiras sociais e econômicas que agravam o acesso
à informação correta, ao tratamento adequado e à realização de exames
essenciais para a manutenção da saúde e do bem-estar 18.
Destacando a contemporaneidade da questão, em junho de 2021, a OMS
publica diretriz sobre intervenções de autocuidado visando colocar o indivíduo em
primeiro lugar na gestão de sua saúde, apontando recomendações baseadas em
evidências sobre intervenções específicas de autocuidado que podem ajudar a
garantir saúde e bem-estar de qualidade e promover e proteger os direitos
humanos. O desenvolvimento do nosso programa “Cuidando do Cuidador” levou
em consideração essa publicação da OMS que indica a necessidade de encontrar
estratégias inovadoras que vão além da resposta convencional do setor de saúde
19.
A educação para o autocuidado com foco na promoção da saúde ensina
ao indivíduo quem ele é biologicamente, como ele interage com o ambiente em
que vive e que, consequentemente, é afetado por essa interação. O estímulo para
o exercício do autocuidado e o acompanhamento são ações que trazem ótimos
resultados e demonstram a preocupação em tornar não apenas o indivíduo
melhor, mas que esta melhoria se reflita em suas relações pessoais, profissionais
e com o meio ambiente e na forma de se cuidar e cuidar do próximo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como o relato dessa experiência, destacamos as observações realizadas
no decorrer dos nove meses de implantação do programa “Cuidando do
Cuidador”, na favela da Rocinha, Rio de Janeiro. A educação para o autocuidado
se tornou uma ferramenta poderosa neste sentido e impactou positivamente o
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bem-estar físico, mental, social e espiritual dos moradores participantes do
programa que são cuidadores de pessoas em cuidados paliativos, contribuindo
para a promoção da saúde e para a prevenção de doenças nos mesmos.
Cuidar de alguém em cuidados paliativos repercute nas atividades diárias,
o que interfere na dinâmica familiar, propiciando o surgimento de conflitos, a
negligência do cuidar de si, renúncias, sentimento de desvalorização e
dificuldades financeiras, ou seja, um cenário oportuno para o esgotamento e
burnout.
Urgem iniciativas que promovam o cuidado e a sustentabilidade em saúde,
de forma a promover respeito aos mais vulneráveis, na intencionalidade de
assegurar a dignidade humana.
Na era digital, onde informações são jogadas a todo o momento nas redes,
a obtenção de informações de fontes confiáveis é capaz de promover o
empoderamento e incitar a formação de agentes multiplicadores. A popularização
do conhecimento científico é um grande desafio, no entanto, os resultados,
quando observados na opinião dos beneficiados por este programa, fortalecem a
necessidade de se trazer informação confiável e da aproximação da academia
com as pessoas que residem na favela.
Por fim, ressaltamos a necessidade de mais estudos que busquem
estruturar, aplicar e avaliar programas de promoção de saúde para pessoas
responsáveis por cuidar de alguém a fim de minimizar a sobrecarga física,
emocional, social e espiritual de quem cuida de pessoas em processo final de
vida, em especial, os mais vulneráveis.
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