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DA REPÚBLICA MODERADA À PRESIDÊNCIA IMPERIAL: A PROPÓSITO DOS 230 ANOS DA VIGÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS

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Abstract

Durante muito tempo, a democracia e o sistema de freios e contrapesos existente nos Estados Unidos têm sido referentes de estabilidade para os países latino-americanos. Para muitos, a chegada de Donald Trump à Casa Branca colocou as instituições estadunidenses em risco. A presente pesquisa propõe que Donald Trump não é a causa da crise no sistema de Checks and Balances, mas sim uma consequência de tal crise. A metodologia utilizada é de caráter histórico-dogmático. A principal conclusão é que nunca antes a democracia estadunidense correu tanto risco, pois o equilíbrio entre os poderes públicos foi perdido em favor do executivo e os freios e contrapesos se tornam ineficazes para enfrentar a denominada presidência imperial.
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DA REPÚBLICA MODERADA À PRESIDÊNCIA IMPERIAL: A PROPÓSITO DOS
230 ANOS DA VIGÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS
DE LA REPÚBLICA MODERADA A LA PRESIDENCIA IMPERIAL: A PROPÓSITO
DE LOS 230 AÑOS DE VIGENCIA DE LA CONSTITUCIÓN DE LOS ESTADOS
UNIDOS
David Mendieta
1
UNIVERSIDADE DE MEDELLÍN (COLÔMBIA)
Resumo
Durante muito tempo, a democracia e o sistema de freios e contrapesos existente nos Estados Unidos têm
sido referentes de estabilidade para os países latino-americanos. Para muitos, a chegada de Donald Trump à
Casa Branca colocou as instituições estadunidenses em risco. A presente pesquisa propõe que Donald Trump
não é a causa da crise no sistema de Checks and Balances, mas sim uma consequência de tal crise. A metodologia
utilizada é de caráter histórico-dogmático. A principal conclusão é que nunca antes a democracia
estadunidense correu tanto risco, pois o equilíbrio entre os poderes blicos foi perdido em favor do
executivo e os freios e contrapesos se tornam ineficazes para enfrentar a denominada presidência imperial.
Palavras-chave:
Estados Unidos, Constituição, presidência imperial, controle de constitucionalidade, sistema de freios e
contrapesos, Trump.
Resumen
Durante mucho tiempo la democracia y el sistema de frenos y contrapesos existente en los Estados Unidos han sido referentes
de estabilidad para los países latinoamericanos. Para muchos la llegada de Donald Trump a la casa blanca ha puesto en riesgo
las instituciones estadounidenses, la presente investigación propone que Donald Trump no es la causa de la crisis en el sistema
de Checks and balances, sino consecuencia de dicha crisis. La metodología utilizada es de carácter histórico dogmática. La
principal conclusión es que nunca antes la democracia estadounidense estuvo en tanto riesgo pues el equilibrio entre los poderes
públicos se ha roto en favor del ejecutivo y los frenos y contrapesos se tornan ineficaces para enfrentar la presidencia impe rial.
Palabras clave:
Estados Unidos, Constitución, presidencia imperial, control de constitucionalidad, sistema de frenos y contrapesos, Trump.
1. INTRODUÇÃO
Atualmente, a democracia se encontra em perigo diante dos discursos nacionalistas,
dos partidos políticos radicais e dos líderes extremistas com pretensões de caudilhos.
Estamos atravessando uma crise que não se via desde o período anterior à Segunda Guerra
Mundial e todos s sabemos que as coisas terminaram mal. Mas, por que as democracias
correm perigo? Durante muito tempo, s os constitucionalistas nos preocupamos
com o estudo dos Direitos Humanos e deixamos de lado os temas relacionados com a
estrutura do Estado, a separação de poderes e o sistema de freios e contrapesos, necessários
para preservar o equilíbrio entre os diferentes poderes públicos. Pensávamos que a
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Advogado, especialista em Direito Constitucional e mestre em Direito pela Universidade de Antioquia (Colômbia).
Diplomado em Estudos Avançados (DEA) e doutor em Direito Constitucional pela Universidade Complutense de
Madri (Espanha). Professor de dedicação exclusiva na Universidade de Medellín (Colômbia), membro do grupo de
pesquisas jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade de Medellín (Colômbia). E-mail:
dmendieta@udem.edu.co; davidmendietagonzalez@hotmail.com ORCID: 0000-0002-6944-6815
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democracia poderia ser perdida para líderes de fato, ditadores que, por meio de golpes de
estado, buscassem pisotear as instituições, mas hoje a democracia corre perigo desde seu
interior. São muitos aqueles que buscam usar as instituições para prejudicar os direitos e
valores que dão sentido à vida em sociedade.
Em outras palavras, pretendem usar a democracia para acabar com a democracia.
Existem aqueles que, por meio de sofismas, como a chamada “democracia iliberal”, desejam
acabar com os pilares que o sentido à verdadeira democracia, como a diversidade
ideológica, o reconhecimento e o respeito às liberdades e a dignidade humana (MENDIETA;
TOBÓN, 2018a).
A chegada de Donald Trump à Casa Branca é um marco importante, que fez com que
outros líderes demagogos buscassem, e inclusive conseguissem, emular sua façanha. Os
discursos que usam o medo e buscam polarizar as sociedades democráticas são cada vez mais
frequentes. A democracia e o sistema de freios e contrapesos estadunidenses estão em crise
e muitos consideram que a causa é a chegada de uma figura dominante, como é o caso de
Trump, ao poder.
Com uma análise hisrico-dogmática, pretende-se mostrar como os pais fundadores
da União Americana idealizaram um sistema moderado e equilibrado, denominado Checks
and Balances, mas com o passar do tempo, tal modelo se perdeu e estabeleceu-se um marcado
presidencialismo que alguns autores chamaram de “presincia imperial”. O que acontecer
com as instituições estadunidenses teconsequências, em geral, em todas as democracias e,
particularmente, nas latino-americanas daí a importância de abordar o tema. Hoje faz-se
necessário relembrar o Artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1789: Uma sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada nem a separação de
poderes determinada, não tem Constituição. ” (FRANÇA, 1789)
2. A SEPARAÇÃO DE PODERES E O SISTEMA DE FREIOS E
CONTRAPESOS NOS ESTADOS UNIDOS
Quando os pais da União Americana conceberam sua Constituição escrita, queriam
uma forma de governo moderada que eles chamaram de República, temiam a anarquia que
o vazio deixado pelos ingleses podia originar, mas também o despotismo, que poderia surgir
para preencher esse vazio. Repudiavam o autoritarismo, inclusive do povo e suas maiorias
da necessidade de criar um sistema no qual os diferentes órgãos interagissem entre si,
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mas ao mesmo tempo que os checks and balances fossem limitados e que existissem
mecanismos para frear inclusive o povo soberano.
Os pais fundadores da Nação estadunidense se preocupavam profundamente em
salvaguardar a democracia por meio de mecanismos de seleção. Ao planejar a
Constituição e o sistema eleitoral, enfrentaram um dilema que, em muitos
aspectos, continua vigente. Por um lado, optaramo por um monarca, mas sim
por um presidente eleito, um presidente que se ajustasse à sua ideia de Governo
popular republicano e que refletisse a vontade do povo. Por outro lado, os
fundadores não confiavam plenamente na capacidade da cidadania para julgar os
candidatos à presidência. Alexander Hamilton se preocupava com uma presidência
por eleição popular que pudesse cair facilmente nas mãos daqueles que aproveitam
o medo e a ignorância para ganhar eleições e que estes acabassem governando
como tiranos (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, tradução minha)
Os três primeiros artigos da Constituição dos Estados Unidos se ocupam dos três
poderesblicos clássicos: o primeiro é o legislativo, o segundo é o executivo e o terceiro é
o judiciário sendo que o mais extenso e regulado é o primeiro, pois é no legislativo onde
recai maior desconfiança. O texto constitucional de 1787 é muito cuidadoso ao limitar o
Congresso dos Estados Unidos, que faz a lei; mas não tanto com o presidente da União, pois
este eslimitado pela Constituição e pela lei. Em princípio, não se pensou no presidente
legislador. Os dois primeiros artigos da Constituição dos Estados Unidoso preveem um
executivo competente para fazer leis. Lembremos que o Artigo I, Seção 1, expressa que:
todos os poderes legislativos outorgados por esta Constituição residirão em um Congresso
dos Estados Unidos (CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS, 1787).
Se a Constituição diz que são “todos”, não dúvidas de que não se pensou na
possibilidade de que o presidente dos Estados Unidos pudesse criar normas com força de
lei. O anterior é de suma importância, pois, posteriormente, quando o presidente dos Estados
Unidos se faz legislador ao expedir ordens executivas
2
, as normas que emanem dele com
força de lei terão controles advindos dos Tribunais Federais, da Suprema Corte de Justiça e
do Congresso dos Estados Unidos; os primeiros, ao fazer uso do judicial review, e, o último,
da lei como instrumento de correção dos excessos, o que requer colocar em prática o sistema
de freios e contrapesos.
Apesar de o executivo-legislador não ser uma figura que os pais da União tenham
estabelecido no texto da Constituição, os presidentes estadunidenses, com o argumento da
defesa da liberdade e da democracia e com a justificativa da ameaça externa, foram se
2
“As ordens executivas são documentos oficiais, numerados consecutivamente, por meio dos quais o Presidente dos
Estados Unidos administra as operações do Governo Federal. (ESTADOS UNIDOS, 2018). As ordens
executivas não são uma competência expressa da Constituição de 1787, mas seu sustento provém do Artigo 2, Seção
1, que confia o poder executivo ao presidente dos Estados Unidos.
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apropriando desta e de outras competências, somado ao seu protagonismo, e romperam o
equilíbrio entre os poderes públicos isso prejudica o sistema de freios e contrapesos
original e estabelece o que alguns chamaram de “presidência imperial” (BACEVICH, 2008).
Mas esse não era o desejo dos pais fundadores da União que, com a Constituição dos
Estados Unidos, buscavam a implementação de um sistema de poderes equilibrado, um
soberano moderado e a existência de mecanismos de freios e contrapesos entre os poderes
públicos, que evitasse cair no autoritarismo. A seguir, algumas das bases desse sistema serão
expostas a partir da maneira como foram concebidas por alguns de seus ideólogos e
analisaremos como esses limites foram perdendo eficácia com o passar de 230 anos de
vigência da Constituição.
3. A DEFESA DA CONSTITUIÇÃO DE 1787 POR HAMILTON E MADISON
Foram os norte-americanos que estabeleceram a ideia de supremacia constitucional a
partir de um texto codificado e é, na segunda parte do Artigo VI da Constituição de 1787,
que se constitui expressamente tal critério, mais como uma ferramenta de unidade e coerção
do que como uma declaração de direitos humanos. Estes, somente entrariam no texto
constitucional por meio das dez primeiras emendas. O Artigo VI da Constituição dos
Estados Unidos de 1787 aponta:
Esta Constituição, e as leis dos Estados Unidos que sejam expedidas de acordo
com ela, e todos os tratados celebrados ou que se celebrem sob a autoridade dos
Estados Unidos, serão a suprema lei do país e os juízes de cada Estado estarão
obrigados a observá-los, apesar de qualquer coisa em contra que se encontre na
Constituição ou nas leis de qualquer Estado. (ESTADOS UNIDOS, 1787)
Por sua vez, o Artigo III, Seções 1 e 2 do texto constitucional, situa o poder judicial
na Corte Suprema de Justiça, e demais tribunais, mas entende tal poder como o de dizer o
direito em geral e interpretar a lei em particular:
Seção 1
O poder judicial dos Estados Unidos será depositado em um Tribunal Supremo e nos
tribunais inferiores que o Congresso instituir e estabelecer no sucessivo. Os juízes, tanto
do Tribunal Supremo quanto dos inferiores, continuarão em suas funções enquanto
observem boa conduta e receberão, em períodos fixos, uma remuneração por seus
serviços que não será diminuída durante o tempo de seu encargo.
Seção 2
O Poder Judicial se estenderá a todos os Casos que em Direito e Igualdade surjam sob
esta Constituição, as Leis dos Estados Unidos e os Tratados celebrados ou que venham
a ser celebrados sob sua Autoridade... (ESTADOS UNIDOS, 1787)
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O texto constitucional o comenta nada sobre quem deveria ser o encarregado de
salvaguardar que todos os órgãos do Estado cumprissem com a Constituição, mas desde
antes que a Carta de 1787 entrasse em vigência, Hamilton já havia expressado a conveniência
de que os juízes fossem os encarregados de velar pela Constituição. A possibilidade de os
juízes na América do Norte não aplicarem normas nos casos que contradizem a Constituição
é estabelecida por Hamilton (2001) em O Federalista, nestes termos:
Uma Constituição é, de fato, uma lei fundamental e assim deve ser considerada
pelos juízes. A eles pertence, portanto, determinar seu significado, assim como o
de qualquer lei proveniente do corpo legislativo. E, se ocorrer uma discrepância
entre as duas, deve-se preferir, naturalmente, aquela que tenha força obrigatória e
validez superiores; em outras palavras, deve-se preferir a Constituição à lei
ordinária, a intenção do povo à intenção de mandatários. Essa conclusão não
supõe de modo algum a superioridade do poder judicial sobre o legislativo.
Significa apenas que o poder do povo é superior a ambos e que, quando a vontade
da legislatura declarada em suas leis se encontrar em oposição à do povo declarada
na Constituição, os juízes deverão governar-se pela última, em relação às
primeiras. (HAMILTON; MADISON; JAY, 2001, p. 340)
Madison (2001) também se pronunciou no sentido de o poder judicial ser o
encarregado de fazer valer os direitos consagrados na Constituição, diante da tentativa do
legislativo ou do executivo de desconhecer as garantias constitucionais:
Uma vez que a Declaração de Direitos fosse incorporada à Constituição, os Tribunais
de justiça independentes considerariam a si mesmos os guardiães de tais direitos. As
Cortes se transformariam em uma base impenetrável contra qualquer abuso por parte
de algum dos outros ramos do Estado Federal, Legislativo e Executivo, e seriam levadas
naturalmente a resistir cada usurpação sobre os direitos estipulados expressamente na
Constituição por tal declaração de Direitos. (PADOVER, 1953, p. 344)
Hamilton deixará clara a ideia da supremacia constitucional e do dever dos poderes
constituídos de acatar a norma fundamental nos seguintes termos:
Não proposição que dependa de princípios mais claros do que aquela que
afirma que todo ato de uma autoridade delegada, contrário ao teor do mandato
sob o qual se exerce, é nulo. Portanto, nenhuma lei contrária à Constituição pode
ser válida. Negar isso seria como afirmar que o deputado é superior ao mandante;
que o servo é superior ao amo; que os representantes do povo são superiores ao
próprio povo; e que os homens que agem em virtude da apropriação podem fazer
não somente o que esta não permite, mas inclusive o que proíbe. (HAMILTON;
MADISON; JAY, 2001, p. 342)
Como foi dito, a supremacia da Constituição sobre a lei e o dever dos juízes de
salvaguardar tal primazia o uma constante no pensamento de Hamilton, como foi
registrado em O Federalista n. 78. Mas existe outra grande preocupação para quem é
considerado um dos pais da União Americana, que é a defesa das minorias que podem estar
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em perigo diante das maiorias políticas, religiosas ou econômicas e, de novo, delega aos
juízes o dever de evitar tais injustiças:
Mas não é somente como via para prevenir as infrações da Constituição que a
independência judicial pode constituir uma salvaguarda contra os efeitos dos maus
humores que podem ser produzidos ocasionalmente na sociedade. Em alguns casos,
estes não se estendem mais além de prejudicar em seus direitos a determinadas classes
de cidadãos particulares, por meio de leis injustas e parciais. Também aqui a firmeza da
magistratura tem uma grande importância para mitigar a severidade e limitar os efeitos
de tais leis. (HAMILTON; MADISON; JAY, 2001, p. 334)
Hamilton também considerou que uma maneira de limitar o poder do presidente era
estabelecer um período de mandato fixo que, para os Estados Unidos, é de quatros anos, e que
existisse a possibilidade de realizar um juízo político ou impeachment:
O Presidente dos Estados Unidos seria um funcionário escolhido pelo povo para um
período de quatro anos; o rei da Inglaterra é um príncipe perpétuo e hereditário. Um
deles seria suscetível ao castigo pessoal e a cair em desgraça (por meio do
impeachment); a pessoa do outro é... inviolável. (HAMILTON; MADISON; JAY,
2001 p. 296)
Mas nem todos os contemporâneos de Hamilton estavam de acordo com o modelo
federal, pois temiam que os estados até então confederados perdessem liberdades e
autonomia em favor de um governo central forte (KETCHAM, 2003, p. 16). Os chamados
“antifederalistas” apenas aceitaram o modelo federal e a nova Constituição em troca de um
catálogo de direitos e garantias, ou Bills of Rights, que entrarão na Constituição em 1791 por
meio das dez primeiras emendas.
4. MARSHALL, O HERDEIRO DE HAMILTON E MADISON
O Federalista, e especialmente Hamilton, havia estabelecido as bases de uma
Constituição forte e de um poder judicial competente para fazê-la cumprir e se o juiz
Marshall, herdeiro dessa concepção, que em 1803 deixaclaro e de maneira definitiva que
as autoridades encarregadas de velar pela Constituição dos Estados Unidos são os juízes,
consolidando o judicial review, ou controle judicial de constitucionalidade, na famosa sentença
do processo Marbury vs. Madison (ESTADOS UNIDOS, 1803), tendo em vista preservar a
supremacia da Constituição sobre todas as leis estatais e federais
3
.
3
A sentença de Madison vs. Marbury não é a primeira a estabelecer a Supremacia Constitucional nos Estados
Unidos. Houve, antes, outras decisões no mesmo sentido, tais como: caso Commonwealth vs. Caton (Virginia,
1782); caso Bayard vs. Singleton (Carolina do Norte, 1787); caso Vanhorne’s Lessee vs. Dorrance (Pensilvânia, 1795);
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Assim como Hamilton, Marshall terá que argumentar a supremacia da Constituição
sobre a lei e por que os juízes são os convocados a velar para que essa supremacia seja
conservada, mas apresenta outro problema o menos importante, que é o da
impossibilidade de que um poder limitado, como é o legislador, possa reformar a norma
escrita que o limitou por mecanismos ordinários, ou seja, a Constituição. Tampouco esde
acordo com aqueles que pretendiam ignorar a Constituição nos casos em que colidisse com
a lei e que os juízes preferissem esta última, pois isso significava que o poder legislativo era
desmedido e cairia no absurdo de estabelecer limites para os poderes públicos na
Constituição e, ao mesmo tempo, a possibilidade de transgredi-los à vontade.
Marshall justifica porque os juízes são os protetores da Constituição apesar do
silêncio sobre o tema do texto constitucional e, para essa finalidade, fará uso do citado Artigo
III, Seção 1, ao interpretar a frase “o poder judicial dos Estados Unidos será depositado...
como o que os juízes têm feito tradicionalmente no passado. Em outras palavras, trata-se
da competência dos juízes de desentranhar o sentido das leis, mas irá mais além ao torná-los
competentes para declará-las nulas quando forem contrárias à Carta Fundamental e sua
fórmula é simples: a Constituição é uma lei emanada de um poder constituinte e a lei
questionada que emana de um poder constituído corresponderá aos juízes na hora de ter
duas leis aplicáveis a um mesmo caso, mas de diferente nível hierárquico, preferir a de maior
hierarquia.
Ou a Constituição é uma lei superior e suprema, inalterável por meios ordinários;
ou se encontra no mesmo vel das leis e, como qualquer uma delas, pode ser
reformada ou anulada sempre que compraza ao legislativo.
Se a primeira alternativa é correta, então uma lei contrária à Constituição não é lei;
se, por outro lado, a segunda é verdadeira, então as constituiçõe s escritas são
tentativas absurdas do povo de limitar um poder ilimitável por natureza.
(ESTADOS UNIDOS, 1803)
Para Marshall, quando um juiz perceber que, em um mesmo caso, são aplicáveis a
Constituição e a lei, mas que propõem soluções opostas, o juiz deve preferir a norma
constitucional, por ser hierarquicamente superior à lei ordinária. O anterior é uma das
premissas mais importantes para o constitucionalismo moderno e já havia sido proposta por
Hamilton, ainda que com outras palavras.
Enquanto o poder judicial se tornava protagonista, o executivo não se conformou em
ser espectador, mas, em um jogo público de mútua conveniência, respaldou à Corte Suprema
caso Hylton vs. United States (Corte Suprema dos Estados Unidos, 1796). Para uma análise do conteúdo das
sentenças anteriores, ver González Quintero (2011).
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de Justiça em seu papel de xima protetora da Constituição (WHITTINGTON, 2009) e
acrescentou seu poder graças às ordens executivas e à sua interferência nas agências
administrativas federais (AAF) (BREGER; EDLES, 2000).
4
5. A AMEAÇA DA PRESIDÊNCIA IMPERIAL
Mesmo que os pais fundadores da União, ao redigir a Constituição de 1787, estivessem
pensando em um sistema de governo moderado influenciados por Locke (2005) e Montesquieu
(1977) , no qual os três poderes públicos interagissem, mas ao mesmo tempo limitassem uns aos
outros, ao longo do tempo, a maneira vaga em que se regulou a figura do poder executivo foi
aproveitada por alguns presidentes estadunidenses para acumular competências, o que resultou na
perda do equilíbrio e deu origem ao que vários autores (BACEVICH, 2009; FABBRINI, 2009;
ORTIZ, 2004; CHOMSKY, 2005; SCHLESINGER, 2004; MENDIETA; TOBÓN, 2018b) m
chamado de presidência imperial”. Nesse modelo de governo, o equilíbrio dos poderes públicos se
perde em favor do presidente, que acumula competências que prejudicam as de outros poderes e
aumentam, com sua figura, o protagonismo do Poder Executivo. O sistema presidencial dos
Estados Unidos, que durante muito tempo se mostrou ao mundo como exemplo de democracia,
separação de poderes e respeito pelas instituições, como um referente de freios e contrapesos
eficiente, na realidade, apresenta uma hipertrofia presidencial, na qual a figura do presidente é tão
influente que assustaria aos pais fundadores da União. Já há quem denuncie os perigos do sistema:
Na mesma linha, a Constituição não declara nada sobre a autoridade do presidente para
agir de maneira unilateral, seja mediante decretos ou ordens executivas, e não estabelece
os limites do poder executivo durante as situações de excepcionalidade. Isso levou Huq
e Ginsburg a advertir recentemente que nas mãos de um dirigente verdadeiramente
antidemocrático, as salvaguardas constitucionais e legais da democracia [estadunidense]
[...] resultariam bastante fáceis de manipular”. (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 120,
tradução minha)
Atualmente, o grande controle da presidência dos Estados Unidos é a personalidade do
mandatário em exercício: se a moderação é uma de suas qualidades, então estaremos diante de um
mandato moderado, mas se ele tiver uma personalidade forte, ousada e beligerante, estaremos
4
As AAF surgem da necessidade de criar e implementar normas que regulem atividades produtivas, econômicas,
científicas, de segurança, entre outras, e que requerem um altíssimo conhecimento técnico, mais além do alcance dos
instrumentos ordinários da administração convencional. São classificadas em agências administrativas regulares (AAR)
e agências administrativas independentes (AAI). As primeiras com uma claríssima dependência do Presidente e as
outras concebidas inicialmente como entes autônomos da figura presidencial, mas que com o passar do tempo caíram
sob sua influência. Delas, questiona-se que, apesar de pertencerem ao poder executivo em seu papel de vigilância e
controle, acabam cumprindo também funções legislativas e jurisdicionais. As AAF não serão abordadas no presente
trabalho, mas isso não significa que não sejam importantes no processo de consolidação da presidência imperial.
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diante de uma figura dominante que poderá colocar em risco a institucionalidade. No século XIX,
Jackson (que governou entre 1829 e 1837) e Lincoln (que governou entre 1861 e 1865) são
exemplos de presidentes imperiais. O primeiro aproveitou sua popularidade para ampliar o poder
da presidência e enfrentou o Congresso dos Estados Unidos ao fazer uso constante de seu direito
de veto sobre as leis, competência que até então havia sido pouco usada.
O segundo, Lincoln, que é considerado o melhor presidente de todos os tempos, teve que
enfrentar duas situações extraordinárias: a abolição da escravatura, que foi levada a cabo
inicialmente por uma ordem executiva, e a Guerra Civil, que fez com que ele tivesse poderes que
nenhum outro presidente havia tido
5
.
No século XX, chegarão à Casa Branca vários indivíduos com personalidades dominantes
e que com seu caráter ajudarão a construir um “império”, começando pelo presidente da virada do
século, William Mckinley (que governou entre 1897 e 1901) e foi quem levou os Estados Unidos à
vitória sobre a Espanha, arrebatando Cuba, Porto Rico e as Filipinas do moribundo império
espanhol. Theodore Roosevelt (presidente entre 1901 e 1909) aproveitou sua popularidade para
aumentar os poderes do executivo, invadiu a República Dominicana (1904-1905), assinou um
tratado internacional com Santo Domingo e, ao não ser ratificado pelo Senado, ele o ratificou com
uma ordem executiva alegando que a Constituição não concede expressamente essa competência
ao presidente, mas tampouco a proíbe. E não se pode esquecer, nas palavras do próprio Roosevelt
“Eu tomei o Panamá” —, o que facilitou o comércio dos Estados Unidos com a Europa e com
o Oriente distante.
Outro Roosevelt, Franklin Delano (cujo mandato se estendeu de 1933 a 1945) enfrentou
duas situações catastróficas: uma é a Grande Depressão e a outra é a Segunda Guerra Mundial.
Para enfrentá-las, pediu faculdades extraordinárias ao Congresso, próprias para a guerra:
No dia 4 de março de 1933, as famílias estadunidenses reunidas em torno a seus rádios
durante os dias mais funestos da Grande Depressão para escutar o primeiro discurso
inaugural de Franklin D. Roosevelt como presidente ouviram sua voz pausada e
ensurdecedora declarar: “Pedirei ao Congresso o único instrumento que resta para
enfrentar a crise: um amplo poder executivo para livrar uma batalha contra a emergência,
equivalente ao que se concederia se estivéssemos sendo invadidos por um inimigo”, com
essas palavras, Roosevelt solicitava que lhe fosse concedida a competência presidencial
mais ampla existente na Constituição: os poderes extraordinários para situações de
guerra, com o fim de combater uma crise ‘doméstica’. (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018,
p. 139, tradução minha)
5
“Lincoln presidiu um — Estado executivo assumindo uns poderes de guerra enormes, de uma maneira que
excedeu qualquer outra presidência anterior. Mais tarde, no entanto, sua presidência serviria de modelo para as de
Woodrow Wilson (1913-1921), Franklin D. Roosevelt (1933-1945), Harry S. Truman (1945-1953), Lyndon B. Johnson
(1963-1969) e Richard Nixon (1969-1974).” (ORTIZ, 2004, p. 34)
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Roosevelt foi a pessoa que mais vezes ocupou a presidência dos Estados Unidos foi
eleito quatro vezes para o cargo e, de longe, foi o presidente que expediu mais ordens executivas,
com uma média de 310 por ano, e assim substituiu em grande parte o papel do Congresso dos
Estados Unidos e ampliou as competências presidenciais mais do que seus antecessores que por
si o haviam feito e abriu o caminho para que seus sucessores fossem considerados
hiperpresidentes. Mas também criou campos de concentração para japoneses por meio de uma
ordem executiva. Apesar disso, Roosevelt é considerado o melhor presidente dos Estados Unidos
no século XX e um dos melhores de todos os tempos.
No século XXI, temos Donald Trump que, no período em que está na Casa Branca,
mostrou ao mundo sua personalidade narcisista, instável, insensível, que não tolera a crítica e
despreza as instituições quando não estão de seu lado. Mas seu papel na história como presidente
ainda está por ser escrito, mesmo que, quando candidato, já tenham dito dele que:
Nenhum outro candidato presidencial importante da história moderna dos Estados
Unidos, nem sequer Nixon, demonstrou em público um compromisso tão frágil com os
direitos constitucionais e com as normas democráticas. Trump era precisamente o tipo
de figura que Hamilton e outros fundadores tanto temiam quando conceberam a
presidência dos Estados Unidos. (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 80, tradução
minha)
Segundo a Constituição dos Estados Unidos, é competência do Congresso declarar guerra
a outro estado, mas são muitos os exemplos de presidentes dos Estados Unidos que enviaram
tropas ao exterior ou atacaram outros Estados sem autorização prévia do Congresso, respaldados
por ordens executivas é o caso de Truman na Coreia, Johnson no Vietnã, Nixon no Camboja,
Reagan em Granada, Bush (pai) no Panamá, Clinton na Somália e no Haiti, Bush (filho) no Iraque
e no Afeganistão e Trump na Síria. Depois do 11 de setembro de 2001, George W. Bush expediu
duas ordens executivas uma no dia 24 de setembro e outra no dia 9 de novembro de 2001
que permitiram a criação de tribunais militares competentes para julgar civis estrangeiros suspeitos
de terrorismo. Tais atribuições acrescentaram ao poder do executivo e às agências administrativas
de segurança um patamar que não era visto desde o governo de Franklin D. Roosevelt. Isso ocorreu
sustentado no ideal de patriotismo. As competências surgidas do USA PATRIOT Act têm valido
para que Trump justifique juridicamente o ataque à Síria em 2018.
Os presidentes dos Estados Unidos foram determinantes para que o país se convertesse na
grande potência que é hoje. Eles fizeram com que a União ganhasse guerras, expandisse territórios
e superasse crises econômicas. O presidente da União Americana é o indivíduo mais poderoso da
terra, concentra muito poder em sua figura e, como foi mostrado no presente texto, esse poder se
manifesta conforme a personalidade do presidente. O que significa que as características pessoais
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do presidente são o primeiro dos freios a recair sobre o executivo. Até agora a fórmula tem sido
efetiva, mas é perigoso que tanto poder recaia na personalidade equivocada. Não podemos esquecer
que Roma teve imperadores que trouxeram prosperidade, riqueza e conhecimento ao império,
como Augusto, Adriano e Marco Aurélio, mas também teve figuras com personalidades instáveis,
erráticas e fora de controle, como Calígula, Nero e Cômodo. É aí que se faz necessário recordar os
pais fundadores e seu desejo de unidade, mas também de moderação.
Um dos efeitos mais evidentes da presidência imperial é o uso, o abuso, das ordens
executivas, que, na prática, têm força de lei e substituem o Congresso e sua competência legisladora,
sem ter que se sustentar na anormalidade, como acontece em outros modelos jurídicos que
consagram os estados de exceção (TOBÓN; MENDIETA, 2017). Como dito anteriormente, não
são uma competência entregue diretamente pela Constituição dos Estados Unidos aos presidentes,
mas eles foram se apropriando desse poder. A seguir, vê-se um quadro comparativo com o número
de ordens executivas expedidas por Chefes de Estado estadunidenses a partir de Franklin D.
Roosevelt até Trump (MENDIETA; CALDERON, 2019)
Nome
Peodo
Número de
ordens executivas
dia de ordens
executivas por ano
Donald Trump
2017-2018
92
46
Barack Obama
2009- 2017
276
34.5
George W. Bush
2001- 2009
291
36.4
William J. Clinton
1993- 2001
364
45.5
George Bush
1989- 1993
166
41.5
Ronald Reagan
1981- 1989
381
47.6
Jimmy Carter
1977- 1981
320
80
Gerald R. Ford
1974- 1977
169
42.3
Richard Nixon
1969- 1974
346
57.7
Lyndon Johnson
1963- 1969
324
46.2
John F. Kennedy
1961- 1963
124
41.3
Dwight
Einsenhower
1953- 1961
486
60.8
Harry Truman
1945- 1953
896
112
Franklin D.
Roosevelt
1933- 1945
3.728
310.6
Fonte: Arquivo Nacional dos Estados Unidos.
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12
Como pode-se observar no quadro anterior, as ordens executivas têm sido uma constante
durante os mandatos dos presidentes dos Estados Unidos. Assim, a ameaça externa, defender-se
do comunismo, o terrorismo islâmico, a imigração ilegal etc. serviram de desculpa para sua
expedição, mas são um claro exemplo de concentração de poder, além de muito criticadas, porque
implicam uma evasão do trâmite de regulação ordinário, que é o legislativo, o que deixa nas
entrelinhas o sistema de freios e contrapesos proposto pelos pais fundadores e entrega um grande
poder àquele que ocupa a presidência. O quadro também nos permite notar como o maior número
de ordens executivas por ano foi expedido no governo de Roosevelt (foram 310), mas desde o fim
da Segunda Guerra Mundial até o governo de Obama nota-se uma diminuição (com exceção do
governo de Carter), para depois passar a um notável aumento no governo Trump (46 ordens
executivas), durante dois anos (2017 e 2018) com maiorias republicanas em ambas câmaras, mas
tal maioria se perdeu a partir das eleições de 6 de novembro de 2018 na Câmara dos Representantes,
o que levará Trump a acudir com mais frequência às ordens executivas
6
e com a possibilidade
existente de abusar desse poder. Um exemplo claro é a declaração do estado de emergência nacional
feito pelo presidente dos Estados Unidos no dia 15 de fevereiro de 2019, com o argumento de que
há uma crise de imigração ilegal e de entrada de drogas pela fronteira com o México. Isso busca
evitar o Congresso e obter a faculdade de construir o muro, prometido na campanha, por meio de
uma ou várias ordens executivas, o que abre um debate jurídico sem precedentes.
Os imensos poderes do poder executivo podem tentar os presidentes a governar de
maneira unilateral, à margem do Congresso e do poder judicial. Os presidentes que
encontrem obstáculos para levar adiante seu programa podem esquivar a assembleia
legislativa ao emitir ordens executivas, proclamações, diretivas, acordos executivos ou
memorandos presidenciais, os quais adquirem o peso de lei sem precisar da aprovação
do Congresso. A Constituição não proíbe tal atuação. (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018,
p. 150, tradução minha)
Diante do aumento das competências do executivo e do estabelecimento da presidência
imperial (SCHLESINGER, 2004, p. 45), faz-se necessário reestabelecer o sistema de freios e
contrapesos como, por exemplo, os mecanismos de controle do legislativo sobre o executivo. O
Congresso dos Estados Unidos pode derrogar as ordens executivas expedindo leis, mas esse
controle costuma ser ineficaz quando o partido do presidente tem as maiorias em uma ou em
ambas as câmaras, além de que o trâmite da lei é complexo e demorado, o que dificulta ainda mais
a eficácia do sistema. Também é possível que o presidente seja impedido de culminar seu mandato
em duas situações: a primeira, se o Senado dos Estados Unidos realizar um julgamento político ao
6
No caso de Donald Trump, coletamos o número de ordens executivas expedidas desde sua posse (20 de janeiro de
2017) até dezembro de 2018.
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presidente tendo em vista a sua destituição, o anterior por petição da Câmara de Representantes
controle do legislativo sobre o executivo. Em 230 anos, apenas três presidentes passaram pelo
início do processo de impeachment e são eles: Andrew Johnson, Wiliam Clinton e Richard Nixon.
Os dois primeiros tiveram o julgamento adiantado, mas a petição de destituição não alcançou as
maiorias necessárias dois terços , e Nixon renunciou ao saber que sua destituição era
eminente. A segunda situação, se o Vice-presidente da União, e com o respaldo da maioria de
diretores de departamento executivos controle do executivo sobre o executivo , pedir aos
presidentes do Senado e da Câmara de Representantes, a suspensão do presidente, que, por sua
vez, poderá escrever à mesma corporação negando que esteja incapacitado. Então, será o
Congresso dos Estados Unidos que decidirá definitivamente, por uma maioria de dois terços,
quem tem a razão, conforme a emenda XXV, Seção 4a. Essa opção não foi usada até agora:
Quando o Vice-presidente e a maioria dos principais funcionários dos departamentos
executivos, ou de qualquer outro corpo que o Congresso autorizasse por lei,
transmitirem ao Presidente pro tempore do Senado e ao Presidente de Debates da Câmara
de Deputados sua declaração escrita de que o Presidente está impossibilitado de exercer
os direitos e deveres de seu cargo, o Vice-presidente assumirá imediatamente os direitos
e deveres do cargo como Presidente em funções... (ESTADOS UNIDOS, 1787)
Os estadunidenses tardaram 230 anos para construir um modelo jurídico e político
que se sustenta na supremacia constitucional, na separação de poderes e na existência de
freios e contrapesos que evitem que um dos poderes se exceda e pretenda ocupar o lugar
dos outros dois. Na prática, o equilíbrio se perdeu em favor do executivo, e assim surgiu,
como dito anteriormente, a chamada “presidência imperial”, a qual é moderada, não pe los
controles horizontais, mas pelo tipo de personalidade do presidente em exercício. A
personalidade do presidente não pode ser o primeiro freio de seu poder, tem que ser a
Constituição, haja vista o juramento presidencial ao assumir o cargo: Juro solenemente que
servirei fielmente ao cargo de Presidente dos Estados Unidos e que farei todo o possível
para preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos. (ESTADOS
UNIDOS, 1787)
A lei como limite do executivo perde eficácia quando o Presidente se torna legislador
ou quando seu partido tem as maiorias no Congresso, e aqui é onde o poder judicial é
chamado a enfrentar os excessos do executivo na hora de expedir ordens executivas
controle do poder judicial sobre o executivo isso graças à judicial review, que poderia se
pensar como o mais protetor dos controles, mas lembremos que a Corte Suprema de Justiça
dos Estados Unidos declarou constitucionais as ordens executivas 9066 de Roosevelt , que
criou os campos de concentração e outros tratos discriminatórios contra japoneses durante
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a Segunda Guerra Mundial
7
e, mais recentemente, a 13780 de Trump que estabeleceu um
veto claramente por razões religiosas para pessoas de vários países de maioria mulçumana
que queriam ingressar aos Estados Unidos.
Atualmente, os controles do poder judicial sobre o executivo não são tão seguros,
pois recentemente houve mudanças que poderiam diminuir a eficácia do modelo de judicial
review. As regras de eleição da Corte Suprema de Justiça, que ostenta o grande poder do
overruling, ou seja,o esatada a seu próprio precedente, mudaram a partir de 2017 com a
eleição de Gorsuch. Antes, os magistrados da Corte eram nominados pelo presidente e o
Senado os ratificava por uma maioria simples. Ainda que os nominados compartilhassem
ideias políticas com o presidente, em uma regra não escrita, buscavam-se candidatos que não
fossem radicais para poder obter votos de ambos os partidos que garantissem a eleição. Com
a crescente animosidade entre os partidos políticos, corre-se o risco de que estes, por serem
contrários ao partido opositor, prefiram eleger um juiz radical esse é o caso da recente
eleição de Kavanaugh e sua questionada designação. Isso poderia desequilibrar as forças no
interior da Corte por décadas.
A democracia dos Estados Unidos es em perigo, pois o sistema de freios e
contrapesos se rompeu em favor do executivo. Durante muitos anos o poder do presidente
da União vem aumentando e os controles verticais e horizontais, por diferentes razões, foram
enfraquecendo. Os partidos políticos o parte da crise, pois alimentaram a polarização do
eleitorado e a confiança mútua foi perdida. A possibilidade de que o presidente expeça
normas com força de lei anula, em grande medida, o controle do Congresso por meio da lei
e do controle que os juízes poderiam exercer sobre o executivo, com a última palavra da
Corte Suprema, mas, com maiorias conservadoras, e isso não é alentador.
As tradições que as instituições democráticas estadunidenses sustentam estão
desmoronando e está abrindo um abismo desconcertante entre como funciona
nosso sistema político e nossas expectativas de como ele deveria ser, baseadas em
seu funcionamento histórico. Conforme os protetores da democracia dos Estados
Unidos se debilitam, nos tornamos mais vulneráveis aos líderes antidemocráticos.
(LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 170, tradução minha)
230 anos, Madison expressava um medo constante ao que ele chamava de
“facção, que o era mais do que um grupo de cidadãos que, levados pela paixão ou por
interesses pessoais, pretendiam vulnerar direitos de outros cidadãos ou da comunidade em
conjunto. O sistema de freios e contrapesos deve ser encaminhado não apenas para efetivar
7
Os casos que chegaram até a Corte Suprema de Justiça foram Hirabayashi vs. United States, Yasui vs. United States e
Korematsu vs. United States.
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a separação de poderes e equilíbrio entre os diferentes poderes públicos, mas também para
garantir direitos das pessoas, das minorias, da sociedade. Os checks and balances são chamados
para assegurar o pluralismo em todas as suas manifestações, pois perseguir a diversidade é
perseguir a democracia. Mas não podemos esquecer os controles verticais sempre será
importante lembrar como começa o preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos (Nós,
o Povo dos Estados Unidos) nem a importância da Primeira Emenda da Constituição e
sua proibição de prejudicar as liberdades, entre elas, as de culto, expressão e imprensa.
Recordando uma famosa frase de Madison, expressada na parte final de O Federalista X, em
defesa do sistema federal, que reflete o problema do caudilhismo no exercício do poder: A
influência dos líderes facciosos pode acender uma chama em seu próprio Estados, mas o
conseguirá propagar uma conflagração geral nos restantes” (HAMILTON; MADISON; JAY,
2001, p. 41)
Mas, o que pode acontecer quando o líder faccioso chegar a ocupar a presidência dos
Estados Unidos? O sistema político dos Estados Unidos não pode seguir dependente da
personalidade de seus presidentes. A presidência imperial deve dar a vez para a República
moderada tão sonhada pelos pais fundadores da União. Os freios horizontais devem ser mais
efetivos do que nunca, mas também devem estar acompanhados dos freios verticais por meio
dos quais o povo e os meios de comunicação sirvam para evitar a tirania à que Hamilton,
Madison e Marshall tanto temiam.
6. CONCLUSÕES
Autores como Hamilton, Madison e Marshall, quando pensaram no modelo político
estadunidense, conceberam um sistema moderado, com separação de poderes e a existência
de freios e contrapesos capazes de evitar a tirania. Com o passar do tempo e a chegada de
presidentes com personalidades fortes e expansionistas, o equilíbrio se perdeu em favor do
executivo e surgiu a chamada “presidência imperial”.
Ainda que a Constituição dos Estados Unidos tenha sido um referente teórico de
democracia, eficácia de controles horizontais e institucionalidade durante seus mais de 230
anos de vigência, hoje podemos afirmar que é um sistema hiperpresidencial, no qual as
características pessoais do presidente são determinantes na hora de medir o protagonismo
do executivo dentro da estrutura dos poderes públicos e que tanto inclinará a balança a seu
favor. Existem muitos exemplos de presidentes que quebraram o equilíbrio de poderes e
implementaram estados executivos nos quais o presidente substitui, em grande medida, o
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poder legislativo do Congresso por meio de ordens executivas , o que foi justificado para
que a União pudesse se modernizar, enfrentar guerras ou crises econômicas, mas a
concentração de tantas competências é perigosa, especialmente se quem se ocupa da Casa
Branca chega a ter uma personalidade instável.
Trump não é a causa da crise das instituições estadunidenses, mas ele se aproveitou
da crise para chegar ao poder. Durante muitos anos, o executivo foi acumulando
competências, como legislar ou controlar atividades por meio das agências administrativas,
e os controles sobre o presidente foram enfraquecendo. Impedir a chegada do líder faccioso
tão temido pelos pais fundadores foi responsabilidade dos partidos políticos, mas, desde a
postulação de Trump, todos os filtros falharam. O inquilino da Casa Branca é um indivíduo
que despreza as instituições quando não fazem sua vontade.
O caminho a seguir é voltar a um modelo moderado, equilibrado, no qual os partidos
políticos alcancem consensos e a figura do presidente volte a estar limitada, o por sua
personalidade, mas por um sistema de freios e contrapesos efetivo. Caso contrário, a
democracia estadunidense poderia estar em perigo, pois o executivo, com a justificativa da
ameaça externa ou interna, poderia estar tentado a passar por cima da institucionalidade e
converter-se em um tirano, que era o que Hamilton, Madison e Marshall tanto temiam.
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Full-text available
Este articulo identifica, en seis secciones, los estructuras fundamentales del sistema presidencial de los Estados Unidos y sostiene que la esencia de la posición del presidente en el sistema político, le viene de las variadas atribuciones establecidas constitucionalmente y la práctica creada históricamente por el ejercicio de los diferentes presidentes. Atribuye mucho del poder y la autoridad presidencial al contexto histórico en que los fundadores de la Constitución Americana crearon la institución, incluyendo sus poderes y límites. La primera sección discurre sobre las numerosas atribuciones del presidente y el ejercicio práctico de las mismas para llevar a cabo la política del Ejecutivo con éxito. La sección segunda examina el proceso histórico de la creación de la Presidencia norteamericana y subraya la íntima relación entre el nuevo sistema de gobierno, la nueva nación surgida tras la independencia, y las circunstancias que rodearon su nacimiento. La sección tercera hace un repaso de las tres ramas independientes del gobierno de los EEUU y revela su interdependencia para conseguir un gobierno equilibrado. La sección cuarta esboza los limites del poder y la autoridad presidencial. Describe los poderes más sutiles del presidente, al lado de sus poderes efectivos en un contexto de enfrentamiento entre los poderes Ejecutivo y Legislativo. Esta sección también ofrece una breve sinopsis de los presidentes que más influyeron en el desarrollo del poder presidencial por vía de su autoridad personal. La sección penúltima esboza algunas de las diferencias básicas entre sistemas presidenciales y parlamentarios, y ofrece algunas razones para explicar la difícil exportación exitosa del sistema presidencial norteamericano. Finalmente, la conclusión es un breve análisis personal de la presidencia en la actualidad, y sugiere temas para ulteriores análisis o aportaciones al desarrollo de la naturaleza representativa del gobierno presidencial norteamericano.
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Traducción de: Il principe democratico Análisis de cómo se ejerce el liderazgo político institucional en los sistemas de gobierno de Estados Unidos y Europa, especialmente Francia, Inglaterra e Italia. El autor plantea las razones del posicionamiento de la función este tipo de liderazgo y la necesidad de equilibrar la toma de decisiones y el control político para un ejercicio democrático del poder.
The Limits of Power: The End of American Exceptionalism
  • Andrew Bacevich
BACEVICH, Andrew. The Limits of Power: The End of American Exceptionalism. Nova York: Metropolitan Books, 2008.
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Ley fundamental, supremacía de la Constitución y control de constitucionalidad: una aproximación distinta a la sentencia Marbury vs. Madison, y a los orígenes de la justicia constitucional
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GONZÁLEZ, Rodrigo. Ley fundamental, supremacía de la Constitución y control de constitucionalidad: una aproximación distinta a la sentencia Marbury vs. Madison, y a los orígenes de la justicia constitucional. Revista Jurídicas, v. 8, n. 2, p. 13-29. 2011.