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Artigo do dossiê: Hybris contra naturam
Sapere aude – Belo Horizonte, v. 12 – n. 23, p. 27-40, Jan./Jun. 2021 – ISSN: 2177-6342 27
HYBRIS CONTRA NATURAM
HYBRIS CONTRA NATURAM
Tatiana Ribeiro
Henrique Cairus
RESUMO
A hýbris, cujo conceito é discutido brevemente neste artigo, normalmente é tratada, na cultura
grega arcaica e clássica, como um atentado contra mortais ou imortais. Para que exista uma
hýbris, é necessário haver um excesso em relação a certo limite e uma contrapartida punitiva,
a partir de uma themistosýnē, de um senso específico de justiça, um pouco diverso da
dikaiosýnē. Este artigo propõe que se pense na hýbris contra a phýsis (cujo conceito também é
discutido brevemente), como uma forma de entender-se tanto a contrapartida punitiva que
redunda em doença (individual ou coletiva) quanto a forma de evitar ou contornar as
consequências ou mesmo o cometimento da hýbris a partir da aplicação de conhecimentos
específicos.
PALAVRAS-CHAVE: hýbris; natureza; medicina hipocrática; thémis; excesso.
ABSTRACT:
Hybris, the concept which is briefly discussed in this article, is frequently looked upon, in
archaic and classical Greek culture, as an outrage against mortals or immortals. For a hybris to
exist, an excess is required regarding a given threshold and a retaliatory counterpart, from a
themistosynē, a specific sense of justice, a little different from dikaiosynē. This article
proposes to think of hybris against physis (a concept which is also briefly discussed here), as a
way of understanding both the punitive counterpart that results in illness (individual or
collective) and the means to avoid or circumvent the outcome or even the perpetration of
hybris through the application of particular knowledge.
KEYWORDS: hybris; nature; hippocratic medicine; themis; excess.
Nick Fisher, em 1992, apresentou ao mundo seu extenso e profundo estudo sobre a
hýbris, ao qual deu o significativo subtítulo de “um estudo sobre os valores de honra e
vergonha na Grécia Antiga” (Hybris: a study in the values of honour and shame in Ancient
Greece). Esse ensaio, em tudo impressionante, foi resenhado em 1994 por Douglas Cairns,
que, dois anos depois, escreveu seu histórico artigo “Hybris, dishonour, and thinking big”
(CAIRNS, 1996), publicado no Journal of Hellenic Studies.
Tanto o vasto estudo de Fisher quanto o artigo de Cairns tornaram-se bibliografia
referencial e incontornável para o estudo do conceito de hýbris. Duas décadas depois, a esses
Professora Adjunta de Língua e literatura grega, Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail:
tatianarib@gmail.com.
Professor Titular de Língua e literatura grega, Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail:
hcairus@ufrj.br.
Tatiana Ribeiro; Henrique Cairus
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dois marcos referenciais da fortuna crítica acerca desse conceito somou-se a coletânea
organizada por Camerotto e Carniel, intitulada Hybris: I limiti dell’uomo tra acque, cieli e
terra, trazida à luz em 2014.
Essas três obras referenciais fazem percorrer pela literatura e pela história um mesmo
conceito, que, de resto, recebe de cada autor um tratamento próprio. O interesse de Cairns na
dependência conceitual da hýbris parece, efetivamente, ter aberto caminho para as pesquisas
que Camerotto e Carniel empreenderam no lapso de vinte anos.
Essa mesma trilha seguimos aqui neste artigo em que, não obstante, vai tratar a hýbris
como uma chave de inteligibilidade da qual fartamente se serviram gregos antigos de vários
tempos e espaços para pensar a própria ideia de ética.
A hýbris é um conceito flutuante ou dependente, uma vez que o limite ultrapassado
sempre se sujeita a sistemas morais e axiológicos vigentes. É, portanto, escusado dizer que
uma hýbris na Ilíada não é uma hýbris na tragédia, por exemplo.
No universo (quase) pan-helênico da aurora do século VI a. C., o conceito encontra
seu novo limite, um novo limiar; paulatinamente, pois, vai-se afastando de um ideal mítico e
bélico que tem por baluartes a eusébeia, a piedade, e a soberania individual e coletiva (ou
ambas simultaneamente, como no caso do Aquiles da Ilíada).
Dos poucos textos que nos chegaram do século VI a. C., quase todos por meio de
citações de outros autores antigos posteriores, ouvem-se vozes mais ou menos nítidas que já
apregoam o princípio norteador de uma ordem políade. Tal princípio se traduzia pelo adágio
μηδὲν ἄγαν, ‘nada [seja] excessivamente’, um preceito que os latinos saberiam traduzir por
sua aurea mediocritas.
Esse princípio axiomático lendariamente inscrito no pórtico de Delfos traduz o norte
de uma nova organização social. A expressão se repete em inúmeras obras e, aos poucos, vai
adentrando mentes e corações. O orfismo, que agregava prestigiosas personalidades no
universo pan-helênico, assimilou esse princípio e contribuiu inegavelmente para sua
preponderância. Dentre os órficos que se sobressaem nesse papel destaca-se, pelos
escassíssimos fragmentos que nos chegaram, Alcmeon de Crotona. Aécio, doxógrafo do I ou
II séc. a. C., por outro lado, oferece um breve testemunho da teoria do médico ou fisiólogo de
Crotona acerca da saúde, teoria que veremos presente em todos os tratados do Corpus
hippocraticum, sem exceção:
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Ἀλκμαίων ἔλεξε τῆς μὲν ὑγιείας εἶναι συνεκτικὴν τὴν <ἰσονομίαν> τῶν δυνάμεων,
ὑγροῦ, ξηροῦ, ψυχροῦ, θερμοῦ, πικροῦ, γλυκέος καὶ τῶν λοιπῶν, τὴν δ' ἐν αὐτοῖς
μοναρχίαν νόσου ποιητικήν· φθοροποιὸν γὰρ ἑκατέρου μοναρχίαν. καὶ νόσον
συμπίπτειν ὡς μὲν ὑφ'οὗ ὑπερβολῇ θερμότητος ἢ ψυχρότητος, ὡς δὲ ἐξ οὗ διὰ
πλῆθος τροφῆς ἢ ἔνδειαν, ὡς δ'ἐν οἷς ἢ αἷμα ἢ μυελὸν ἢ ἐγκέφαλον. ἐγγίνεσθαι δὲ
τούτοις ποτὲ κἀκ τῶν ἔξωθεν αἰτιῶν, ὑδάτων ποιῶν ἢ χώρας ἢ κόπων ἢ ἀνάγκης ἢ
τῶν τούτοις παραπλησίων. τὴν δὲ ὑγείαν τὴν σύμμετρον τῶν ποιῶν κρᾶσιν.
Alcmeon disse ser a constituição da saúde o equilíbrio das propriedades: do úmido,
do seco, do frio, do quente, do amargo, do doce e dos restantes, e a monarquia entre
eles produz doença, pois a monarquia de cada uma é o que causa destruição. Assim,
a doença sobrevém por um lado quando há um excesso de calor ou de frio, ou de
outras, quando devida à abundância ou à carência de um alimento, o que ocorre em
partes como o sangue, a medula ou o cérebro. Essas partes podem ser também
afetadas por causas externas, como certas qualidades de águas, certas regiões, pela
fadiga ou por experimentar-se uma necessidade ou devido ao que lhes estiver perto.
Mas, ainda quanto à saúde, ela é a justa medida da mistura das qualidades.
(Aetius, V,xiv, 1; Alcmeon fr.4DK)
A menção à monarquia sublinha o ambiente político da forja do conceito de saúde.
Anaximandro (1DK), para quem a tensão entre contrários resulta em uma díke (justiça), já
advertira que a prevalência de uma substância sobre outra consiste na injustiça, adikía.
Alcmeon, efetivamente, leva essa teoria ao corpo e à compreensão da saúde como um
equilíbrio (isonomia) das propriedades que a compõem, enquanto a doença se configura como
a monarquia de uma dessas propriedades.
Os termos isonomia e monarquia marcam, de fato, a aplicação de conceitos políticos à
esfera somática. A isonomia, preceito políade da reforma de Clístenes, não foi instaurada por
uma revolução ou algo parecido: manteve, pois, privilégios e desprestígios, porque seu
propósito não era igualar homens, mas normatizar categorias, dando-lhes limites de ação e
dimensão. Mesmo a reforma de Sólon, a julgar pela Constituição de Atenas de Pseudo-
Aristóteles, não propôs uma isonomia que pudesse ser entendida como igualdade de direitos
entre pessoas ou mesmo entre cidadãos, aos quais ao menos lhes interpunha condições de
reivindicações legais similares, senão as mesmas. Condições jurídicas certamente não são
direitos, e, traduzindo o princípio para o corpo, proporcionalidade não é igualdade.
No século VI a.C. a máxima τίκτει ὕβριν κόρος [a saciedade engendra a hýbris] já
havia ganhado grande repercussão e prestígio, podendo ser encontrada tanto em Sólon (6,3W)
quanto no aristocrático e ressentido Corpus Theognideum (153).
Nos séculos V e IV a.C., o princípio de Alcmeon, tradução fisiológica do μηδὲν ἄγαν,
ganhou vulto por meio dos textos das escolas médicas de Cós e Cnido. Platão refere-se a esse
princípio no Banquete, no discurso do médico Erixímaco: “pois a medicina, para dizê-lo
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resumidamente, é um conhecimento do que há de erótico no corpo, em relação à repleção e à
vacuidade” [ἔστι γὰρ ἰατρική, ὡς ἐν κεφαλαίῳ εἰπεῖν, ἐπιστήμη τῶν τοῦ σώματος ἐρωτικῶν
πρὸς πλησμονὴν καὶ κένωσιν (Banquete, 186c)].
A ideia de isonomia não nos parece, contudo, equivaler à de equidade. Isonomia não é
igualdade de nómos, mas aplicação generalizada de um nómos que se respalde numa díke que
não garante igualdades, mas assegura lugares. Tais garantias, portanto, não fundamentam uma
igualdade de medidas, mas uma proporcionalidade daquilo que é fundamental ou vital. No
corpo, os humores.
É, pois, dessarte que desponta a célebre definição hipocrática de saúde, que,
conquanto definitivamente hipocrática, não foi formulada por Hipócrates, mas por seu genro,
Pólibo, no tratado Da natureza do homem:
Τὸ δὲ σῶμα τοῦ ἀνθρώπου ἔχει ἐν ἑωυτῶι αἷμα καὶ φλέγμα καὶ χολὴν ξανθήν τε καὶ
μέλαιναν, καὶ ταῦτ' ἐστὶν αὐτέωι ἡ φύσις τοῦ σώματος, καὶ διὰ ταῦτα ἀλγέει καὶ
ὑγιαίνει. υγιαίνει μὲν οὖν μάλιστα, ὁκόταν μετρίως ἔχηι ταῦτα τῆς πρὸς ἄλληλα
κρήσιος καὶ δυνάμιος καὶ τοῦ πλήθεος, καὶ μάλιστα μεμιγμένα ᾖ· ἀλγέει δὲ ὁκόταν
τι τουτέων ἔλασσον ἢ πλέον ᾖ ἢ χωρισθῆι ἐν τῶι σώματι καὶ μὴ κεκρημένον ἦι τοῖσι
ξύμπασιν.
O corpo do homem contém sangue, fleuma, bile amarela e negra, esta é a natureza
do corpo, através da qual adoece e tem saúde. Tem saúde precisamente quando estes
humores são harmônicos em proporção, em propriedade e em quantidade, sobretudo
quando são misturados. O homem adoece quando há falta ou excesso de um desses
humores, ou quando ele se separa no corpo e não se une aos demais. (NH, 4Littré).
A concepção de uma saúde homeostática frutificou e instalou-se no núcleo do
mecanicismo clássico, ainda que o corpus hippocraticum tenha sido lido também (talvez
majoritariamente) sob a chave vitalista. A ideia da homeostase, a saúde no e pelo equilíbrio,
foi revivida por Walter Cannon (The wisdom of the body, 1932), em sua obra A sabedoria do
corpo, da primeira metade do século XX, uma apologia, a um só tempo, da homeostase e do
princípio da vix medicatrix naturae, uma máxima difusa e difundida, aparente apologia da
prática expectante, e que promove uma ideia que já se encontra no Corpus hippocraticum:
νούσων φύσιες ἰητροί [as naturezas são médicas da doença] (Epidemias, VI, 5,1). Cannon a
traduz, defende e incorpora, como se pode ler neste representativo excerto:
A capacidade que os seres vivos têm de manter sua própria constância vem, há
muito, impressionando os biologistas. A ideia de que a doença é curada pelos
poderes naturais, por uma vis medicatrix naturae, ideia já defendida por Hipócrates
em 460-377 a.C., implica a existência de meios aptos a operarem corretivamente
logo que o estado normal do organismo é perturbado. (CANNON, 1946, p. 10-11).
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A ideia é, até certo ponto, bem hipocrática, ainda que de um ‘Hipócrates’ mediado por
Charles Singer, 1922 (SINGER, 1979) e certamente por Joseph-Michel Guadia (1884), e
Georges Canguilhem, em sua Tese Doutoral de 1943, Essai sur quelques problèmes
concernant le normal et le pathologique (publicada, inclusive no Brasil, sob o título de O
normal e o patológico) (CANGUILHEM, 1995), parece ter sido a voz mais eloquente na
revisão do tema.
O caráter fenomenológico da saúde hipocrática soa epicurista, pois sua configuração
conta com a ataraxia e a aponía. Mas não há epokhé husserliana na medicina hipocrática, e,
assim, esse plano fenomênico é conferido (e definido) pela isonomia apresentada por
Alcmeon. Trata-se, mais uma vez, da aplicação de um princípio exterior, do macrocosmo ao
microcosmo somático. Em última instância, uma ideia que, em sua forma básica, povoa todo
o imaginário grego ao menos a partir do final do século VI. E Claude Bernard o faz ressoar,
em 1853, com sua teoria da glicogênese, em meio a qual elabora sua teoria do meio externo e
do meio interno. Essa operação intelectiva de relacionar o macro ao microcosmo não se reduz
a uma analogia ou a uma estratégia de inteligibilidade, mas um continuum de domínios com
fronteiras por vezes pouco delineadas. Uma dessas fronteiras é a temporalidade, pois a
dýnamis cíclica é mais potente no macrocosmo, e a linear é mais presente (mas não exclusiva)
no plano do microcosmo.
O princípio da φύσις τελεία, da natureza perfeita, assim, é válido para o corpo e para o
meio. A saúde é a própria natureza, porque ela tem seu próprio equilíbrio, sua economia
(οἰκονομία) que a rege, que rege seus οἶκοι, seus lugares de estar, dentro e fora do corpo,
como continuidade ou ἀπομίμησις, como quer o Quarto Livro do Da dieta. Trata-se até aqui,
portanto, de uma perspectiva utópica, mas longamente hegemônica, de um mecanicismo
homeostático que, de fato, a teoria hipocrática humoral, mormente a quadri-humoral,
postulava.
A phýsis edênica é, contudo, espreitada por algo que lhe é estranho. Pela única coisa
que lhe estranha: algo a que os gregos deram o nome de προαίρεσις, a única potência capaz de
turvar as plácidas águas do rio da phýsis. A proáiresis consiste num limite, num hóros para a
phýsis.
A matéria ou o conteúdo desse ὅρος (hóros), a proáiresis, integra parcialmente (e
minimamente) a phýsis e que, por isso, só pode ocupar esse lugar limítrofe. E a integra porque
compõe a natureza humana e a distingue. Isso, se se adotar a definição — sem dúvida
arriscada — de Aristóteles em sua Ética a Nicômaco (1113a10): ἡ προαίρεσις βουλευτικὴ
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ὄρεξις τῶν ἐφʼ ἡμῖν [a proáiresis é o apetite deliberado pelo que nos concerne]. Até certo
ponto, contudo, Vernant (1999, p. 31 et seq.) pode ser considerado um fiador dessa via: a
προαίρεσις compreendida a partir de Aristóteles.
A προαίρεσις é, sob esse ponto de vista, uma operação mental de trânsito entre a
subjetividade e a objetividade, entre o desejo e a deliberação apta ao ato, considerando o
aspecto ético que a βούλησις (boúlēsis) implica, em oposição, por exemplo, à ἐπιθυμία
(epithymía), trazida à tona, para termos comparativos, pelo próprio Vernant.
Um estudo de Alejandro Vigo, publicado em 2012 no periódico mexicano Tópicos,
detalha os sentidos — dois, segundo o autor — de proáiresis em Aristóteles. Nesse artigo,
Vigo (2012, passim) defende a leitura de proáiresis em duas chaves semânticas, a fim de
contemplar a relação que Aristóteles faz desse conceito com a sofística, em oposição à
filosofia. De fato, Aristóteles (Retórica 11, 1355b15-21; Refutações Sofísticas 12, 172b11)
associa o ato retórico dos sofistas à proáiresis, e, se se aplicar o par opositivo formado por
phýsis
2
e proáiresis a esse raciocínio silogístico, pode-se chegar até mesmo a uma
aproximação entre a filosofia e a phýsis. Mas esse silogismo não funciona dessa forma.
Antes de tudo é preciso dizer a esse respeito que a preocupação de Aristóteles é fazer
divergir a sofística da dialética, a primeira κατὰ προαίρεσιν (conforme a proáiresis); a
segunda, κατὰ τὴν δύναμιν (conforme a dýnamis) (EM, 1355b). O termo δύναμις (dýnamis) é
tomado, nessa passagem, com o sentido que lhe confere a Medicina, o de propriedade capaz
de alterar um estado. É um sentido de dýnamis diferente daquele o de possibilidade, que se
encontra alhures, como, por exemplo, no Órganon, e mais acentuadamente, mas não somente,
no Περὶ ἑρμηνείας (De interpretatione).
E esse é um ponto fundamental do pensamento não só aristotélico, mas até mesmo
platônico: a relação da dialética — e, por conseguinte, da filosofia — com a phýsis segue o
protocolo da medicina. É isso, aliás, que se pode entrever em vários momentos dos escritos
dos epônimos da filosofia, desde a famosa passagem 270c do Fedro (que prescreve para a
filosofia a relação que a medicina tece entre o geral e o particular) até o jargão médico que
permeia a vasta obra supérstite de Aristóteles. Compreender essa relação é imprescindível
para delinearem-se os traços mínimos do hóros conceitual da phýsis, tanto no discurso
filosófico quanto no campo da medicina.
2
Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, 1112a30, divide as causas não humanas em três: αἰτίαι γὰρ δοκοῦσιν
εἶναι φύσις καὶ ἀνάγκη καὶ τύχη, ἔτι δὲ νοῦς καὶ πᾶν τὸ δι᾽ ἀνθρώπου [De fato, as causas parecem ser phýsis,
forçosidade e acaso, além da inteligência e de tudo o que é via ser humano]. No entanto, considero aqui a
forçosidade e o acaso partes integrantes de uma phýsis aristotelicamente teleológica.
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A hýbris, é claro, deriva da proáiresis. Ela redunda de uma deliberação, ainda que
movida por uma eventual áte. A presença da proáiresis na hýbris justifica, por exemplo, sua
contrapartida em forma de uma thémis que se espelha na dikaiosýne, qual figura no verso 436
das Troianas de Ésquilo, onde tal thémis é atributo de Zeus.
Esquematicamente, poderíamos assinalar:
proáiresis -> hýbris -> thémis
Entre a hýbris e a thémis, contudo, há o processo de constituição e materialização da
própria hýbris, e tal processo não é senão a realização da proáiresis mesma. Em contexto mais
geral, a hýbris dependerá, como foi dito, do que vai ser considerado um limite, um limite que
oscilará ao sabor de uma axiologia específica.
Com a saúde não acontece muito diferente. O limite, no entanto, será estabelecido pela
interpretação que se dá à phýsis. A doença, nesse contexto e nesse esquema, pode ser
identificada com uma “thémis natural”, um mecanismo de retorno à phýsis por meio de uma
sinalização corpórea segundo a qual algo deve ser corrigido.
‘Dieta’ (δίαιτα) é um termo que significou por muito tempo uma forma de vida
espontânea e característica. É com esse sentido que a encontramos em Heródoto (I, 35) e
mesmo em Píndaro (I Pítica, 182)
3
, mas, no mesmo século V a.C., o Corpus hippocraticum
dá novo sentido ao termo: ‘o modo de vida prescrito’. Esse deslocamento semântico não retira
a dieta do campo do nómos, ao contrário, ratifica seu lugar ali, mas associa-o a outro elemento
do próprio nómos, a tékhnē.
No tratado Περὶ τέχνης (De arte), fica evidente que o autor, ao reivindicar para a
Medicina o status de tékhnē, deixa que significado atribui a esse significante: um feixe de
saberes que visam a uma aplicação prática e que redundam num lugar social. Tal lugar social
é, ao nosso ver, aquilo a que Pierre Bourdieu (1980, p. 114) dará o nome de ‘campo’. No caso
específico da medicina grega, os de fora do campo eram chamados de “leigos”, ou, in verbis,
idiôtai.
A díaita é, no Corpus hippocraticum, esse instrumento da tékhnē com o qual a pessoa
socialmente habilitada ou reconhecida, o iatrós (iētrós, no dialeto jônico), prescreve uma
maneira de viver, de morar, de existir, a fim de contornar uma hýbris contra a phýsis e não
3
Assim, como, possivelmente por causa desses, respectivamente em Tucídides e Ésquilo.
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ficar, por conseguinte, à mercê de uma doença themisteía. A díaita e o phármakon são os
instrumentos fundamentais da iētrikè tékhnē, i.e., da medicina hipocrática. Sobretudo a díaita
é o instrumento de retificação de uma hýbris iminente, fruto de algo essencialmente, portanto
naturalmente, humano: a proáiresis.
A proáiresis nosogênica traz o elemento vitalista a uma estrutura mecanicista e,
portanto, baseada na relação entre causa e efeito. A intervenção da tékhnē pela díaita dar-se-á
na inibição da proáiresis. A superabundância dos humores e de suas propriedades,
caracterizada (ainda hoje) pelo prefixo ‘hyper-’, qual a exiguidade, pelo prefixo ‘hypo-’, como
lembra Georges Canguilhem (2005, p. 12) ao denunciar certo mecanicismo que reduz a
patologia ao quantitativismo.
O texto do Da dieta I, um dos tratados mais representativos da Escola de Cós,
apresenta claramente o percurso terapêutico dietético para a saúde:
Ὑπεναντίας μὲν γὰρ ἀλλήλοισιν ἔχει τὰς δυνάμιας σῖτα καὶ πόνοι, ξυμφέρονται δὲ
ἀλλήλοισι πρὸς ὑγείην· πόνοι μὲν γὰρ πεφύκασιν ἀναλῶσαι τὰ ὑπάρχοντα· σιτία δὲ
καὶ ποτὰ ἐκπληρῶσαι τὰ κενωθέντα.
Comida e esforços têm propriedades opostas entre si, mas se complementam
mutuamente, com vistas à saúde. Esforços, de fato, têm a natureza de eliminar o que
subsiste, ao passo que os alimentos e as bebidas têm a natureza de preencher o que
houver sido esvaziado. (Da dieta, I, 2).
Pensadores modernos do séc. XVII notaram nos textos legados pela Antiguidade uma
certa distinção entre a phýsis interna e a phýsis externa, assinalando a primeira com letra
minúscula (natura) e a segunda, com letra capital (Natura). Essa distinção, de resto, corria à
época nos meios acadêmicos e ambientou a distinção spinoziana entre natura naturans e
natura naturata, tal como se a lê no Escólio à Propositio XXIX da Primeira Parte de sua
Ethica:
Scholium. Antequam ulterius pergam, hic quid nobis per naturam naturantem et
quid per naturam naturatam intelligendum sit, explicare volo, vel potius monere.
Nam ex antecedentibus iam constare existimo, nempe, quod per natura naturante
nobis intelligendum est id quod in se est et per se concipitur, sive talia substantiae
attributa, quae aeternam et infinitam essentiam exprimunt, hoc est Deus, quatenus
ut causa libera consideratur. Per naturatam autem intelligo id omne quod ex
necessitate Dei naturae sive uniuscuiusque Dei attributorum sequitur, hoc est,
omnes Dei attributorum modos, quatenus considerantur ut res, quae in Deo sunt et
quae sine Deo nec esse nec concipi possunt.
Escólio. Antes de ir adiante, quero explicar, ou antes, lembrar, o que deve ser
entendido por nós por natureza naturante e por natureza naturada. Estimo, de fato, já
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ter ficado evidente, pelo que foi dito antes, que por natureza naturante deve ser
entendido por nós o que existe em si mesmo e é concebido por si mesmo, ou seja,
aqueles atributos da substância que exprimem uma essência eterna e infinita, isto é,
Deus, enquanto é considerado como causa livre. Enquanto, por natureza naturada,
entendo exatamente tudo o que se segue da necessidade da natureza de Deus, ou
seja, de cada um dos atributos de Deus, isto é, todos os modos dos atributos de Deus,
enquanto são considerados como coisas que são em Deus, e que, sem Deus, não
podem ser nem ser concebidas. (Eth. Pars I, Sch. ad Prop. XXIX).
A chave interpretativa é, certamente, o axioma Deus sive Natura. Aristóteles não
reconhece, é claro, uma phýsis que não seja aquela que está no real, que não tenha o seu
ὑποκείμενον, precisa de seu suporte para ser, tal como a escrita, por exemplo: ὑποκείμενον
γάρ τι, καὶ ἐν ὑποκειμένῳ ἐστὶν ἡ φύσις ἀεί [a phýsis é sempre um hypokéimenon e é no
hypokéimenon que ela está] (Física, 192b34).
Visto desse ponto, parece que Aristóteles, sabidamente conhecedor do Corpus
hippocraticum, reconhece uma única phýsis que recebe diferentes hypokéimena, e, destarte,
nos passos de Aristóteles, não há uma pluralidade ou dualidade de phýseis, mas uma
diversidade de hypokéimena sobre a qual repousarão essas phýseis.
Se Aristóteles bebeu da fonte hipocrática, como atestam muitos textos e, em especial,
os zoológicos, a recíproca não é verdadeira. Os textos hipocráticos não se consideram
hypokéimena, mas também não nos parecem considerar uma dualidade da phýsis. Parece
haver, por outro lado, uma dualidade da apreciação da phýsis.
Lidar com o conceito expresso por phýsis tem, pois, o peculiar entrave de sua própria
amplitude semântica. Dessa amplitude, são sinais os títulos Περὶ φύσεως
4
registrados pela
doxografia dos autores denominados pré-socráticos. A extensão semântica de phýsis foi, ao
menos por certo tempo e em certos contextos, parcialmente emulada pelo termo latino natura,
que, no entanto, se faz acompanhar do genitivo “rerum”
5
no título de Lucrécio. O que é
compreensível, se se pensar que os próprios gregos, a partir do final do século V a.C.
passaram a apor genitivos ao vocábulo phýsis nos títulos dos tratados médicos: Περὶ φύσιος
ἀνθρώπου (Da natureza do homem, séc. V a. C.), Περὶ φύσιος γυναικείης (Da natureza
feminina, compilação imperial romana de material antigo), Περὶ φύσιος παιδίου (Da natureza
da criança, fim do V ou começo do IV séc. a. C.), Περὶ φύσιος ὀστέων (Da natureza dos
ossos, compilação imperial romana de material antigo, que, em Galeno, é referido como
apêndice ao tratado Μοχλικός).
4
Mais comumente, Περὶ φύσιος, porquanto jônico.
5
O De rerum natura de Lucrécio apresenta 236 ocorrências do vocábulo natura, quase sempre no singular. Na
maioria dessas ocorrências o termo é acompanhado de algum restritor semântico.
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Os tratados Περὶ φύσεως, de fato, constituíram um gênero que conheceu um ocaso
marcado pelos restritores semânticos. Em algum tempo impreciso, um discurso sobre a phýsis
deixou de ser possível ou interessante. Platão, no seu Fédon, testemunha tanto sobre o gênero
discursivo constituído por esses tratados, como sobre os problemas que esse gênero conheceu
no século V a.C.:
ἐγὼ γάρ, ἔφη, ὦ Κέβης, νέος ὢν θαυμαστῶς ὡς ἐπεθύμησα ταύτης τῆς σοφίας ἣν δὴ
καλοῦσι περὶ φύσεως ἱστορίαν· ὑπερήφανος γάρ μοι ἐδόκει εἶναι, εἰδέναι τὰς αἰτίας
ἑκάστου, διὰ τί γίγνεται ἕκαστον καὶ διὰ τί ἀπόλλυται καὶ διὰ τί ἔστι. καὶ πολλάκις
μαυτὸν ἄνω κάτω μετέβαλλον σκοπῶν πρῶτον τὰ τοιάδε· “ἆρ᾽ ἐπειδὰν τὸ θερμὸν
καὶ τὸ ψυχρὸν σηπεδόνα τινὰ λάβῃ, ὥς τινες ἔλεγον, τότε δὴ τὰ ζῷα συντρέφεται;
καὶ πότερον τὸ αἷμά ἐστιν ᾧ φρονοῦμεν, ἢ ὁ ἀὴρ ἢ τὸ πῦρ; ἢ τούτων μὲν οὐδέν, ὁ δ᾽
ἐγκέφαλός ἐστιν ὁ τὰς αἰσθήσεις παρέχων τοῦ ἀκούειν καὶ ὁρᾶν καὶ ὀσφραίνεσθαι,
ἐκ τούτων δὲ γίγνοιτο μνήμη καὶ δόξα, ἐκ δὲ μνήμης καὶ δόξης λαβούσης τὸ
ἠρεμεῖν, κατὰ ταῦτα γίγνεσθαι ἐπιστήμην;” καὶ αὖ τούτων τὰς φθορὰς σκοπῶν, καὶ
τὰ περὶ τὸν οὐρανόν τε καὶ τὴν γῆν πάθη, τελευτῶν οὕτως ἐμαυτῷ ἔδοξα πρὸς
ταύτην τὴν σκέψιν ἀφυὴς εἶναι ὡς οὐδὲν χρῆμα.
Pois eu, disse [Sócrates], ó Cebete, quando jovem, tinha um admirável desejo dessa
sabedoria (σοφία) a que chamam de investigação acerca da phýsis [ἱστορία περὶ
φύσεως]. Pareceria-me, de fato, esplêndido saber a causa de cada coisa, por que cada
uma delas ocorre e por que se deterioram, por que existem. E tantas vezes punha-me
a examinar de cima a baixo primeiramente isso: “Será que é quando o calor e o frio
passam por uma certa fermentação, como dizem alguns, que se formam os animais?”
Ou: “É por meio do sangue que pensamos? Ou por meio do ar? Ou do fogo? Ou
nada disso, mas sim é o cérebro que oferece as sensações do ouvir e do ver e do
cheirar, das quais surgiria a memória e a dóxa (δόξα), e, da memória e da dóxa que
tomasse quieto assento, surgiria a certeza (ἐπιστήμη)?” E depois, examinando as
corrupções das coisas e tudo que se passa com o céu e com a terra, concluindo,
cheguei à opinião de que sou inapto para esse exame, conquanto inútil. (Pl. Fédon,
96a-c).
A referência ao gênero Περὶ φύσεως (e aos tratados Περὶ φύσεως (Perì phýseos) como
um gênero discursivo) parece evidente, como são explícitas as referências ao pensamento de
diversos autores pré-socráticos, como Alcméon de Crotona, Mélissos, Heráclito,
Anaximandro, Anaxágoras e outros
6
. Mas o mais importante aqui é a apresentação
absolutamente desdenhosa desse gênero por Platão. Nesse trecho o gênero é qualificado, no
início, como algo juvenil, ou que interessa ao νέος (néos), e, ao fim, é considerado algo para o
qual o filósofo não tem propensão pela sua própria phýsis (ele é ἀφυής (aphyés), para usar a
expressão platônica). No centro do trecho, contudo, é que reside a parte mais interessante,
uma vez que ali Platão confronta e afronta os cernes das teses apresentadas sob o título de
Περὶ φύσεως (Perì phýseos). Um por um, Platão descredencia esses pensadores.
6
A lista completa, com as devidas referências é conhecida, e pode ser encontrada, por exemplo, em Hülsz (2013,
p. 191).
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De fato, como lembra Jacques Jouanna (1992, p. 392), o único tratado hipocrático
sobrevivente com a temática característica desse gênero é o Περὶ σαρκῶν (Das carnes)
7
, que,
malgrado não apresente o termo phýsis no título, traz uma cosmologia característica,
sobretudo por imiscuir-se com certa antropologia que dela deriva. É, pois, esse tratado muito
afinado com o tipo de pensamento e de uma produção que se convencionou chamar de pré-
socrática e que se caracteriza também pela presença nuclear de conceitos análogos ao de
arkhḗ
8
, nomeados assim ou de formas diversas (como as rhízai de Empédocles, por exemplo)
ou até mesmo não nomeados.
O papel da tékhnē é sempre intervir na phýsis, e mesmo testar seus limites. O iētrós,
por ser tekhnítēs, sempre negocia esses limites, e não é outra a sua arte.
A hýbris contra naturam, à época do Corpus hippocraticum, variava desde a
construção inadequada em relação aos ventos e ao Sol até uma forma equivocada, insuficiente
ou desmedida, de se exercitar, de comer, de beber etc. A interferência na phýsis era, na
maioria das vezes, entendida como algo que dizia respeito ao microcosmo, mesmo quando se
se tratava do urbanismo. Por isso, era da competência da iatrikḕ tékhne retificar uma relação
dada por hybrística ou potencialmente hybrística.
Na contemporaneidade, contudo, a intervenção na phýsis passou para o nível do
macrocosmo, e suas características hybrísticas se agravaram. A nova hýbris sai do domínio da
medicina, roupagem nova da iatrikḕ tékhnē, e passa a um domínio difuso no contrapasso das
especializações, um campo, portanto, ainda não fundado, não fundamentado e cuja ausência
nos submete a uma thémis cada vez mais severa.
7
Jouanna (1992, p. 392; 532) insiste em que esse tratado seja o único remanescente do gênero ao qual Platão se
refere na passagem em questão, os tratados “Περὶ φύσεως....”. Sua leitura do excerto platônico difere, contudo,
um pouco da que se apresenta aqui. Jouanna não vê sarcasmo ou ironia nessa fala de Sócrates, mas uma espécie
de anamnese dos tempos de juventude, em que relembra — sequer confessa — seu gosto pelo gênero Περὶ
φύσεως. Evidentemente é outra a sua interpretação de ὡς οὐδὲν χρῆμα: τελευτῶν οὕτως ἐμαυτῷ ἔδοξα πρὸς
ταύτην τὴν σκέψιν ἀφυὴς εἶναι ὡς οὐδὲν χρῆμα = pour finir je me persuadai qu’à l’égard de cet examen ma
nature était d’une inaptitude à nulle autre pareille (JOUANNA, 1992, p. 392).
8
Segundo Simplício, em seu comentário à Física de Aristóteles (24,13 sq; v. também Teofrasto, Fís. op. fr. 2
Diels), Anaximandro teria sido o primeiro a usar o termo arkhé com esse sentido (v. Anaximandro DK 12A 9,
B1). De fato, entre os pensadores do século V a.C. a ideia que o termo arkhé expressa em Anaximandro é mais
estável do que o próprio termo, presente e preponderante, pelo menos, desde Tales.
Tatiana Ribeiro; Henrique Cairus
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