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Política industrial: teoria e prática no Brasil e na ocde
Industrial policy: theory and practice in Brazil
and in the oecd countries
FABIO S. ERBER*
JOSÉ EDUARDO CASSIOLATO**
RESUMO: O artigo analisa o desenvolvimento recente das políticas industriais e tecnológi-
cas no Brasil em comparação com as adotadas nos principais países da OCDE. A primeira
seção apresenta os antecedentes, apresentando uma breve descrição da evolução da econo-
mia global. A segunda seção apresenta o quadro analítico do artigo. Argumenta que atual-
mente existem quatro “agendas de política industrial”, derivadas de considerações teóricas
e políticas – ultra-liberal, reformista liberal, neodesenvolvimentista e social-democrata. A
terceira seção apresenta a evolução da política industrial e tecnológica brasileira durante os
anos 90, examinando com mais detalhes a situação atual. A quarta seção apresenta as polí-
ticas seguidas pelos principais países da OCDE (Estados Unidos, Alemanha, Japão e Reino
Unido), examinando sua evolução e focalizando o atual padrão de políticas. A última seção
apresenta as principais conclusões do artigo.
PALAVRAS-CHAVE: Política industrial; abertura comercial.
ABSTRACT: The paper analyses the recent development of industrial and technological po-
licies in Brazil as compared to those adopted in the main OECD countries. The rst section
sets the background, presenting a brief description of the evolution of the global economy.
The second section presents the analytical framework of the article. It argues that presently
there are four “industrial policy agendas”, derived from theoretical and political conside-
rations – ultra-liberal, reformist liberal, neo-developmental and social-democrat. The third
section presents the evolution of the Brazilian industrial and technological policy during
the nineties, examining in more detail the present situation. The fourth section presents the
policies pursued by the main OECD countries (the United States, Germany, Japan, and the
United Kingdom), examining their evolution and focusing on the present pattern of policies.
The last section presents the main conclusions of the paper.
KEYWORDS: Industrial policy; trade liberalization.
JEL Classication: L52; F63; O25.
Revista de Economia Política, vol. 17, nº 2 (66), pp. 195-224, abril-junho/1997
* Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro/RJ, Brasil.
E-mail: fabio.erber@gmail.com.
** Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ, Rio de Janeiro/RJ, Brasil.
E-mail: cassio@ie.ufrj.br.
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A emergência de um novo paradigma tecnológico e a globalização financeira
são os traços mais marcantes dos últimos 15 anos. Estreitou-se ainda mais a inte-
gração da economia mundial, enquanto a revolução tecnológica se difundia de
forma desigual entre as principais economias avançadas. Num quadro de intensa
concorrência e profunda crise fiscal do Estado, a agenda política da década de 80
foi dominada pela visão de que os ganhos da convergência de políticas macroeco-
nômicas, orquestrada através de uma coordenação multilateral num contexto de
crescente integração dos mercados financeiros, não poderiam ser obtidos e distri-
buídos equitativamente sem o estabelecimento de condições estruturais favoráveis
através da reforma das políticas microeconômicas. No final da década de 80, a
adoção por parte dos países da OCDE de uma estratégia de ‘ajuste estrutural’ re-
presentou o primeiro passo na definição de um consenso internacional na esfera
microeconômica.
Naquele momento, o acordo relacionou-se à necessidade (e constituição dos
mecanismos básicos) de eliminar as chamadas ‘rigidezes’ no funcionamento dos
mercados, consideradas responsáveis pela sub-exploração das possibilidades de
crescimento das economias nacionais. O enorme potencial das novas tecnologias
poderia, dessa maneira, ser mais satisfatoriamente realizado.
O foco da ação de políticas se daria na direção da remoção de vários impedi-
mentos microeconômicos à realização do potencial de crescimento oferecido pela
mudança tecnológica, mais uma vez associado a ‘rigidezes’ no funcionamento dos
mercados. A base para tais ações de política está na ideia de uma convergência dos
padrões de crescimento das economias avançadas.
A partir do início dos anos 90, entretanto, surge a necessidade de complemen-
tar tal enfoque, que se centrava na revitalização das forças de mercado, por uma
visão focada muito mais na avaliação e coordenação internacional de políticas
microeconômicas, particularmente as de corte tecnológico. Tais políticas visam
estimular o potencial de crescimento, quer através de sua influência na qualidade
do ambiente sócio-institucional no qual os mecanismos competitivos operam, quer
através de um apoio mais direto a indústrias estratégicas. Analisando as implicações
das novas características dos processos de inovação para o crescimento, os traba-
lhos ligados ao “Technology and the Economy Programe” da OCDE (OECD, 1992)
contribuem teórica e empiricamente para esta nova fase de avaliação e orientação
das políticas microeconômicas coordenadas internacionalmente. Com as novas
colocações teóricas e analíticas centradas na dinâmica das relações entre tecnologia
e crescimento econômico, é a ideia de divergência ou de padrões de crescimento
divergentes que começa a surgir no centro do debate político e acadêmico. As várias
contribuições teóricas recentes que tentaram formalizar uma teoria de crescimento
mais endógena e mais realística (da perspectiva do progresso técnico) chegaram à
conclusão de que, a um nível mais geral e observando-se a evolução do sistema
capitalista nos últimos duzentos anos, existem significativas divergências nas ten-
dências dos processos de desenvolvimento (Dosi e Fabiani, 1994).
Deve-se destacar que o período que se inicia após a Segunda Guerra e que se
estende até o final dos anos 70 foi, de fato, caracterizado, do ponto de vista do
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crescimento econômico na área da OCDE, tem por um intenso processo de con-
vergência. Esta se deu através de um processo de catching up tecnológico das prin-
cipais economias desenvolvidas em relação ao país líder (EUA). Verspagen (1994)
demonstra, porém, que a partir do início dos anos 80, quando diminui significati-
vamente a influência da imitação tecnológica, a convergência desaparece.1 De fato,
Patel e Pavitt (1994) demonstram que a divergência de padrões de crescimento nos
países da OCDE observada desde então é associada a especializações industriais
muito diferenciadas e a padrões de capacitações tecnológicas desiguais.
A intensa concorrência internacional associada aos processos de globalização,
particularmente nas suas dimensões financeiras e conjuntamente à volatilidade da
propriedade das grandes corporações trazidas pela desregulamentação financeira
dos anos 80, tem tido um impacto muito forte na estrutura da indústria e dos ser-
viços em muitos países, possivelmente com efeitos desfavoráveis para as ligações
interindustriais sobre as quais a coesão estrutural da economia é fundada. É exa-
tamente em tal quadro que diferentes políticas industriais e tecnológicas têm sido
formuladas e implementadas nos diferentes países ao longo da década de 90.
O objetivo deste texto é examinar analiticamente as principais características
das políticas microeconômicas de competitividade, especialmente as políticas tec-
nológicas e industriais. O artigo compõe-se de quatro partes. A primeira seção
apresenta uma tipologia das principais perspectivas analítico-políticas de desenvol-
vimento industrial e das políticas pertinentes. A segunda seção revê a evolução do
tema no Brasil durante a década atual, detendo-se mais sobre a situação atual. A
terceira seção apresenta as experiências recentes de outros países, comparando-as
com a atual política brasileira. A última seção apresenta as conclusões finais.
1. AGENDAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL
Esboçam-se a seguir quatro “visões” de desenvolvimento industrial. A tipologia
utilizada abaixo não tem a pretensão de ser exaustiva, embora pareça cobrir as
principais posições em jogo no momento. Cabe notar que, apesar das incertezas
vigentes, certos processos que ocorreram no Brasil no passado recente, como o
aumento de internacionalização, a privatização e a recusa a um estilo autoritário
de intervenção estatal sobre as decisões dos agentes econômicos, parecem irrever-
síveis. Estes processos condicionam as futuras agendas e eliminam a alternativa de,
simplesmente, tentar voltar ao padrão de política industrial da década de 70. Os
resultados eleitorais da década confirmam essa irreversibilidade.
1 A análise de Verspagen (1994) para o período que se inicia nos anos 80 mostra que a divergência nos
padrões de crescimento observada nos países da OCDE a partir de então é associada, entre outros
fatores, a especificidades de natureza tecnológica. Particularmente, sua análise sugere que a realização
de esforços em P&D por parte das empresas locais seria extremamente relevante para o crescimento
econômico, enquanto spillovers tecnológicos associados com pagamentos por tecnologia importada e
importação de bens de capital e bens intermediários não parecem ser significativos.
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(i) A agenda neo-liberal radical. Dentro desta perspectiva, cabe ao mercado,
através do sistema de preços, responder às indagações postas pela agenda da indus-
trialização. O desejo e a política tendem apenas a tornar as respostas pouco eficien-
tes. O sistema de preços deve ser “correto”, refletindo a produtividade dos fatores
e as preferências dos consumidores, e estável. Ao Estado cabe suprir o regime ins-
titucional e jurídico que favoreça a ação do mercado. Assim, quando defrontado
com uma situação em que este regime dificulte a ação do mercado cabe ao Estado,
prioritariamente, reformar o regime. No entanto, como o Estado torna-se facilmen-
te presa de interesses particularistas e sofre a tentação de agir em causa própria, o
regime institucional deve coibir esses processos. Apenas na presença de graves
imperfeições do mercado, a ação do Estado é aceitável, desde que não introduza
distorções ainda piores que aquelas derivadas das forças de mercado. Prioritárias
são as intervenções que visam estabelecer fundamentos macroeconômicos corretos,
que permitam a existência mais ampla de mercados e seu bom funcionamento.
Estas “reformas estruturais”, do regime institucional e dos fundamentos macroe-
conômicos estão sintetizadas no decálogo do Consenso de Washington e, segundo
John Williamson (o “padrinho” do CW), “sumarizam o cerne de sabedoria com-
partilhado por todos os economistas sérios” (Williamson, 1993, p.1334).
Nesta perspectiva, que privilegia o macroeconômico, a expansão industrial
resultará de aumentos de produtividade, derivados de uma distribuição de recursos
mais eficiente e, a prazo mais longo, da incorporação de “safras” mais modernas
de bens de produção e da melhoria da infraestrutura física e humana. Inexistem,
nesta visão, razões para, a priori, diferenciar setores e agentes econômicos. Ao
contrário, políticas que estabeleçam tais distinções constituem focos de distorções
do mercado, a serem evitados. Se, no processo, algumas atividades internas vierem
a desaparecer, em virtude da competição internacional, os custos desse desapareci-
mento são positivamente compensados pela maior eficiência do uso dos fatores de
produção em atividades mais competitivas, embora faça-se a ressalva de que é le-
gítima a defesa pelo Estado de atividades internas contra práticas desleais de co-
mércio exterior, como o dumping.
(ii) A agenda neo-liberal reformista. Do ponto de vista conceitual, esta visão
constitui uma variante da anterior, embora apresente importantes diferenças em
termos de economia política.
No plano teórico, a agenda “reformista” distingue-se da “radical” por conceder
maior ênfase às imperfeições do mercado e, portanto, dar maior espaço à interven-
ção do Estado, visando compensar ou corrigir as imperfeições. Dependendo de
quais imperfeições do mercado são selecionadas, a abrangência e intensidade da
intervenção estatal recomendada variam consideravelmente.
Exemplificando, na abordagem corrente do Banco Mundial (p.ex. World Bank,
1993), enfatiza-se a intervenção do Estado para sanar falhas de coordenação entre
agentes econômicos e nos mercados de fatores, especialmente no de educação. Con-
clui o Banco que a intervenção mais eficaz é a que é Market friendly, centrada nos
“fundamentos” da economia- estabilidade econômica, fortes investimentos em ca-
pital humano, sistemas financeiros seguros e estáveis, poucas distorções no sistema
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de preços e abertura ao exterior. Intervenções de natureza seletiva, de corte setorial
ou por tipo de agente econômico, são tidas como pouco eficazes e, mesmo, contra-
producentes.
Em contraste, outros autores (p.ex. Lall, 1994) enfatizam a importância de
falhas de mercado relativas ao processo de capacitação tecnológica das empresas
no curso do processo de industrialização e concluem que “a promoção do desen-
volvimento industrial pode necessitar intervenções para superar falhas de mercado
na distribuição de recursos entre atividades e dentro das firmas. Tais intervenções
têm que ser seletivas e articuladas ao processo de aprendizado dentro das empresas”
(ibid., p. 649).
A importância atribuída às diferentes falhas de mercado depende de condições
históricas específicas. Assim, não é acidental que o debate dos anos 50 sobre a
constituição de atividades industriais na periferia do mundo capitalista tenha en-
fatizado os problemas de indivisibilidades e ausência de mercados de capitais no
plano interno e as imperfeições do mercado de bens primários e manufaturados no
plano internacional. Da mesma forma, situações de industrialização mais avançada
levam a enfocar as falhas de mercado que afetam o processo de capacitação tecno-
lógica das empresas, como faz Lall. Alterações nas condições internacionais de
competitividade levam os governos a enfatizar as deficiências do mercado que di-
ficultam o ajuste dos diferentes setores às novas condições e adotar medidas de
proteção temporária que viabilizem o referido ajuste.
Mesmo dentro de um contexto histórico específico, a decisão de quais falhas
são mais importantes e, portanto, a decisão quanto às prioridades de ação estatal,
depende dos objetivos perseguidos pelo Estado. Como os Estados têm múltiplos
objetivos – p.ex. reestruturar indústrias ameaçadas pela competição internacional
e, ao mesmo tempo, avançar em setores industriais que apresentem grande dina-
mismo internacional ou que tenham grande relevância militar – e os mercados
apresentam falhas que têm relevância distinta de acordo com as diversas atividades
econômicas, a política orientada pelas falhas de mercado é necessariamente seleti-
va e diferenciada.
Este último passo introduz a política, lato senso, como um determinante da
política industrial. No limite, este passo rompe as fronteiras do paradigma em que
se situa a visão de falhas do mercado. A ideia do mercado como o mecanismo que
regula a sociedade perde seu valor descritivo e passa, na melhor das hipóteses, a ter
um valor estritamente normativo, de desejo inalcançável. No entanto, os autores
que subscrevem essa visão não realizam este corte epistemológico e seu apego ao
paradigma traduz-se na recomendação que a intervenção do Estado para sanar as
falhas do mercado deve ser temporária e cadente. Uma vez sanada a falha, o mer-
cado retomará sua primazia.
(iii) A agenda neo-desenvolvimentista. Esta agenda industrial parte de supostos
teóricos diferentes das anteriores. Inspiram-na, principalmente, a visão histórica de
que o mercado é apenas uma das formas pelas quais as sociedades capitalistas or-
ganizam suas relações econômicas; a perspectiva evolucionista, que enfatiza a na-
tureza cumulativa, mas sujeita a rupturas, do processo de desenvolvimento, onde
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fatores institucionais desempenham um papel muito importante; as teses neo-
-schumpeterianas sobre a importância da inovação e difusão do progresso técnico,
em termos nacionais e internacionais; a constatação que as vantagens comparativas
internacionais são construídas, inclusive através de políticas deliberadas dos Esta-
dos nacionais e o reconhecimento da importância de contar-se com padrões de fi-
nanciamento adequados à transformação da base produtiva. A diferenciação de
agentes econômicos (as empresas são diferentes entre si), de setores (a intensidade
tecnológica dos setores confere-lhes dinâmicas distintas) e de trajetórias nacionais,
contrapõe-se à visão globalizante e uniformizadora do paradigma neo-liberal. Fi-
nalmente, distintamente do individualismo metodológico que caracteriza as visões
anteriores, a perspectiva evolucionista acentua o caráter coletivo das ações econô-
micas, expresso, por exemplo, nas relações estabelecidas dentro de cadeias produ-
tivas e em redes, formais e informais, de empresas.
Estas ideias permitem uma atualização da agenda desenvolvimentista, recupe-
rando a preocupação com a constituição de novas forças produtivas que alterem a
estrutura industrial e tecnológica do país e sua inserção internacional. Da mesma
forma, recupera-se também a preocupação com a soberania nacional, eliminada
nas visões anteriores.
As novas “forças produtivas” são os setores que incorporam os novos paradig-
mas tecnológicos (eletrônico, biotecnologia e novos materiais) – ou seja, a agenda
é fortemente setorializada. No entanto, ao enfatizar a constituição de uma capaci-
dade de inovação local, as relações entre produtores e usuários de inovações e as
novas formas de organização da produção, recuperam-se aspectos sistémicos do
processo de desenvolvimento industrial e alarga-se o leque de atores sociais envol-
vidos (por exemplo, incluindo a comunidade científica).
Ao Estado cabem, dentro desta perspectiva, papéis da maior importância, seja
como agente estruturante das novas forças produtivas, seja como propulsor da sua
difusão através da sociedade. A inserção internacional da indústria é também forte-
mente afetada pelo Estado, tanto pelos efeitos indiretos das ações voltadas para o
mercado interno como, diretamente, por ações dirigidas ao comércio e investimento
internacional. Coalizões estratégicas entre o Estado e segmentos da sociedade civil,
com objetivos e compromissos recíprocos definidos de forma explícita, constituem
um elemento importante desta visão. Por outro lado, a ênfase conferida à preservação
e promoção da diversidade e a importância atribuída à cooperação, afastam esta
perspectiva de esquemas de planejamento rígido e impõem limites à intervenção do
Estado, cuja definição, mutante ao longo do tempo, varia de país a país.
Assim, a perspectiva evolucionista é predominantemente micro e meso econô-
mica (ao nível de setores e cadeias produtivas), enfocando principalmente a dinâ-
mica das estruturas produtiva e institucional. Falta-lhe uma perspectiva de dinâmi-
ca macroeconômica de curto prazo, possivelmente porque, seguindo a tradição
schumpeteriana, sua visão é não-monetária, atendo-se aos movimentos da econo-
mia “real”. Embora um tratamento “monetário” (no sentido keynesiano) da eco-
nomia evolucionista ainda esteja por ser feito, esta visão leva, intuitivamente, à
articulação entre medidas de estabilização (que visam a ordem) e medidas de polí-
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tica industrial (que visam a transformação). Dentro desta perspectiva, a interação
entre os dois campos de política teria efeitos de sinergia (positiva e negativa) – por
exemplo, entre estabilidade e planos de investimento.
Em síntese, a perspectiva neo-desenvolvirnentista postula uma agenda indus-
trial completamente distinta das neo-liberais, tanto em termos econômicos como
políticos.
(iv) A visão social-democrata. A diferença das agendas anteriores, cuja preo-
cupação fundamental é econômica, o objetivo principal desta é sanar, mesmo par-
cialmente, os problemas sociais. Assim, ela volta-se para os problemas de emprego
e dos serviços essenciais de atendimento à população de baixa renda, notadamen-
te, saúde, transporte urbano, educação e informação. Como uma das facetas mais
importantes do desemprego atual é sua incidência sobre trabalhadores de baixa
qualificação, a educação constitui um dos seus objetivos prioritários, especialmen-
te em países onde há uma relativa disponibilidade dos demais serviços básicos.
A provisão destes serviços constitui uma das áreas tradicionais de intervenção
do Estado. Embora a crise fiscal e de legitimidade do Welfare State tenham redu-
zido o alcance desta intervenção, as novas tecnologias de informação permitem
uma revitalização destes serviços. Para tanto, porém, serão necessários substanciais
investimentos em capacidade tecnológica e organizativa e para a produção de novos
bens e serviços. Assim, para ser implementada, esta agenda envolve importantes
transformações industriais. A capacidade constituída para atender estes objetivos
provavelmente pode ser utilizada para outros fins, atendendo a outros mercados.
Assim como a agenda neo-desenvolvimentista, com a qual tem importantes
interseções teóricas e práticas, esta agenda é fortemente setorializada. Ao mesmo
tempo, ela tem um importante conteúdo regional, imposto pela necessidade de
encontrar soluções para problemas específicos. Embora ao Governo central caibam,
provavelmente, importantes papéis no lançamento desta agenda, a participação de
esferas governamentais locais é crucial para o seu sucesso. Da mesma forma, a
participação de comunidades consumidoras de serviços básicos que, nas outras
agendas, são passi-vas, nesta teria um papel da maior relevância. Finalmente, não
é ocioso enfatizar que as estruturas fiscal e organizativa dos diversos níveis gover-
namentais constituem elementos críticos para a implementação desta agenda.
2. O CASO BRASILEIRO NOS ANOS 90
Os anos 90 apresentam uma descontinuidade substancial em relação ao pas-
sado. Sem a pretensão de sermos exaustivos, pode-se constatar a descontinuidade
no campo político, com a realização de eleições diretas para a Presidência, pelas
mudanças no pacto federativo introduzidas pela Constituição de 1988 e pela con-
solidação de um partido de massas, de esquerda – o Partido dos Trabalhadores; no
plano institucional, pela introdução de amplas reformas no aparato estatal, a exem-
plo da privatização das empresas públicas e no plano econômico, pela hegemonia
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da perspectiva liberal, referendada por duas eleições presidenciais. A análise a seguir
concentra-se no último plano.
Transcorridos dois terços da década, dois episódios decisivos podem ser iden-
tificados, do ponto de vista desta análise: o início do Governo Collor, sob a gestão
de Zélia Cardoso de Mello e o Plano Real, iniciado em 1993 e ainda em aplicação.
O primeiro ano do Governo Collor é marcado por três movimentos: o lança-
mento de reformas institucionais e econômicas de cunho estrutural, seguindo as
linhas do Consenso de Washington; a tentativa de obter a estabilidade de preços
em prazo curtíssimo, “matando o tigre da inflação com o tiro único” do controle
monetário e, finalmente, uma ativa política industrial, tecnológica e de comércio
exterior (PICE).
Esta última tinha a feição de uma pinça, em que se contrapunham, de um lado,
medidas destinadas a aumentar a competição a que estavam expostos os empresá-
rios brasileiros, através da abertura às importações e investimento estrangeiro, mu-
danças na legislação de controle de mercado e de proteção ao consumidor, fim dos
controles de preços, e, de outro lado, medidas de apoio ao desenvolvimento tecno-
lógico, notadamente as melhorias de qualidade e produtividade, através de créditos,
incentivos fiscais e ações de coordenação. Políticas setoriais dariam especificidade
à PICE e supunha-se que os empresários teriam um comportamento “schumpete-
riano”, reagindo de forma altamente inovativa e agressiva ao desafio posto pelo
novo ambiente.
À época, um dos autores deste artigo argumentou que a pinça da PICE era
estruturalmente desequilibrada – as “pernas” tinham efeitos distintos em termos
de intensidade e timing dos incentivos (positivos e negativos), com as medidas de
competição (notadamente a abertura às importações) dominando as de incentivo
à competitividade, provocando reações defensivas e contracionistas dos empresá-
rios, agravadas pela imprecisão das prioridades setoriais (Erber, 1991).
Mais além de suas contradições internas, a PICE repousava sobre o pressupos-
to que a estabilização seria lograda, imediatamente. Embora tenha adotado proce-
dimentos heterodoxos, a política de estabilização era de cunho estritamente orto-
doxo, centrando-se no controle da moeda. Seu fracasso levou à mudança de
orientação e de equipe econômica, tendo a gestão de Marcílio Marques Moreira
optado por uma estratégia de controle gradual da inflação, que perdurou até en-
trada da atual equipe econômica já no Governo Itamar Franco.
O fracasso da política de estabilização ortodoxa da primeira fase do Governo
Collor levou ao abandono da PICE. Embora a maioria dos instrumentos que cons-
tituíam a política tenham sido mantidos, o propósito de ter uma política industrial
que acelerasse e dirigisse a transformação do aparato produtivo foi abandonado.
A transformação foi deixada à direção das forças de mercado. O fim da PICE assi-
nala o ocaso da agenda desenvolvimentista no âmbito governamental e a completa
hegemonia da agenda liberal, com a sua ênfase na estabilização de preços e nas
reformas institucionais que facilitem a ação dos mercados.
O atual Governo não apresentou qualquer documento oficial em que explici-
te a sua visão de desenvolvimento industrial e tecnológico e de políticas públicas
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pertinentes. No entanto, algumas medidas que foram tomadas e documentos de
autoridades governamentais da área econômica, que constituem um discurso ofi-
cioso, sugerem que, embora a hegemonia do paradigma liberal seja inconteste, há
conflitos entre a adoção de uma agenda mais “radical” e outra “reformista”.
Conforme se depreende de alguns documentos recentes2, pautados pela agen-
da “radical”, no Brasil estariam em gestação dois “círculos virtuosos”, entrelaçados,
que tornam dispensável uma política industrial e tecnológica. O primeiro círculo
diz respeito à inserção do país no grande fluxo da globalização, caracterizada como
o crescimento do comércio e investimento internacionais em níveis superiores aos
do crescimento da produção. O investimento estrangeiro demanda a abertura às
importações, mas, em compensação, por sua natureza global tem forte propensão
a exportar. A prazo mais longo, esse investimento leva a aumentos de produtivida-
de, que também têm efeitos sobre as exportações. No segundo círculo virtuoso,
focado no mercado interno, a abertura, pela sua ação sobre os preços, tem um
efeito redistributivo, aumentando o mercado. Essa expansão soma-se à resultante
da estabilização e da integração regional. O mercado ampliado e o horizonte de
longo prazo derivado da estabilidade incentivam os investimentos, que aumentam
a produtividade, que aumenta a equidade na distribuição de renda, ampliando o
mercado. Ao investimento estrangeiro caberá o papel principal na revitalização da
indústria brasileira. Nesta perspectiva, o aumento das importações constitui um
prólogo à realização de investimentos e ao aumento das exportações, e a compra
de empresas nacionais libera recursos, quiçá para usos mais eficientes. A fé no in-
vestimento estrangeiro é tanta que torna dispensável a negociação com as empresas
transnacionais. A estabilidade de preços, a abertura às importações e a política de
câmbio constituem a pedra de toque desta visão. A principal ameaça à realização
deste processo virtuoso provém das contas públicas, embora, no passado recente,
os déficits nas transações comerciais tenham forçado a equipe econômica a adotar
medidas de estímulo às exportações, a seguir comentadas.
Articulada em outros documentos de funcionários e assessores governamen-
tais3, a agenda “reformista” tem justificado a adoção de políticas setoriais (brin-
quedos, calçados, automobilística), em conjugação com políticas “horizontais”.
Estas últimas, que afetam o funcionamento de todas as indústrias, como a melhoria
da infraestrutura, investimentos em educação, simplificação do sistema tributário,
etc. são incontroversas – todos as defendem. As diferenças surgem no âmbito das
políticas setoriais. Na forma em que vêm sendo implementadas no Brasil, estas
políticas visam fomentar a reestruturação de setores ameaçados pela competição
internacional, combinando, de forma variada, proteção (tarifária e via cotas) com
2 Vejam-se Franco (1996) e Mendonça de Barros e Goldenstein (1996). Uma análise mais detalhada dos
dois documentos encontra-se em Erber (1996).
3 Vejam-se as declarações da Ministra do Comércio, Indústria e Turismo, Dorothéa Werneck no VII
Fórum Nacional, Rio de Janeiro, 1995, Bonelli (1995) e Guimarães et alii (1995). Não há uma
correspondência estrita entre os documentos técnicos e as políticas implementadas.
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incentivos creditícios e reduções tarifárias para a importação de insumos. No en-
tanto, a proteção dada a esses setores não é informada por objetivos de prazo mais
longo, que apresentem uma visão estratégica da configuração que se imagina dese-
jável para o setor e a respectiva cadeia produtiva. Dão-se a proteção e os estímulos
e deixa-se o mercado agir. À falta de uma ação mais articulada, a proteção, supos-
tamente temporária e suficiente para a reestruração do setor, é renovada. Como
tampouco há uma visão estrutural que hierarquize os setores, os pleitos tendem a
ser tratados de forma ad hoc. Estas políticas cruzam-se com a disputa por investi-
mentos travada pelos vários estados da União, com base em incentivos fiscais e
outras concessões. Nestas condições, não é de se estranhar que essas medidas ins-
pirem profundo horror nos defensores da agenda mais radical, que, independente-
mente de seu sucesso, as veem como uma volta ao tenebroso passado protecionis-
ta, intervencionista, corporativista e fiscalmente irresponsável.
As falhas de mercado privilegiadas pela agenda reformista brasileira são, pois,
relativas ao tempo de reação dos empresários e a carências do mercado de capitais.
As falhas de coordenação, que tanto preocupam o insuspeito Banco Mundial, são
negligenciadas. Tampouco parecem importantes as falhas relativas ao processo de
aprendizado tecnológico e ao desenvolvimento da capacidade de inovação, enfatiza-
das por analistas do processo de industrialização do Sudeste Asiático (Amsden, 1989;
Lall, 1994). É uma visão simplista (ou otimista) do funcionamento do mercado.
Em relação ao desenvolvimento tecnológico, é importante notar que a política
tecnológica brasileira, ao contrário de outras experiências nacionais, abaixo rela-
tadas, é conduzida de forma pouco articulada às políticas industriais. Tendo-se
abdicado dos objetivos de maior autonomia tecnológica mediante a constituição
de uma capacidade local de inovação através da forte intervenção do Estado, a
política tecnológica deixa ao mercado a definição dos programas empresariais.
Para tanto, utilizam-se os tradicionais instrumentos de crédito e incentivos fiscais.
Estes últimos abrangem incentivos específicos para a informática, em substituição
à antiga política e outros, de uso geral, regulamentados em fins de 1993. O princi-
pal programa setorial, que visa promover a exportação de software e utiliza um
interessante mecanismo de coordenação de redes regionais, tem recebido poucos
recursos e seus resultados são também limitados (Prochnik, 1996).
Embora a informação disponível seja limitada, os programas tecnológicos em-
presariais realizados localmente parecem ser orientados principalmente para me-
lhorias de qualidade e produtividade e adaptações de processos e produtos. Apesar
de importantes para o crescimento, dificilmente esses programas levam ao desen-
volvimento das capacidades tecnológicas e científicas que o processo de transfor-
mação mundial torna necessárias. Parece improvável que as empresas estrangeiras,
demiurgos do novo padrão industrial, venham a ampliar substancialmente investi-
mentos em pesquisa e desenvolvimento no país, salvo quando idiossincrasias locais,
como matérias-primas, assim o tornem necessário. Preferirão, por boas razões eco-
nômicas, tecnológicas e administrativas, localizar esses investimentos em países
onde os sistemas nacionais de inovação já estão constituídos e fornecem externali-
dades a esses investimentos. Nesse sentido, a compra de empresas nacionais, espe-
205Revista de Economia Política 17 (2), 1997 • pp. 195-224
cialmente as poucas que apresentavam alguma vocação schumpeteriana, como a
Metal Leve, é preocupante. O esqueleto do centro de pesquisas da Petroquisa su-
gere cuidados também com os efeitos da privatização sobre os investimentos em
tecnologia das empresas estatais, que, até recentemente, eram os principais inves-
tidores nesta área.
É consenso internacional que o aparato de pesquisa e educação científicas
constitui parte essencial dos sistemas nacionais de inovação e que o mercado é um
mecanismo ineficaz para desenvolver esse aparato, cabendo ao Estado essa função.
No caso brasileiro, esse aparato é, historicamente, pouco conectado com as empre-
sas (exceto as estatais) e vem, já há algum tempo, passando por um processo de
contínua deterioração, estiolado pela falta de recursos e, agora, foi abandonado
pela política educacional, que se concentra no ensino primário. Espera-se que o
programa de apoio a centros de excelência lançado ao fim de 1996 possa reverter
essa tendência, pelo menos para um segmento de instituições. Embora os incentivos
fiscais e creditícios estimulem a vinculação de empresas ao aparato de pesquisa, não
podem substituir o apoio direto do Estado.
Cabe reiterar que falta à política industrial e tecnológica brasileira uma pers-
pectiva estrutural. Décadas de estudos sobre desenvolvimento mostram que os se-
tores industriais desempenham papéis diferentes na dinâmica industrial e tecnoló-
gica, em função dos seus encadeamentos produtivos, tecnológicos e de
investimentos, que fazem com que um grupo restrito de setores atue como “motor”
do desenvolvimento (Erber, 1992). Atualmente, essa função motriz é cumprida
pelos setores intensivos em tecnologia, notadamente o complexo eletrônico. Com-
puter chips não são equivalentes a potato chips. No entanto, no caso brasileiro, não
apenas não existe qualquer hierarquia de preocupações setoriais, como não há
qualquer política definida para o complexo eletrônico.
Este silêncio possivelmente deriva da estrutura analítica com que opera a equi-
pe econômica, mesmo os que seguem uma agenda mais “reformista”, e é reiterado
na recente política de exportações.
No passado recente, o desempenho da balança comercial vem ocupando cres-
cente espaço no debate econômico, tangido por déficits crescentes. A equipe eco-
nômica, que previa um relativo equilíbrio em 1996, agora já posterga esse objetivo
para, quem sabe, 1998. Reiterados os compromissos com a abertura à importação
e com a política de câmbio e negado o ajuste recessivo nas importações, à equipe
econômica restou, como variável de acerto da balança comercial, o aumento das
exportações.
Esta restrição do raio de manobra não era uma imposição: ela resulta de op-
ções feitas pela equipe econômica, como a transformação da política cambial em
símbolo do programa de estabilização, tornando sua mudança uma profecia auto-
-realizável.
Tendo se manietado, e enquanto as transnacionais estão ainda importando ou
comprando empresas, o Governo vem tomando uma série de medidas, notadamen-
te de natureza fiscal e creditícia, para fomentar as exportações. A equipe econômi-
ca pretende ainda restabelecer o seguro de crédito para exportações e conta com a
206 Brazilian Journal of Political Economy 17 (2), 1997 • pp. 195-224
redução dos juros internos e dos custos de operação da infraestrutura, notadamen-
te transportes e portos, como consequência da privatização e desregulação.
A tônica dessas medidas recai sobre a redução dos custos internos. Assim, sua
eficácia para aumentar as exportações depende de um conjunto de fatores, que
variam de setor a setor com intensidade e timing diferenciados: a distribuição dos
ganhos ao longo da cadeia produtiva e comercial (i.e. quem se apropria da redução
de custos), a elasticidade-preço da demanda pelo produto no mercado externo, a
participação das exportações brasileiras no mercado internacional e a evolução de
preços nos mercados nacional e internacional. Analogamente ao Burguês Gentil-
-homem, que falava em prosa sem saber, o Governo faz política setorial ...
A conveniência de adotar essas medidas é incontroversa. Elas sanam deficiên-
cias do mercado há muito apontadas pelos exportadores brasileiros. No entanto,
elas não incidem sobre a estrutura da pauta das exportações brasileiras.
Há abundante evidência empírica mostrando que a grande expansão das ex-
portações brasileiras dos anos 70 e na primeira metade dos 80, quando o país
respondeu por cerca de 1,5% das importações mundiais, está associada à implan-
tação no país de novos setores industriais, mais intensivos em capital e tecnologia
e que passaram a responder por uma grande parcela das exportações. Consolidada
essa transformação estrutural, o país perdeu posição no comércio internacional, e,
no início dos anos 90, respondia por menos de 1% das importações mundiais,
tendo sua posição no ranking de exportadores caído de 17 para 23 (Coutinho e
Ferraz, 1994).
Esta perda não é surpreendente, posto que há consenso que o Brasil apresenta
vantagens competitivas principalmente em indústrias intensivas em recursos natu-
rais com baixo grau de processamento ou processados em plantas sujeitas a fortes
rendimentos de escala, que requerem atualização. A demanda internacional por
esses produtos tende a ser pouco dinâmica e novos competidores têm entrado no
mercado, sendo frequentes os ciclos de preços e vendas. Em comparação com as
empresas líderes internacionais, as instaladas no país têm porte pequeno e pouco
investem no exterior, o que as torna mais frágeis face à imposição de barreiras ao
comércio internacional, frequente nesses mercados. Outra fonte de vantagem com-
parativa, o baixo nível dos salários, apropriadamente qualificada de competitivi-
dade “espúria”, foi rapidamente erodida por países como a China, que ocuparam
o mercado de produtos como confecções, têxteis e calçados.
A constatação não é nova – vem sendo reiterada há anos por analistas dos mais
diversos matizes, inclusive por antigos membros da equipe, como os Profs. Winston
Fritsch e Jorge Chami Batista (Batista e Fritsch,1994). O pior surdo é o que não
quer ouvir.
A solução, proposta a partir da agenda neo-desenvolvimentista, seria transfor-
mar a estrutura produtiva, introduzindo nela os setores mais dinâmicos do ponto
de vista de aumentos sistêmicos de produtividade e de fluxos de comércio e inves-
timento internacionais – notadamente os setores intensivos em tecnologia e produ-
tores de bens de capital. Os exemplos dos países do Sudeste Asiático demonstram
à sociedade que as vantagens comparativas contemporâneas são construídas, com
207Revista de Economia Política 17 (2), 1997 • pp. 195-224
elementos como a educação da mão-de-obra, estratégias articuladas entre Estado
e empresariado local, negociação com o capital estrangeiro e políticas setoriais
específicas, orientadas por uma visão de estrutura em constante mutação rumo a
setores mais intensivos em tecnologia.
Esses elementos estão ausentes na política de exportações brasileira, que acei-
ta a presente estrutura e espera que melhorias incrementais introduzidas nesta es-
trutura venham a promover o grande salto exportador que o crescimento explosi-
vo das importações (11,3% ao ano no período 1990/95) torna necessário.
Recentemente, o Diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central afirmou
categoricamente que “o modelo de crescimento que temos que redefinir deve con-
templar um grau de abertura substancialmente maior – talvez o dobro ou o triplo
– do que hoje temos” (Franco, 1996, p. 14). Como o coeficiente de abertura envol-
ve exportações e importações, aquelas deverão crescer a taxas muito superiores às
pífias taxas atuais (menos de 3% em 1996). No entanto, o Secretário de Política
Econômica assevera constituir o destino dos setores produtores de bens de capital
e de produtos de alta tecnologia uma incógnita (Mendonça de Barros e Goldenstein,
1996). Mas estes são, precisamente, os setores que têm capacidade de impulsionar
as modificações da estrutura produtiva que são necessárias para o salto exportador!
Enquanto a perplexidade gera a inação governamental, as importações vão rapida-
mente corroendo a base desses setores já instalada no país (Moreira e Correa, 1996).
Perdido entre a fé e o imobilismo estrutural o (des)ajustamento do balanço
comercial continuará a ser objeto de debate por muito tempo ainda. No entanto,
mantidas as condições de oferta de capitais no mercado internacional e dada a
posição de reservas do país, parece pouco provável que a orientação da equipe
econômica venha a mudar.
As dificuldades de equilibrar as contas públicas constituem, ao lado do déficit
comercial, o outro grande tema atual de debate de política econômica. Embora a
aceleração de taxas de crescimento resultante de uma política industrial bem-suce-
dida possa contribuir para a redução do déficit, ampliando a arrecadação fiscal, a
equipe econômica não parece ter essa perspectiva, recaindo a tônica da política
fiscal sobre a redução de gastos.
Ao longo do presente período governamental diversas instâncias da sociedade
civil – analistas acadêmicos, empresários, sindicatos – e autoridades estaduais pro-
puseram a adoção de uma política industrial mais ambiciosa que a em vigor, de
corte neo-desenvolvimentista. Foram simplesmente ignorados. Provavelmente, por
razões analíticas, como as discutidas acima, ou por real politik. Poder, já ensinava
Deutsch (1966), é a capacidade de recusar informações. Também é o apoio dos
meios de comunicação e dos interesses que se beneficiam da presente política, que
não são poucos.
Em síntese, dadas as condições internas e externas vigentes, o desenvolvimen-
to industrial brasileiro parece fadado a ser pautado pela agenda ultraliberal, com
alguns “desvios” reformistas ad hoc. Para concluir, cabe notar que uma iniciativa
recente, proveniente de fora da área econômica do Governo, o projeto TV-Escola,
que visa dotar escolas da rede pública de aparelhos de TV, antena parabólica, vi-
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deocassete e fitas virgens, poderia constituir-se em um embrião de uma agenda de
política industrial de caráter “social-democrata”, segundo a tipologia acima esbo-
çada, se aos objetivos educacionais fossem acoplados os de desenvolvimento indus-
trial e tecnológico internos. No entanto, tampouco esta oportunidade parece des-
tinada a ser aproveitada.
3. AS ‘NOVAS’ POLÍTICAS INDUSTRIAIS EM VIGOR NOS PAÍSES DA OCDE
Em primeiro lugar cabe mencionar que a tão mencionada necessidade de re-
tração completa do Estado no domínio industrial não encontra correspondência
nas políticas efetivamente implementadas nos países mais avançados. Segundo do-
cumento oficial da OCDE, em praticamente todos os países membros, os governos
têm considerado imperativo contrabalançar o grau elevado de abertura ao exterior
(redução de barreiras tarifárias) mobilizando uma gama de instrumentos, visando
melhorar a competitividade de suas empresas, tanto no que se refere às exportações
quanto em relação aos mercados internos, cada vez mais abertos à concorrência
externa (OECD, 1993). Assim, as políticas tecnológicas e comerciais dos países da
OCDE tornaram-se crescentemente integradas a partir do final da década de 80.
O principal constrangimento aos investimentos públicos de fomento às condi-
ções sistémicas da competitividade e aos outros programas de natureza tecnológi-
ca, setorial ou regional decorreu da crise fiscal do Estado e da dificuldade de finan-
ciar despesas de médio e longo prazo. Mas não se deve confundir estas restrições
advindas da crise fiscal – reais e sérias – com uma desistência de intervenção do
Estado no campo da competitividade. Com efeito, no Japão, na Alemanha, na
França e, hoje, nos EUA, os estados nacionais agem pragmaticamente na defesa ou
no reforço da competitividade industrial.
Mas é mister observar que as políticas de competitividade hoje praticadas nos
países da OCDE diferem substantivamente das políticas industriais do pós-guerra.
Estas se orientaram inicialmente para a reconstrução do sistema produtivo é para
a restauração do setor privado (Europa e Japão) e para a reconversão industrial
para fins civis (EUA).
Nos anos 50 e 60, essas políticas (na Europa e no Japão) apoiaram o desdo-
bramento e a intensificação do desenvolvimento industrial e o fortalecimento das
suas grandes empresas e bancos. Nos anos 70, ganhou peso a questão do ajusta-
mento energético (em face dos dois choques de preços do petróleo) e iniciaram-se
vários programas setoriais de reestruturação. Começou a ganhar força, ainda no
fim dos anos 70, a preocupação em fomentar o desenvolvimento das novas tecno-
logias de uso genérico.
Na primeira metade da década de 80, sob a hegemonia do neoliberalismo,
verificou-se significativo recuo das políticas industriais tais como vinham sendo
praticadas. Programas setoriais foram desativados e os orçamentos de fomento
reduzidos. Mas, pressionados pela concorrência externa e influenciados pelo exem-
plo japonês, os governos nacionais começam a redefinir suas políticas na segunda
209Revista de Economia Política 17 (2), 1997 • pp. 195-224
metade dos 80. As políticas industriais convencionais foram substituídas por polí-
ticas de competitividade, mais abrangentes e caracterizadas por novos ingredientes.
As novas políticas de competitividade incluem alguns dos instrumentos tradi-
cionais da política industrial e também um número maior e mais complexo de
novos mecanismos. Na prática, as possíveis combinações desses instrumentos dão
um caráter ad hoc muito pronunciado às políticas.
Por um lado, a pressão da concorrência externa sobre os oligopólios locais é
considerada positiva na maior parte dos países. Porém, vários fatores continuam a
influir sobre as ações dos governos. Entre eles, destaca-se a preservação dos com-
ponentes principais da soberania nacional, particularmente o domínio e algum grau
de autonomia parcial em “tecnologias críticas”. A “racionalidade” neste caso com-
bina considerações militares e industriais, cujo “mix” varia de acordo com o país.
Outros fatores importantes incluem a questão do emprego, a balança comercial, a
questão ambiental e o desenvolvimento tecnológico, particularmente através de
projetos cooperativos envolvendo parceria entre empresas e instituições de pesquisa.
Tendo em vista que a cooperação e outras formas de captura de externalidades
adquirem importância crescente, pode-se classificar algumas formas de fomento à
competitividade de acordo com as relações entre os agentes envolvidos, públicos e
privados. Elas representam a oferta de externalidades e de oportunidades de coo-
peração. Referem-se a: ( a) infraestruturas e serviços públicos; (b) investimentos
imateriais em educação, treinamento e P&D; (e) articulação de nexos cooperativos
entre agentes através de programas, projetos mobilizadores, incentivos, etc., signi-
ficando articular empresas, instituições de pesquisa pura e aplicada, infraestruturas
tecnológicas, etc., em torno a sistemas locais ou regionais de inovação; ( d) promo-
ção da parceria entre o sistema financeiro e as empresas inovadoras, através da
criação de condições fiscais, financeiras e institucionais que incentivem os bancos
e agentes financeiros a apoiar a inovação, alargando o horizonte temporal e absor-
vendo parte dos riscos.
Fundamentados no tripé descentralização das políticas, cooperação entre os
diversos agentes e mobilização coordenada das diversas instâncias responsáveis, os
principais instrumentos utilizados atualmente pelos países industrializados no qua-
dro de suas políticas de competitividade podem ser classificados em quatro cate-
gorias: poder de compra do setor público; intervenção direta para a reestruturação
de setores, sob leis ou regulamentos temporários; requisitos de desempenho para o
investimento de risco estrangeiro; subvenções, incentivos e auxílios fiscais-finan-
ceiros, diretos e indiretos.
Os dois primeiros instrumentos (poder de compra e intervenções reorganiza-
doras) são utilizados de maneira seletiva, visando setores específicos. O terceiro
refere-se a regulamentações e requisitos informais estabelecidos para filiais de em-
presas estrangeiras e dizem respeito ao seu desempenho em certos quesitos, tais
como compra de insumos e componentes locais, obtenção de um equilíbrio entre
importações e exportações nas trocas intra-firma entre matrizes e filiais e de um
desempenho mínimo em termos de exportações fora das relações intra-firma. Tais
medidas, tradicionalmente associadas aos países em desenvolvimento, têm sido
210 Brazilian Journal of Political Economy 17 (2), 1997 • pp. 195-224
crescentemente utilizadas a partir dos anos 80 por países da OCDE, inclusive pelos
EUA (neste caso não em nível federal, mas, sim, em nível estadual).
Finalmente, as subvenções e os auxílios fiscais-financeiros diretos ou indiretos
à indústria constituem, hoje em dia, o instrumento de política industrial mais utili-
zado pelos países da OCDE. Tais subvenções e auxílios incluem instrumentos de
financiamento direto, que transferem recursos a determinadas categorias especiais
de empresas e setores, e incentivos fiscais, que conferem privilégios temporários às
empresas que se qualifiquem para atividades de P&D ou cumpram outros requisitos.
Em suma, a justificativa para tal orientação mais ofensiva das políticas gover-
namentais é mais acentuada tendo em vista a pressão da concorrência internacional
e a partir da necessidade de se reforçar o potencial de desenvolvimento nacional e/
ou regional. A amplitude das políticas é vasta e extremamente dependente de cada
contexto nacional. Na maior parte dos casos inclui, não apenas o encorajamento
de empresas industriais a se adaptarem às novas tecnologias através da promoção
das atividades de P&D e o estímulo à difusão e a cooperação tecnológicas nas áreas
de pesquisa genérica de longo prazo, mas também e especialmente, através da con-
solidação das bases regionais para o desenvolvimento tecnológico, o reforço das
malhas de pequenas e médias empresas e do desenvolvimento de atividades consi-
deradas estratégicas para o crescimento econômico doméstico tais como o apoio
aos setores de ponta e atividades de networking e o reforço substantivo às ativida-
des de pesquisa básica.
O apoio reforçado a estas atividades adquire novas justificativas não apenas
enquanto aquisição de informações específicas para as empresas mas, especialmen-
te, dado seu impacto em termos de treinamento e aprendizado. De fato, as capaci-
tações e técnicas adquiridas através da pesquisa acadêmica são extremamente va-
liosas em aplicações posteriores nas carreiras de engenheiros e cientistas e seu valor
não é confinado aos departamentos de P&D das empresas. Elas permitem às firmas
acumular e absorver conhecimento e se relacionar a ‘redes’ externas (inclusive in-
ternacionais) de modo tal que não seria possível na sua ausência. Em termos espe-
cíficos a natureza do impacto da pesquisa básica na tecnologia não se restringe a
transferências diretas de conhecimento codificado mas inclui, principalmente, aces-
so a métodos de pesquisa, instrumentos e conhecimento não codificado. Em tal
contexto, as transferências de conhecimento são incorporadas em pessoas, envol-
vendo contatos pessoais e participações em redes nacionais e internacionais.
O Quadro 1 apresenta uma tentativa preliminar de esquematização das orien-
tações gerais e instrumentos principais da nova política industrial e tecnológica dos
principais países da OCDE (EUA, Japão, Alemanha e Reino Unido). Tais ações
serão detalhadas a seguir.
211Revista de Economia Política 17 (2), 1997 • pp. 195-224
Quadro
1:
Países selecionados
Orientações Gerais e Instrumentos Principais da Nova Política Industrial e Tecnológica
Orientações Gerais Instrumentos
Reino Unido Privatização Schemes
Políticas Supply Side Science Parks
Alemanha Redesenho do sistema (Workable
Competition} Incentivos Fiscais
Descentralização (decisões e
operativa)
Política Regional
Apoio às Novas Lander Institutos de Pesquisa
Apoio Direto
União Européia Políticas Ativas/Propositivas Pesquisa Cooperativa
Políticas de Controle Grandes Programas
Regulação da Concorrência
EUA Políticas Ativas (tranformação da Grandes Projetos de Cooperação
P&D militar em P&D civil) Incentivos Fiscais
Políticas de Controle Projetos de Infra-estrutura
Utilização da Pol. Comercial
Japão Política Industrial como Eixo da Grandes Projetos
Política Econômica Reformulação Institucional
Coordenação Centralizada Projetos de Cooperação
Regionalização “Technopoles”
Cooperação Estado/Setor Privado
Fonte: Cassiolato (1996)
EUA
No caso dos EUA, qualquer discussão sobre a política industrial e tecnológica
deve levar em conta a importância estratégica do complexo industrial-militar. No
sistema nacional de inovação norte-americano do pós-guerra, os gastos públicos
federais financiaram algo entre 50% e 70% dos gastos totais em P&D, sendo a
maior parte destas atividades realizadas pelo setor privado. Em 1985, 73% do to-
tal de P&D financiado pelo governo federal foram realizados pelo setor privado e
apenas 12% em laboratórios federais (apesar de 47% do total de P&D dos EUA
terem sido financiados pelo governo federal) (NSF, 1996).
Outro ponto importante é que as atividades militares dominaram o orçamen-
to federal de P&D nos últimos 30 anos. Em 1960, a pesquisa ligada à defesa cons-
tituía 80% dos fundos federais para P&D. Apesar do declínio relativo até um nível
de 50% em 1980, observou-se, com o recrudescimento da guerra fria, um novo
aumento ao longo da década de 1980, culminando, em 1990, com a participação
de 65%.
A concentração da P&D militar em alguns poucos setores como o aeronáutico,
o de mísseis e equipamentos eletrônicos, significou importante incentivo indireto à
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P&D em todo o complexo eletrônico. Além da P&D militar propriamente dita, as
compras governamentais do setor militar têm sido apontadas como fundamentais
para o desenvolvimento e consolidação de alguns setores de ponta como, por exem-
plo, a indústria de semicondutores (Utterback e Murray, 1977). O resultado líqui-
do é que os fundos públicos federais são não apenas importante mecanismo de
apoio à pesquisa privada, mas que tais fundos são relativamente mais importantes
para os novos setores intensivos em tecnologia.
Tais mudanças marcaram o início de novas formas de intervenção do governo
norte-americano na política tecnológica que resultaram em orçamentos crescentes
para a área. Se os recursos diretamente alocados para as P&D nas empresas dimi-
nuíram como contrapartida da diminuição do esforço militar, os recursos totais
têm aumentado (NSF, 1996). Os recursos orçamentários adicionais têm sido dire-
cionados para o suporte do desenvolvimento de tecnologias genéricas, pré-compe-
titivas, mas incluem também apoio para certos programas em áreas consideradas
estratégicas. Dentre tais programas destacam-se projetos conjuntos em áreas tais
como: sistemas de computação, robótica, materiais etc. (OECD, 1993, p. 37).
Mais recentemente, pode-se afirmar que, ao lado da política comercial, a po-
lítica tecnológica constitui-se no eixo central da política de competitividade do
governo Clinton (Cassiolato, 1996). Deve-se lembrar que, mesmo durante a admi-
nistração republicana, após o “National Cooperative Research Act” de 1984, mul-
tiplicaram-se as iniciativas de caráter tecnológico voltadas ao setor civil, por parte
do governo norte-americano. Porém, elas tinham, essencialmente, um caráter ad
hoc e incremental. No novo governo Clinton elas ganham o status de prioridade
absoluta.
Ao lado de enfatizar a transformação do estilo de política tecnológica, isto é,
de um direcionado ao esforço tecnológico militar para outro que objetiva promover
a capacidade de inovação do setor empresarial civil, as principais prioridades da
nova política de competitividade, implementadas a partir da promulgação do “Na-
tional Competitiveness Act” de 1993, são:
• melhoria das medidas fiscais em favor da P&D;
• investimento em infraestrutura tecnológica;
• promoção de tecnologias avançadas de produção;
• assistência ao desenvolvimento de uma nova geração de automóveis;
• melhoria das tecnologias de educação e formação;
• investimento na economia de energia.
Deve-se ressaltar que a política norte-americana de competitividade é caracte-
rizada por um certo protecionismo e por uma forma de intervencionismo bastante
direto. Os dispositivos de política recentemente introduzidos pelo governo norte-
-americano reforçam tais características, exprimindo-se particularmente:
• no projeto do “National Competitiveness Act”, através de programas de
apoio ao desenvolvimento tecnológico (como o “Advanced Technology Pro-
gram” e o “Manufacturing Extension Partnership”, voltados a transferir
para o setor civil os resultados de pesquisas militares);
213Revista de Economia Política 17 (2), 1997 • pp. 195-224
• no desenvolvimento de pesquisa dirigida (targeted research) que se exprime
no projeto “Supercar”; tal projeto organizado sob a coordenação do “US
Council for Automotive Research” (instituição fundada pelas “Três Gran-
des”) e com o Departamento de Comércio exercendo a liderança política,
foi concebido à semelhança do SEMATECH e beneficia-se de uma ajuda
governamental de aproximadamente US$ 1bilhão, alocados do orçamento
do Departamento de Energia;
• na utilização contínua de instrumentos de política comercial, notadamente
a conhecida “Seção 30l”;
• nas diversas proposições para reforçar os instrumentos de política industrial
e comercial, como o “Amendment Manton”, proposição de modificação do
“National Competitiveness Act” visando incluir condições mais estritas de
“conteúdo local” e “reciprocidade” para o acesso de filiais de empresas es-
trangeiras aos programas de pesquisas sustentados por cofres públicos.
Pode-se dizer que dois princípios orientam a nova política tecnológica dos
EUA: a) constituição de um ambiente pré-competitivo através da construção da
nova infraestrutura voltada à produção e difusão tecnológica; b) favorecimento da
formação de redes e parcerias de capacitações associadas aos diferentes agentes (as
agências federais, as universidades, as empresas, as fundações científicas), ligadas
a projetos específicos e limitadas no tempo e no espaço (Tyson, 1992).
Como exemplo do primeiro tipo podem ser destacados: o “National Informa-
tion Infrastructure Program” (info-highways); o papel reforçado do “National Ins-
titute of Standards and Technology” (anteriormente “National Bureau of Standar-
ds”), no que se refere à prestação de serviços tecnológicos às empresas, visando
melhorar a competitividade da indústria norte-americana; o orçamento do NIST,
que deve dobrar, em termos reais, durante o período 1992-1997; o fato de o “Na-
tional Center for Manufacturing Sciences”, que fornece educação e treinamento
para a indústria, ter o seu mandato ampliado, passando a incluir o desenvolvimen-
to e comercialização de novas tecnologias. Cabe ainda destacar que as outras agên-
cias federais recebem como diretiva alocar de 10 a 20% de seus orçamentos a joint
ventures com a indústria. No que se refere ao segundo tipo, além do Supercar e da
SEMATECH, as principais ações são: “Clean Car Initiative”; “US Display Consor-
tium”; “National Flat Panel Display Initiative”; “Advanced Communications Te-
chnology Satellite”; “Advanced Battery Consortium”.
Os acordos cooperativos entre aproximadamente 1500 laboratórios federais
e privados apresentam crescimento significativo no período recente (108 em 1987
e 975 em 1991), referem-se fundamentalmente a programas ligados à NASA e ao
Departamento de Energia e representam um tipo de cooperação, parcialmente fi-
nanciada pelo Estado, que muda radicalmente o comportamento da indústria.
Finalmente, cabe mencionar que a parte não subsidiada diretamente da P&D
industrial beneficia-se de medidas indiretas e deduções fiscais. Estas, criadas em
1981 (“Economic Recovery Tax Act” – ERTA, modificado em 1992 pelo “Tax
Equity and Fiscal Responsibility Act” – TEFRA) e constantemente renovadas, cor-
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respondem, para o ano de 1995, a uma subvenção equivalente a US$ 2 bilhões
para novos gastos em P&D.
Apesar do suposto caráter “horizontal” do ERTA/TEFRA, há suficiente evi-
dência (Cordes, 1989) de que são as empresas dos setores de tecnologia de ponta,
especialmente as novas, aquelas que têm mais se beneficiado dos créditos de im-
postos devidos. A razão fundamental para tal ocorrência reside no fato de que
como o crédito só é utilizado quando ocorrem aumentos nos gastos totais em P&D,
setores e empresas que apresentam altas taxas de crescimento de vendas e/ou que
são intensivos em gastos em tecnologia são aqueles positivamente afetados pela
legislação. Assim, mesmo que a legislação seja de caráter genérico, a sua utilização
efetiva tende a se dar em setores de ponta.
Alemanha
Desde o final da II Guerra Mundial, a política econômica alemã tem sido es-
truturada a partir de três princípios. O primeiro é o da economia social de merca-
do, no qual o papel principal do governo é o de fazer com que as regras sejam
cumpridas, deixando os atores (capital e trabalho) resolverem os seus conflitos. O
objetivo principal é o de assegurar condições sob as quais o mercado possa funcio-
nar o mais livre possível. O segundo princípio indica que, quando e onde mostra-
rem-se necessárias alterações quanto a alocação de recursos em um setor (ou a
composição de um setor), serão os principais bancos – em vez de o Estado – que
terão o papel principal de mobilizar e articular os recursos necessários. O terceiro
princípio determina que parcerias social, política e econômica devem ser consen-
sualmente determinadas entre Estado, bancos, firmas e trabalhadores.
A crise do petróleo dos anos 70 altera os termos do debate sobre a intervenção
do Estado. Se antes o debate se dava entre intervencionistas e não-intervencionistas,
a partir da crise do petróleo, as divergências passam a situar-se entre os que defen-
dem a intervenção apenas no nível macroeconômico e os que defendem a interven-
ção em níveis meso e microeconômico.
A transformação, em 1972, do Ministério para Energia Nuclear em Ministério
para Pesquisa e Tecnologia representa a maior mudança de orientação no tipo e
forma de intervenção do Estado. Como eixo central do novo tipo de intervenção,
o Ministério para Pesquisa e Tecnologia passa a encorajar o desenvolvimento de
indústrias ligadas às novas tecnologias. Mais ainda, é promovida uma mudança
radical na forma e natureza dos subsídios para a indústria. Enquanto nos 50 e 60
o mecanismo principal era um “tax rebate” não seletivo na compra de bens de
capital usados em P&D, a partir da década de 70, ele passa a ser um subsídio di-
reto a projetos de P&D realizados por firmas. Acordos de cooperação entre firmas
e instituições de ensino e pesquisa também foram organizados. Além disso, setores
industriais passaram a ser objeto de atenção específica, destacando-se o aeronáu-
tico, o de computadores, bens de capital, energia nuclear e telecomunicações.
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Quadro 2: Alemanha – Programas Tecnológicos que Envolvem Auxílio Financeiro a Empresas Industriais
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Durante os anos 80, a partir da preocupação com o declínio de diversos seto-
res, o governo central deixa o setor financeiro e as Lander negociar acordos com
empresas em setores em dificuldade. Quando o governo central intervém é no
sentido de formular “cartéis de crise”.
Nos anos 90, a orientação geral da política industrial e tecnológica se dá a
partir de dois eixos principais. O primeiro refere-se à ênfase, no auxílio às novas
Lander (anteriormente da Alemanha Oriental), no período de transição, para re-
forçar a sua capacitação de pesquisa através de medidas de apoio especial e da
promoção de apoio às empresas de tais Lander para alcançar o nível tecnológico
das empresas do restante do país. Tais medidas incluem suporte e promoção de
financiamento de projetos de pesquisa, de pessoal de P&D interno às empresas, de
cooperação entre empresas e instituições públicas de pesquisa (tanto das antigas
como das novas Lander), parques tecnológicos e incubadoras.
O segundo eixo principal refere-se à constatação de que, apesar de todos os
esforços realizados desde os anos 70, a economia e indústria alemãs ainda não al-
cançaram as mudanças estruturais fundamentais necessárias para se alcançar com-
petitividade nos setores ligados às novas tecnologias de base eletrônica. De fato, o
governo alemão publicou, no final de 1993, um extenso relatório sobre “as medidas
e resultados da política governamental para o setor de informática”, no qual é en-
fatizado que, apesar do progresso no desenvolvimento da infraestrutura e melhoria
nas condições gerais para a utilização das tecnologias de base microeletrônica, se
reconhece que a situação dos produtores alemães no setor eletrônico, em termos de
competitividade, ainda continuava a ser preocupante. Além de medidas específicas
abaixo relacionadas, tal constatação levou a duas medidas mais gerais.
Em primeiro lugar, a uma revisão profunda, iniciada em 1995, de todo o sis-
tema de inovação alemão, incluindo iniciativas das empresas e ação governamental,
sob a ideia de que o sistema está organicamente vinculado ao paradigma anterior
e que ele deve ser radicalmente alterado para atender às necessidades do paradigma
da microeletrônica.
Em segundo lugar, a uma ampliação do espaço das políticas para este setor, do
nível nacional para o nível da União Europeia, sob a ideia de que proporcionar
P&D em todas as novas tecnologias excede a capacidade de qualquer economia
europeia, mesmo a alemã. Assim, dois grandes projetos foram recentemente inicia-
dos na Alemanha. O primeiro é uma participação extensiva no JESSI (Joint Euro-
pean Submicron Silicium), realizado dentro da iniciativa europeia EUREKA. O
segundo é o de cooperação transatlântica em P&D, com um investimento de DM
2,7 bilhões em Dresden (o governo federal e o da Saxônia contribuem com DM 1,1
bilhão), visando constituir uma infraestrutura de P&D e capacidade produtiva em
microeletrônica.
No que se refere à política para inovação alemã, ela baseia-se em três linhas
fundamentais (Mathes, 1994), onde a articulação do governo com o sistema finan-
ceiro local na alocacão de recursos é fundamental (Quadro 2): auxílio direto, para
o qual existe uma relação contratual específica entre o poder público e a empresa
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beneficiária; auxílio indireto genérico (“horizontal”) e auxílio indireto específico,
direcionados a setores industriais bem definidos.
Quadro 3: Reino Unido – Programas do “Department of Trade and Industry”
que envolvem auxílio financeiro a empresas industriais
218 Brazilian Journal of Political Economy 17 (2), 1997 • pp. 195-224
Reino Unido
A política tecnológica do pós-guerra no Reino Unido passou por três estágios
sucessivos (Freeman, 1987). Até meados dos anos 60, a ênfase era a de criar uma
forte capacitação em P&D militar e pesquisa básica, em geral, com muito pouca
importância para a P&D civil. Num segundo período, até o final dos anos 70, a
partir da constatação de que a economia britânica não se beneficiava da forte base
científica e tecnológica, uma série de alterações institucionais foi implementada
(criação de Ministério da Tecnologia em 1964, reorganização dos “Research Coun-
cils”, etc.). Tais alterações porém nunca foram levadas a ponto de se concretizarem
medidas mais profundas de políticas tecnológicas.
A partir do final dos anos 70, as mudanças introduzidas refletiram a visão de
que as tecnologias genéricas deveriam ser apoiadas através de programas especiais
de P&D e de que sua difusão e aplicação deveriam ser promovidas através de vários
schemes de apoio à P&D industrial e à difusão de tecnologias avançadas, especial-
mente as de base microeletrônica. Apesar da filosofia não-intervencionista implan-
tada naquele país a partir de 1979, o “Department of Trade and Industry”, na
prática, continuou com a política de schemes, ampliando-a.
Deve-se ressaltar que a política tecnológica do Reino Unido não está baseada
em incentivos de renúncia fiscal. A rejeição britânica a este tipo de incentivo fun-
damenta-se em dois fatores. O primeiro seria que tais medidas não seriam cost-
-ejfective.4 O segundo motivo, nem sempre explicitado, é que tais renúncias fiscais
teriam algum impacto negativo nos requisitos de empréstimo do setor público
através da redução do imposto efetivamente pago (Stoneman, 1991).
De qualquer maneira, o governo britânico tem, mesmo no contexto das polí-
ticas neoliberais implantadas a partir de 1979, formulado e implementado diversos
programas de apoio específico ao setor privado. Além da conhecida importância
das tecnologias ligadas ao complexo militar-industrial britânico, deve-se mencionar
o Programa Alvey, lançado no início dos anos 80 na área de informática e que
apresentou razoável sucesso no sentido de articular o setor privado com o sistema
público de pesquisas e de promover a cooperação entre empresas.
Apesar de cortes no orçamento governamental terem inviabilizado a continui-
dade do Programa Alvey na segunda metade dos anos 80, outras medidas, mais
modestas, foram introduzidas, destacando-se 30 projetos do Programa LINK, o
qual visa promover pesquisa colaborativa entre o setor privado e a base científica
nas áreas de eletrônica e comunicações, alimentação, biociências, materiais e pro-
dutos químicos (£370 milhões em 1992). Outro programa importante é o ATP
(“Advanced Technology Programmes”), com 17 projetos promovendo pesquisa
4 Um relatório sobre a experiência de outros países com incentivos fiscais para a P&D realizada pelo
Departamento da Receita britânico é taxativo a esse respeito: “the best evidence available suggests that
special fiscal incentives increase R&D by an amount that is roughly one-half of the revenue foregone
by the government: the remainder goes to swell companies’ cash flow and post-tax profits” (Inland
Revenue, 1987).
219Revista de Economia Política 17 (2), 1997 • pp. 195-224
colaborativa nas áreas de computação avançada, supercondutividade e robótica
avançada, que já alocou £185 milhões a fundo perdido desde 1988 (OECD, 1993).
Além disso, o governo britânico tem participado de diversos programas coope-
rativos europeus, como o conhecido EUREKA, onde a ênfase é exatamente a de fo-
mentar o setor privado europeu a desenvolver certos tipos de tecnologia estratégica.
Tais iniciativas fazem com que, na prática, o governo britânico tenha uma atitude
muito mais intervencionista do que aquela propugnada pelo seu discurso político.
Em 1993, o governo britânico publicou um White Paper (“Realising our Po-
tential -A Strategy for Science, Engineering and Technology”) que detalhou o pla-
nejamento para se aumentar a competitividade da indústria local, promovendo-se
a importância de C&T através de parceria entre governo, indústria e comunidade
acadêmica (OECD, 1995). Tal White Paper levou a uma revisão da política cientí-
fica e tecnológica, que passou a priorizar o acesso das empresas à base tecnológica
nacional, a difusão de best practices e a importância estratégica da inovação, espe-
cialmente para a pequena e média empresa.
Vários programas e instrumentos de política têm sido utilizados pelo Reino
Unido (sob coordenação e executados pelo “Department of Trade and Industry”,
o Ministério de Indústria e Comércio britânico) visando reforçar a competitividade
da indústria local. No que se refere a instrumentos de tipo fiscal, eles tiveram uma
certa difusão, nos últimos quinze anos, ainda que sua importância sobre o conjun-
to de medidas seja ainda modesta.
No que se refere a instrumentos financeiros, o DTI lançou, a partir do final
dos anos 80, uma quantidade notável de novos programas (schemes), alguns com
horizonte temporal determinado. O Quadro 3 apresenta os programas do “Depar-
trnent of Trade and Industry” que envolvem auxílio financeiro a empresas indus-
triais. As principais conclusões que podem ser extraídas de uma análise sobre tais
programas é a seguinte:
a) os programas de tipo “genérico” visam fundamentalmente acelerar a difusão
de novas tecnologias na economia britânica;
b) existem diversos programas setorialmente concebidos e direcionados a pro-
mover/estimular o desenvolvimento tecnológico e a produção de novas tecnologias
de base microeletrônica no Reino Unido visando, inclusive, um maior balancea-
mento regional;
e) encontram-se, também, programas especificamente voltados à melhoria da
infraestrutura de P&D.
Japão5
Vários autores caracterizam o processo de policy-making no Japão como uma
interação baseada em “consentimento recíproco”, resultante de constantes contatos,
discussões e compromissos. Okimoto (1989), por exemplo, caracteriza o Japão
5 Parcialmente baseado em Lastres, 1994.
220 Brazilian Journal of Political Economy 17 (2), 1997 • pp. 195-224
como um “Estado-rede”, onde a zona intermediária “entre o MITI e o mercado” é
habitada por policy networks que fundamentam os sistemas político e econômico
orientados ao consenso.
Em contraste a instituições – que representam continuidade mas também al-
guma rigidez potencial –, parcerias e redes são fluidas e mais facilmente alteráveis.
Analisando desenvolvimentos recentes na economia japonesa, Okimoto (1989),
argumenta que as fortes relações com as firmas tornaram-se ainda mais importan-
tes para o MITI após este ministério ter perdido algumas de suas principais fontes
de poder (tais como controle de investimento estrangeiro e licenciamento de tecno-
logia): “To elicit co operation from private enterprises, MITI draws on a combina-
tion of resources: superior information, economic logic, long-term vision, the ca-
pacity to mediate and coordinate, promotion of producer interests, and its
mandate to safeguard collective and national interests” (p. 145).
Dentro de tais relações entre o MITI e o setor privado, uma ênfase especial
tem sido dada ao desenvolvimento de sistemas visando a coleta de informações
técnicas e comerciais. O exame organizado e cuidadoso das tendências tecnológicas
mundiais e a identificação de áreas de oportunidade para o desenvolvimento tec-
nológico são percebidas como parte integral do sistema japonês de inovação. Tais
atividades são realizadas não apenas ao nível das empresas e setores industriais,
com apoio de associações industriais, mas também ao nível nacional, pela STA,
MITI e Conselho de Ciência e Tecnologia, e internacional, pelas trading houses
Jetro e JICST. Particularmente importante ao nível nacional tem sido o uso de sis-
temas de previsão tecnológica para a formulação de políticas tecnológicas e indus-
triais de longo prazo – visões do futuro. Estas são montadas para indicar a direção
do avanço futuro da economia e da tecnologia e para dar às empresas confiança
quando realizam seus próprios investimentos em P&D, equipamentos e treinamen-
to. Mais ainda, tais medidas enviam “sinais” às instituições financeiras privadas de
quais áreas e setores deveriam receber tratamento favorável. Uma característica
especial de tais sistemas é a consulta constante, formal e informal, entre agências
governamentais, setor empresarial e a comunidade científica e tecnológica (Lastres,
1994; Freeman, 19886).
Tais sistemas têm objetivado particularmente identificar aquelas novas tecno-
logias que são capazes de transformar padrões existentes de crescimento econômi-
co, como foi o caso do reconhecimento da importância da tecnologia da informa-
ção. Outra característica significante do sistema japonês de previsão tecnológica
refere-se à capacidade de rapidamente difundir as expectativas de alterações tecno-
lógicas e industriais através de um grande número de indústrias e empresas, assim
como para outros níveis do Sistema Japonês de Inovação.
Esse contínuo processo de consulta tornou-se instrumento fundamental na
reestruturação da economia japonesa e de sua orientação em direção a um alvo
6 “There is no other society where financial institutions, banks and even the Ministry of Finance devote
such attention to the future direction of technical and social change” (Freeman, 1988, p. 333).
221Revista de Economia Política 17 (2), 1997 • pp. 195-224
comum. Assim, a grande ênfase é colocada no alto nível de conectividade do siste-
ma japonês de inovação como importante elemento facilitando o processo de
aprendizado e de difusão de novas tecnologias.
Adicionalmente, um elemento central da política de C&T japonesa tem sido os
programas de colaboração financiados pelo Estado, os quais privilegiam pesquisa
cooperativas de longo prazo na área de tecnologia de fronteira, deixando o desen-
volvimento de produtos e processos para as empresas, que nestes segmentos não
querem interferência e só colaboram quando, como e com quem julgarem necessário.
O envolvimento das associações industriais japonesas na definição e promoção
da política industrial e tecnológica tem, também, sido vital para o sucesso das
políticas japonesas, particularmente quando a associação é forte ou quando o nú-
mero de firmas participantes é muito grande. A sua capacidade de identificar “gar-
galos” e resolver diferenças alivia o peso de se agregar as demandas do setor pri-
vados, muitas vezes conflituosa.
A mobilização de redes de inovação tem se constituído no objetivo central da
política governamental dos países mais avançados nos anos recentes e principal-
mente do Japão. No final dos anos 80, 4/5 do orçamento do governo japonês para
P&D foram alocados para projetos de colaboração tecnológica.
Existe evidência de que através desses projetos nacionais de P&D colaborati-
vos o MITI tem sido capaz de promover ainda mais as formas de cooperação, in-
clusive entre empresas japonesas concorrentes. No entanto, opostamente à ideia de
que colaboração tenderá sempre a reduzir a competição entre empresas, tem-se
advogado que objetivo principal do MITI nestes programas tem sido nutrir as
demais empresas com maior potencial competitivo.
Mais recentemente, alguns novos programas foram iniciados. Um deles obje-
tiva a melhoria e a expansão de infraestrutura de pesquisas de alto nível. Outro
programa é o IMS (“Intelligent Manufacturing Systems”) que objetiva a colabora-
ção internacional para integração e padronização de tecnologias de produção exis-
tentes e desenvolvimento de sistemas de produção para o século XXI. Todos seguem
o mesmo espírito básico de cooperação entre governo, setor privado e instituições
de pesquisa em áreas de fronteira.
Outro programa importante é o “Programa 21” apresentado pelo MITI em
fevereiro de 1994 (MITI, 1994). Tal programa, centrado numa visão do futuro,
caracteriza-se por uma combinação entre áreas produtivas, científicas, tecnológicas,
etc., que representem as necessidades futuras da sociedade.
O Programa apresenta como eixos centrais a necessidade de se considerarem
os novos domínios industriais de crescimento e uma visão de que cabe ao setor
público combinar a visão do futuro à sustentação da disseminação e utilização dos
resultados da pesquisa e desenvolvimento nas diferentes áreas, à promoção de uma
desregulamentação adaptada às necessidades da indústria e a uma garantia da
disponibilização sistemática das infraestruturas ligadas ao desenvolvimento dos
novos mercados resultantes da evolução das necessidades da sociedade. As áreas
de crescimento sugeridas são os mercados ligados à habitação, informação e comu-
nicações, energia, ambiente, medicina e saúde, cultura, lazer e segurança.
222 Brazilian Journal of Political Economy 17 (2), 1997 • pp. 195-224
Finalmente, deve-se lembrar que o montante total de auxílio financeiro direto
às atividades privadas de P&D por parte do governo japonês é relativamente mo-
desto. Porém, conforme enfatizado pela literatura, o papel do governo enquanto
instância coordenadora e mobilizadora é fundamental no sentido de induzir o setor
privado a investir em áreas e tecnologias consideradas prioritárias pelo Estado.7
4. CONCLUSÕES
A Fortuna, apontavam os gregos, não passa com frequência. Conforme desta-
cado na Introdução, a roda das grandes transformações tecnológicas e financeiras
mundiais está em movimento, acentuando a divergência nos padrões de desenvol-
vimento, fazendo com que uns sejam mais afortunados que outros. Advertiam
também os gregos que, quando a Fortuna passa, há que saber agarrá-la pelo seu
único fio de cabelo. Para tanto, serve a teoria – para reconhecer a passagem da
Fortuna e saber como agarrá-la. As agendas de política industrial apresentadas
constituem sistematizações do entendimento da passagem da Fortuna e dos meios
para assegurar-se da sua posse, em termos industriais e tecnológicos, através da
ação do Estado. Na opinião dos autores, a agenda “neo-desenvolvimentista” é a
mais adequada aos tempos de transformação estrutural em que vivemos.
Os países avançados, responsáveis pela construção da roda sobre a qual gira
a Fortuna, mas que não controlam seu movimento, vêm seguindo políticas que são
pautadas, implícita ou explicitamente, pela agenda neo-desenvolvimentista. Con-
forme mostrado acima, mesmo durante o auge do neo-liberalismo, durante o pe-
ríodo Reagan-Thatcher, os Estados jamais deixaram de intervir fortemente para
fomentar o desenvolvimento tecnológico e a expansão de setores estratégicos para
a dinâmica estrutural, mesmo que estas políticas industrial e tecnológica fossem
camufladas por imperativos estratégico-militares. É certo que, conforme mostra a
análise anterior, as características dessas políticas foram se transformando ao lon-
go do tempo, em um processo de adaptação que o paradigma evolucionista ajuda
a entender.
A observação parcial do caso brasileiro sugeriria que as condições são propí-
cias a estratégias semelhantes, que assegurassem a convergência da trajetória na-
cional com a dos países de industrialização mais avançada. Estabelecidas as condi-
ções internas, econômicas e políticas, de estabilidade, face a um mercado
internacional ávido de oportunidades de investimento, com um parque industrial
grande e complexo mas necessitando de modernização, onde os setores mais inten-
sivos em tecnologia encontram-se precariamente estabelecidos, e um mercado in-
terno em expansão, poderia o Estado catalisar essas condições favoráveis, através
de uma política industrial do tipo neo desenvolvimentista. Associada a medidas
7 Ver principalmente Freeman, 1987 e Lastres, 1994.
223Revista de Economia Política 17 (2), 1997 • pp. 195-224
derivadas da agenda social-democrata, essa política poderia contribuir para sanar
algumas das enormes disparidades sociais do país.
A análise anterior mostra que não é o que ocorre e tende a ocorrer, a curto
prazo. A agenda que pauta a política econômica brasileira é a liberal, mantida com
pequenas variações a despeito das grandes transformações da economia interna-
cional e, notadamente, da economia brasileira. Dentro desta agenda, é a corrente
mais radical que é hegemônica, em parte porque a visão reformista adotada é
muito limitada. A Fortuna está passando e o Governo brasileiro está cego à sua
passagem. Esta talvez seja a principal conclusão deste artigo.
Para finalizar e não pecar por idealismo, cabe reiterar a parcialidade do esque-
ma analítico utilizado acima. É certo que, conforme advertia Keynes a respeito dos
“homens práticos”, as políticas são governadas por ideias. A análise anterior ateve-
-se principalmente ao plano das ideias, interpretando as políticas à luz das diversas
agendas definidas por distintos paradigmas teóricos. No entanto, interesses e dese-
jos também contam – e muito. A estes, fez-se apenas alusão. Incorporá-los como
elementos específicos de análise transcenderia o tempo, espaço e, quiçá, a capaci-
dade dos autores – o que talvez estimule outros a fazê-lo.
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