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Rosa; Costa; de Lara | Rev. Elet. Cient. da UERGS (2022) v. 8, n. 01, p. 13-21
Horta na escola: o ensino de
química a partir da produção de
adubo orgânico
Carine Borchert Rosa
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS).
E-mail: carineborchertrosa@gmail.com, http://lattes.cnpq.br/3242947566220983
Erli Schneider Costa
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS).
E-mail: erli-costa@uergs.edu.br, http://lattes.cnpq.br/7673027604263418
Daniela Mueller de Lara
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS).
E-mail: daniela-lara@uergs.edu.br, http://lattes.cnpq.br/1557177056454917
ISSN 2448-0479. Submetido em: 06 out. 2020. Aceito: 25 out. 2021.
DOI: http://dx.doi.org/10.21674/2448-0479.81.13-21
Resumo
O presente artigo relata uma abordagem dos conteúdos de funções inorgânicas, através da produção de
adubo orgânico em laboratório, utilizando como matéria-prima os resíduos descartados na escola, que po-
dem atuar como fontes de nutrientes para o tratamento de solos inférteis. Em contrapartida ao modelo
tradicional, o ensino de química deve trazer aos estudantes a compreensão dos fenômenos químicos e trans-
formações que os cercam, tornando-os cidadãos capazes de intervir e melhorar o ambiente a sua volta. Este
estudo tem como objetivo desenvolver no aluno pró-atividade, competências e habilidades para a pesquisa
alinhada à prática escolar, assim como a compreensão de como ocorrem determinados processos químicos
na natureza. A proposta de ensino voltada para pesquisa foi aplicada a estudantes da Escola Estadual de
Educação Básica Santa Rita, em Nova Santa Rita (Rio Grande do Sul). A primeira etapa abordou aspectos
teóricos, pesquisas e determinação de locais estratégicos para execução das atividades práticas. Na segunda,
iniciou-se construção de uma horta, da coleta de resíduos e a produção do adubo orgânico; e na terceira,
foram realizadas as validações dos resultados obtidos. Observou-se o auxílio mútuo entre os discentes nas
atividades experimentais, além do desenvolvimento da capacidade de intervenção, quando necessária, na
busca por melhores resultados. Foi possível perceber uma mudança positiva em relação aos resíduos descar-
tados, tais como cascas de batata, banana, ovo e também erva-mate, na escola, onde os estudantes com total
autonomia, compartilharam entre si, informações observadas no estudo.
Palavras-chave: Compostagem; elementos químicos; horta na escola.
Abstract
Veggie Garden at school: chemistry teaching from organic fertilizer production
This article reports an approach to the contents of inorganic functions, through the production of organic fer-
tilizer in the laboratory, through the use of waste material discarded at school, which can function as sources
of macro and micronutrients for enrichment and treatment of infertile soils. In contrast to the traditional
model, teaching chemistry should bring the student an understanding of the chemical phenomena and trans-
formations that surround them, making them citizens capable of intervening and improving the environment
around them. This study aims to develop in the student proactivity, skills and abilities for research aligned to
school practice, as well as the understanding of how certain chemical processes take place in nature. The
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teaching proposal for research was applied to students at Santa Rita State School of Basic Education in Nova
Santa Rita (Rio Grande do Sul). The first stage covered theoretical aspects, research and determination of
strategic locations for carrying out practical activities. In the second, the construction of a vegetable garden
began, the collection of residues and the production of organic fertilizer, and in the third, the validations of
the results obtained were carried out. It was observed the mutual help among the students in experimental
activities, in addition to the development of intervention capacity, when necessary, in the search for better
results. It was possible to notice a positive change in relation to the discarded garbage, such as banana and
potatoes peels, egg shells and also tea herbs, at school, where students with full autonomy shared with each
other the observed information in the study.
Keywords: Composting; chemical elements; school garden.
Resumen
Huerta en la escuela: la enseñanza de química a partir de la producción de abono orgánico
El presente artículo relata un abordaje de los contenidos de funciones inorgánicas, a través de la producción
de abono orgánico en laboratorio, utilizando como materia prima los residuos descartados en la escuela,
que pueden servir como fuentes de macro y micronutrientes para enriquecimiento y tratamiento de suelos
infértiles. En contrapartida al modelo tradicional, la enseñanza de química debe ofrecer a los estudiantes la
comprensión de los fenómenos químicos y de las transformaciones que los rodean, convirtiéndolos en ciu-
dadanos capaces de intervenir y mejorar el ambiente alrededor. Este estudio tiene como objetivo desarrollar
en el alumno proactividad, competencias y habilidades investigativas alineadas a la práctica escolar, así como
la comprensión de como ocurren determinados procesos químicos en la naturaleza. La propuesta de ense-
ñanza destinada a la investigación fue aplicada a estudiantes de la Escola Estadual de Educação Básica Santa
Rita, en Nova Santa Rita (Rio Grande do Sul). La primera etapa abordó aspectos teóricos, investigaciones y
determinación de locales estratégicos para la realización de las actividades prácticas. En la segunda, se inició
la construcción de una huerta, la recolección de residuos y la producción del abono orgánico, y, en la tercera,
fueron realizadas las validaciones de los resultados obtenidos. Se observó el auxilio mutuo entre los discentes
en las actividades experimentales para las medidas de pH, demostrando preocupación con los resultados
obtenidos, además de la capacidad de intervención, cuando necesaria, en la búsqueda de una alteración de
los datos obtenidos. Fue posible percibir un cambio positivo con relación a los residuos descartados en la
escuela, tales como cáscaras de papa, plátano, huevo y también yerba mate, y los estudiantes, con total au-
tonomía, compartieron informaciones observadas en el estudio.
Palabras clave: Compostaje; elementos químicos; huerta en la escuela.
Introdução
O ensino de Química é apontado como um dos desafios para professores e estudantes da Educação
Básica e também do nível superior de ensino (EVANGELISTA, 2007; SILVA, 2013; REES et al. 2019). Uma das
maiores dificuldades é fazer com que o estudante sinta o conteúdo como parte da sua realidade, contemplan-
do suas necessidades e aplicação prática (WEBER et al., 2012; DARMANIK, 2019;).
Segundo NUNES et al. (2020) entre as principais dificuldades dos estudantes sobre Química (e out-
ras ciências) estão: 1) a difícil compreensão da aplicação dos conteúdos em suas realidades, 2) a constante
monotonia das aulas, 3) as dificuldades na assimilação das informações, além do 4) excesso de termos científi-
cos e muito específicos. Esses fatores tornam trabalho docente desafiador e coincidem com a necessidade de
formação continuada e constante atualização (SILVA, 2013).
Entre os conteúdos abordados em química inorgânica no Ensino Médio estão as funções inorgânicas e pH,
vistas pelos estudantes como enigmas (COSTA e AGUIAR, 2019). Utilizar atividades multidisciplinares pode
ser uma alternativa interessante para tornar o conteúdo mais próximo da realidade do estudante, em especial
quando se propõe a realização de projetos de pesquisa baseados em um problema (DARMANIK, 2019). As-
sim, é importante ressaltar que a concepção do processo de ensino-aprendizagem de Química requer estraté-
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gias e metodologias que considerem a dimensão dos saberes que tenham sentido para os estudantes (COSTA
e AGUIAR, 2019; LIMA, 2012); sendo indispensável considerar o papel da contextualização do conhecimento
que vai significar o conhecimento como algo presente no cotidiano do aprendiz.
Considerando as dificuldades que podemos identificar no ensino de conteúdos de química inorgânica,
com destaque para funções inorgânicas, abordando com maior ênfase a teoria, e características químicas dos
ácidos, bases e conceito de pH, surgem os questionamentos sobre a melhor forma de integrar estes con-
teúdos à realidade dos estudantes do 1o. ano do Ensino Médio. Neste sentido, este artigo apresenta como
objetivo apresentar o relato de caso sobre o uso da compostagem e a produção de hortaliças como forma
de inserir no contexto prático dos estudantes os conceitos de química envolvidos no processo de nutrição
do solo, especialmente por meio da construção de composteiras e de implementação de uma horta escolar.
Material e Métodos
O estudo foi realizado entre agosto e dezembro de 2019, na Escola Estadual de Educação Básica Santa
Rita, em Nova Santa Rita (Rio Grande do Sul). Participaram das atividades 25 estudantes do 1o. do ano do
Ensino Médio, turno da tarde. Foi proposto aos estudantes o desenvolvimento de uma horta, onde a hortaliça
escolhida para o cultivo foi alface, pois, segundo Filgueira (2008), alfaces apresentam ciclo curto, em média de
40 a 60 dias desde o plantio até a colheita. Além disso, também foi levado em consideração que a alface (Lac-
tuca sativa L.) é uma hortaliça de grande importância na alimentação e na saúde humana, visto que é fonte de
vitaminas e sais minerais e por estar no grupo das hortaliças mais populares no mundo (MONTEIRO NETO et
al., 2014), contribuindo na geração de emprego e de renda (HEREDIA ZARETE et al., 2010).
O solo para o cultivo das mudas foi tratado com adubo orgânico de composteira que utilizou material
orgânico da própria escola. A pesquisa envolveu o método quali-quantitativo: a abordagem qualitativa cen-
tra-se na identificação das características de situações, eventos e organizações (LLEWELLYN e NORTHCOTT,
2007), enquanto a pesquisa quantitativa mensura opiniões, hábitos, atitudes e reações por meio de uma amos-
tra estatística que representa o universo pesquisado (TERENCE e ESCRIVÃO FILHO, 2006). Neste artigo os
dados qualitativos incluem a interpretação e contextualização dos ambientes envolvidos, além da avaliação da
qualidade do composto produzido a partir dos resíduos. Os registros de medidas de pH e temperatura do solo
durante o processo de decomposição dos resíduos foram os dados quantitativos desta análise.
A Figura 1 apresenta as três etapas da proposta bem como as principais atividades desenvolvidas:
Figura 1 - Fluxograma executivo das etapas desenvolvidas no projeto para construção da composteira.
A 1a. etapa orientou os estudantes sobre como a prática seria conduzida e ofereceu também as aulas
teóricas com os principais conceitos a serem aprofundados com a proposta de pesquisa. Durante a 2a. etapa
Fonte: Autores (2020)
De 02 a 30 de agosto
De 2 a 30 de setembro
De 01 de outubro a 16
de novembro
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foi realizada a definição dos locais para construir a composteira e a horta. Também se iniciou o tratamento de
resíduos orgânicos em minicomposteiras, produzidas com garrafas pet pelos alunos, que foram divididos em
grupos de cinco. Esta escala piloto, realizada no laboratório da escola, permitiu aos estudantes acompanhar,
observar e compreender melhor cada etapa de modificação e transformação do solo no processo. Os grupos
registraram em cadernos de anotações de pesquisas e práticas, sempre às terças e quintas, no período de
química, os dados relacionados aos aspectos físicos e químicos do solo. Foram avaliadas as medidas de tem-
peratura, massa úmida e pH das amostras, com registro de data e hora.
A coleta dos resíduos orgânicos ficou sob responsabilidade de três estudantes da turma. Após as coletas,
os discentes realizavam a segregação dos resíduos, para então descartá-los diretamente na composteira, que
foi construída com a utilização de dois carrinhos de mãos, três pás e três pares de luvas. Os estudantes tam-
bém ficaram responsáveis pela realização do processo de umidificação e mistura do composto, homogenei-
zando os resíduos com a terra, repetindo este procedimento três vezes por semana, controlando o processo
de produção do composto orgânico em maior escala, até que o adubo estivesse pronto para ser incorporado
ao solo.
Durante a 3a. etapa os estudantes acompanharam a professora para a compra das hortaliças, e realizaram
o plantio de 10 mudas de alface no canteiro que havia sido isolado sem adubo. Foram preparados cinco
canteiros ao total, sendo que um deles funcionou como “testemunha” sobre a qualidade original do solo e
permitiu avaliar se a adubação orgânica foi efetiva para a produção das hortaliças. Nesta fase, os estudantes
incorporaram ao solo dos demais canteiros, o composto orgânico produzido na composteira. Tal etapa teve
duração de 45 dias. Realizou-se então o plantio de 100 mudas de alfaces, acompanhando o desenvolvimento
e observando os resultados obtidos em cada etapa.
Resultados e Discussões
Ao tomarem conhecimento sobre a proposta de produção de composto orgânico (composteira) a partir
de resíduos descartados na escola e a criação de uma horta, como uma forma de pesquisa que acompanharia as
aulas experimentais, os estudantes demonstraram imediato interesse, iniciativa e uma boa participação na or-
ganização das etapas do projeto. Inicialmente os conceitos foram expostos para os estudantes e promoveu-se
debates e troca de informações, entre eles, para definição da estratégia para a atividade. Percebeu-se que os
estudantes tinham entendimento prévio sobre o assunto e contribuíram com informações sobre o preparo
dos canteiros para o cultivo das hortaliças.
Foram apresentadas definições de compostos orgânicos e adubos orgânicos, o que é uma composteira;
definição de macro e micronutrientes; definição sobre qualidade nutricional do solo. Os estudantes tinham
conhecimento sobre que resíduos poderiam ser utilizados como adubos; todavia, não conheciam os conceitos
de macro e micronutrientes e qual a função destes elementos químicos para tratamento de um solo infértil.
Ao identificar quais elementos químicos – na forma de íons – atuam como nutrientes necessários para o desen-
volvimento de hortaliças (e outras plantas), os estudantes perceberam a proximidade destes conceitos com o
seu cotidiano, promovendo uma identificação natural entre suas vidas e estes conceitos da química.
Ao dar início às primeiras etapas de execução do projeto, os estudantes ficaram surpresos ao observar
a maneira como os “resíduos sólidos” estavam sendo descartados, assumindo que também não realizavam
o descarte de maneira adequada. A Figura 2 mostra os resíduos orgânicos descartados em conjunto com os
recicláveis, sem separação adequada.
Figura 2 - Coletor de resíduos sólidos evidenciando o descarte inadequado, com mistura entre orgânico e
reciclável.
Fonte: Autores (2020)
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Por iniciativa dos estudantes, os mesmos conversaram com a direção da escola e solicitaram autorização
para fazer uso de um dos tonéis do pátio, para aproveitá-lo como ponto de coleta dos resíduos orgânicos
para a composteira. Prepararam a identificação sobre que resíduos poderiam ser descartados e, com apoio da
secretária da escola, imprimiram para identificar o tonel. A revisão do material foi realizada pela professora. O
coletor foi fixado ao lado do refeitório, local estratégico para coleta deste tipo de resíduo. Estima-se, que em
média, foram produzidos em torno de vinte quilogramas de composto orgânico.
Com perceptível autonomia e pró-atividade conduziram a escolha do espaço físico da horta, bem como
a preparação dos canteiros e construção do espaço para a composteira. Isso contribui para o que Gasparin
(2005) apresenta como indispensável no processo ensino e aprendizagem que é a contribuição para transfor-
mar um aluno-cidadão em um cidadão autônomo.
Na fase de preparação da horta, os estudantes demonstraram interesse, entusiasmo e nítida empolgação
por estarem provocando modificações no ambiente escolar. Foi possível perceber de imediato, autonomia e
competência para resolver alguns problemas, como falta de materiais ou ferramentas. Diante desta situação,
os estudantes compartilharam os instrumentos e organizaram o tempo de trabalho de cada um na horta, para
que todos pudessem participar, colaborando mutuamente. Nas Figuras 3a, 3b e 3c apresentam-se os registros
da limpeza do terreno com apoio da Prefeitura Municipal de Santa Rita; organização e preparação da horta
com trabalho em equipe e a construção da composteira ao lado dos canteiros da horta.
Figura 3 - Organização das primeiras etapas de preparação da horta: (a) limpeza do terreno com auxílio da
prefeitura; (b) preparação do terreno e dos canteiros e (c) construção da composteira.
No processo de produção do composto orgânico no laboratório, todos os grupos colaboraram trazendo
os materiais necessários solicitados pela professora.
Garrafas pet, para confecção das minicomposteiras, e os resíduos a serem misturados com amostras
do solo previamente coletadas dos canteiros da horta foram utilizados em laboratório. Seguindo o passo a
passo, orientados pela professora, as garrafas pets foram cortadas de maneira adequada para que pudessem
ser utilizadas como uma minicomposteira. Os estudantes adicionaram à garrafa, uma camada de solo, seguida
por uma camada de resíduos, tais como: erva-mate, cascas de ovo, borra de café, cascas de batata, cascas de
banana. Em seguida, realizaram a devida mistura do solo com os resíduos orgânicos (Figuras 4a, 4b e 4c).
Figura 4 - Etapas da proposta: (a) confecção da minicomposteira com garrafas pet; (b) resíduos a serem
tratados no laboratório e a amostra de solo; e (c) organização dos resíduos e solo na minicomposteira.
ab c
Fonte: Autores (2020)
a b c
Fonte: Autores (2020)
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Solicitado pela professora, os estudantes providenciaram um Caderno de Laboratório onde realizaram
anotações pertinentes ao estudo, tal como data, temperatura do composto, peso e medição de pH. Durante
as atividades práticas, os estudantes aprenderam rapidamente a realizar medidas de pH utilizando as fitas me-
didoras e ajudaram-se mutuamente neste processo.
Houve muita preocupação em relação ao pH estar ou não adequado, pois sabiam que valores incorretos
afetariam diretamente o desenvolvimento das mudas. Os solos brasileiros são naturalmente ácidos. A acidez
promove o aparecimento de toxidez de alumínio e de manganês e afeta negativamente a disponibilidade de
vários nutrientes, tais como nitrogênio, fósforo e potássio para as plantas, prejudicando os rendimentos da
maioria das culturas (VOLKWEISS, 1989). Os valores de pH influenciam a disponibilidade dos nutrientes min-
erais, afetando por consequência a absorção dos mesmos pelas plantas (MALAVOLTA, 1980).
Os estudantes realizavam as análises e coletas de dados, duas vezes por semana, e demonstravam inqui-
etação com resultados diferentes ou não esperados, despertando iniciativa e capacidade de resolver prob-
lemas para mudar os dados obtidos ou pesquisar se estavam corretos. Segundo Lewin e Lomascolo,
[...] a situação de formular hipóteses, preparar experiências, realizá-las,
recolher dados, analisar resultados, quer dizer, encarar trabalhos de labo-
ratório como ‘projetos de investigação’, favorece fortemente a motivação
dos estudantes, fazendo-os adquirir atitudes tais como a curiosidade, desejo
de experimentar, acostumar-se a desenvolver o espírito crítico, a confrontar
resultados, a obterem profundas mudanças conceituais, metodológicas e ati-
tudinais. (LEWIN; LOMASCÓLO, 1998, p.148)
As etapas de produção do composto no laboratório duraram aproximadamente um mês. Os principais
resultados ocorreram a partir das alterações dos aspectos físicos das amostras de solo, observando-se seu
escurecimento e umidade, mantendo durante todo o processo uma temperatura ambiente. As análises de
temperatura variavam entre 25ºC e 29ºC e o pH manteve-se entre 5 e 7, ideal para o cultivo desta hortaliça.
Analisando sob o aspecto físico das amostras de solo, consideram-se satisfatórios os resultados dos com-
postos orgânicos produzidos em laboratório. A Figura 5 demonstra o aspecto físico de uma das amostras de
solo coletada para tratamento no laboratório: aspecto inicial (em “a”) e o resultado obtido após as etapas de
nutrição da mesma com os resíduos orgânicos (em “b”). O composto orgânico é o material obtido da com-
postagem, possui cor escura, é rico em húmus e contém de 50% a 70% de matéria orgânica. Entende-se, des-
de já, que o benefício da matéria orgânica no solo não é apenas o de fornecedor de nutrientes para as plantas,
mas, principalmente, de modificador, para melhorar suas propriedades físicas e biológicas (LIMA et al., 2004).
Figura 5 - Aspecto das amostras de solo (a) no início do tratamento e (b) após o tratamento.
a b
Fonte: Autores (2020)
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Todos os resultados obtidos foram válidos para uma análise com a turma, uma vez que foram por eles
mesmos construídos através de hipóteses formuladas a partir de um conhecimento prévio dos estudantes,
além das teorias abordadas em sala de aula. A turma obteve sucesso no escurecimento das amostras tratadas
no laboratório e o contentamento com este resultado foi geral. Os grupos fizeram competitividade e com-
parações entre si, de maneira saudável.
A Figura 6b apresenta o resultado final após os 35 dias que as hortaliças levaram para se desenvolver.
Observou-se que as mudas-testemunhas não apresentaram um desenvolvimento adequado (Figura 6a), com-
provando a falta de nutrientes no solo. As alfaces cultivadas na horta, em solo com incorporação do composto
orgânico (Figura 6b), cresceram de forma satisfatória, comprovando a presença dos nutrientes necessários.
Figura 6 - Registro das mudas cultivadas: (a) no canteiro testemunha, sem composto orgânico; e (b) em
canteiro com composto orgânico.
As hortaliças ficaram disponíveis para uso da escola, e as merendeiras realizavam a colheita para o preparo
das saladas, que eram servidas nos três turnos. Alguns estudantes acompanhavam essa colheita, demonstran-
do orgulho e sentimento de pertencimento a esse espaço e meio ambiente escolar, por eles construído.
Ao comparar o desempenho entre as turmas, em relação aos conceitos abordados, com diferentes mét-
odos de ensino, em que os demais estudantes tiveram o conteúdo desenvolvido com método tradicional,
verificou-se que os discentes que participaram do projeto demonstraram melhor compreensão e entusiasmo
em relação aos conteúdos, obtiveram melhores resultados, desenvolveram competências e habilidades, iden-
tificaram e explicaram os conceitos em sua utilidade teórica e prática.
Ao analisar o projeto como um todo, foi possível observar alguns fatores relevantes, que devem ser
apontados como validação dos resultados obtidos. Muitas vezes, alguns estudantes se fizeram presentes no
laboratório fora do horário programado, realizaram medidas e anotações em suas amostras, demonstraram
interesse e cuidado na produção do composto. Alguns grupos compareceram em turno inverso na escola,
para trabalhar nas análises de produção do composto e realizar os cuidados de manutenção da horta, eviden-
ciando, dessa forma, o envolvimento e engajamento com a proposta.
O Ministério da Educação considera importante que se estabeleçam novos modelos educacionais em que
integrem saúde, meio ambiente e desenvolvimento comunitário por meio de programas interdisciplinares.
Para atingir essas metas a horta escolar e sua relação com a participação comunitária se torna um eixo articu-
lador com ricas possibilidades de atividades pedagógicas (FERNANDES, 2005). Houve uma nova postura em
relação ao descarte de resíduos, e os estudantes procuravam a professora e pediam de modo aflito, para que
houvesse uma orientação e cobrança de todos os turnos, bem como para todos os servidores da escola que
não estavam realizando o descarte de resíduos de maneira correta.
Em relação aos conteúdos desenvolvidos em sala de aula, durante a pesquisa, de acordo com os Parâmet-
ros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN; BRASIL, 2002), os conteúdos abordados no ensino
de química não devem se resumir à mera transmissão de informações e devem estar associados ao cotidiano
dos alunos, seus interesses e suas vivências. Assim sendo, procurou-se transmitir com maior ênfase, os con-
teúdos considerados relevantes para vida deles, não destacando fórmulas e nomenclatura decoradas, e sim
abordando os conceitos mais importantes que foram quanto à compreensão da presença dos íons, que define
a
b
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a alcalinidade ou acidez de uma amostra. Também foi abordado de que maneiras são realizadas as medidas
desses íons, introduzindo o conceito de pH e destacando a importância deste conhecimento não só na pro-
dução de hortaliças, mas também em relação à higiene, saúde, alimentação; abrangendo, dessa forma, fatores
consideráveis em nossas vidas. Segundo Vasconcelos e Souto (2003), ao se ensinar ciências, é importante não
privilegiar apenas a memorização, mas promover situações que possibilitem a formação de uma bagagem
cognitiva no aluno.
Através de diálogo informal da professora com a turma, os estudantes afirmaram que conseguiram com-
preender o conceito de pH através desta metodologia aplicada, entendendo de que forma a presença de
ácidos ou bases podem afetar esses valores, e de que maneira podemos intervir para alcançar ou modificar o
resultado obtido.
Considerações finais
Podemos destacar como um dos resultados mais importantes desta pesquisa, o amadurecimento dos
estudantes em relação à autonomia, empenho e desenvolvimento do sentimento de pertencimento ao meio
ambiente escolar. O ensino de química tornou-se algo descontraído, divertido e de fácil entendimento, uma
vez que estava sendo inserido de maneira não formal, em um contexto construído e analisado por eles.
Ainda, além de desenvolver nos estudantes, habilidades e competências voltadas às práticas de pesqui-
sas, o estudo também buscou a transformação positiva nos hábitos dos estudantes, em relação aos resíduos
descartados, incentivando-os a praticar a segregação correta de resíduos para o cultivo de hortaliças, também
em suas residências, tornando-os cidadãos ativos, capazes de solucionar problemas e intervir no meio em que
atuam.
Pretende-se, futuramente, buscar, em parceria com a secretaria de agricultura de Nova Santa Rita, a
realização da análise do solo antes e depois do tratamento com resíduos, ampliando assim as probabilidades
da realização de novas pesquisas, incentivando a participação dos familiares produtores, juntamente com os
estudantes, alcançando uma maior diversidade de hortaliças que podem ser cultivadas no ambiente escolar.
Cientes de que os processos de ensino e de aprendizagem são distintos e possuem referenciais teóricos
próprios, que aliados à natureza do ambiente escolar podem auxiliar os docentes na organização e condução
de suas aulas de ciências, ao que se refere a abordagem de conceitos de química, e que podem ser identifica-
dos de maneira concreta em suas vidas e não mais como algo abstrato, e sim como disciplinas que contribuem
na construção de saberes relacionando-os com sua realidade, os professores podem atuar de forma incisiva,
avaliando que na prática o conhecimento poderá (deve) provocar intervenções e mudanças, que vão para além
da sala de aula, abrangendo também a comunidade onde a escola está inserida.
Agradecimentos
Este artigo é resultado do Trabalho de Conclusão de Curso da Especialização em Ensino de Ciências com
ênfase em Práticas de Pesquisa, oferecido pela Uergs e pelo Colégio Maria Auxiliadora (Canoas).
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