ArticlePDF Available

Após Mariana e Brumadinho: uma análise discursiva de notícias sobre o descaso

Authors:

Abstract

O presente artigo objetiva identificar os processos avaliativos de julgamento dos comportamentos de empresários e representantes legais divulgados na mídia impressa sobre o rompimento de barragens nas cidades mineiras de Mariana e Brumadinho. O corpus é constituído por duas notícias veiculadas na Folha de S. Paulo em 2019, uma que aponta um alto lucro da mineradora Vale, considerada responsável pelos acidentes, e outra expondo a situação da população carente que ainda enfrenta falta de moradia e de emprego. Selecionou-se o Sistema de Avaliatividade como categoria de análise, sendo que este origina-se no arcabouço teórico-metodológico da Linguística Sistêmico Funcional, além de buscar apoio na Análise Crítica do Discurso e na Ecolinguística. Como uma antecipação de resultados, verifica-se que os interesses econômicos empresariais superam o bem-estar humano e a preservação ambiental.
| 264Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
APÓS MARIANA E BRUMADINHO:
UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE
NOTÍCIAS SOBRE O DESCASO
Maria Lúcia Cunha Vitório de Oliveira ANDRADE1
Celia Regina ARAES2
DOI: http://dx.doi.org/10.21165/gel.v18i3.3141
Resumo: O presente artigo objetiva identificar os processos avaliativos de julgamento dos
comportamentos de empresários e representantes legais divulgados na mídia impressa
sobre o rompimento de barragens nas cidades mineiras de Mariana e Brumadinho. O
corpus é constituído por duas notícias veiculadas na Folha de S. Paulo em 2019, uma que
aponta um alto lucro da mineradora Vale, considerada responsável pelos acidentes,
e outra expondo a situação da população carente que ainda enfrenta falta de moradia
e de emprego. Selecionou-se o Sistema de Avaliatividade como categoria de análise,
sendo que este origina-se no arcabouço teórico-metodológico da Linguística Sistêmico
Funcional, além de buscar apoio na Análise Crítica do Discurso e na Ecolinguística. Como
uma antecipação de resultados, verifica-se que os interesses econômicos empresariais
superam o bem-estar humano e a preservação ambiental.
Palavras-chave: Discurso. Mídia. Ecolinguística. Denúncia.
1 Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, São Paulo, Brasil; maluvictorio@uol.com.br;
http://orcid.org/0000-0002-3862-6573
2 Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, São Paulo, Brasil; celia.araes@gmail.com;
https://orcid.org/0000-0003-2613-646X
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
• | Após Mariana e Brumadinho: uma análise discursiva de notícias sobre o descaso
| 265
AFTER MARIANA AND BRUMADINHO: A DISCURSIVE
ANALYSIS OF NEWS ABOUT NEGLECT
Abstract: This article intends to identify the evaluation processes of the judgment of
entrepreneurs and legal representatives’ behaviors published in the printed media
about the rupture of dams in the mining towns of Mariana and Brumadinho. The corpus
consists of two news published in Folha de S. Paulo in 2019, one talks about a high profit
from mining company Vale, considered responsible for the accidents, and the other one
exposes the situation of the disadvantaged population that still faces a lack of housing and
jobs. The Appraisal System was selected as the category of analysis, which originates in
the theoretical-methodological framework of Systemic Functional Linguistics, in addition
to seeking support in Critical Discourse Analysis and Ecolinguistics. As an anticipation
of the results, it notes that business economic interests surpass human well-being and
environmental conservation.
Keywords: Discourse. Media. Ecolinguistic. Complaint.
Introdução
“Voltou seus olhares para aquilo tudo e me viu. Veio caminhando em minha
direção esperando o que eu ia falar. Eu não queria dizer nada. Abaixei a cabeça
e sussurrei:
- Não deu, tenente. O mar de lama levou.” (FARAH, 2019, p. 73).
O conhecimento do percurso histórico das explorações do subsolo brasileiro
contribui para compreender mais profundamente os acidentes3 nas cidades mineiras de
Mariana e Brumadinho em novembro de 2015 e janeiro de 2019, envolvendo o nome
da Vale. Nesse sentido, julga-se importante revisitar brevemente o objetivo financeiro
da empresa, sendo que desde o final do século XIX, com a decadência da Era do Ouro,
buscavam-se formas de extração de outros minérios. O estado de Minas Gerais continuava
sob os olhares de quem procurava novas riquezas e, já na primeira década do século XX,
o Pico do Cauê, na cidade de Itabira, tinha sido considerado a maior jazida de ferro do
mundo e essa descoberta instigou a cobiça de investidores brasileiros e estrangeiros. A
empresa inglesa Itabira Iron Ore Company foi a primeira a explorar os minérios da região,
3 Não é objetivo discutir se o ocorrido nas cidades mineiras em virtude das barragens foi realmente
um “acidente”, sendo assim, utilizar-se-á esse termo no presente trabalho como empregado nas fontes
consultadas. A substituição do termo “acidente” por outro vocábulo demandaria uma análise decorrente de
pesquisas distintas.
| 266
Maria Lúcia Cunha Vitório de Oliveira ANDRADE | Celia Regina ARAES |•
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
mas, por não cumprir os termos contratuais no que se referia ao volume de ferro extraído
anualmente, em 1942, pelo Decreto-Lei nº 4.352, de 1º de junho do mesmo ano, a posse
das minas passou a ser, por direito, do governo brasileiro (GUIMARÃES, 1981). Contudo,
deve-se destacar o papel fundamental da Itabira Iron para incorporar a Companhia Vale
do Rio Doce (CVRD), em conjunto com a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia
S.A., com o poder de exploração e ampliação da estrada de ferro Vitória a Minas (EFVM).
Isso facilitou o transporte do ferro do interior do país para o porto do Espírito Santo, tendo
como alvo os negócios com os países estrangeiros de grande parte de toda a produção.
A CVRD foi criada ainda em 1942 pelo presidente Getúlio Vargas com o propósito
de nacionalizar o minério e abastecer as indústrias siderúrgicas recém-implantadas no
país. Entretanto, importava, fundamentalmente, alavancar o fornecimento de ferro para
a indústria bélica americana, sendo, inclusive, uma forma de o Brasil atender às pressões
políticas internas e externas para participar da Segunda Guerra Mundial. Ainda no final da
mesma década, a mineradora já tinha 80% de sua produção voltada para a exportação e,
até 2019, segundo o documento do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB (2019),
o objetivo ainda era vender para esse mercado. No final da década de 1990, mesmo sob
suspeita de fraudes, de acordo com a publicação no mesmo documento (MAB, 2019),
o movimento de privatização foi fortemente questionado, mas o Poder Judiciário não
finalizou a análise dos inquéritos e a privatização foi confirmada durante o governo de
Fernando Henrique Cardoso. A fragilidade econômica no mundo todo, acentuada pela
crise nos países asiáticos, não intimidou a CVRD que, mesmo passando pelo fim da
estatização, tivera um lucro de R$1,02 bilhão em 1998, o maior de todos em seus cinquenta
e cinco anos de história até então. Após três anos da privatização, suas ações passariam
a ser comercializadas na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) e, ao mesmo tempo em
que entendia o comércio sob as novas ordens mundiais, propagava o respeito às ações
ambientais, firmava parcerias atravessando os cinco continentes, conquistando, assim, o
status da maior produtora de minério de ferro do planeta.
Tendo em vista facilitar a leitura visual e reforçar a imagem da empresa
internacionalmente, em 2007, o nome foi alterado para Vale e o logo para a letra V estilizada,
o que poderia representar tanto uma cava de mina como um formato de coração. As
mudanças não pararam por aí e a Vale, nos anos seguintes, diversificou os investimentos,
ampliando as atividades mineradoras, e alçou voo em outros ramos da economia como
na industrialização de fertilizantes e em empresas de logística, comprando e construindo
navios para conseguir autonomia nos transportes de seus produtos. Isso garantiu não
apenas o aumento do leque de investimentos e lucros, como permitiu maior fluxo nas
exportações, sempre com o rótulo de uma mineradora que alcança lucros extraordinários,
como exposto a seguir:
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
• | Após Mariana e Brumadinho: uma análise discursiva de notícias sobre o descaso
| 267
Ao longo dos quase 22 anos como empresa privada, a Vale se consolidou como
uma das maiores mineradoras do mundo, com capital aberto e ações vendidas
nas principais Bolsas de Valores. O principal objetivo da Vale é aumentar lucros
e distribuir dividendos para os acionistas. (MAB, 2019, p. 13).
O acidente de Mariana contabilizou 19 mortes humanas e incontáveis mortes
ambientais na região avizinhada, além de atingir os litorais capixaba e baiano. Não se trata
de uma hipérbole quando se usa o termo “incontável” para definir a destruição que a Bacia
Hidrográfica do rio Doce sofreu com o despejo de quase 50 milhões de metros cúbicos
de lama contaminada de rejeitos da mineração, contendo minério de ferro e outros
metais considerados pesados. Já em Brumadinho, foram 252 mortos e 18 desaparecidos,
segundo os dados de Ragazzi e Rocha (2019), quando a barragem da mina Córrego do
Feijão também se rompeu.
A Vale está presente na mídia, ora como uma empresa de grande representatividade
financeira no cenário mundial, ora por ter seu nome envolvido em acidentes, rompimento
de barragens, mortes e desastres ambientais. Para este artigo, a seleção de dois textos
jornalísticos (anexos) que foram publicados no mesmo ano, 2019, inclusive ano do acidente
de Brumadinho, deve-se exatamente pela dualidade dessas situações. Por um lado, em 27
de março, a Folha de S. Paulo noticia o lucro de mais de 25 bilhões de reais da empresa,
matéria assinada por Nicola Pamplona (TEXTO 1) e, por outro, em 05 de novembro, o
descaso com os vitimados das duas cidades palco dos acidentes das barragens é contado
por Fabiano Contarato (TEXTO 2) no mesmo jornal.
Nesse cenário de riqueza e sofrimento, objetiva-se uma leitura atenta entre as
notícias na busca por identificação dos processos avaliativos de julgamento dos atores
sociais4 envolvidos diretamente nos acidentes, aqueles considerados responsáveis
pela regulamentação e recuperação dos locais destruídos, estabelecendo um grau de
positividade e negatividade de seus comportamentos diante dos fatos. Dessa forma,
espera-se reconhecer nas descrições linguísticas se há assimetria nas relações de poder
nos discursos midiáticos analisados.
A opção por textos veiculados no mesmo jornal permite uma leitura comparativa,
dirimindo as variáveis de cunho ideológico, pois já há uma proposição diferenciada de
pauta e de datas entre os textos selecionados. A análise está apoiada nas partes mais
4 O termo “atores sociais” está sendo utilizado como proposto pela Teoria de Representação dos Atores
Sociais (VAN LEEUWEN, 2008) ao revelar uma preocupação sociológica na forma de sua manifestação de
inclusão ou exclusão discursiva. As escolhas para fazer as referências textuais estabelecem uma relação de
poder entre os participantes do discurso.
| 268
Maria Lúcia Cunha Vitório de Oliveira ANDRADE | Celia Regina ARAES |•
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
relevantes de descrição dos julgamentos, assim como os títulos e subtítulos de cada
notícia.
Salienta-se, de antemão, que em nenhum dos dois textos jornalísticos houve um
debate aberto com os responsáveis pelos acidentes, considerando, assim, para análise, os
reflexos dos discursos representativos na grande mídia.
Fundamentação teórica
Diante da degradação crescente do meio ambiente, inclusive ameaçando a
continuidade da vida na face da Terra, nada mais indicado do que cada cientista
assumir uma postura de defesa dela. (COUTO, 2015, p. 174).
Como o tema retrata questões ambientais, busca-se apoio na Ecolinguística, um
estudo das relações entre língua e ecologia, que ganhou maior notoriedade no mundo
acadêmico graças aos movimentos de conscientização sobre os problemas da natureza.
Não se pode afirmar que essa disciplina considera apenas os temas ambientais na busca de
compreender o discurso dos poluidores que se mostram amigos do meio ambiente, mas,
segundo Couto (2015), cerca de 62% dos textos das coletâneas publicadas se dedicam a
esse tipo de questão.
O maior objeto de estudos da Ecolinguística está baseado nas relações entre língua
e meio ambiente, que compreende o meio ambiente social e natural. O primeiro diz
respeito ao social (efetivamente), psíquico, cognitivo ou mental e ideológico. O natural
engloba o território e a fauna, a flora, o ar, os rios e tudo mais que está relacionado a ele.
Afirma-se que a diversidade é maior do que a unicidade e o princípio supremo desse
estudo é o reconhecimento da diversidade, incluindo, então, a biodiversidade.
Um dos estudiosos da Ecolinguística, Fill (2015), considera que o pensamento
unidimensional leva a acreditar que o tamanho de algo define sua utilidade, por exemplo,
equipara os termos “grande” e “bom”. Esse tipo de pensamento sobre a língua pode ser
percebido a partir das escolhas lexicais que conotam os usos pejorativos ou negativos de
uma determinada situação, inclusive, o termo “growthism” foi utilizado para explicar esse
fenômeno linguístico de valorização do que é grande e tudo que ideologicamente pode
representar crescimento e desenvolvimento. Sendo assim, essas formas de exposição
das grandezas devem ser desveladas a fim de conscientizar os usuários das línguas de
que algumas delas, muitas vezes enraizadas culturalmente, podem representar discursos
preconceituosos, mesmo que, aparentemente, possam indicar aspectos positivos de
cuidados com os fatores bióticos e abióticos.
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
• | Após Mariana e Brumadinho: uma análise discursiva de notícias sobre o descaso
| 269
Grosso modo, a Análise Crítica do Discurso (ACD), calcada na visão funcionalista da
linguagem, estreita a relação entre as estruturas linguísticas de um texto e a participação
social dos indivíduos em uma comunhão de significados e usos discursivos. A linguagem
é tida como uma forma de intervenção na ordem social e econômica, por isso, os textos
que abordam os conceitos de poder e de dominação são contemplados nesses estudos.
Fairclough (2001) tem como foco de estudo um problema social e, nesse sentido,
considera o discurso como constituinte da expressão de uma pessoa, pois seu discurso
é uma forma de sua emancipação social. O grande diferencial proposto pela ACD é ter
elegido a língua como prática social, uma espécie de autorregulação da sociedade. Não à
toa, a Ecolinguística e a ACD podem ser consideradas complementares em seus estudos
e propósitos, tendo a denúncia de injustiças como um norteador temático. Exemplo
disso, voltando ao tema do corpus deste artigo, a Ecolinguística e a ACD são trazidas à
ação para uma análise das estratégias discursivas com a exposição dos altos índices de
lucro da Vale e as condições desfavoráveis de como vivem os vitimados dos acidentes
cuja responsabilidade está atribuída a essa mesma empresa.
Como aporte para análise do corpus, o Sistema de Avaliatividade (SA) de Martin
e White (2005), concebido a partir de Linguística Sistêmico Funcional (LSF) proposta
por Halliday e Mathiessen (2004), auxiliará este trabalho por enfatizar a funcionalidade
da linguagem e preocupar-se com questões sociais realizando avaliações dos
posicionamentos dos falantes/escritores. Essas avaliações, segundo Martin e White (2005),
revelam sentimentos, valores e crenças que constroem identidades dos falantes/escritores
e, sendo assim, entram em harmonia, ou não, com a sociedade em que estão inseridos.
Na construção de enunciados, é possível fazer escolhas a partir de diversas possibilidades
que estão à disposição no sistema linguístico e isso revela um posicionamento de valor do
indivíduo em percepção de si mesmo e do mundo.
O SA consiste em três grandes categorias que são denominadas de Atitude,
Engajamento e Gradação e suas subcategorias. A Atitude subdivide-se em Afeto,
Julgamento e Apreciação. O Afeto traz à tona formas de sentimento através das reações
emocionais, o Julgamento avalia comportamentos ligados às pessoas e a Apreciação está
ligada à estética impressa sobre as entidades.
A segunda categoria é o Engajamento, uma forma de reconhecer o posicionamento
da voz autoral no texto ou de trazer vozes não-autorais para o texto, “trazer perspectivas
intersubjetivas disponíveis” (NININ; BARBARA, 2013, p. 129). Nessa categoria, os
enunciados podem assumir uma característica monoglóssica ou heteroglóssica. Estas
também possuem subcategorias que auxiliam a análise dos discursos. Os monoglóssicos
são enunciados que reduzem ou apagam as redes dialogais entre textos, enquanto os
| 270
Maria Lúcia Cunha Vitório de Oliveira ANDRADE | Celia Regina ARAES |•
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
heteroglóssicos expõem posicionamentos alheios em uma rede dialogal. Estes últimos
ainda podem revelar a expansão dialógica (permitem efeitos de aceitabilidade de outros
textos) ou de contração dialógica (reduzem efeitos de posicionamentos autorais).
A Gradação é a terceira categoria do Sistema que está ligada aos graus de valores em
relação à intensidade de ocorrência dos fenômenos e pode ser subdividida em Força e
Foco. A Força imprime um grau de intensidade ou quantidade à voz autoral e se manifesta
em um único item lexical ou se faz necessária a presença de um intensificador para graduar
o processo ou a qualidade. O Foco, considerado como não-escalar, pode ser percebido
pelo reforço ou suavização da voz em relação às categorias com que opera. Segundo
Souza (2010), a subcategoria do Foco permite que os falantes expressem diferentes graus
de prototipicalidade experiencial, representação de um elevado ou diminuto grau de
autenticidade.
Para este artigo destacamos, na categoria de Atitude, o Julgamento que se apresentou
com maior relevo durante a leitura e, posteriormente, classificamos os comportamentos
nos padrões de sanção ou de estima social. Ainda foi possível a identificação da Força
e do Foco que fazem parte da subcategoria de Gradação e aqui, vale ressaltar, como
apresentado no estudo da Ecolinguística, a intensificação das qualidades das empresas
como uma característica sine qua non nos textos que trazem números e estatísticas dos
lucros. O uso de comparativos de superioridade e superlativos encaminham para, em
uma primeira interpretação, pontos positivos da Vale e dos órgãos governamentais, mas,
através de uma leitura mais aprofundada, esses pontos podem ser relidos sob outra ótica.
A análise dos comportamentos da Vale e dos representantes da lei
Inconteste dizer que a segurança de barragens e a gestão de riscos de desastres
são negligenciadas no Brasil. A fiscalização é ridícula. (CONTARATO, 2019,
p. 2).
O uso do sistema linguístico permite a realização de uma avaliação sobre o
comportamento dos indivíduos e suas representações em consonância com os diversos
modos de agir dos atores sociais associado ao seu caráter ou à sua personalidade através
de normas sociais de conduta. A sociedade estipula padrões de comportamento com
base em suas leis, valores, crenças e preceitos a partir do que considera correto ou
incorreto e exerce um julgamento com o intuito de aprovar ou desaprovar as atitudes
dos sujeitos. Na visão de Martin e White (2005), o julgamento pode gerar críticas,
admiração ou condenação e, nesse sentido, insere-se em subcategorias de estima social
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
• | Após Mariana e Brumadinho: uma análise discursiva de notícias sobre o descaso
| 271
ou sanção social a depender da normalidade, capacidade e tenacidade quanto à estima
ou veracidade e propriedade no que diz respeito à sanção.
Nesse contexto social, marcado por dados históricos, culturais e ideológicos,
os comportamentos são avaliados em uma gradação positiva ou negativa. Gonçalves-
Segundo (2011) considera que a estima social integra valores relacionados ao convívio mais
íntimo entre os sujeitos ligados aos processos básicos de integração social, portanto, são
julgamentos em que não cabem punições institucionais. Para a sanção social, o mesmo
autor considera que ela está relacionada a atitudes de louvor/destaque ou condenação/
recriminação. A sanção social envolve questões legais, jurídicas, de ética e de honestidade
dentro de parâmetros impostos pela sociedade, portanto, são julgamentos variáveis de
uma cultura para outra que devem ser cumpridos e/ou obedecidos.
Quanto à empresa Vale, no TEXTO 1, os números relacionados ao balanço da
empresa realizado anualmente chega a bilhões de reais, potencializado por números na
casa de centena de bilhões ao falar de receita e porcentagens representativas de adição,
aparecem associados ao valor que a empresa Vale tem. A informação está centrada no
termo “lucro” que carrega um sentido de acúmulo desse valor e o processo material
(HALLIDAY; MATHIESSEN, 2004) “fecha”, isto é, propõe a finalização de um ciclo após
as contas de 2018 e, ao mesmo tempo, por estar no presente do indicativo, parece dar
estabilidade dessa riqueza e continuidade da conquista do valor atribuído à empresa,
como se pode ler no decorrer de todo o texto e na manchete e linha fina descritas a seguir:
Manchete: Vale lucra R$25,6 bi em balanço ainda sem efeitos de Brumadinho
Linha fina: Empresa fecha 2018 com receita de R$134 bilhões, 24% acima de 2017
(PAMPLONA, 2019)
Nesse caso, o jornal atribui um julgamento com aspectos positivos quanto à
capacidade da empresa, características essas pertinentes ao gênero da demonstração
financeira de empresas bem-sucedidas financeiramente, gerando no leitor uma sensação
de estima social da Vale. Se por um lado, o comentário que vem como aposto “ainda
sem efeitos de Brumadinho” corrobora positivamente para a interpretação de riqueza da
empresa que não teve perdas até aquele momento mesmo após o acidente, por outro, o
fato de o acidente ser citado na manchete, faz o leitor lembrar de um elemento de carga
negativa, expondo – assim – a dualidade da situação entre o lucro e o acidente.
Em quatro parágrafos do total de dezesseis, ideias contraditórias sobre as ações
da Vale podem gerar dúvidas em relação aos lucros e pagamentos realizados para
indenizações. Nos parágrafos três e quatro, em discursos relatados, a voz atribuída à
| 272
Maria Lúcia Cunha Vitório de Oliveira ANDRADE | Celia Regina ARAES |•
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
Vale (empresa) e não a um representante dela diz estar ainda em processo de avaliação
da situação após acidente e que não é possível determinar um conjunto de resultados
e estimativas confiáveis, além de justificar os custos que teve naquele determinado
período com doações, indenizações, equipamentos, consultores jurídicos, entre outros.
O documento do balanço ainda cita gastos de R$5 bilhões para descaracterizar barragens
com alteamento a montante com as barragens de Mariana e Brumadinho, no parágrafo
cinco. Nos dois últimos parágrafos (quinze e dezesseis), o texto traz, através da voz do
ex-presidente Fabio Schvartsman, que atuou de maio de 2017 até fevereiro de 2019,
um anúncio da suspensão de pagamento de dividendos e de processo de recompra de
ações. Porém, na parte final que traz a voz autoral do jornal, a informação é de que, como
mostrado no balanço de 2018, a companhia já havia distribuído mais de 25% do lucro
líquido obrigatório por lei aos acionistas. A informação do jornal ainda relata que foram
pagos R$7,7 bilhões a título de juros sobre o capital próprio e revela a voz da Vale, inclusive
apresenta uma parte entre aspas, dizendo que o volume é significativamente acima do
limite legal. Nesse caso, as informações parecem controversas e colocam em xeque a
veracidade das vozes autorais, expressando um posicionamento de desaprovação do
comportamento da Vale.
No TEXTO 2, publicado na mesma data em que se completavam quatro anos do
acidente de Mariana, mesmo que aparentemente os termos “descaso” e “omissão” usados
na manchete estejam associados à cidade de Mariana, não são atributos dessa cidade. O
julgamento, na realidade, é de um sujeito ausente do enunciado; “descaso” e “omissão”
são atitudes da Vale na ocasião dos acidentes e de seu comportamento com os vitimados
pós-acidente. Os posicionamentos de valor nem sempre estão explícitos no texto, como
assevera Martin (2001), e o reconhecimento dessas avaliações deve ser realizado a partir
de marcas que revelam a intencionalidade dos falantes/escritores ligados à interpretação
dos ouvintes/leitores de acordo com os contextos de interação. Destacam-se a manchete
e a linha fina a seguir:
Manchete: Após quatro anos, Mariana vive descaso e omissão
Linha fina: Demora nas respostas do Legislativo é devastadora
Cabe o julgamento de sanção social da empresa Vale com acento valorativo de
negatividade. A Vale impôs uma situação desfavorável aos moradores de Mariana e essa
condição é acentuada pelo verbo “viver”, identificando a continuidade do processo sem
atuação da Vale para a melhoria da vida desses moradores.
Além da Vale, há um julgamento do Poder Legislativo na linha fina que aponta
para uma desaprovação de comportamento de quem é responsável pela elaboração e
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
• | Após Mariana e Brumadinho: uma análise discursiva de notícias sobre o descaso
| 273
aprovação da lei, considerada “devastadora” no que concerne à demora nas respostas.
Essa informação é retomada no último parágrafo (dez) justificando os efeitos negativos
para a população porque os decretos propostos (descritos no decorrer do texto) não foram
aprovados. O sentimento de medo de uma nova tragédia pela omissão da legislação é
claramente expresso nesse trecho com a afirmação de que é preciso uma “ação de verdade”
(CONTARATO, 2019). Há nessa fala uma reprovação do comportamento de políticos que
se consideram novos e que não são, segundo o texto do jornal. O enunciado “O porquê
de não confiarmos que, no futuro, poderemos evitar ‘novas Marianas’” traz o sentimento
coletivo com o uso da primeira pessoa do plural na conjugação verbal, ou seja, o jornal
compartilha a desconfiança com seu leitor e, mais uma vez, coloca as atitudes da Vale em
xeque por não creditar ou confiar em um futuro seguro.
O julgamento de estima social revela um padrão em textos que apresentam balanços
financeiros de empresas lucrativas com a potencialização de elementos de Gradação, ou
seja, essa subcategoria reforça a ideia de quão capaz a empresa é e quanto de crescimento
e desenvolvimento isso representa. As escolhas de termos evidenciam os indicadores de
gradação no eixo da força (intensidade e qualidade) no TEXTO 1, veiculado em março,
que demonstram os altos índices de lucro, como na linha fina o uso da expressão “acima”
na comparação de porcentagens de dois anos consecutivos. No parágrafo oito, “O
desempenho da companhia em 2018 foi beneficiado [...], que amplia a receita em moeda
nacional de produtos vendidos no mercado internacional.” (PAMPLONA, 2019), os
termos “beneficiado” e “amplia”, apesar de pertencerem a classes gramaticais diferentes,
qualificam positivamente o desempenho da Vale.
Outra manifestação de gradação é a repetição de números que contabilizam bilhões
retratados por várias vezes no decorrer do texto. Em sucessivos parágrafos ocorrem as
informações que conotam riqueza, inclusive no parágrafo nove há uma retomada da linha
fina. É o caso que quantifica o lucro no parágrafo oito que retrata a receita, a geração do
caixa no parágrafo nove, a demonstração de variação cambial e volume de vendas no
parágrafo dez e a produção em toneladas no parágrafo onze.
No TEXTO 2, de novembro, os índices numéricos que expressam grande quantidade,
na casa de milhões, estão ligados ao derramamento da lama e ao percurso que ela fez em
quilômetros, como descrito no primeiro parágrafo. Outra grandeza desse trecho refere-
se às pessoas afetadas, que contabilizam milhares, segundo o texto. Em outras partes do
texto, os números aparecem em forma de denúncias, como no quinto parágrafo. O jornal
dá voz ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que, em discurso direto, afirma
não haver barragens seguras em depoimento de que apenas 16 profissionais fiscalizavam
790 barragens em todo o país.
| 274
Maria Lúcia Cunha Vitório de Oliveira ANDRADE | Celia Regina ARAES |•
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
Uma oposição entre “muito” e “pouco” opera um processo de Gradação no
julgamento do Congresso Nacional, no parágrafo oito, ao comparar a quantidade de
discurso de parlamentares (grande quantidade) e quase nenhuma deliberação dos
documentos (pouca quantidade). Esses quantificadores estão presentes em outras
partes, como no momento em que é descrito o que ocorre nas audiências públicas com
a ausência dos senadores nas sessões (poucas pessoas), quando, na opinião do jornal,
a presença deveria ser dos dezessete titulares e dezessete suplentes (todas as pessoas).
Ainda, no terceiro parágrafo, continuando o assunto do parágrafo anterior, a descrição
dos recursos (considerados pouquíssimos), qualificando as famílias das vítimas como
pobres e carentes também revela oposição à riqueza da mineradora (considerada grande).
No mesmo fragmento, a gradação de foco revela a oposição de poder, que por um lado
expõe a fragilidade das famílias e por outro revela a fortaleza do judiciário e empresários
na expressão “titãs do direito e altos executivos”.
Recapitulando o conceito de que o Julgamento está ligado às atitudes das pessoas,
avaliando a ética, o caráter e como essas pessoas se comportam inseridas em uma
determinada sociedade, entende-se o porquê de o Julgamento ser a subcategoria mais
presente nos textos do corpus selecionado para a análise. É através do Julgamento que
se pode reconhecer o modo como uma pessoa age e reage frente a uma situação em
determinados contextos sociais. Aqui, neste artigo, a pessoa é simbolizada pela empresa
e pelos órgãos reguladores públicos na representação dos atores sociais, a Vale e o Poder
Legislativo.
Nos dois textos, os autores apresentam seus posicionamentos sobre o
comportamento da mineradora diante dos acidentes. Mesmo no TEXTO 1, com a descrição
do desenvolvimento financeiro, há valoração de cunho negativo das atitudes empresariais.
No TEXTO 2, até por uma característica genérica, a presença de críticas negativas feitas à
empresa é mais explícita. As escolhas lexicais acompanhadas dos sentidos semânticos
e sintáticos, como os exemplos citados dos tempos de conjugação verbal e palavras de
conotação de grandezas, possibilitam ao leitor perceber que a Vale e os governantes
são incapazes de resolver os problemas causados à população moradora de Mariana
e Brumadinho, assim como de todas as cidades atingidas pelos dois rompimentos em
questão e pela destruição da natureza por onde a lama se concentrou ou os caminhos
que percorreu. O Julgamento de sanção social caracteriza inclusive aquilo que ainda não
aconteceu de fato, avalia negativamente a falta de segurança que gera medo pelas atitudes
de não aprovação de nova legislação.
Os atores sociais, manifestados em situação de assimetria de poder nos textos
analisados e as instâncias de decisão representadas pelo coletivo (ativos), não cumprem
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
• | Após Mariana e Brumadinho: uma análise discursiva de notícias sobre o descaso
| 275
seu papel social de recuperação das áreas vitimadas. Por outro lado, os atores (passivos)
que sofreram a invasão da lama em suas vidas estão à espera de decisões. Portanto
podemos, resumidamente, classificar os atores sociais em “aqueles que decidem” e
“aqueles que esperam as decisões”.
Considerações finais
Como proposta inicial, este artigo buscou reconhecer os processos avaliativos de
julgamento dos sujeitos envolvidos nos acidentes de Mariana e Brumadinho presentes
em duas notícias veiculadas na Folha de S. Paulo em 2019.
Os textos analisados trazem formas diferenciadas de abordar o comportamento de
pessoas e instituições envolvidas no rompimento das barragens, representando sanções
e estimas sociais. A empresa Vale está numericamente mais presente quando associada
às avaliações negativas caracterizadas, majoritariamente, por questões de ética no auxílio
aos vitimados. Nesse julgamento, uma avaliação positiva diz respeito às conquistas
econômicas e financeiras da empresa especialmente quando analisado o discurso do
TEXTO 1, de março de 2019.
Os julgamentos com polaridade negativa foram associados aos órgãos reguladores
de leis, especialmente citados no TEXTO 2, de novembro de 2019, a julgar as atitudes do
Poder Legislativo que, por não aprovar leis, causa medo coletivamente à população pelas
incertezas de que um novo acidente possa acontecer, ou seja, um discurso de denúncia.
Percebe-se com a leitura dos dois textos uma assimetria de poder nos discursos
dos atores sociais de acordo com os papéis que ocupam na sociedade, com pouca
observância para o sofrimento das vítimas e atuação mínima para restabelecimento do
modo de vida das pessoas e do meio ambiente. A mineradora Vale e o poder público
detêm conjuntamente o poder econômico e legal e agem com descaso para com os
problemas dos vitimados, moradores e meio ambiente atingido pelo rompimento das
barragens por mais de uma vez.
Referências
CONTARATO, F. Após quatro anos, Mariana vive descaso e omissão. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/11/apos-quatro-anos-mariana-vive-
descaso-e-omissao.shtml. Acesso em: 05 nov. 2019.
| 276
Maria Lúcia Cunha Vitório de Oliveira ANDRADE | Celia Regina ARAES |•
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
COUTO, H. H. do. Ecolinguística: estudo das relações entre língua e meio ambiente.
Brasília: Thesaurus Editora, 2007. Disponível em: www.thesaurus.com.br. Acesso em: 14
mar. 2020.
COUTO, H. H. do. Língua e meio ambiente. Revista de estudos da linguagem, v. 17, n. 1,
p. 143-178, 2015. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/relin/
article/view/2524. Acesso em: 04 abr. 2020.
FARAH, L. Além da lama: o emocionante relato do capitão dos bombeiros que atuou
nas primeiras horas da tragédia em Mariana. São Paulo: Editora Vestígio, 2019.
FILL, A. F. Ecolinguística: a história de uma ideia verde para o estudo da linguagem.
Ecolinguística: Revista Brasileira de Ecologia e Linguagem, v. 1, n. 1, p. 07-21, 2015
Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/erbel/issue/view/918. Acesso em:
04 abr. 2020.
GUIMARÃES, J. E. P. Epítome da história da mineração. São Paulo: Art Editora, 1981.
GONÇALVES-SEGUNDO, P. R. Tradição, dinamicidade e estabilidade nas práticas
discursivas: um estudo da negociação intersubjetiva na imprensa paulistana. 2011.
Tese (Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. DOI: http://dx.doi.
org/10.11606/T.8.2011.tde-25042012-161141
HALLIDAY, M.; MATHIESSEN, C. Introduction to Functional Grammar, 3. ed. London:
Hodder Arnold, 2004.
MARTIN, J. Beyond Exchange: Appraisal systems in English. In: HUSTON, S.;
THOMPSON, G. (ed.). Evaluation in text. Oxford: Oxford University Press, 2001.
MARTIN, J.; WHITE, P. The language of evaluation: appraisal in English. New York/
Hampshire: Palgrave Macmillan, 2005.
NININ, M. O. G.; BARBARA, L. Engajamento na perspectiva linguística sistêmico funcional
em trabalhos de conclusão de curso de Letras. Trab. Ling. Aplic., Campinas, v. 52, n. 1,
p. 127-146, jan./jul. 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-18132013000100008-146.
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
• | Após Mariana e Brumadinho: uma análise discursiva de notícias sobre o descaso
| 277
ORGANIZAÇÕES Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). O lucro não vale a
vida. Secretaria Nacional: São Paulo, Brasil, 2019. Disponível em: https://issuu.com/
mabnacional/docs/cartilha-brumadinho-2019-web. Acesso em: 20 ago. 2020.
PAMPLONA, N. Vale lucra R$25,6 bi em balanço ainda sem efeitos de Brumadinho.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/03/vale-lucra-r-256-bi-
em-balanco-ainda-sem-efeitos-de-brumadinho.shtml. Acesso em: 27 mar. 2019.
RAGAZZI, L.; ROCHA, M. Brumadinho: A engenharia de um crime. Belo Horizonte:
Letramento, 2019.
SOUZA, A. A. Gradação: força e foco. In: VIAN JR., O.; SOUZA, A. A. de; ALMEIDA, F.
S. D. P. A linguagem de avaliação em língua portuguesa: Estudos sistêmico-funcionais
com base no Sistema de Avaliatividade. São Carlos: Pedro e João Editores, 2010.
VALE. Nossa história. Rio de Janeiro. Verso Brasil Editora, 2012. Disponível em:
http://www.vale.com/brasil/pt/aboutvale/book-our-history/paginas/default.aspx.
Acesso em: 20 set. 2019.
VAN LEEUWEN, T. J. Discourse and Practice: New Tools for Critical Discourse Analysis.
Oxford: University Press, 2008.
| 278
Maria Lúcia Cunha Vitório de Oliveira ANDRADE | Celia Regina ARAES |•
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
Anexos
Texto 1
Vale lucra R$25,6 bi em balanço ainda sem efeitos de Brumadinho
Empresa fecha 2018 com receita de R$134 bilhões, 24% acima de 2017
27.mar.2019 às 20h19
Nicola Pamplona
RIO DE JANEIRO
1 5- A Vale fechou 2018 com lucro líquido de R$25,6 bilhões, alta de 45,5% com relação
ao registrado no ano anterior. Divulgado com uma fita preta de luto impressa na capa, o
balanço da companhia não trouxe ainda impactos da tragédia de Brumadinho (MG), que
ocorreu no dia 25 de janeiro.
2 - A companhia diz que os impactos serão contabilizados no primeiro trimestre de 2019.
Até o momento, autoridades contabilizam 216 mortos e 89 desaparecidos. Com maiores
restrições de segurança, minas com capacidade para produzir 92,8 milhões de toneladas
por ano estão fora de operação.
3 - “A Vale ainda está avaliando os passivos potenciais que podem surgir da ruptura da
Barragem I. Devido ao estágio preliminar das diversas alegações e contingências, não é
possível determinar um conjunto de resultados ou estimativas confiáveis da exposição
potencial”, diz a empresa, no relatório.
4 - “Os custos incorridos até o momento são principalmente relacionados a doações,
indenizações iniciais, assistência humanitária, equipamentos, consultores jurídicos, entre
outros”, completa.
5 A numeração feita nos parágrafos dos Texto 1 (1 a 16) e Texto 2 (1 a 10) não estava originalmente nos jornais
consultados. As autoras optaram por numerar os parágrafos no item Anexos por considerar um recurso
didático para melhor orientação na leitura do presente artigo.
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
• | Após Mariana e Brumadinho: uma análise discursiva de notícias sobre o descaso
| 279
Logo da mineradora Vale em Brumadinho, Minas Gerais – Adriano Machado/Reuters
5 - O documento cita ainda gastos adicionais de R$5 bilhões para descaracterizar barragens
com alteamento a montante, com as de Brumadinho e Mariana (MG), que se rompeu em
2015, deixando 19 mortos e um rastro de destruição que chegou ao litoral capixaba.
6 - A empresa diz também que dará baixa no valor dos ativos da mina Córrego do Feijão,
onde estava a barragem que se rompeu em Brumadinho, e de outros ativos relacionados
a barragens a montante no Brasil, “resultando em uma perda contábil, que impactará o
balanço patrimonial e a demonstração do resultado da companhia”.
7 - A divulgação do resultado de 2018 foi adiada após a tragédia de Brumadinho. Ao
contrário de anos anteriores, a mineradora optou por arquivar os documentos na CVM
(Comissão de Valores Mobiliários) depois do fechamento do mercado —e não no início
do dia. Também não distribuiu vídeos de executivos comentando o resultado.
8 - O desempenho da companhia em 2018 foi beneficiado pela desvalorização do real ante
do dólar durante o ano, que amplia a receita em moeda nacional de produtos vendidos
no mercado internacional. Apenas no quarto trimestre, a Vale lucrou R$14,5 bilhões, alta
de 472% com relação ao mesmo período do ano anterior.
9 - A empresa fechou o ano com receita de R$134 bilhões, 24% acima do registrado em
2017. O Ebitda (medida que mede a geração de caixa de uma empresa) cresceu 24,6%,
para R$61 bilhões.
10 - Responsável por operações como a de Brumadinho, a área de Minerais Ferrosos teve
Ebitda de R$54,2 bilhões, 25% a mais do que no ano anterior, segundo a empresa, devido
a efeitos da variação cambial, maiores preços e volumes de venda.
| 280
Maria Lúcia Cunha Vitório de Oliveira ANDRADE | Celia Regina ARAES |•
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
11 - Em 2018, a Vale produziu 384,6 milhões de toneladas de minério de ferro, 5% a
mais do que no ano anterior. Após o desastre de Brumadinho, a companhia suspendeu
voluntariamente as operações em dois complexos produtores e foi obrigada pela Justiça
a paralisar três outras minas.
12 - As paralisações cortaram um volume equivalente a 24% de sua produção em
2018, cenário que gera preocupações entre municípios dependentes da mineração e
trabalhadores da cadeia produtiva do setor.
13 - A companhia fechou o ano com dívida líquida de US$ 9,6 bilhões (cerca de R$37
bilhões, pela cotação do fim do ano), atingindo a meta de reduzir a dívida abaixo dos
US$ 10 bilhões (cerca de R$39 bilhões).
14 - A redução da dívida e o foco na remuneração aos acionistas eram as principais
bandeiras do presidente afastado da companhia, Fabio Schvartsman, que assumiu em maio
de 2017 e se afastou em fevereiro a pedido da força-tarefa que investiga o rompimento da
barragem em Brumadinho.
15 - Em uma das primeiras declarações após o desastre, ele anunciou a suspensão do
pagamento de dividendos e de processo de recompra de ações. O balanço de 2018
mostra, porém, que a companhia já havia distribuído aos acionistas antecipadamente
mais do que os 25% do lucro líquido obrigatórios por lei.
16 - Em 20 de setembro, foram pagos R$7,7 bilhões a título de juros sobre o capital próprio
- segundo a própria Vale, volume “significativamente acima do limite legal”, que somaria
R$6,7 bilhões, considerando o resultado anual.
Texto 2
Após quatro anos, Mariana vive descaso e omissão
Demora nas respostas do Legislativo é devastadora
5.nov.2019 às 2h00
Fabiano Contarato
1 - Nesta terça-feira (5) faz quatro anos que a barragem do Fundão, da mineradora
Samarco, em Mariana (MG), rompeu, espalhando 43,7 milhões de m³ de lama tóxica por
663 km até o mar, no Espírito Santo. Morreram 19 pessoas e o rio Doce. Distritos foram
destruídos, milhares de pessoas afetadas, sem água e sem trabalho. Uma perversidade
que se prolonga porque a impunidade tem, continuadamente, amargado a vida dos que
ficaram: haja vista a recente absolvição de executivos da Vale.
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
• | Após Mariana e Brumadinho: uma análise discursiva de notícias sobre o descaso
| 281
2 - Falamos de executivos em processo cuja peça de acusação sustenta que se omitiram.
Informa que, por diversas vezes, receberam alertas sobre os riscos de rompimento da
barragem do Fundão. Podem sair “tranquilos” desse pesadelo. As famílias das vítimas, não.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) em seu gabinete no Senado Federal, em Brasília - Pedro
Ladeira - 25.jun.19/Folhapress
3 - Isso é resultado de uma briga em que pessoas pobres, carentes, têm pouquíssimos
recursos para enfrentar titãs do direito e altos executivos. Destaque-se que aqui não
se coloca em dúvida a capacidade dos defensores públicos e do Ministério Público na
assistência à população, pois contra fatos não há argumentos. Mas, infelizmente, no nosso
país, não basta ter razão. Chega a ser fantasioso crer em “dê-me os fatos, e eu te darei o
direito” tamanha a sensação de impunidade.
4 - O pior é que, em crimes descomunais, sempre vemos uma movimentação enorme
de autoridades e de políticos buscando projetar, rapidamente, as suas nobres intenções
e soluções. Contudo, o tempo tem mostrado, tragédia por tragédia, que o essencial fica
para trás. Tivemos Mariana, depois Brumadinho (MG), em janeiro último - com 252 mortos
e 18 desaparecidos. Mas, antes dessas, houve outras em Minas Gerais: 2006 e 2007, a
mineradora Rio Pomba Cataguases, em Miraí; 2008, a Companhia Siderúrgica Nacional,
em Congonhas; e 2014, Herculano Mineração, em Itabirito.
| 282
Maria Lúcia Cunha Vitório de Oliveira ANDRADE | Celia Regina ARAES |•
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
Sobreviventes de Mariana (MG)
Arthur, filho de Maria do Carmo, caminha em meio à lama que “ilhou” sua casa em 2015, em
Mariana; hoje aos 7 anos, ele tem medo de que os rejeitos de Brumadinho voltem
Arquivo Pessoal/
5 - Inconteste dizer que a segurança de barragens e a gestão de riscos de desastres são
negligenciadas no Brasil. A fiscalização é ridícula. Temos 790 barragens de rejeito de
mineração no país. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em depoimento à
Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal, em maio deste ano, reconheceu:
“Não tem barragem segura”; contou ele que dispunha de 16 fiscais para fiscalizar as
barragens em todo o país.
6 - Sobretudo, com o que ocorreu em Brumadinho, quais respostas a sociedade brasileira
ouviu do Congresso Nacional a respeito dessa insegurança que paira sobre milhares de
vidas e a biodiversidade? Que este país endureceria as regras relacionadas às atividades
de barragens de rejeitos minerais.
Aprovou-se, no Senado Federal, o projeto de lei n° 550/2019 para apreciação, revisão e
votação na Câmara dos Deputados. Está lá, desde 20 de março, sem ser votado.
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
• | Após Mariana e Brumadinho: uma análise discursiva de notícias sobre o descaso
| 283
7 - Já a Câmara dos Deputados aprovou três outros projetos — como o de n° 2.787/2019,
que “tipifica o crime de ecocídio e a conduta delitiva do responsável por desastre relativo
a rompimento de barragem”. Somente em 10 de outubro tivemos condições e quórum
para aprovar na CMA do Senado Federal — e seguiu à Comissão de Constituição, Justiça
e Cidadania (CCJ). Na CMA, continuam para apreciação o PL 2.791/2019, que visa tornar
mais seguras as barragens de mineração, e o PL 2.788/2019, que institui a Política Nacional
de Direitos das Populações Atingidas por Barragens.
Seis meses do desastre em Brumadinho
Vista aérea da lama no Parque da Cachoeira, em Brumadinho – Eduardo Anizelli/Folhapress
8 - O que isso evidencia? Diz, claramente, que o Congresso Nacional discursa muito,
mas delibera pouco. Não resolve. Não avança na proteção de interesses da sociedade
brasileira.
9 - Reunir quórum para votação na CMA do Senado Federal tem sido desafiador. Na
maioria das vezes, não conseguimos. Mesmo nas audiências públicas verificamos a
presença de poucos senadores. Isso não deveria ocorrer. São 17 membros titulares e 17
membros suplentes!
| 284
Maria Lúcia Cunha Vitório de Oliveira ANDRADE | Celia Regina ARAES |•
Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021
10 - A demora nas respostas do Legislativo é devastadora. Explica, em parte, o porquê
do desalento da população com a política. O porquê de não confiarmos que, no futuro,
poderemos evitar “novas Marianas”. Algo precisa, de fato, mudar. Não bastam palavras. É
preciso ação de verdade. Não basta dizer-se novo na política. Precisa provar que é.
Fabiano Contarato
É senador da República (Rede-ES) e presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado
Federal
COMO CITAR ESTE ARTIGO: ANDRADE, Maria Lúcia C. V. O.; ARAES, Celia
Regina. Após Mariana e Brumadinho: uma análise discursiva de notícias sobre
o descaso. Revista do GEL, v. 18, n. 3, p. 264-284, 2021. Disponível em: https://
revistadogel.gel.org.br/
Submetido em: 15/06/2021 | Aceito em: 26/10/2021.
ResearchGate has not been able to resolve any citations for this publication.
Chapter
This is an accessible and wide-ranging account of current research in one of the most central aspects of discourse analsysis: evalution in and of written and spoken language. Evalution is the broad cover term for the expression of a speakers - or writers - attitudes, feelings, and values. It covers areas sometimes referred to as stance, modality, affect or appraisal. Evaluation (a) expresses the speakers opinion and thus reflects the value-system of that person and their community; (b) constructs relations between speaker and hearer (or writer and reader); (c) plays a key role in how discourse is organized. Every act of evalution expresses and contributes to a communal value-system, which in turn is a component of the ideology that lies behind every written or spoken text. Conceptually, evaluation is comparative, subjective, and value-laden. In linguistic terms it may be analysed lexically, grammatically, and textually. These themes and perspectives are richly exemplified in the chapters of this book, by authors aware and observant of the fact that processes of linguistic analysis are themselves inherently evaluative. The editors open the book by introducing the field and provide separate, contextual introductions to each chapter. They have also collated the references into one list, itself a valuable research guide. The exemplary perspectives and analyses presented by the authors will be of central interest to everyone concerned with the analysis of discourse, whether as students of language, literature, or communication. They also have much to offer students of politics and culture. The editors open the book by introducing the field and provide separate, contextual introductions to each chapter. They have also collated the references into one list, itself a valuable research guide. The exemplary perspectives and analyses presented by the authors will be of central interest to everyone concerned with the analysis of discourse, whether as students of language, literature, or communication. They also have much to offer students of politics and culture.
Book
This is the first comprehensive account of the Appraisal Framework. The underlying linguistic theory is explained and justified, and the application of this flexible tool, which has been applied to a wide variety of text and discourse analysis issues, is demonstrated throughout by sample text analyses from a range of registers, genres and fields.
Após quatro anos, Mariana vive descaso e omissão
  • F Contarato
CONTARATO, F. Após quatro anos, Mariana vive descaso e omissão. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/11/apos-quatro-anos-mariana-vivedescaso-e-omissao.shtml. Acesso em: 05 nov. 2019.
Ecolinguística: estudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus Editora
  • H H Couto
  • Do
COUTO, H. H. do. Ecolinguística: estudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus Editora, 2007. Disponível em: www.thesaurus.com.br. Acesso em: 14 mar. 2020.
Língua e meio ambiente. Revista de estudos da linguagem
  • H H Couto
  • Do
COUTO, H. H. do. Língua e meio ambiente. Revista de estudos da linguagem, v. 17, n. 1, p. 143-178, 2015. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/relin/ article/view/2524. Acesso em: 04 abr. 2020.
Além da lama: o emocionante relato do capitão dos bombeiros que atuou nas primeiras horas da tragédia em Mariana. São Paulo: Editora Vestígio
  • L Farah
FARAH, L. Além da lama: o emocionante relato do capitão dos bombeiros que atuou nas primeiras horas da tragédia em Mariana. São Paulo: Editora Vestígio, 2019.
Ecolinguística: a história de uma ideia verde para o estudo da linguagem. Ecolinguística: Revista Brasileira de Ecologia e Linguagem
  • A F Fill
FILL, A. F. Ecolinguística: a história de uma ideia verde para o estudo da linguagem. Ecolinguística: Revista Brasileira de Ecologia e Linguagem, v. 1, n. 1, p. 07-21, 2015
Epítome da história da mineração
  • J E P Guimarães
  • P R Gonçalves-Segundo
  • Tradição
GUIMARÃES, J. E. P. Epítome da história da mineração. São Paulo: Art Editora, 1981. GONÇALVES-SEGUNDO, P. R. Tradição, dinamicidade e estabilidade nas práticas discursivas: um estudo da negociação intersubjetiva na imprensa paulistana. 2011.
  • Tese
Tese (Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa) -Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. DOI: http://dx.doi. org/10.11606/T.8.2011.tde-25042012-161141