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10as Jornadas de Engenharia Costeira e Portuária
Sines, 7 e 8 de abril de 2022
UTILIZAÇÃO DE VEGETAÇÃO PARA CONTROLO DA SEDIMENTAÇÃO EM CANAIS DE
NAVEGAÇÃO
Diogo Fonseca; Diogo Mendes; Salomé Mormentyn; Piet Haerens
HAEDES, Casais do Arrocho, 2025-452 Azóia de Cima, Portugal
HAEDES, Casais do Arrocho, 2025-452 Azóia de Cima, Portugal
HAEDES, Casais do Arrocho, 2025-452 Azóia de Cima, Portugal
HAEDES, Kortewagenstraat 53B, 9230 Wetteren-ten-Ede, Belgium
diogo.fonseca@haedes.eu, diogo.mendes@haedes.eu, salome.mormentyn@haedes.eu;
piet.haerens@haedes.eu
Resumo
A incorporação de Soluções Baseadas na Natureza na gestão e manutenção de canais
navegáveis é um fator com potencial para a redução da sedimentação nos canais, promovendo
o aumento da resiliência destas infraestruturas. Neste trabalho, propôs-se uma solução de
mitigação da sedimentação com base em vegetação. A análise desta nova solução foi feita com
recurso ao modelo numérico XBeach. A taxa de assoreamento observada foi determinada
através dos levantamentos disponíveis para o canal de acesso ao Cais da Bestida (Murtosa),
executados antes e após a intervenção de dragagem. As configurações adotadas para o XBeach
permitiram simular adequadamente a taxa de assoreamento observada. A realização de um
conjunto de experiências numéricas com o XBeach permitiu efetuar uma análise de sensibilidade
a vários parâmetros associados às características da vegetação: altura, diâmetro e densidade
de colocação. Os resultados obtidos sugerem que a presença de vegetação nas margens do
canal apresenta uma capacidade de redução em até 77% do assoreamento observado no canal.
Por fim, estabeleceu-se um gráfico que correlaciona a taxa expectável de redução de
assoreamento em função da altura e densidade da vegetação a considerar.
Introdução
Gestão, manutenção e desafios associados às vias navegáveis
A gestão e manutenção das vias navegáveis, a fim de garantir as condições de segurança à
navegação, é uma das responsabilidades a cargo das Autoridades Portuárias e demais entidades
com responsabilidade sobre o domínio da zona costeira.
Um dos desafios mais frequentes na gestão dos canais de navegação é o seu assoreamento.
Este problema é tendencialmente controlado com recurso a dragagens de manutenção de forma
a estarem garantidas as adequadas condições de navegação em segurança. No entanto, estas
dragagens estão associadas a custos operacionais não desprezáveis, à emissão de CO2
decorrente da operação das próprias dragas e a um potencial risco ambiental de contaminação
da biodiversidade, o que motiva a procura de novas soluções e abordagens.
O dimensionamento de canais de navegação é realizado, atualmente, por aplicação de
metodologias integradas que têm em conta, para lá da componente geométrica do canal, os
processos hidrodinâmicos e morfodinâmicos locais, as características e manobrabilidade das
embarcações e a personalização de janelas de operacionalidade e navegação, que permitem
assim reduzir significativamente os custos com as dragagens de primeiro estabelecimento.
(Silveira et al., 2017).
Contudo, estas metodologias desprezam por completo a integrabilidade das Soluções Baseadas
na Natureza e a sua potencialidade na redução do desafio da sedimentação, na captura e fixação
de CO2 e na mitigação do impacte ambiental das operações.
Uma das estratégicas utilizadas para a contemplação do assoreamento esperado em canais de
navegação consiste na realização de uma sobre-dragagem, isto é, no aumento da profundidade
de dragagem para lá da cota nominal necessária (PIANC, 2014). No entanto, esta solução não
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permite mitigar ou reduzir o assoreamento. Apenas permite aumentar a folga, ou o tempo
necessário entre dragagens de manutenção.
Nenhuma abordagem é, assim, integralmente delineada através da criação de soluções que
mitiguem o próprio processo de assoreamento e que, portanto, prolonguem a longevidade da
solução, mas sim através de soluções sobredimensionadas que não reduzem o custo nem a
longevidade da intervenção, mas apenas o intervalo entre intervenções consecutivas.
Objetivo
Neste trabalho apresenta-se uma abordagem alternativa de mitigação do assoreamento em
canais navegáveis através da utilização de vegetação, a implementar nas margens desses
canais. A análise sobre a redução da sedimentação no canal com a implementação da solução
proposta será realizada com recurso ao modelo numérico XBeach que permite ter em conta o
efeito da vegetação na hidrodinâmica e, consequentemente, no transporte sedimentar.
Breve revisão sobre o processo de sedimentação em canais de navegação
A deposição de sedimentos em canais de navegação em fundos não-coesivos é causada pela
redução da capacidade de transporte de sedimentos devido à redução da velocidade do
escoamento, pelo efeito de escorregamento das margens e pelo deslocamento horizontal das
margens (van Rijn, 2018):
A orientação do canal de navegação em relação à hidrodinâmica predominante é um fator
preponderante no processo de assoreamento, podendo esta orientação ser dividida em três
casos (Figura 1):
a) Escoamento unidirecional perpendicular (ou oblíquo) ao eixo principal do canal, que
resulta na migração do canal na direção do escoamento, e deposição no canal por
redução da capacidade de transporte (caso típico em rios);
b) Escoamento de maré perpendicular ou oblíquo ao eixo principal do canal, que resulta na
erosão (cuja simetria varia com a simetria da maré) em ambas as margens, e deposição
no canal por redução da capacidade de transporte (caso típico em canais de navegação
no interior de estuários);
c) Escoamento de maré paralelo ao eixo principal do canal, o que resulta num achatamento
das margens devido ao transporte de sedimentos das margens para o fundo por efeito
de escorregamento (caso típico em embocaduras de maré).
Figura 1. Casos de várias orientações do canal em relação à hidrodinâmica preponderante (van
Rijn, 2018).
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Modelo numérico XBeach e aplicação a um canal de navegação idealizado
Introdução e aplicações
O modelo numérico eXtreme Beach behaviour (XBeach) desenvolvido por Roelvink et al. (2009)
é capaz de simular as alterações morfológicas que ocorrem em praias arenosas durante
tempestades. Este modelo numérico pode ser configurado para simulações 2DH e 1D. O XBeach
reproduz os processos físicos mais relevantes associados ao transporte sedimentar promovidos
pela agitação marítima, como o transporte para a costa (onshore) promovido pelas assimetrias
de onda (wave skewness/assymetry) e o transporte para o largo (offshore) promovido pela
corrente de fundo (undertow) (Buhr Hansen and Svendsen, 1984). No caso de correntes
induzidas pela maré, como é o presente estudo, o módulo de transporte sedimentar do XBeach
também permite ter estas em conta para simular as alterações morfológicas.
O XBeach tem sido amplamente utilizado em estudos de dinâmica costeira (Roelvink et al.,
2009). A título de exemplo, McCall et al. (2010) verificaram que o XBeach é capaz de reproduzir
cerca de 75% das diferenças de cota observadas na ilha barreira de Santa Rosa, EUA, após o
furacão Ivan (2004).
Modelação numérica
O XBeach utiliza as equações de conservação da massa e da quantidade de movimento
integradas na vertical, que ao longo de um perfil transversal (1D), se traduzem nas seguintes
equações:
(1)
(2)
onde η é o nível de água, U é a velocidade do escoamento integrada na vertical ao longo to eixo
x, h é a profundidade, Dh é a viscosidade turbulenta horizontal integrada na vertical, τb é a tensão
de atrito no fundo ao longo do eixo x e F são as tensões associadas à agitação marítima – tensor
de radiação, vegetação, entre outras. Na presente aplicação do modelo XBeach, F está apenas
associado à vegetação.
O modelo de transporte sedimentar utiliza a seguinte equação de advecção-difusão, que ao longo
de um perfil transversal (1D), lê-se
(3)
onde C é a concentração sedimentar integrada na vertical, Ds é um coeficiente de difusão
associado ao transporte sedimentar, T é um tempo característico (adaptation time) e Ceq é uma
concentração de equilíbrio obtida através de uma expressão semi-empírica para transporte
sedimentar (Soulsby, 1997).
Efeito da vegetação
O efeito da vegetação é tido em conta no XBeach através da equação de Morison (van Rooijen
et al., 2016)
(4)
onde CD é o coeficiente de arrastamento, bv é o diâmetro equivalente de cada planta, hv é a altura
da planta e Nv é a densidade de colocação da vegetação (número de plantas por m2).
De notar que se utilizou a terminologia “planta” em vez de “vegetação” uma vez que o efeito da
vegetação é incorporado na equação de conservação da quantidade de movimento através da
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analogia a um cilindro rígido (ié, o efeito de uma “planta” isolada). Ou seja, o efeito da deformação
da vegetação na hidrodinâmica resultante não é tido em conta pelo XBeach.
Na aplicação a soluções de engenharia, a determinação do valor de CD em (4) constitui a
dificuldade mais significativa, uma vez que os restantes parâmetros utilizados dependem das
características geométricas da vegetação, sendo, portanto, de mais fácil estimação. van Rooijen
et al. (2016) considerou valores de CD que variam entre 0.2 e 1.7.
Resumidamente, o efeito da vegetação através de (4) é tido em conta no cálculo da
hidrodinâmica (1-2), que por sua vez influencia o transporte sedimentar (3). No presente estudo,
apenas se aborda o caso de transporte sedimentar promovido pela corrente de maré com ou
sem vegetação, que é o caso característico de canais de navegação no interior de estuários.
Aplicação a um canal de navegação idealizado
Considerou-se um canal de navegação idealizado, com características geométricas semelhantes
às do canal de acesso ao Cais da Bestida, localizado no concelho da Murtosa, na Ria de Aveiro
(Figura 2).
A dragagem deste canal de acesso, promovida pela Polis Litoral Ria de Aveiro - Sociedade Para
A Requalificação e Valorização da Ria de Aveiro, S.A., doravante designada PLRA, concretizou,
numa empreitada que decorreu em finais de 2019, a criação de um canal de navegação com as
seguintes características:
Largura de rasto ................................................................................................................. 30,00 m
Cota de dragagem .......................................................................................................... -0,50 mZH
Declive dos taludes ......................................................................................................... 1:10 (V:H)
De acordo com a informação disponibilizada pela PLRA, ao longo da empreitada foram
executados, tanto pela parte da Entidade Executante como da Fiscalização, diversos
levantamentos hidrográficos, totais ou parciais, por feixe simples e multifeixe, do canal de acesso
ao Cais da Bestida. Consideraram-se os seguintes levantamentos no presente estudo:
i) levantamento inicial (pré-dragagem), datado de 07/06/2019; ii) levantamento final (pós-
dragagem), datado de 26/11/2019; iii) levantamento final (pós-dragagem), datado de 17/01/2020;
Figura 2. Representação em planta do traçado do canal de acesso ao Cais da Bestida e
levantamento batimétrico obtido em 25/09/2019. As coordenadas horizontais estão referidas ao
sistema de coordenadas PT-TM06 ETRS89.
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Os levantamentos hidrográficos realizados indicam que os fundos adjacentes ao canal de acesso
apresentavam, previamente à dragagem, a cota aproximada do eixo do canal de +0,70 mZH
(Figura 3), situação que implicou a uma profundidade de dragagem na ordem de 1.20 m.
Figura 3. Perfis transversais médios dos levantamentos hidrográficos efetuados no canal de
acesso ao Cais da Bestida, para a área de estudo apresentada na Figura 2.
Os estudos de modelação numérica da propagação de maré na Ria de Aveiro (PROMAN, 2014)
permitiram quantificar as correções em altura do nível de maré entre o Cais da Bestida e a Barra
de Aveiro. A correção em altura foi determinada em -0.18 m para preia-mar de águas-vivas e de
+1.16 m para baixa-mar de águas-vivas, relativamente aos níveis de maré verificados no
marégrafo da Barra de Aveiro, isto é, na entrada da Ria de Aveiro. Com base nestas correções,
determinou-se um nível de água de marés vivas para o local de estudo que varia entre 1,77 m e
3,18 m durante baixa-mar e preia-mar, respetivamente.
Em relação às velocidades de maré, estes estudos de modelação numérica indicam que as
velocidades máximas da corrente de maré no interior da Ria de Aveiro são, geralmente, inferiores
a 1.0 m/s durante todo o ciclo de maré. Neste troço em particular, as velocidades situam-se em
torno de 0.5 m/s, tanto na vazante como na enchente.
Os estudos sedimentológicos efetuados pela PLRA, e datados de 2016, indicam que, no canal
de acesso ao Cais da Bestida, os sedimentos a dragar são constituídos maioritariamente por
areias, cujo d50 se estima em cerca de 0.4 mm, sendo este o valor utilizado no presente estudo.
Configuração do modelo XBeach
Recorreu-se ao modelo XBeach para simular a taxa de assoreamento observada no canal de
acesso ao Cais da Bestida. Utilizou-se a versão stationary do modelo XBeach. A resolução da
malha computacional foi de 1,0 m e o passo de cálculo está restrito a um número de Courant de
0,7, para garantir a estabilidade numérica.
O domínio computacional foi alargado lateralmente, através da extensão dos limites em 200 m,
para evitar problemas de condições de fronteira. Além disso, a 50 m de cada fronteira lateral foi
criada uma zona não erodível, para que não fossem geradas instabilidades numéricas neste
local.
A Tabela 1 apresenta a configuração do XBeach utilizada neste trabalho, resultado de diversas
corridas de teste e sensibilidade. Estas corridas tiveram como objetivo, em parte, garantir uma
velocidade de escoamento de aproximadamente 0,6 m/s para um sinal de maré com uma
amplitude de 0,58 m.
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Tabela 1. Configuração utilizada no modelo XBeach. (A descrição de cada parâmetro pode ser
encontrada em: https://xbeach.readthedocs.io/en/latest/user_manual.html).
Processos físicos
Parâmetros de
escoamento
Parâmetros de
transporte sedimentar
wavemodel = stationary
sedtrans = 1
morphology = 1
avalanching = 1
viscosity =1
advection =1
struct = 1
bedfriction =manning
bedfriccoef =.018
form =vanthiel_vanrijn
tsfac =.9000
fallvelred =1
Comparação do modelo XBeach com os levantamentos hidrográficos
A Tabela 2 apresenta a comparação entre a média obtida para as cotas do fundo do canal
observadas e simuladas (30 m da largura de rasto). A comparação apresenta uma diferença
inferior a 1%, o que indica a capacidade do modelo XBeach para representar a taxa de
assoreamento média observada no canal de acesso ao Cais da Bestida para as configurações
do modelo utilizadas. Mais especificamente, os parâmetros tsfac e fallvelred foram modificados
do seu valor padrão.
Tabela 2. Comparação entre a média obtida para as cotas do fundo do canal observadas e
simulados.
Levantamento
Taxa de
assoreamento média
observada
(mm/dia)
Taxa de
assoreamento
média simulada
(m/dia)
Diferença
(%)
L2
8.8958
8.8211
-0.8391%
O parâmetro tsfac está associado ao tempo de queda dos sedimentos (variável T em (3)). De
acordo com o manual do XBeach (https://xbeach.readthedocs.io/en/latest/user_manual.html),
este parâmetro é um fator de correção ou calibração para ter em conta que a velocidade de
queda dos sedimentos é determinada através de um modelo integrado na vertical. Neste trabalho
utilizou-se tsfac = 0,9. O parâmetro fallvelred está associado à redução da velocidade de queda
de sedimentos devido a concentrações elevadas. Neste trabalho, verificou-se que a utilização
deste parâmetro, em combinação com tsfac = 0,9, permite reduzir as diferenças entre a taxa de
assoreamento média observada e simulada.
A comparação efetuada permite utilizar o modelo XBeach para analisar o efeito da vegetação na
taxa de assoreamento para o canal de acesso ao Cais da Bestida. De notar que as configurações
utilizadas no XBeach neste trabalho só são válidas para este caso de estudo.
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Solução de mitigação de sedimentação em canais de navegação através de vegetação
A solução de mitigação da sedimentação em canais de navegação proposta neste estudo
consiste na colocação de biorolos vegetados nas margens do canal de navegação (Figura 4).
Estes biorolos consistem em rolos cilíndricos em fibra de coco compacta, de densidade
homogénea, externamente reforçados com uma rede estrutural, e internamente vegetados com
rizomas ou bolbos de espécies aquáticas. Após a sua geminação, em viveiro ou estufas, os
biorolos com as espécies de vegetação selecionadas são posteriormente colocados, com
recurso a meios marítimos, junto ao fundo marinho, nas margens do canal de navegação.
A geometria simulada considerou a colocação dos biorolos paralelamente ao canal de
navegação, sendo que a sua colocação junto ao fundo marinho seria efetuada, por deposição
controlada, e com recurso a equipas de mergulhadores, ao longo de uma fiada longitudinal.
Uma vez que a presente solução se enquadra nas designadas técnicas de engenharia natural, o
período de vida útil estimado é significativamente inferior a uma solução de engenharia não-
natural. Contudo, é de esperar que este tipo de soluções apresentem um período de vida útil em
linha com o horizonte temporal dos projetos de dragagens de manutenção (entre 1 a 10 anos).
Figura 4. Biorolos com vegetação (esquerda) e sem vegetação (direita). Referência:
http://ecosalix.pt/produto/bio-rolo/.
Apesar da solução proposta, a mitigação do efeito de sedimentação em canais de navegação
poderá igualmente ser obtida através da introdução de vegetação por outras técnicas, tais como,
sementeira, estacaria viva, fascina viva, entre outras. (Fernandes e Freitas, 2011).
Quanto à vegetação a adotar, as espécies existentes em zonas de baixo sapal, estão,
geralmente, sujeitas a uma grande variação nos ciclos das marés e às forças erosivas da
corrente e das ondas, permitindo-lhes sobreviver num ambiente mais severo e resistir a uma
grande diferença de nível de maré (tanto emerso como submerso). Além disso, de acordo com
muitos estudos, a dinâmica de sedimentação em zonas de sapal baixo está fortemente
correlacionada com o tipo, cobertura e altura da vegetação. Por exemplo, Puccinellia maritima,
uma espécie comum em zonas estuarinas, da família Poaceae, reduziu a frequência e magnitude
dos eventos de erosão e aumentou significativamente a acreção de sedimentos (Langlois et al.,
2003).
A Figura 5 apresenta um esquema indicativo da solução preconizada para controlo da
sedimentação, e da sua posição relativa face ao canal de navegação.
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Figura 5. Esquema de posicionamento dos biorolos com vegetação ao longo do canal de
navegação.
Experiências numéricas com o XBeach: efeito da vegetação no controlo da sedimentação
em canais de navegação
As experiências numéricas foram realizadas para analisar o efeito da altura da vegetação,
diâmetro equivalente da vegetação e densidade da vegetação na redução da taxa de
assoreamento no canal de navegação. Ou seja, para compreender os requisitos geométricos da
vegetação necessários para reduzir a taxa de assoreamento no canal de navegação da Bestida,
em relação à situação de referência.
A altura da vegetação variou entre 0,10 m e 0,75 m, o diâmetro equivalente da vegetação entre
0,01 m e 0,10 m e a densidade da vegetação entre 10 plantas/m2 e 50 plantas/m2. No XBeach,
considerou-se a colocação da vegetação afastada 15 m do limite superior dos taludes do canal,
numa largura de 5 m, em ambas as margens (Figura 6).
Figura 6. Batimetria e vegetação utilizada no modelo numérico XBeach. As linhas a azul
indicam os vários níveis de maré para o canal de acesso ao Cais da Bestida.
A Tabela 3 apresenta os valores obtidos para as experiências numéricas realizadas. De forma
geral, verifica-se que a vegetação permite reduzir a taxa de assoreamento em relação ao caso
sem vegetação. Esta redução varia entre 14% e 77%.
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Tabela 3. Taxa de assoreamento média simulada e variação face ao valor simulado sem
vegetação para as várias experiências numéricas.
Simulação
hv
bv
Nv
Taxa de
assoreamento média
simulada (mm/dia)
Variação em relação
ao valor simulado
sem vegetação (%)
H1
0.50
0.05
20
4.1240
-53.25%
H2
0.75
0.05
20
2.8622
-67.55%
H3
0.25
0.05
20
5.9800
-32.21%
H4
0.1
0.05
20
7.5081
-14.88%
B1
0.50
0.01
20
7.5475
-14.44%
B2
0.50
0.10
20
1.9852
-77.49%
B3
0.50
0.03
20
5.5608
-36.96%
B4
0.50
0.07
20
3.0724
-65.17%
N1
0.50
0.05
10
5.9979
-32.01%
N2
0.50
0.05
30
2.8559
-67.62%
N3
0.50
0.05
5
7.2616
-17.68%
O aumento da altura da vegetação, da densidade da vegetação (número de plantas por m2) e do
diâmetro equivalente da vegetação, de forma isolada, também permite reduzir a taxa de
assoreamento no canal de navegação.
Da análise aos coeficientes de regressão linear entre a taxa de assoreamento e os conjuntos de
parâmetros associados à vegetação (altura, diâmetro equivalente e densidade da vegetação)
(Figura 7) conclui-se que: 1) um aumento de 0,10 m na altura de vegetação traduz-se numa
redução de 0,70 mm/dia na taxa de assoreamento; 2) um aumento de 0,01 m no diâmetro
equivalente da vegetação traduz-se numa redução de 0,60 mm/dia na taxa de assoreamento; e
3) um aumento da densidade da solução em 10 plantas/m2 traduz-se numa redução de 1,70
mm/dia na taxa de assoreamento.
Figura 7. Coeficientes de regressão linear entre a taxa de assoreamento e o conjunto de
parâmetros associados à vegetação.
Apesar da redução esperada na taxa de assoreamento devido à equação (4), os resultados
obtidos permitem atribuir valores de redução da taxa de assoreamento adaptados ao caso
específico do canal de acesso ao Cais da Bestida, quando implementada uma solução de
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revestimento das margens com vegetação.
De acordo com Van Rijn (2018), o assoreamento dos canais de navegação pode ser devido às
velocidades associadas à maré, perpendiculares ou oblíquas ao eixo principal, que originam a
erosão das margens, e uma posterior deposição no canal, por redução da capacidade de
transporte. Para as experiências numéricas efetuadas, a velocidade de maré nas margens é
menor do que a situação sem vegetação. Para o caso H1 (Tabela 3), estas velocidades são
reduzidas em cerca de 10% durante o pico da enchente e da vazante. Por isso, sugere-se que o
efeito da vegetação no assoreamento de canais de navegação é o de diminuir a erosão das
margens devido à redução das velocidades de maré.
Do ponto de vista prático do dimensionamento de soluções deste género, carece a existência de
uma relação que permita associar a taxa de redução esperada com as características
geométricas da solução a adotar.
Ora, tomando em consideração que o diâmetro equivalente da espécie de vegetação a adotar
constitui um parâmetro de difícil quantificação e controlo, desenvolveu-se um conjunto adicional
de experiências numéricas que permita facilmente estabelecer uma relação entre a altura e a
densidade da vegetação e a redução esperada na taxa de assoreamento no canal de navegação.
As simulações adicionais foram desenvolvidas considerando constantes os valores de CD em 0,5
e o valor de bv em 0,05 m, sendo os resultados apresentados na Figura 8. A taxa de redução
aumenta com o aumento da densidade e da altura de vegetação, como anteriormente
apresentado. Utilizando uma altura de 0,60 m e uma densidade de 8 plantas/m2 obtém-se uma
taxa de redução de 30%. A mesma taxa pode ser obtida para uma altura mais baixa (0,25 m)
porém com uma densidade mais elevada (20 plantas/m2). Para obter taxas de redução
superiores a 50% com a solução proposta, será necessária uma altura de vegetação superior a
0,50 m com pelo menos 20 plantas/m2.
Através deste tipo de análise/gráfico é assim possível definir um conjunto de espécies alargado,
ajustado às condições locais, que, apesar de não apresentarem a mesma configuração
geométrica (altura ou densidade de colocação) são responsáveis pela mesma taxa de redução
do assoreamento no canal. A utilização de diferentes espécies em soluções deste tipo é também
recomendada uma vez que promove a biodiversidade e a resiliência dos próprios ecossistemas.
Figura 8. Variação da taxa de redução simulada em função da altura e da densidade de
colocação da espécie de vegetação.
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Conclusões
No presente trabalho, propôs-se uma solução para redução do assoreamento em canais de
navegação baseada em vegetação (biorolos vegetados). Uma primeira ordem de grandeza do
efeito desta solução foi estimada com recurso ao modelo numérico XBeach. Desta análise,
conclui-se que:
1. o modelo XBeach pode ser configurado para simular de forma adequada a taxa de
assoreamento observada após a dragagem do canal de acesso ao Cais da Bestida;
2. a vegetação promove a redução das velocidades de maré nas margens dos canais de
navegação, o que dificulta a erosão das margens e reduz a taxa de assoreamento no canal;
3. a colocação de vegetação nas margens do canal de navegação permitiu uma redução entre
14% e 77% comparativamente com a taxa de assoreamento sem vegetação;
4. a utilização de vegetação com uma altura superior a 0,50 m e com uma densidade de pelo
menos 20 plantas/m2 permitiu reduzir em 50% a taxa de assoreamento no canal.
É de realçar o esforço da PLRA na garantia da existência de levantamentos hidrográficos
efetuados com periodicidade adequada após a execução dos trabalhos de dragagem. Este
esforço permite fornecer dados úteis para analisar, por exemplo, o assoreamento de canais de
navegação, e testar novas soluções ou abordagens.
No futuro, propõe-se investigar a geometria de colocação da vegetação (altura, diâmetro
equivalente e densidade), o tipo de espécie de acordo com cada local, a aplicação de um modelo
morfodinâmico bidimensional ao caso de estudo, ensaios laboratoriais e até a estudos-piloto in
situ. Estes passos são fundamentais para a criação de conhecimento associado à utilização de
Soluções Baseadas na Natureza em canais e vias navegáveis.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Polis Litoral Ria de Aveiro - Sociedade Para A Requalificação e
Valorização da Ria de Aveiro, S.A. pela disponibilização dos dados relativos ao canal de acesso
ao Cais da Bestida.
Referências bibliográficas
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Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A., 107pp.
Langlois, E., Bonis, A., and Bouzillé, J.B. (2003). “Sediment and plant dynamics in saltmarshes
pioneer zone: Puccinellia maritima as a key species?”. Estuarine, Coastal and Shelf Science
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10as Jornadas de Engenharia Costeira e Portuária
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