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O olhar, a tactilidade e a sua representação em fotografia

Authors:

Abstract and Figures

Este artigo toma como ponto de partida a análise de um conjunto de negativos, fotografias e outros objetos encontrados, cuja intervenção plástica autoral foi realizada de modo a salientar o paradoxo existente na fotografia fotoquímica: esta é, simultaneamente, composta por elementos visuais, mas também é, ela própria, um objeto táctil. Consubstancia-se num processo de criação artística que levanta algumas questões. Será que esta confluência entre olhar e tocar, entre o háptico e visual, está presente na nossa relação com as imagens digitais, em relação às quais necessitamos de dispositivos para as descodificar? Será que é apenas quando olhamos através de uma máquina que materializa o nosso olhar e, em consequência, desgasta uma imagem, que obtemos uma maior consciencialização do corpo físico – o nosso e o da imagem? Através da utilização de estratégias de experimentação criativa, foram exploradas as ideias de imagem latente que se revela através do nosso toque sobre a sua superfície, a codificação de elementos textuais recorrendo à cifração táctil permitida pelo Braille ou, ainda, a ideia de repetição de gestos sobre as superfícies lisas e frias dos ecrãs que nos acompanham no nosso quotidiano. Assim, foram utilizados para o efeito uma série de abordagens que exploram a imagem fotográfica, o seu poder e maleabilidade, bem como a conexão táctil que com ela podemos estabelecer. Adotou- se também como estratégia a junção de elementos visuais e textuais, a aplicação de tintas e solventes ou ainda a manipulação e interferência entre o fotoquímico e o digital para refazer e recombinar as imagens a partir do seu interior. Estabelece-se, assim, uma experimentação artística que se centra em questões relacionadas com a materialidade, tactilidade e o olhar recorrendo a métodos de análise baseados na troca ativa, táctil e performativa entre espectador e imagem.
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REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #16 | ISSN 1647-0508
DOI 10.24981/16470508.16.2
O olhar, a taclidade e a sua representação em fotograa
La mirada, la taclidad y su representación en fotograa
Gaze, taclity and its representaon in photography
Ana Teresa Vicente
Centro de Invesgação e Estudos em Belas Artes (CIEBA-FBAUL)
contact@anateresavicente.com
José Bidarra
Centro de Invesgação em Artes e Comunicação (CIAC)
Jose.Bidarra@uab.pt
RESUMO
Este argo toma como ponto de parda a análise de um conjunto de
negavos, fotograas e outros objetos encontrados, cuja intervenção plásca autoral
foi realizada de modo a salientar o paradoxo existente na fotograa fotoquímica: esta
é, simultaneamente, composta por elementos visuais, mas também é, ela própria, um
objeto tácl. Consubstancia-se num processo de criação arsca que levanta algumas
questões. Será que esta conuência entre olhar e tocar, entre o hápco e visual, está
presente na nossa relação com as imagens digitais, em relação às quais necessitamos de
disposivos para as descodicar? Será que é apenas quando olhamos através de uma
máquina que materializa o nosso olhar e, em consequência, desgasta uma imagem, que
obtemos uma maior consciencialização do corpo sico – o nosso e o da imagem?
Através da ulização de estratégias de experimentação criava, foram
exploradas as ideias de imagem latente que se revela através do nosso toque sobre a
sua supercie, a codicação de elementos textuais recorrendo à cifração tácl permida
pelo Braille ou, ainda, a ideia de repeção de gestos sobre as supercies lisas e frias
dos ecrãs que nos acompanham no nosso quodiano. Assim, foram ulizados para o
efeito uma série de abordagens que exploram a imagem fotográca, o seu poder e
maleabilidade, bem como a conexão tácl que com ela podemos estabelecer. Adotou-
se também como estratégia a junção de elementos visuais e textuais, a aplicação de
ntas e solventes ou ainda a manipulação e interferência entre o fotoquímico e o digital
para refazer e recombinar as imagens a parr do seu interior. Estabelece-se, assim, uma
experimentação arsca que se centra em questões relacionadas com a materialidade,
taclidade e o olhar recorrendo a métodos de análise baseados na troca ava, tácl e
performava entre espectador e imagem.
Palavras chave: olhar, taclidade, codicação, supercie, materialidade
RESUMEN
Este arculo toma como punto de parda el análisis de un conjunto de
negavos, fotograas y otros objetos encontrados, cuya intervención arsca de autor
fue implementada de modo a resaltar la paradoja existente en la fotograa fotoquímica:
esta es, simultáneamente, compuesta por elementos visuales, pero también, un objeto
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tácl en sí mismo. Esto se conviró en un proceso creavo que desencadenó más
algunas preguntas. ¿Esta conuencia entre mirar y tocar, entre lo hápco y lo visual,
está presente en nuestra relación con las imágenes digitales, por las cuales necesitamos
disposivos para decodicarlas? ¿Sólo cuando miramos a través de una máquina que
materializa nuestra mirada y, como resultado, desgasta una imagen, obtenemos una
mayor conciencia del cuerpo sico, el nuestro y lo de la imagen?
Mediante el uso de estrategias de experimentación criava, se exploraron
las ideas de imagen latente que se revela a través de nuestro toque en su supercie,
la codicación de elementos textuales mediante la encriptación tácl que permite el
braille o, incluso, el concepto de repeción de gestos en las supercies lisas y frías de las
pantallas que nos acompañan en nuestro día a día. Así, se ulizaron para ello una serie
de enfoques que exploran la imagen fotográca, su poder y maleabilidad, así como la
conexión tácl que podemos establecer con ella. También se adoptó como estrategia la
unión de elementos visuales y textuales, la aplicación de pinturas y solventes o incluso la
manipulación e interferencia entre lo fotoquímico y lo digital para rehacer y recombinar
las imágenes desde adentro. Conjuntamente, se establece una experimentación arsca
que se centra en temas relacionados con la materialidad, la taclidad y la mirada,
ulizando métodos de análisis basados en el intercambio acvo, tácl y performavo
entre espectador e imagen.
Palabras-clave: mirada, tacto, codicación, supercie, materialidad
ABSTRACT
This project takes as a starng point the analysis of a set of negaves, photographs,
and other objects found, enabling a creave approach by the author in order to highlight
the paradox that exists in photochemical photography: it is simultaneously composed
of visual elements, but it is also, itself, a tacle object. This became a creave process
triggering a few quesons. Is this conuence between looking and touching, between
hapc and visual, present in our relaonship with digital images, in relaon to which
they need devices to decode? Is it only when we look through a machine that our gaze
materializes and, consequently, wears out an image, that we obtain a greater awareness
of the physical body - ours and that of the image?
Through these strategies of creave experimentaon, the latent image ideas
that are revealed through our touch on their surface, the encoding of textual elements
using the tacle encrypon allowed by braille, or the idea of repeon of gestures
on the smooth and at surfaces of the screens that accompany us in our daily lives.
A series of approaches were adopted in order to explore the photographic image, its
power and malleability, and the tacle connecon that we can establish with it, such
as the juxtaposion of visual and textual elements, the applicaon of ink and solvents,
or the use of interferences between the photochemical and the digital to remake and
recombine the images from within. As such, the arsc experimentaon focuses on
issues related to materiality, taclity and gaze, using analysis methods based on the
acve, tacle and performave exchange between spectator and image.
Keywords: gaze, taclity, coding, surface, materiality
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1. Entre o visual e o hápco
Os sendos são aquilo que nos permite descobrir o mundo
e, é através deles, que apreendemos e discernimos aquilo
que nos rodeia. O sendo da visão e do tato foram vistos,
desde cedo, como estando entrelaçados, enquanto formas
privilegiadas e complementares de relação com a realidade.
Esta mútua relação de contacto pode ser já discernida na
teoria da visão de Empédocles (494-434 AC), segundo a qual
os olhos emitem raios que tocam os objetos e que, deste
modo, permitem a visão dos mesmos. Também Ptolomeu
e a teoria da extramissão colocavam os olhos como os
emissores dos raios luminosos que depois tocam os objetos.
Por outro lado, na teoria da intramissão são os objetos, e
não os olhos, que connuamente lançam raios que são
depois captados pelos nossos olhos. Em ambos os casos,
algo que emite radiação que toca o recetor e permite
percecionar/descodicar os objetos. De facto, a sica
moderna tornou estas observações obsoletas, ao conrmar
que os raios luminosos são transmidos através de fotões,
que se propagam tanto em ondas como em parculas, e é
o olho humano (ou outro meio detetor) que recebe estes
raios. Se, nas angas teorias, a parr dos nossos olhos são
projetados raios que se expandem até aos objetos, sendo
estes responsáveis pela visualização dos objetos através
do toque, também os ícones bizannos reeam uma
experiência sinestésica em que todos os sendos estão
engajados, como refere Pentcheva (2006), apontando
para um conjunto de caracteríscas que concorrem para
a sensação de toque visual. Os ícones bizannos, retratos
portáteis de Cristo, da Virgem ou de Santos, eram percebidos
como matéria imbuída de graça divina, para os quais todo
o corpo é convocado a experimentar sinestesicamente.
Ao contrário da pintura, onde marcas e pinceladas numa
supercie criam uma imagem miméca, o ícone bizanno
é visto como uma impressão direta da realidade – torna-se
então um espaço performavo, uma supercie hápca, de
qualidades tácteis que, sensual e sensoriamente, convoca
os sendos, tornando avo o espaço que medeia o ícone
e o observador, pelo intercâmbio entre toque e visão
(Pentcheva, 2006, pp. 631-640). Este espaço interscial é
também referido por Demócrito: a perceção é vista como
uma troca bem-sucedida de átomos através dos eidolâ
(ídolos), entre os órgãos da perceção e aquilo que estes
encontram. Para Zielinski (2011, p. 51), esta troca é baseada
num varrimento recíproco da camada de ar comprimido,
que age como interface entre o observador e aquilo que é
visto.
A fotograa não deixou de ter uma função paradigmáca na
era digital, mas há, contudo, uma alteração neste paradigma:
a introdução de imagens produzidas por máquinas para
máquinas, que colocam o olho humano à margem desta
equação, transformando a noção antropocêntrica daquilo
que é uma imagem, dos seus usos e funções. Hoje assiste-
se à difusão global de um modelo baseado em “narravas
digitais”, fazendo uso de imagens que constuem sequências
visuais difundidas através de plataformas digitais (Twier,
Facebook, Instagram). Desde crianças que as histórias nos
ajudam a compreender a experiência individual e a criar uma
perceção do mundo que nos rodeia. Mas hoje, infelizmente,
as imagens tornam-se efémeras e tendem a desaparecer
na “poeira” (digital) do tempo acelerado em que vivemos.
A ligação de narravas pessoais à paisagem circundante,
através de seles e outras formas de intervenção individual,
representa uma viragem ideológica em que “o autor”
somos todos nós. Por outro lado, o remix de fragmentos
de imagem e texto tornou-se uma caracterísca nas redes
sociais de hoje, mas que encontrámos nos ready-mades
de Marcel Duchamp, nas fotograas solarizadas de Man
Ray, ou nas imagens híbridas de Andy Warhol. Neste novo
contexto, encontramos a capacidade de ver em qualquer
momento os conteúdos digitais online em diversos
formatos, mas também a existência de criação voltada para
conteúdos mais ligeiros, com pouca complexidade e pouco
prossionalismo. O visionamento em disposivos móveis,
por exemplo, altera a experiência do recetor, pois devido
à pequena dimensão dos ecrãs a perceção de detalhes é
inexistente (Oliva, Bidarra & Araujo, 2017). Com frequência
as imagens são apresentadas com pouca nidez e fraca
qualidade fotográca, embora possam ter um tratamento
apelavo com efeitos digitais.
2. Materialidade e taclidade na fotograa
Em claro contraponto com a emergência de uma realidade
desmaterializada, importa examinar o objeto fotográco
nas suas diversas vertentes e problemazar questões
relacionadas com os suportes, a materialidade, a supercie,
a taclidade e a fotograa enquanto objeto, norteadas
pela relação entre o hápco e o visual. De que forma esta
membrana supercial pode atuar como meio propiciador
de uma relação não só visual, mas também tácl? Terá esta
correspondência entre toque e olhar sido indelevelmente
alterada com as imagens codicadas? Abordamos,
portanto, uma problemazação em torno da visão e do
toque, situada entre o “ver com as mãos” e “tocar com os
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olhos”, pela criação de obras que residem, precisamente,
entre o hápco e o visual. Tendo como ponto de parda
para a exploração plásca um conjunto de negavos, provas
fotográcas, cartas, livros e postais, que o novo proprietário
de um apartamento lisboeta descartou, interessou-nos
parr de imagens vernaculares e pré-existentes. Segundo
Cristofovici (2009, p. 20), a fotograa no seu uso vernacular,
isto é, em outros usos que não o arsco, está muito
associada às representações da idendade e tem um papel
signicavo na construção das nossas narravas pessoais e
colevas. Assim, optámos por adotar o termo “vernacular”
no sendo dado nas áreas de arquitetura ou linguísca, para
designar todos os usos da fotograa que não o arsco e,
no caso concreto da invesgação desenvolvida, centrado
nas imagens de uso domésco ou familiar. Estes pos de
imagens têm como valores fundamentais o suporte da
memória, a comunicação e a idendade (Sarvas & Frohlich,
2011, p. 9). Mesmo as imagens que pertencem ao colevo
são internalizadas, havendo, portanto, uma conexão entre
imagem e corpo, para além da mera visualização (Belng,
2011, p. 16). Este autor menciona ainda que as imagens
colonizam os corpos e cérebros, encontrando-nos nós à sua
mercê (Belng, 2011, p. 2 e 10). Funcionam, por conseguinte,
como supercies que medeiam a transformação do visual
em algo material, tornando-se “an acve site of exchange
between subject and object (Bruno, 2014, p.8), com um
meio de inscrição que pode ser temporalmente localizado.
Mesmo que os órgãos sensoriais não sofram alterações, os
diferentes suportes em que as imagens se inscrevem estão
sujeitos a correntes históricas, à força do progresso e aos
caprichos da moda (Bruno, 2014, p.16). Agem então como
“corpo” arcial para que as imagens se tornem visíveis,
visibilidade esta que ocorre também no nosso corpo, o
organismo que elas encontram para habitar. As imagens
deixam em nós um “traço invisível” que modela a nossa
memória (Belng, 2011, p. 38).
As fotograas impressas são objetos com “volume, opacity,
taclity, and a physical presence in the world”, com
morfologia própria e que podem ser lidas como artefactos
sensuais e criavos, mas também como “provocave
meditaons on the nature of photography in general”
(Batchen, 2000, p. 60). Enquanto objetos sujeitos à nossa
ação (que podemos transportar, acarinhar, dobrar, rasgar ou
descartar), estão submedos a um desgaste sico e à ação
dos elementos; tornam-se porosos em relação ao ambiente
e às condições de humidade, temperatura, luminosidade
em que se encontram. Estes fatores tornam-nas elementos
sicos que também têm uma temporalidade, sujeitas a
degenerescência. Esta relação de troca entre sujeito e
objeto-imagem, foi um ponto que nos interessou invesgar,
bem como a relação com o medium onde a imagem se
materializa no mundo. Explorámos, deste modo, três
tópicos: a materialidade do objeto fotográco; a relação
visual e tácl com a fotograa; e a materialização do olhar.
Remetemos, portanto, em primeiro lugar para a experiência,
mas também para a relação com o corpo e com os sendos:
tocar, olhar, senr, descodicar. Já enquanto suporte, o
substrato onde a imagem se torna aparente, visível, nada é
sem o nosso olhar.
Podemos, assim, indicar duas forças opostas: a transparência
do medium, que nos permite visualizar “para lá” da imagem;
ou ver o medium enquanto objeto, como algo tácl, com
uma supercie e suscevel de deterioração. Por outro
lado, a supercie da fotograa permite uma visibilidade
total, algo a que Tamara Trodd (2010, p. 149) alude como
“pele”, an uerly glazed and impermeable, miraculously
whole and intact skin which funcons almost as a kind
of prosthesis for the lost skin of the sculptural object.”.
Inscreve-se aqui a invesgação plásca desenvolvida, pela
interpelação sobre esta “pele”, tornando-a permeável e
solicitando ao espectador que com ela estabeleça uma
relação sica. A ideia de toque sobre o retratado encontra-
se já em Plínio, o Velho, quando é referida a origem da
representação, no episódio relavo ao traçar da sombra do
amante que se irá ausentar, salientando as relações entre
presença e ausência, o carácter simbólico da linha e da
mancha, e entre a passagem do tempo e a memória, pela
representação de algo que pertence ao passado (Stoichita,
1999, p. 18). Tais ideias relavas à origem da representação
podem transpor-se para a fotograa, evidenciando a
relação material que ela parlha com o retratado, que, de
certa forma, “toca” a película fotográca, transformando
a fotograa numa segunda “pele”, congelada no tempo.
Esta “pele” que se separa dos objetos e pessoas captadas
para gurar como seu substuto torna-se um simulacro
material que, sendo tão próximo destes, já não pode ser
considerada apenas fria e mecânica. Para Batchen (2000,
p. 61), é a conuência entre o hápco e o visual que torna
o medium da fotograa tão convincente, acrescentando:
“It is striking how many vernacular photographic objects
overtly reect on this same paradox.”. Ora, é precisamente
este paradoxo que pretendemos analisar, aquilo que o autor
situa como uma reexão sobre a “objectness” da fotograa,
minando a disnção entre rar e fazer/fabricar imagens,
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abalando a relação privilegiada com o mundo real externo e
tornando permeável a disnção entre a fotograa e outros
media. Batchen (2000, p. 109) indica a pós-fotograa como
a existência do vocabulário e convenções fotográcas
noutros media, desaparecendo enquanto endade disnta,
atestando o momento após, mas que ainda não espara lá
da fotograa.
As propriedades sicas e materiais dos objetos fotográcos
pressupõem uma relação sica e tácl, que se estende
também ao digital, isto é, há uma relação corpórea, com o
“corpo” do meio que a carrega. Do mesmo modo, os autores
de Digital Material (Van Den Boomen, Lammes, Lehmann,
Raessens, & Schafer, 2009, p. 9) ressaltam o facto de o
soware não poder exisr se não esver incorporado de
forma intrínseca em portadores de dados sicos (hardware),
não cando estes mesmos dados a utuar na substância
metasica do espaço virtual. A sicalidade dos suportes
de dados, aqui apontada como algo obrigatório, pressupõe
que o hardware é também passível de obsolescência e
degenerescência. Haverá assim uma alteração na nossa
relação sica com os objetos fotográcos, pela modicação
profunda do po de materialidade em que a imagem é
inscrita? Antes da era digital, a fotograa era “um trabalho
que envolvia óca, fotossensibilidade e processamento
químico” (Mah, 2003, p. 7). Exigia também uma supercie
na qual a imagem era xada, ulizando para tal os referidos
meios fotoquímicos. Esta base foi, entretanto, transformada,
assentando agora numa raiz eletrónica, exisndo uma
distância fundamental no que respeita à relação entre matriz
e suporte, bem como à estrutura de formação da imagem.
Outra diferença fundamental consiste na descodicação
necessária no caso das imagens digitais, o que implica o
uso de soware e hardware adequados, ao passo que nas
imagens analógicas tal não é necessário: apenas se necessita
de luz para visionar as imagens, sendo estas de ulização
direta e universal. Há também uma linha análoga entre o uso
de novos e angos media, de modo a criar laços e conexões
entre diferentes prácas e perspevas, numa lógica de
mixtum compositum (Zielinski, 2011, p. 298). Do mesmo
modo, Parikka (2012, p. 64-65) refere o fascínio exercido
na arqueologia dos media pelos objetos e disposivos de
outras épocas; é o enfazar destes disposivos no presente
que expõe uma tarefa políca essencial da arqueologia dos
media: a invisibilidade crescente dos objetos de consumo
na cultura digital. A aparência dos objetos, sejam materiais
ou digitais, vai obedecer a um discurso caracterísco de
um determinado período, a que podem corresponder
determinados disposivos, processos e métodos (Edwards
& Hart, 2005, p. 188). Este processo nunca é, assim,
a-histórico. Mesmo os processos angos/alternavos, são
vistos hoje de forma diferente, pelas sucessivas camadas
temporais que informam estas prácas e que alteram a
nossa perceção.
Na exploração plásca autoral, recorreu-se à apropriação
de um conjunto de imagens que já nham, elas próprias,
um futuro incerto. Laura U. Marks (2002. p. 107) refere
que “loving a disappearing image can be a way of
rescuing something that was not loved in its own me”.
Apesar da aparente transição sem desconnuidades do
fotoquímico para o digital, haverá certamente alterações
profundas na forma como produzimos, guardamos,
visionamos, parlhamos e somos perscrutados pelas
imagens, num crescendo connuo. Assim, as imagens
apresentadas ao longo do argo remetem, precisamente,
para o resultado dessa pesquisa plásca, onde foram
incorporadas várias estratégias processuais, numa lógica de
fotograa expandida, que pode – e neste caso deve ser
experienciada com o corpo, de forma sica e não apenas
puramente visual. Recorrendo a prácas de transferência de
um media a outro, através de processos de adição, rasura,
digitalização, impressão, serigraa, ou a meios tecnológicos,
pretendemos quesonar a nossa relação sica com o objeto
fotográco, expondo a reversibilidade nessa relação.
3. Percurso plásco
No início do processo plásco autoral que aqui
apresentamos, recorreu-se à fotograa fotoquímica como
método de trabalho. Ao ampliar as imagens ulizando um
processo análogo ao que gerou as imagens, dicilmente se
conseguiu distanciar as imagens do seu propósito original:
fotograas vernaculares, que documentam as vivências de
uma família durante um período de tempo especíco. Houve,
posteriormente, uma alteração relavamente aos processos
de trabalho, do grão ao pixel, dos sais de prata ao digital, da
impressão em papel baritado ao visionamento de imagens
em ecrãs. Contudo, em algumas séries desenvolvidas
houve lugar a uma transferência da fotograa-objeto para
a fotograa digital que depois regressa novamente ao
suporte sico, numa lógica de reciprocidade entre meios.
Esta necessidade deveu-se a questões relacionadas com o
desgaste da supercie de inscrição da imagem ou, ainda,
por questões de mediação da supercie tácl, palpável ou
reava. Aqui fazemos uso da expressão de Heilmann de
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materialidade recíproca, que o autor descreve da seguinte
forma: “Code is inscribed into materiality and materiality,
conversely, inscribes itself into code. This is what I call
reciprocal materiality” (Heilmann, 2015, p. 41).
Por outro lado, em relação às imagens, Belng (2011)
menciona a necessidade de existência de um espectador
que as anime, como se fossem elementos vivos. É, portanto,
com o olhar que tornamos as imagens “visíveis”, que estas
se tornam vivas. Barthes refere que a fotograa, tal como
nós, é mortal: “como um organismo vivo, nasce nos próprios
grãos de prata que germinam, vive por um momento, depois
envelhece. Atacada pela luz, pela humidade, empalidece,
gasta-se, desaparece” (Barthes, 1980/2008, p. 104). No caso
das imagens com que trabalhámos, os laços com os seus
propósitos originais foram rompidos, tornando-as órfãs.
Apesar de testemunharem o isto foi, a narrava pessoal a
que se reportam não nos é familiar. Em termos de produção
plásca autoral, a obra Untled (aer Sorlin) (Figura 1),
apresenta-nos, precisamente, um conjunto interminável de
perguntas sem resposta, tal como a frase que nos é dada a
ver na página rasurada do livro de Pierre Sorlin: “We cannot
hope to nd and clarify them all. We must choose a middle
way between discussing the obvious and losing ourselves in
a maze of largely unanswerable quesons” (Sorlin, 1980,
p.31).
Figura 1. Untled (aer Sorlin), negavos digitalizados e páginas rasuradas
do livro The Film in History - Restaging the Past, de Pierre Sorlin, 2014/16.
Fonte: Ana Teresa Vicente
A taclidade enquanto modo de relação com o mundo
pressupõe um contacto sico e ínmo com os objetos,
supercies ou corpos. A raiz emológica do hápco sugere
exatamente esta possibilidade contacto com o mundo,
sendo que não se rege apenas pela nossa pele, mas que
cobre o corpo por inteiro, e inclui o próprio olho (Bruno,
2002, p. 254). A pele é, então, limite e recipiente: é aquilo
que nos permite contacto com o mundo, mas, ao mesmo
tempo, aquilo que dele nos separa, havendo também uma
reversibilidade no ato de tocar: quanto tocamos algo somos
tocados de volta (Barker, 2009, p. 49). No mesmo sendo,
Bellacasa (2017, p. 115) aponta que o toque permite-nos
tomar consciência do carácter transformavo do contacto,
onde se inclui também o contacto visual – um olhar tál: ...
the sense of intensied curiosity is gured by a parcular
way of seeing-touching”. Merleau-Ponty (2007, p. 404) diz-
nos que é a conuência entre movimento, toque e visão
que, através do paciente e silencioso trabalho do desejo, da
sua aplicação no outro e em si mesmo, do retorno à sua
fonte, que inicia o paradoxo da expressão; acrescenta Barker
(2009, 18) que a distância e a proximidade constuem
o meio de acesso à visão, medeiam este processo e
permitem a perceção no mundo: estamos imensos nele e
em materialidade. Aliás, a nossa experiência acontece à
nossa volta e não apenas à nossa frente (Sobchack, 1994,
p. 137). Estabelece-se uma relação complexa: o espectador
e a obra não são endades isoladas uma da outra, há uma
conexão sica e material entre ambas; é o mesmo corpo
que toca e que vê, tornando o visível e o tangível como
sendos pertencentes a um mesmo mundo: “since vision is
a palpaon by means of he gaze, it must also be inscribed
in the order of being that it discloses to us; he who looks
must not himself be foreign to the world that he looks at
(Merleau-Ponty, 2007, p. 396). Pretendemos, assim, abrir
este espaço relacional, de contacto entre o sujeito e a
imagem materializada, que pressupõe proximidade. Se o
toque é uma experiência onde as fronteiras entre o ser e o
outro se tendem a diluir, tal implica intrusão e apropriação,
mas também uma reação, uma atenção à resposta dada
por aquilo que é tocado (Bellacasa, 2017, p. 120). Neste
conjunto de obras que criámos foram aplicadas uma série
de estratégias processuais que levam quem as imagens
a aproximar-se, a tocá-las e a experimentar a sua supercie.
Em Read Me (Figura 2), o Braille foi ulizado para codicar
uma série de descrições, que posteriormente são sobrepostas
a cópias de uma mesma imagem. A convocação dada pelo
tulo terá diferentes leituras, consoante a capacidade para
decifrar os textos com a ponta dos dedos sobre a imagem,
agora rugosa. Em Touch Me, a nta termocrómica foi
ulizada sobre detalhes de mãos provenientes das imagens
apropriadas, impelindo a que a imagem seja “revelada”
através calor das mãos do espectador, que as terá que
tocar. Por úlmo, em Elephant Hotel, somos convidados a
espreitar por um óculo para visionar um vídeo, e onde se
condensam toque, reexo e imagem projetada.
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Figura 2. Read Me,
impressão fotográca
com Braille, 2018
Fonte:
Ana Teresa Vicente
Wandering Gaze (Figura 3) pautou-se pela criação de uma
peça que torna a imagem instável e perecível, através
da contribuição do espectador para a sua destruição e
aniquilação. Tal como Godfrey (2005, p. 103) arma: “looking
at an old photograph, in other words, you realize more and
more what you do not know of the person in the image, that
the photographic informaon is uerly inadequate, and as
viewer, you become an agent in this annihilaon”. Colocam-
se aqui em jogo não só as ideias de pulsão escópica, a
vontade de ver e ser visto, mas também o impulso de
espreitar (Elephant Hotel) e de saber como funciona o
mecanismo (Wandering Gaze). Paterson expõe a relação
entre visão e cegueira e convoca a expressão “asymmetric
voyeurism” para enfazar o fascínio que historicamente se
vericou em relação à incapacidade para ver, as relações
que se podem estabelecer com o toque e a ideia de que o
cego vê tudo “negro”: “blindness isn’t blackness” (Paterson,
2016, p. 4-5).
Figura 3. Wandering Gaze, Immersive | Imersivo, SNBA,
2018. Fonte: Ana Teresa Vicente © Maria Marns
Alfred L. Yarbus em Eye Movements and Vision (1967)
apresenta os seus métodos de invesgação e os disposivos
criados para isolar e documentar os movimentos oculares,
sendo um dos fundadores da invesgação moderna nesta
área. A tecnologia eye-tracking, para além de comprovar
que os nossos olhos estão em constante movimento,
saltando incessantemente de um ponto para outro,
possibilita avaliar o ponto exato e a trajetória que os
olhos executam numa determinada supercie, bem como
os pontos que mais atraem o nosso olhar. Wandering
Gaze explora a relação entre o olhar do observador e
uma determinada imagem, recorrendo, precisamente, à
tecnologia eye-tracking. Assim, foi criado um mecanismo,
no verso de uma imagem, que consiste numa ploer com
um íman. A ploer, controlada pelo sistema eye-tracking,
move o íman nos eixos x e y, de forma a seguir o ponto
no qual o olhar do observador se concentra. Na supercie
da imagem, uma série de limalhas metálicas seguem o
íman, e, através de um processo de desgaste, vão rasurá-
la nos locais em que o olhar do observador se detém
por mais tempo. Desta forma, determinadas áreas da
imagem serão progressivamente obliteradas. As limalhas
metálicas, concentradas em determinados pontos da
imagem, assemelham-se a um pequeno inseto robóco
que materializa as trajetórias seguidas pelos olhos dos
observadores. As propriedades do papel enquanto
substância, por oposição aos meios baseados em ecrãs são,
portanto, enfazadas: desde a sua fragilidade enquanto
suporte à sua construção por camadas. A materialidade
do olhar funciona como mediador que concorre para a
desintegração da estrutura sica do suporte da imagem.
Existe uma tensão entre a supercie vulnerável da prova
fotográca e as limalhas avadas pelo olhar de cada um
dos observadores que, lentamente, vão desintegrando
a camada onde a imagem se inscreve. Esta torna-se um
espaço performavo: o olhar do espectador é convidado
a perscrutar a imagem e a contribuir, desta forma, não só
para a formação da obra, mas também, em úlma instância,
para a destruição da sua supercie. A imagem afasta-se
do instante de captura, adquire uma temporalidade mais
extensa que é o conjunto dos percursos mais comuns que
irá provocar maior desgaste (Figura 4). De que forma esta
supercie que se vai degradando poderá ter implicações
na nossa experiência corporal? De que maneira agimos,
quando confrontados com uma supercie cujas qualidades
se alteram quando o nosso olhar sobre ela recai? Quais
são as implicações da materialidade de uma determinada
supercie num mundo cada vez mais virtual?
16 | Ana Teresa Vicente e José Bidarra | O olhar, a taclidade e a sua representação em fotograa |Dezembro 2021
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Figura 5. Golden
and Defaced, nta
dourada e solvente
s/ impressão
fotográca,
2015. Fonte: Ana
Teresa Vicente
Figura 6. Failure
is a Given, provas
fotográcas
digitalizadas e
manipuladas
digitalmente,
2013/18 Fonte: Ana
Teresa Vicente
Figura 4. Wandering Gaze. Resultado do desgaste provocado pelo
acumular de rasuras sobre a supercie da imagem, Fotomuseum
Winthertur, 2020. Fonte: Ana Teresa Vicente © Philipp Oendörfer
Regressamos novamente à ideia de dupla presença material,
já que em Wandering Gaze a imagem fotográca é dúplice:
é o “simulacro” de uma fotograa fotoquímica realçado
pela inclusão do recorte em volta da imagem e pelas
interferências resultantes da digitalização – e é também
uma prova em papel, sujeita à deterioração causada pelo
arrastamento das limalhas na sua supercie. Sob um outro
ponto de vista, a materialização do olhar remete para a ideia
de “tocar” a imagem com o olhar, ainda que este toque seja
mediado pelo disposivo (visor-ploer-íman-limalhas).
Deste modo, Wandering Gaze poderá ser considerada
uma obra em transição, isto é, a sua conclusão pode dar-
se no término de um momento exposivo e recomeçar
no seguinte ou, por outro lado, acumular o desgaste e,
consequentemente, concluir-se quando nada restar da
impressão fotográca. Aqui o espectador não é passivo,
torna-se agente na avação da obra e, por consequência,
na sua destruição. É uma peça que, lentamente, vai
entrando em processo de degradação através da rasura da
supercie da imagem impressa e, enquanto tal, vai também
acumulando sedimentos na sua base, pela raspagem do
papel pelas limalhas.
A materialidade da supercie de inscrição da imagem
foi algo que nos interessou explorar e, no campo da
experimentação plásca, o que começou como tentava
de rasurar a imagem, mais tarde transformou-se numa
exploração das interferências entre a imagem fotográca e
a pintura. Posteriormente, em Golden and Defaced (Figura
5) foram também ulizados solventes, de forma a permir
a manipulação da nta na supercie das provas e a tornar
os sujeitos aí representados como “borboletas anestesiadas
e xadas” (Barthes, 1980/2008, p. 65), cristalizadas num
objeto único e irrepevel, minando desta forma a sua
reprodubilidade.
Ao digitalizar os negavos e as provas fotográcas,
transformando a sua materialidade em imagens no ecrã, o
objeto material foi condensado numa supercie, tornando-
se código. A materialidade da fotograa-objeto converte-se,
assim, num substuto digital, tornando-se unidimensional.
Reestruturar, refazer e manipular os pixéis que compõem
estas imagens permite abrir uma nova camada de
interpretação da imagem e das ferramentas ulizadas.
Em Failure is a Given (Figura 6), seguiu-se uma linha de
invesgação centrada na mulplicidade e acumulação
pela aplicação de distorções, duplicações, cortes e rasuras,
expondo o uso das ferramentas digitais na manipulação das
imagens. O facto de se retrabalhar a imagem a parr do
seu interior segue uma lógica que tanto faz uso do próprio
programa de edição de imagem e dos seus parâmetros pré-
estabelecidos como adiciona camadas de informação sobre
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a imagem original. O fotoquímico e o digital interligam-se
por meio destas camadas e sobreposições, como expressões
materiais das interferências entre a supercie das coisas
captadas e a supercie da imagem (primeiro no ecrã, depois
na imagem novamente materializada, impressa). Há uma
cisão entre a imagem original e a imagem retrabalhada
que é reduplicada e cruzada sobre si mesma, separando-
se do seu original. Por outro lado, sabendo que as imagens
são “datáveis” pela tecnologia que usam (Belng, 2011, p.
15), interconectam-se aqui duas temporalidades disntas:
a da imagem original e a da imagem intervencionada. A
cooperação entre meios, onde as ferramentas ulizadas
para adulterar a imagem são trazidas para primeiro plano,
e colocam em evidência aquilo que o programa interpreta
da imagem. É na conuência de degradação, manipulação
e ulização do soware como campo de interação na
recomposição destas imagens, que pretendemos inscrever
a pesquisa no campo do pós-fotográco, já que aqui se
uma “reprogramação das imagens, designadamente do seu
progressivo funcionamento como forma de visualização
e projeção de dados, como interface lúdico e interavo”
(Flores, 2013).
4. Considerações nais
A presente invesgação teve como ponto de parda
um conjunto de imagens pré-existentes exploradas
arscamente de modo a enfazar uma maior
consciencialização do corpo sico – o nosso e o da imagem.
Através de uma proposta de experimentação plásca,
explorámos várias questões de materialidade, taclidade
e olhar, transformando a imagem em algo atreito a
apropriação e manipulação, quer a nível do representado
quer a nível das eventuais ligações entre as próprias
imagens, que pertenceram a tempos e locais muito disntos
entre si. Em resposta às questões que nhamos colocado,
sobre a conuência entre olhar e tocar, entre o hápco e
visual, em relação aos disposivos para descodicar, foram
realizadas várias obras.
Num primeiro momento da invesgação foram realizadas
uma série de experimentações no campo da fotograa
fotoquímica a que, mais tarde, se juntou a mediação entre
os territórios argêncos e digitais. Em seguida, foram
explorados aspetos relacionados com a codicação, a
imagem latente, a degradação ou a manipulação (visual ou
de sendo), aplicando, para tal, vários processos especícos
que alteram a relação sica e visual que estabelecemos com
as imagens. O ato de “espreitar”, de curiosidade em relação
a algo, de descodicar e descobrir a imagem escondida
foram também pontos a que pretendemos aludir, com a
criação de peças que exigem uma aproximação sica, olhar
“pelo buraco da fechadura”, tocar/senr a sua supercie
lisa ou rugosa. As várias obras apresentadas são disto
testemunho e esveram patentes à apreciação do público
numa exposição (Galeria Belas Artes – ULisboa).
Há uma convivência de vários pos de suportes, tecnologias
e modos de fazer, sempre com o intuito de ir para lá da
supercie da imagem, recaindo sobre a relação estabelecida
entre o olhar, o toque e a maleabilidade das imagens das
quais parmos. Procurámos, assim, desenvolver criações
arscas entre a proximidade indispensável para tocar e a
distância necessária para ver, ancorando o trabalho plásco
na experiência tácl, visível e tangível do objeto fotográco,
deslocando e expandindo os processos arscos para o
campo da invesgação nas artes.
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This paper presents a study about narratives in music videos. It discusses the arrangements of audio-visual languages from settings established by characteristics of the media, emphasizing the role of platforms for the diffusion of information and entertainment such as YouTube. It highlights a dialogue within cinema's own language and shows that, in contemporary scenarios, music videos actually tell stories. It is argued that contemporary music videos, in great majority, increase the duration of music, with pauses, performances of characters, insertion of dialogues and other structuring elements that are not typical of the classic and conventional paradigms of a language. For our purposes, the objects of this study are the music videos of Canadian filmmaker Xavier Dolan. The theoretical foundation is established through authors involved in debates around a culture of convergence, transmedia storytelling and interactions among the audio-visual languages.
Book
To care can feel good, or it can feel bad. It can do good, it can oppress. But what is care? A moral obligation? A burden? A joy? Is it only human? In Matters of Care, María Puig de la Bellacasa presents a powerful challenge to conventional notions of care, exploring its significance as an ethical and political obligation for thinking in the more than human worlds of technoscience and naturecultures. Matters of Care contests the view that care is something only humans do, and argues for extending to non-humans the consideration of agencies and communities that make the living web of care by considering how care circulates in the natural world. The first of the book's two parts, "Knowledge Politics," defines the motivations for expanding the ethico-political meanings of care, focusing on discussions in science and technology that engage with sociotechnical assemblages and objects as lively, politically charged "things." The second part, "Speculative Ethics in Antiecological Times," considers everyday ecologies of sustaining and perpetuating life for their potential to transform our entrenched relations to natural worlds as "resources." From the ethics and politics of care to experiential research on care to feminist science and technology studies, Matters of Care is a singular contribution to an emerging interdisciplinary debate that expands agency beyond the human to ask how our understandings of care must shift if we broaden the world.
Book
From Snapshots to Social Media describes the history and future of domestic photography as mediated by technological change. Domestic photography refers to the culture of ordinary people capturing, sharing and using photographs, and is in a particular state of flux today as photos go digital. The book argues that this digital era is the third major chapter in the 170 year history of the area; following the portrait and Kodak eras of the past. History shows that despite huge changes in photographic technology and the way it has been sold, people continue to use photographs to improve memory, support communication and reinforce identity. The future will involve a shift in the balance of these core activities and a replacement of the family album with various multimedia archives for individuals, families and communities. This raises a number of issues that should be taken into account when designing new technologies and business services in this area, including: the ownership and privacy of content, multimedia standards, home ICT infrastructure, and younger and older users of images. The book is a must for designers and engineers of imaging technology and social media who want a better understanding of the history of domestic photography in order to shape its future. It will also be of value to students and researchers in science and technology studies and visual culture, as a fascinating case study of the evolving use of photographs and photographic technology in Western society.
Book
A literary, historical and philosophical discussion of attitudes to blindness by the sighted, and what the blind 'see' The "man born blind restored to light" was one of two foundational myths of the Enlightenment, according to Foucault. With ophthalmic surgery in its infancy, the fascination with blindness and what the blind 'see' once their vision is restored remained largely hypothetical. Was being blind, as Descartes once remarked, like 'seeing with the hands'? Did evidence from early ophthalmic surgery resolve debates about the relationship between vision and touch in the newly sighted? Has the standard representation of blind figures in literature been modified by recent autobiographical accounts of blind and vision impaired writers and poets? As this book shows, much interest in the philosophy and psychology of blindness was prompted by the so-called 'Molyneux Question' which Irish scientist Molyneux asked of English philosopher Locke in 1688. The question concerns 'sensory substitution', the translation between vision and touch, which would effect practical outcomes for the blind, including the development of Braille, the first school for the blind in Paris, and even present day Tactile-Visual Sensory Substitution (TVSS) technologies. Through an unfolding historical, philosophical, and literary narrative that encompasses Locke, Molyneux, and Berkeley in Britain, and Diderot, Voltaire, and Buffon in France, this book explores how the Molyneux Question and its aftermath has influenced attitudes towards blindness by the sighted, and technologies for the blind and vision impaired, to this day.
Article
The medieval icon was experienced not simply through sight, as in visual studies and museums today, but also through touch, sound, smell, and taste. Nor was it static: the icon became animated in its interaction with the faithful. Its rich, highly reflective materials and surface textures, combined with its setting—flickering candles and oil lamps, sounds of music and prayer, the fragrance of incense, and the approach and breath of the faithful—saturated the material and sensorial to excess. It led to a vision that transcended this materiality and gave access to the intangible: a taste of the divine.
Article
What are we to make of the return of the ‘picture’ in photography after conceptual art? In this article I engage directly with the lineage provided by Jeff Wall for his own brand of ‘pictorialist’ photography, and his surprising appropriation of Sherrie Levine to this end. I suggest that Wall's gesture of appropriation and the structure of his own works reveal a more irrational sense of the ‘picture’ as a force of deformation which may usefully be extended to the work of Thomas Demand. I argue that Demand's work does not support the terms of modernist aesthetics, and in particular, cannot be credibly interpreted as founding photography as a ‘medium’, as Michael Fried has suggested. Instead I argue that Demand's work presents photography as parasitic and bound in an irrational relationship to sculpture. Neither medium is self-supporting and each is instead ‘propped’ on the other, forced to cohere by the deforming operations of the ‘picture’.