Content uploaded by Raquel Gomes
Author content
All content in this area was uploaded by Raquel Gomes on Jan 28, 2022
Content may be subject to copyright.
Da matéria e do simbólico
Embalagens perenes e identitárias para espaços interiores
RESUMO
O presente poster científico faz parte de uma
investigação para o design, através do design, em
desenvolvimento no Programa Doutoral em
Design da Universidade de Aveiro, com o
objectivo da criação de embalagens não
descartáveis para artefactos.
Na sua etimologia, a palavra embalagem refere-se
ao que embala, protege, cuida. Estas
designações, marcadamente antropomórficas,
apontam para comportamentos e instintos desde
sempre ligados ao Homem como meios para a
sua própria preservação e realização. A história
da evolução da embalagem mostra-nos não
apenas a passagem do contentor para o objeto
que informa/comunica/publicita, alvo de uma
abordagem académica e profissional do Design,
mas ainda, no decurso da massificação do
consumo, uma utilização crescentemente efémera
e descartável.
Na procura de soluções que garantam os
propósitos originais encontram-se várias
preocupações, entre outras, o baixo custo com
capacidade de reprodutibilidade e de preservação
do conteúdo.
A evolução tecnológica permitiu criar novos
materiais e, consequentemente, novas formas de
embalar e preservar que acarretaram um aumento
do consumo e do desperdício de recursos
materiais com grande impacto ambiental. Graças
à velocidade de consumo e à exigência de rapidez
de produção, a descartabilidade da embalagem
tornou-se num paradigma, até meados do século
XX, pouco questionado e implícito nas nossas
vidas.
Através da revisão da literatura, verificou-se a
urgência de adopção de medidas mais
sustentáveis no desenho/redesenho de
embalagens com capacidade de aumentar o seu
ciclo de vida.
Partimos da premissa de que a embalagem pode
na sua autonomia, enquanto sujeito, e na
longevidade do seu ciclo de vida, ser uma visível
solução para uma maior invisibilidade do
desperdício.
Ambiciona-se, assim, re-significar a embalagem
como artefacto com características perenes,
identidade autónoma e, simultaneamente,
organizadoras de espaços interiores.
Crédito das imagens (cabeçalho) | imagem da esquerda: Pascal Genest; imagem da direita: fler.cz
Raquel Gomes, Cláudia Albino | Departamento de Comunicação e Arte, ID+, Universidade de Aveiro
INTRODUÇÃO
Tomando a relação do Homem com o mundo
mediada por artefactos, pela sua natureza material e
relação sensorial, este ensaio propõe-se investigar
embalagens que, usualmente tidas como
descartáveis, possibilitem uma ligação mais forte às
pessoas e uma utilização mais longa.
De acordo com o recente estudo encomendado pelo
Parlamento Europeu sob o tema A Longer Lifetime for
Products: Benefits for Consumers and Companies, a
aposta em atividades económicas relacionadas com a
longevidade dos produtos, teria um grande e positivo
impacto na economia europeia. A pertinência deste
tema está também refletida no Packaging Waste and
Sustainability Forum, realizado em junho na Bélgica.
Consideramos, assim, da maior pertinência contribuir
com este estudo para o aumento da sustentabilidade
do planeta, criando valor simbólico no redesenho de
embalagens.
Como poderão as
embalagens – artefactos que
praticamente terminam a sua
função no momento em que
são adquiridos ou o seu
conteúdo é consumido –
oferecer uma relação mais
longa com as pessoas,
existência perene e mais
sustentável? Podem as
embalagens, na sua
durabilidade, permitir a
organização de espaços
interiores?
RELEVÂNCIA
1. Embalagem e a ubiquidade
A partir da segunda metade do século XIX (Twede,
2016:16), a embalagem passou de contentor anónimo
a granel para uma dimensão de utilização doméstica
e apelativa ao consumidor. Na mesma época (DuPuis
e Silva, 2011:10), a palavra inglesa packaging passou
a ser empregue, originária de package (embalagem/
contentor), significando contentor com informação
escrita sobre o seu conteúdo, devidamente selado
com indicação de dimensões e peso do produto e
qualidades garantidas pelo fabricante ou produtor.
Este foi um período de “profunda mudança de
paradigma” que permitiu a “democratização do
consumo” (Ted lo w apud Twede, 2016:117) e,
consequentemente, a massificação da embalagem no
uso quotidiano em todo o mundo.
02. Da descartabilidade à longevidade
Nos anos 60 do século XX, devido a inovações nos materiais, o plástico tornou-se
suficientemente económico para a sua utilização tornar-se como “infinita; a sua ubiquidade
tornada visível” (Barthes, 1957: 97). Deste modo, assistiu-se à substituição de materiais mais
antigos por plástico em garrafas, revestimentos e películas (Twede, 2016: 123) conduzindo a uma
atitude de obsolescência em relação à embalagem.
Sob a perspectiva da economia circular, e recorrendo ao Design, cremos ser possível assumir o
desafio da concepção de embalagens tendo em vista, entre outras metas, a sua durabilidade.
Uma maior cooperação dentro das cadeias de fornecimento torna exequíveis, simultaneamente,
os objetivos da redução de custos, resíduos e danos ambientais (Comissão Europeia, 2014: 2).
Vezzoli e Manzini (2008: 134-36) referem que o prolongamento do ciclo de vida das embalagens,
produto de direito próprio, deve ser uma estratégia prioritária.
03. Entre a emoção e a organização do espaço
O design emocionalmente durável, como define Chapman (2009: 35), poderá aumentar a relação
de resiliência entre o consumidor e o produto, oferecendo uma abordagem mais holística. A
questão da adaptabilidade, referida por Vezzoli e Manzini (2008: 143), desempenha um papel
fulcral parecendo estar destinado ao Design encontrar soluções flexíveis, modulares e com uma
dimensão dinâmica, performativa e estética, podendo ser estendida à relação com o espaço. Para
Twede (2016: 127), a embalagem tem uma estreita relação com o consumidor: vive nas nossas
casas, reflete a nossa personalidade e melhora o nosso estilo de vida (Twede, 2016:127).
04. Durabilidade e sustentabilidade
Muitos investigadores defendem que a sustentabilidade da embalagem está a atravessar por um
processo de redesign (Georgakoudis, Tipi & Bamford, 2018: 1). Para Magnier, Schoormans e
Mugge (2016: 132), este esforço prende-se com a necessidade de reduzir a “pegada ecológica”
através da adopção de materiais mais amigos do ambiente. De acordo com as diretrizes da
Conferência Internacional Cumulus, em 2015, encontram-se, entre outras: eliminação de material
em excesso ou desnecessário; diminuição do peso sem comprometer a durabilidade e desenho
para uma reutilização intencional (Stebbing & Tischner, 2015: 315).
METODOLOGIA
As metodologias empregues nesta investigação são de carácter qualitativo, descritivo e
exploratório. A revisão da literatura permitiu-nos a sistematização de diferentes épocas e atitudes
perante a embalagem. A análise do estudo de caso múltiplo de vários projetos de embalagens
está a permitir-nos desenhar linhas de ação para o desenvolvimento do projeto prático. A partir
dos dados recolhidos nas duas primeiras fases da investigação, iniciamos a fase projectual em
parceria com a Grestel, Produtos Cerâmicos SA, com o objetivo do reaproveitamento e ou a
reutilização das embalagens com a ambição de se tornarem perenes e organizadoras de espaços
interiores.
CONSIDERAÇÓES FINAIS E REFERÊNCIAS
A literatura sobre a evolução da embalagem mostra que a partir da segunda metade do século
XIX, a embalagem passou a ser veículo de informação, atestando a qualidade do produto. Após
muita da inovação tecnológica e de materiais, a embalagem começou a ser cada vez mais
descartável e a causa de muito desperdício com forte impacto ambiental. A necessidade de
encontrar medidas sustentáveis aponta, entre outras, para a longevidade da embalagem
(reutilização, reciclagem, reaproveitamento) através de um consumo mais longo, colocando o
design com um papel determinante no repensar/redesign deste tipo de produtos. Assim, o design
pode projetar soluções que contemplem, como premissa, a valorização simbólica e material da
embalagem a produzir, atribuindo-lhe um carácter perene e identitário com utilidade para além da
vida útil do seu conteúdo.
Barthes, R. (1957/1972). Mythologies. New York: Noonday Press.
Chapman, J. (2009). Design for (Emotional) Durability, Design Issues, 25(4), pp. 29-35.
Comissão Europeia (2014). A Economia Circular: Interligação, criação e conservação de valor. Bruxelas: União Europeia.
DuPuis, S. and Silva, J. (2011). Package design workbook: the art and science of successful packaging. Gloucester: Rockport Publishers.
Georgakoudis, E. D., Tipi, N. S. and Bamford, C. G. (2018). Packaging redesign – benefits for the environment and the community, International Journal of Sustainable Engineering, DOI:
10.1080/19397038.2018.1445789
Magnier, L., J. Schoormans & Mugge, R. (2016). Judging a Product by Its Cover: Packaging Sustainability and Perceptions of Quality in Food Products, Food Quality and Preference, 53, pp.
132-142.
Montalvo, C., Peck, D. & Rietveld, E. (2016). Longer Lifetime for Products: Benefits for Consumers and Companies. (Estudo para a Comissão do Mercado Interno e da Proteção dos Consumidores
do Parlamento Europeu). Bruxelas: Parlamento Europeu
Steenis, N. et al. (2017). Consumer Response to Packaging Design: The Role of Packaging Materials and Graphics in Sustainability Perceptions and Product Evaluation, Journal of Cleaner
Production, 162 (20), pp. 286-298.
Twede, D. (2016). History of Packaging. In D. G. Brian Jones & Mark Tadajewski (Eds.). The Routledge Companion to Marketing History. London and New York: Routledge. pp. 115-27.
Vezzoli, C. A. & Manzini, E. (2008). Design for Environmental Sustainability, Design and Innovation for Sustainability. Berlin: Springer.