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oportunidade empresarial em meio à crise sanitária: A regulamentação do Sistema Nacional de Educação como golpe fatal na educação brasileira

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Abstract

O artigo apresenta uma análise da movimentação do empresariado educacional nesse último ano pandêmico, especialmente no que tange à regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE). A partir da pesquisa de cunho documental, bibliográfico e jornalístico, identificamos que o empresariado educacional transformou a tragédia sanitária em janela de oportunidade, (re)apresentando antigas demandas como soluções inovadoras capazes de reverter os danos da pandemia à educação brasileira. Demonstramos que a regulamentação do SNE nos moldes empresariais é reivindicação do empresariado há mais de uma década e que, apresentada doravante como parte de sua farsa salvacionista (e lucrativa), não só aprofunda a subsunção da educação ao empresariado e a mercantilização e mercadorização da educação. Concluímos que, nos moldes em tramitação, o SNE opera um importante salto qualitativo no empresariamento da educação de novo tipo, podendo se consolidar como um golpe fatal na educação pública brasileira.
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A oportunidade empresarial em meio à crise sanitária Artigos
http://doi.org/10.36311/1519-0110.2021.v22n2.p59-80
A oportunidAde empresAriAl em meio à crise sAnitáriA: A
regulAmentAção do sistemA nAcionAl de educAção como golpe
fAtAl nA educAção brAsileirA
The business opporTuniTy in The midsT of The healTh crisis: The
regulaTion of The naTional educaTion sysTem as a faTal blow To
brazilian educaTion
lA oportunidAd de negocio em medio de lA crisis de sAlud: lA
regulAción del sistemA nAcionAl de educAción como golpe
fAtAl A lA educAción brAsileñA
Juliana Argollo SILVA1
Maria Carolina Pires de ANDRADE2
Vânia Cardoso da MOTTA3
RESUMO: O artigo apresenta uma análise da movimentação do empresariado educacional nesse último ano pandêmico,
especialmente no que tange à regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE). A partir da pesquisa de cunho
documental, bibliográco e jornalístico, identicamos queo empresariado educacional transformou a tragédia sanitária
em janela de oportunidade, (re)apresentando antigas demandas como soluções inovadoras capazes de reverter os danos da
pandemia à educação brasileira. Demonstramos que a regulamentação do SNE nos moldes empresariaisé reivindicação do
empresariado há mais de uma década e que, apresentada doravante como parte de sua farsa salvacionista (e lucrativa), não
só aprofunda a subsunção da educação ao empresariado e a mercantilização e mercadorização da educação. Concluímos
que, nos moldes em tramitação, o SNE opera um importante salto qualitativo no empresariamento da educação de novo
tipo, podendo se consolidar como um golpe fatal na educação pública brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Empresariamento da educação de novo tipo; Mercantilização; Subsunção da educação ao
empresariado; Sistema Nacional de Educação.
Professora de História na rede de ensino municipal de Saquarema e Doutora em Políticas Públicas e Instituições
Educacionais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. Email:
julianaargollo@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0069-5909.
Professora de Biologia na rede privada de Educação Básica do Rio de Janeiro e Doutoranda em Educação na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. Email: carolina.andradep@gmail.com ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-2946-5130
Docente da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. Email: vaniacmotta@gmail.com ORCID: https://orcid.
org/0000-0001-7946-928X
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SILVA, J. A.; ANDRADE, M. C. P.; MOTTA, V. C.
introdução
Em abril de 2020, a expressiva parcela anti-negacionista da população
brasileira vivia o pânico instaurado por tantas incertezas a respeito do Sars-Cov-2.
Compartilhávamos o pânico vivido por países como a Itália, onde o número de mortos
atingia a marca dos vinte mil e continuava a subir a despeito das medidas de isolamento
social. Vivíamos a dor das nossas primeiras cinco mil mortes e a angustiante sensação de
estarmos à deriva, raticada pela exoneração do então ministro da saúde devido às suas
divergências com aspectos da política genocida do atual presidente.
No dia 16 de abril de 2020, o empresário Jorge Paulo Lemann – um dos homens
mais ricos do mundo, controlador de gigantes como aAB InBev,a Kraft Heinze o
Burger King, além da sociedade com fundos de investimento como a 3G Capital e a GP
investimentos – armou em entrevista ao jornal O Globo que “[...] toda crise é cheia de
oportunidades [...] e que é disso que eu mais gosto”, haja vista que “as oportunidades
que aproveitamos em momento de crise foram melhores do que as que aproveitamos em
momentos normais” (SETTI, 2020, p. 1).
Especicamente no âmbito da educação, Lemann é conhecido tanto por suas
ações ditas lantrópicas, quanto pelas suas gigantes apostas em negócios. Além dos seus
vultosos investimentos na rede privada e no mercado de ações, o empresário é conhecido
por sua participação em ditas “organizações sociais” e “movimentos da sociedade civil
organizada4 em prol, há décadas, da melhoria da qualidade da educação.
O objetivo deste texto é demonstrar, justamente, como o empresariado
educacional (AUTOR, 2020) conseguiu transformar a calamidade pública em janela
de oportunidades para a alavancagem de antigas demandas – doravante não só sob a
promessa de melhorar a qualidade da educação, mas também de solucionar os enormes
problemas educacionais causados pela pandemia. Ao longo do texto, cotejamos alguns
exemplos de como essa parcela do empresariado se movimentou e fortaleceu sua atuação
políticadurante a crise sanitária, robustecendo o empresariamento da educação de novo
tipo (MOTTA; ANDRADE, 2020).
Elegemos como objeto central deste texto a regulamentação do Sistema Nacional
de Educação (SNE) - pauta histórica que nos remete aos Pioneiros da Educação nos anos
1930 e ao Fórum Nacional em Defesa da Educação Pública, que teve forte atuação no
processo da Constituinte. A pauta foi retomada e ressignicada em 2011, como veremos
adiante, pelo empresariado educacional, com o objetivo, dentre outros, de universalizar
a sua particular concepção de SNE. Demonstramos que, a despeito do momento em
O uso das aspas se justica por não concordamos com a concepção liberal e hegemônica dos termos destacados, em
que se pressupõem neutralidade e lantropia. À luz de Gramsci, por organização social entendemos aparelho privado de
hegemonia, e no que tange à sociedade civil organizada entendemos a complexidade da luta de classes que se trava no
seio do Estado ampliado, sendo a sociedade civil organizada uma expressão que comporta, mormente, a forma da classe
dominante exercer sua hegemonia e entrincheirar o Estado contra todo movimento contra-hegemônico travado no seio
da sociedade civil.
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A oportunidade empresarial em meio à crise sanitária Artigos
que o tema entra em pauta no Congresso, em 2011, é precisamente a crise sanitária
que funciona como argumento aglutinador de forças em torno do tema na sua acepção
empresarial e desaguando na aceleração de sua tramitação.
O texto está dividido em quatro seções. Na próxima seção, retomamos algumas
considerações gerais sobre o conceito de empresariado educacional e sobre o processo
de empresariamento da educação de novo tipo. Na segunda, abordamos as concepções
teóricas que embasam a proposta do empresariado, cujo cerne é a tríade regime de
colaboração, SNE e Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADE), bem como o
modo com que essas concepções embasam os projetos de leis em tramitação. Na terceira,
apresentamos algumas evidências da movimentação e do fortalecimento empresarial
durante a pandemia, especialmente no que tange à consolidação do SNE no modelo dos
ADE. Por m, apresentamos as considerações nais, concluindo que a regulamentação
do SNE nos moldes dos ADE pode representar um salto qualitativo no empresariamento
da educação de novo tipo.
ostrintA Anos gloriososdo cApitAl nA educAção: notAs sobre empresAriAmento
de novo tipo e o empresAriAdo educAcionAl
Como comentado na seção anterior, Jorge Lemann é um grande empresário
brasileiro atuante em diversas áreas, incluindo a educação. Lemann integra o que
denominamos, em trabalhos anteriores, de empresariado educacional – sujeito coletivo e
central do processo de empresariamento da educação de novo tipo (ANDRADE, 2020).
Esse conceito expressa a combinação das tendências estruturais da educação escolar
no bojo da sociedade de classes, condicionadas pelo capitalismo dependente, com as
particularidades do movimento do capital no seio do bloco histórico neoliberal.
Neste, o empresariado educacional conquista protagonismo e opera o
aprofundamento da mercantilização e da mercadorização da educação, bem como a
submissão da educação ao seu controle. O devir histórico destas dimensões expressa, por
um lado, mudanças quantitativas e qualitativas nos processos de subsunção da educação
escolar à forma e à lógica fetichizante-reicadora da mercadoria, e de sua comercialização
no mercado, seja na forma de ferramenta educacional, seja na forma de serviço; de
outro, subjuga a educação escolar ao controle empresarial de uma forma jamais vista na
história. A retroalimentação paulatina e candente dessas dimensões, em seu permanente
desenrolar histórico, écaracterística visceral do empresariamento da educação no tempo
presente.
O conceito deempresariado educacional abarca a parcela do empresariado brasileiro
que atua diretamente no âmbito da educação, a despeito de seus outros negócios. Nesse
sentido, compreende-se o conjunto de “intelectuais de novo tipo” (GRAMSCI, 2001)
que aora politicamente no Brasil no limiar do bloco histórico neoliberal, constituindo-
se como bloco social ético-politicamente consistente e dirigente malgrado suas tensões
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internas. Esse conjunto de “elaborações sociais superiores” atuantes na educação, que
assume tarefa de persuasão permanente,comporta tanto os grandes intelectuais orgânicos
da classe dominante – que organizam efetivamente a sociedade em geral, inclusive o
organismo estatal, subordinando-os às necessidades de expansão de sua própria classe
– quanto um quadro ativo e operante de prepostos aos quais são conadas as tarefas
conectiva, educativa, persuasiva e organizativa. Assim, o núcleo de intelectuais orgânicos
[...] confere à própria classe coerência, direção, organicidade, solidez e, portanto,
efetivo poder hegemônico – seja pela dimensão e pelo peso da atividade
econômica que exerce, comanda e/ou nancia; pelo grau de sua força política, pela
elaboração/assimilação das ideologias orgânicas ou, ainda, pela simultaneidade
desses fatores. Assim, de modo geral, consideramos de suma importância entender
o empresariado educacional como sujeito coletivo; como bloco que personica
uma parcela expressiva da classe dominante no seio do bloco histórico neoliberal.
A nosso ver, esse bloco empresarial agrega distintas frações de classe (capital
produtivo, bancário, nanceiro e comercial) em níveis absolutamente distintos
de concentração de poder econômico e político, isto é, que ocupam diferentes
lugares no ‘regime de acumulação com dominação nanceira ou nanceirizado’
(CHESNAIS, 2002, p. 2) e distintas funções no seio do Estado ampliado, no
âmbito dos aparelhos privados e estatais de hegemonia. [...] é justamente essa
heterogeneidade composicional que, por um lado, acirra suas disputas internas e,
por outro, lhe confere uma força econômica e política extraordinária no âmbito
educacional (MOTTA; ANDRADE, 2020, p. 317).
A organização do empresariado educacional em aparelhos privados de hegemonia
fortaleceu enormemente a atuação deste bloco na virada para o século XXI, além de
complexicar de sobremaneira a luta de classes. A contrarreforma do Estado (1995) e
suas legislações posteriores trataram de regulamentar um processo que vinha em curso,
oferecendo as condições materiais e legais do empresariamento principalmente pela
regulamentação da atividade empresarial na esfera pública, maquiada por noções como
a de lantropia.
A concepção de público não estatal – um dos princípios básicos da contrarreforma
– legitimou a transferência das funções do Estado no tocante às políticas públicas, e às
políticas sociais em especial, para o setor privado, que passou a atuar por meio de entidades
sociais privadas. Em 1998, com a Lei n. 9.637, foram qualicadas as Organizações
Sociais (OS) – entidades privadas que passaram a absorver atividades de setores públicos;
no ano seguinte, via Lei n. 9.790, foram regulamentadas as Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIP), com liberdade para atuar na “promoção gratuita da
educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que
se trata esta lei” (BRASIL, 1999). Não ao acaso, no Brasil, “[...] entre 1996 e 2005, o
crescimento das organizações da sociedade civil foi de 215,1% [...]. Em 1996, havia um
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total de 49.129 empresas no mercado educacional; esse número passou para 61.430 em
2006 e, em 2016, para 101.430” (MOTTA; ANDRADE, 2020, p. 325).
A miríade de organizações sociais-empresariais (e suas variações) vinculadas ao
grande capital e atuantes na educação nesses últimos trinta anos de empresariamento tem
origem justamente nesta época. As mais antigas se aglutinam com as novas organizações
sociais-empresariais, a exemplo da Fundação Roberto Marinho e do Centro de Estudos e
Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), que passam a funcionar
como uma espécie de braço social do Banco Itaú, junto com as novas organizações
sociais Itaú Social e Instituto Unibanco, entre outras; a Fundação Lemann, criada pelo
bilionário já mencionado neste texto, foi criada em 2002 e desde então atua na escola
pública via as chamadas parcerias; o Instituto Ayrton Senna, criado em 1994, já atuava
na rede pública em 1998 com o Programa Acelera Aprendizagem, e segue até hoje
atuando via programas intitulados, por eles próprios, de Soluções Educacionais.
Como consideramos em trabalhos anteriores, a despeito da importância dessa
profusão de aparelhos de hegemoniaempresariais, o Movimento Todos pela Educação
(TPE) é o corolário do empresariamento da educação de novo tipo, haja vista que o
grau de hegemonia conquistado jamais foi visto na história. Criado em 2006, então,
presidido por Jorge Gerdau Johannpeter, empresário do ramo de siderurgia, um dos
homens mais ricos do mundo e fundador de outros movimentos assumidamente
empresariais como o Ação empresarial (1994) e Movimento Brasil Competitivo, (2001),
o TPE reúne guras vinculadas ao Estado estrito (como o então ministro da educação,
Fernando Haddad, e agentes do Conselho Nacional de Educação (CNE), como Cesar
Callegari, Mozart Ramos e Maria Helena Guimarães de Castro); grandes empresários-
proprietários, como Jorge Lemann, Emílio Odebrecht e Maria Alice Setúbal e, ainda,
representantes de empresas como Itaú Social, DPaschoal, Gol, Fundação Victor Civitta
e outros (MOTTA; ANDRADE, 2020).
Em 2007, esse conjunto de forças sociais, revestido pelo manto liberal-republicano,
submete a educação pública à sua lógica mormente via controle sobre a formulação,
tramitação e implementação das políticas públicas de educação. Marco desse processo é
o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (CTPE), promulgado via Decreto
nº 6.094/2007. Diversos autores, como Saviani (2007) e Martins (2013), mostram como
o TPE, com amplo apoio e respaldo do Estado estrito, submeteu todo o funcionamento
da educação pública ao ethosgerencialista-empresarial e subjugou o processo escolar,
diretamente, às suas necessidades em termos de formação de força de trabalho – tanto
da parcela que integra a população economicamente ativa quanto aquela que integra
o“exército industrial de reserva”5, abarcando as esferas físico-cognitiva, comportamental,
socioemocionale moral. Sob a lógica do social-liberalismo,
 Parcela da classe trabalhadora que se encontra desempregada ou parcialmente empregada (MARX, 2013)
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[...] essas forças lograram rmar um eixo discursivo que irá orientar as ações
do capital nos anos seguintes: a educação fundamental foi universalizada, mas
carece de qualidade; o Estado e os professores fracassaram na reversão do quadro
de repetência, de evasão e de baixo desempenho escolar, então, é legítima a
participação ativa da sociedade civil, leia-se, das organizações vinculadas ao capital,
na condução dos assuntos educacionais, ainda que em confronto com professores
avessos às tais “reformas” (MOTTA; ARGOLLO, 2017,p. 145).
O fortalecimento político desse empresariado na educação cresceu de forma
inacreditavelmente assustadora desde então. O TPE obteve êxito não só em ditar o
conteúdo e a forma da educação pública, mas também em ampliar os meios de entrada
do empresariado educacional no chão da escola, os nichos de mercado e de investimentos
educacionais e as formas legais e legítimas de acesso ao fundo público. Anal, tudo é
válido se em prol de uma educação melhor. Quem se oporia?
Como demonstramos em trabalhos anteriores, do TPE nascem outros aparelhos
de hegemonia que funcionam como seus braços, quase sempre conduzindo medidas
de contrarreforma especícas consideradas urgentes e o passo faltante para atingir a
sonhada qualidade da educação. Para exemplicar o que estamos dizendo, podemos
lembrar que, em 2010, o TPE lançou cinco bandeiras norteadoras de suas ações, sob a
armação de que era necessário alcançá-las para então cumprir as metas do CTPE. A
primeira dessas metas era: 1- Currículo: o País precisa ter um currículo nacional, com
as expectativas de aprendizagem dos alunos por série/ciclo (GIFE, 2010 apud MOTTA;
ANDRADE, 2020).
Poucos anos depois, em 2013, o Movimento pela Base Nacional Comum– auto
intitulado Organização Não-Governamental de prossionais da educação que desde 2013
atua para facilitar a construção de uma Base de qualidade (MPB, 2021) – apresentou-se
no Seminário Liderando Reformas Educacionais e Fortalecendo o Brasil para o século
XXI, organizado pela Universidade de Yale em parceria com a Fundação Lemann.
Diversos autores (MOTTA; ARGOLLO, 2019, 2020, FREITAS, 2014) demonstram
como a Base Nacional Comum Curricular impacta negativamente o trabalho docente
nas suas mais diversas esferas; como exacerba o controle empresarial sobre o conteúdo e a
forma da educação escolar via currículo e avaliação; como contribui para o conformismo
da força de trabalho, esvazia o conhecimento historicamente acumulado e amplia de
sobremaneira o mercado educacional, dentre tantos outros efeitos deletérios.
Outro exemplo dos braços do TPE, que particularmente nos interessa nesse
espaço, é o Movimento Colabora. Tal como o Movimento pela Base, o também chamado
Colabora Educação é integrado pelo Instituto Natura, Instituto Unibanco, Fundação
Lemann, Itaú Social e o próprio TPE, e se auto descreve como grupo que atua, “[...]
desde 2016 de maneira a contribuir para o fortalecimento da governançafederativa da
educação, tanto no que diz respeito ao respectivo arcabouço legal e normativo quanto
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A oportunidade empresarial em meio à crise sanitária Artigos
pela expansão das políticas públicas em Regime de Colaboração” (MOVIMENTO
COLABORA, 2021, p. 1). O nexo entre o regime de colaboração e o SNE é feito pelo
Movimento da seguinte forma:
A colaboração é, portanto, um caminho propício para alcançar resultados positivos
na oferta de uma educação de qualidade. Entendemos que ela é necessária para
assegurar a aprendizagem dos estudantes e uma alternativa potente para reduzir as
desigualdades que existem no Brasil, promover a equidade, assegurar a boa gestão
de recursos e insumos pedagógicos, implementar e dar continuidade a uma série de
políticas públicas. [...]. Neste sentido,entendemos e rearmamos a importância de
se consolidar uma efetiva governança educacional, por meio da regulamentação de
um SNE. Desta forma, todos os entes federados, sob uma mesma normativa, terão
condições e orientações semelhantes para institucionalizar e conduzir seutrabalho
em Regime de Colaboração. A falta de um Sistema Nacional que coordene e
distribua as responsabilidades pela educação brasileira é um empecilho para a
implementação de políticas públicas educacionais em Regime de Colaboração.
[...]. Regulamentar o SNE é urgente e necessário [...]. Ainda que verse sobre
questões complexas, como autonomia dos entes e nanciamento da Educação,
estamos certos de que a partir do esforço de cada ator envolvido no processo, os
consensos surgirão(MOVIMENTO COLABORA, 2020a, p. 1-2, grifos nossos).
É importante observar que a urgência de melhorar a qualidade da educação é
associada à institucionalização do SNE, uma vez que facilitaria a implementação das
demais reformas educacionais empresariais. No site do Movimento Colabora (2021b) é
possível encontrar, por exemplo, reportagem intitulada Sistema Nacional de Educação
facilitaria a implementação da BNCC em todo o país. O SNE consiste em instrumento
que homogeneíza a gestão das redes de ensino dentro do padrão de ‘qualidade’ delimitado
pelo empresariado, via acordos institucionais.
Na próxima seção abordamos as disputas em torno dos possíveis modelos de
SNE, frequentemente apagadas pelo empresariado educacional – tal como ocorre com
as disputas em torno da BNCC. Traremos algumas discussões para mostrar a base teórica
da proposta em curso e que o modelo de SNE em pauta corresponde aos interesses do
empresariado de longa data, integrando a trajetória desse bloco social de protagonizar
o hodierno empresariamento da educação. Outrossim, que a proposta, historicamente,
ganha força em conjunturas especícas de alterações no bloco de poder.
o sistemA nAcionAl de educAção como propostA de governAnçA federAtivA
Para qualicar o debate sobre o SNE na atual conjuntura política é importante
contextualizar, brevemente, a luta dos trabalhadores da educação no período da
Constituinte (1986-1988). Nesse sentido, deve-se ter claro que o SNE, assim como a
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BNCC, são temas igualmente caros aos que ocupam, incansavelmente, as trincheiras da
luta de classes.
Como tratado em trabalhos anteriores, o debate sobre o SNE foi sistematizado
em um período de profunda catarse para os trabalhadores da educação, isto é, de acerto
de contas com o período anterior, cuja tônica foi a expansão sucateada da educação
pública (ANDRADE; ARGOLLO; LAMARÃO, 2021, p. 313). À época, reconhecendo
a complexidade em articular as redes de ensino municipais, estaduais e federal no
Brasil,setores do campo educacional defenderam a regulamentação do regime de
colaboração entre os entes federados, e o papel de articulação e coordenação da União
na formulação e implementação das políticas públicas de educação.Foi precisamente nas
disputas da Constituinte que o debate sobre o federalismo cooperativo foi instituído
na Carta de 1988. Tinha-se por horizonte regulamentar um pacto federativo de
compartilhamento de responsabilidade da União com a educação básica.
No entanto, a proposta de regulamentação do regime de colaboração, por meio
da institucionalização do SNE, vem sendo discutida no Congresso Nacional desde
2011, com conteúdo teórico e político distinto do debate travado na Constituinte;traz a
perspectiva da governança federativa.
Coma apresentação dos projetos de lei complementar nº 15, de 2011 (Deputado
Felipe Bornier) e nº 413, de 2014 (Deputado Ságuas Morais), o empresariado dedica-se
na construção de consenso em torno da proposta de regime de colaboração horizontal,
sobretudo no formato dos Arranjos de Desenvolvimento de Educação (ADE). Em
2012, a Resolução CNE/CEB nº 1/2012 dispôs sobre a implementação do regime de
colaboração mediante ADE, como instrumento de gestão pública para a melhoria da
qualidade social da educação (MEC, 2012). Desde então, o regime de colaboração de
tipo horizontal constitui em uma das principais trincheiras, edicada pelo empresariado,
nas atuais disputas de institucionalização do SNE, em lei complementar6.
Importante frisar que os ADE apareceram pela primeira vez no contexto do
mencionado Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, 2007, sob o rótulo
de arranjos educativos territoriais, no sentido de articular a educação com as atividades
econômicas locais.
Como instrumento de gestão pública e sob a justicativa de melhorar a qualidade
do ensino, os Arranjos correspondem a regulamentação de um regime de colaboração
de novo tipo, à medida que propõe a articularas redes de ensino municipais com o setor
privado, e/ou, vincular a educação pública as contrapartidas econômico-empresariais.
No geral, os acordos de cooperação são rmados “[...] por um agente local, oriundo dos
Com as alterações do bloco no poder no ano de 2016, o PLP Nº 413/2014 foi arquivado. Não obstante, essa proposta
de SNE foi retomada em 2019 na Câmara dos Deputados mediante o PLP Nº 25/2019, de autoria da deputada federal
Professora Dorinha Seabra Rezende e com relatoria do deputado federal Idilvan Alencar. No Senado, foi colocado como
pauta ordinária via PLP Nº 235/2019, de autoria do senador Flávio Arns, com relatoria do senador Dário Berger.
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quadros das instituições públicas ou privadas envolvidas, responsável pela mobilização
dos entes participantes” (BRASIL, 2019, p. 2).
A presente análise problematiza a concepção de SNE do empresariado, portanto,
referenciada no conceito de governança federativa, pois fortalece a construção de
consenso do regime de colaboração conforme o formato dos ADE. Em razão de uma
vasta literatura relacionar o federalismo cooperativo à proposta de governança horizontal,
os ADE têm sido legitimados em consonância com o debate institucionalista. Defende-
se um sistema político não centralizado, constituído por uma combinação especial de
autonomia e interdependência entre os entes federados.
Esta perspectiva tem como referência teórica os estudos sistematizados por Daniel
Elazar, que compreende o federalismo cooperativo como uma “[...] coexistência de
diferentes centros de poder, sem relação hierárquica entre eles” (FRANZESE, 2010,
p.33). Noutros termos, como um pacto que demanda a criação de arranjos institucionais
não centralizados, congurando uma “[...] forma particular de Estado que envolve
extensiva e contínua relação entre o governo federal e os governos subnacionais”
(ABRÚCIO; SEGATTO, 2016, p. 414).
Cibele Franzese (2010, p. 79), por sua vez, defende o federalismo cooperativo
enquanto um pacto regulamentado pela Constituição Federal de 1988, que impulsione
a construção da autonomia e interdependência entre os entes federados. Para a autora,
deve-se entender, de um lado, “[...] como as particularidades das estruturas institucionais
do federalismo impactam o resultado das políticas públicas”, de outro, como “[...] o
processo de universalização e igualdade no acesso as políticas sociais, a partir da segunda
metade da década de 1990, transformou o federalismo brasileiro, rumo a um modelo
mais cooperativo” (FRANZESE, 2010, p.87). Defende-se, assim, a conguração de
uma “[...] forma particular de Estado que envolve extensiva e contínua relação entre o
governo federal e os governos subnacionais” (ABRÚCIO; SEGATTO, 2016, p. 414).
Neste sentido, diversas pesquisas sobre a governança federativa citam as supostas
vantagens do regime de colaboração horizontal, embasando teoricamente a construção
do consenso por parte do empresariado. A vasta literatura acadêmico-cientíca, nacional
e internacional sobre o tema destaca, centralmente, a relevância de institucionalizar uma
matriz de relações horizontais do tipo intergovernamentais, levando consideração a
autonomia, interdependência e cooperação dos entes subnacionais no setor.
Para Romero (2016), o associativismo intermunicipal é uma ferramenta-chave
que auxilia na melhoria da gestão administrativa e nanceira dos governos locais, haja
vista que, ao se associarem, os municípios podem negociar com os governos regionais
e com o setor privado de maneira mais eciente. Com isso, podem gerar espaços de
coesão social não só a nível local, mas também dentro de um território maior. Para este
autor, no médio e longo prazo este modelo de gestão produzirá uma sociedade civil
mais forte e articulada com as ocinas municipais, fortalecendo os governos locais e a
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gura dos prefeitos e rompendo com a tendência à estagnação e isolamento causado pela
descentralização.
Corroborando com os efeitos virtuosos da governança horizontal, Daniel
Cravacuore (2016, p. 22) argumenta que a crescente falta de capacidade do Estado em
resolver as demandas da sociedade local contemporânea evidencia a necessidade de uma
reconguração político-administrativa mais exível dos municípios, “concebendo que
cada necessidade social tem uma territorialidade própria”. Como destacado pelo autor,
“[...] o associativismo intermunicipal é a amostra de uma busca para resolver problemas
emergentes de jurisdições municipais antiquadas, que não respondem a conguração
territorial dos processos sociais contemporâneos” (CRAVACUORE, 2016, p.23).
Para esses autores, as vantagens da governança horizontal decorrem i) da
possibilidade da economia de escala; ii) do aumento do poder de negociação das
autoridades municipais com os entes públicos e com o setor privado; iii) da criação
de uma metodologia de intervenção e instrumentos inovadores para a melhoria da
planicação e gestão das políticas; iv) da criação de capacidades dos atores territoriais
que originem novas alianças e projetos e v) da possibilidade de produção de informações
ajustadas aos problemas reais dos territórios.
Catarina Segatto (2015) destaca ainda que a participação de atores não estatais é
um avanço para as relações intergovernamentais no âmbito do federalismo brasileiro. Na
concepção da autora, o federalismo cooperativo é denido como a dispersão da autoridade
do governo central, verticalmente, para os estados e municípios, e horizontalmente para
atores não estatais, como no caso da atuação das organizações sociais empresariais na
criação dos ADE.
Os Arranjos constituem uma forma de colaboração horizontal, tendo como
princípio a formação de redes entre os municípios com proximidade geográca e
características sociais e econômicas semelhantes, intermediado pelas instituições de
organizações de cunho empresarial. Este modelo de gestão intermunicipal propicia
intensicar as parcerias público-privadas e consórcios privados nas redes de ensino
de acordo com as demandas socioeconômicas locais e os interesses empresariais nos
territórios.
Os ADE conguram, assim, arranjos sociais informais; convênios de colaboração
horizontal dos municípios com o setor privado, relacionado à captação de fundos
nanceiros com instituições públicas e privadas, ou com os organismos internacionais.
Acabam por depender, assim, das diretrizes dos doadores que participam na gestão
de cada arranjo, bem como, da indução dos governos estatais (GRIN; SEGATTO;
ABRUCIO, 2016).
Cassini (2016) articula a dependência nanceira à desarticulação entre os
aspectos político-administrativos e nanceiros do Estado nos anos 1990, que incidiu em
expressiva redução do nanciamento das políticas públicas. Precisamente nesse sentido
ORG & DEMO, Marília, v. 22, n. 2, p. 59-80, Jul./Dez., 2021 69
A oportunidade empresarial em meio à crise sanitária Artigos
os entes subnacionais passaram a estar cada vez mais dependentes da transferência de
recursos públicos ou privados.
Além dos ADE, existem algumas outras formas de associativismo intermunicipal,
quando instituídos com os consórcios públicos e privados ou territórios de cooperação.
Quando se comparam com os ADE, os consórcios têm menor exibilidade e
maleabilidade no tocante à inclusão de organizações sociais.
Nesse âmago, importante destacar que, de acordo com o Parecer CNE/CEB Nº
7/2020, os Consórcios Públicos, institucionalizados pela Lei nº 11.107/2005, podem ser
assumido como referência para o desenvolvimento dos ADE. Considera-se que o modelo
de consórcios apresenta a vantagem de representar institucionalidade e personalidade
jurídica, oferecendo mais segurança institucional e robustez aos acordos de colaboração.
Concluiu-se que existe uma relação de complementariedade entre os modelos de ADE e
de Consórcios, os quais não concorrem entre si, e não são, necessariamente, consecutivos.
Um território poderá seguir organizado em ADE, principalmente os municípios de
pequeno porte, enquanto outros poderão migrar para o modelo de consórcios, sempre a
depender das necessidades e possibilidades socioeconômicas da região.
Para os autores já citados, experiências de associativismo intergovernamental
na política educacional, em especíco os ADE ou Territórios de Cooperação
Educacional, conguram mecanismos que avançam na governança horizontal; são
novos “[...] paradigmas administrativos que vêm redesenhando as relações inter e extra-
governamentais, mais voltadas para uma política de governo, com agenda pontual,
enviado por interesses privados” (CASSINI, 2016, p.29). Para a autora, esta perspectiva
de governança horizontal dene as formas do que seria o regime de colaboração na
execução da competência educacional e delimita o conteúdo do que são eciência e
qualidade na área.
Além do mais, o estímulo de políticas públicas como “[...] contratualização entre
níveis de decisão de mesmo grau” (GRIN, 2016, p.135), a exemplo das associações
intermunicipais, consórcios públicos, entre outros arranjos associativos, é apresentado
como solução para as questões relativas aos recursos. A governança horizontal é
pautada, portanto, pelo ideário da administração gerencial, introduzida por uma
nova institucionalidade que transforma as relações federativas, principalmente com a
introdução da contratualização como instrumento da administração pública. Redenem-
se, assim, os papéis dos entes federados, onde a União assume o papel de elaborar e
coordenar a política educacional, e os estados e os municípios a responsabilidade por
sua execução.
Desse modo, esta abordagem teórico-metodológica institucionalista tem por
objeto de intervenção o federalismo cooperativo, enquanto mecanismo jurídico que
possibilita superar as contradições das políticas educacionais geradas pela descentralização
administrativo-nanceira do Estado. Especicamente, esse recorte constrói consenso com
70 ORG & DEMO, Marília, v. 22, n. 2, p. 59-80, Jul./Dez., 2021
SILVA, J. A.; ANDRADE, M. C. P.; MOTTA, V. C.
a proposta de regime de colaboração de tipo horizontal elaborado pelo empresariado,
visto que reivindica a criação de uma nova institucionalidade que permita implementar
mecanismos de colaboração entre os entes governamentais e organizações do setor privado.
Fortalecendo a construção de consenso em torno da governança horizontal,
Fernando Abrúcio e Catarina Segatto (2016) argumentam que o predomínio do
formato federalista descentralizado e competitivo, não cooperativo, dicultou superar
a desigualdade no acesso à educação pública. Por conseguinte, a regulamentação do
regime de colaboração deveria ser realizada via institucionalização do SNE, de modo
a romper com o descompasso entre descentralização e universalização (igualdade) da
política educacional.
Vale destacar que os autores armam ter havido avanços nessa esfera por iniciativa
da União, como foi o caso da criação Plano de Ações Articuladas (PAR) e da Secretaria
de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE), em 2011. O primeiro porque é
“[...] um dos principais elementos que caracterizam as relações intergovernamentais na
educação” (SEGATTO, 2015, p.71), a partir do qual “[...] o Governo Federal nancia
a implementação de programas federais, de organizações não governamentais e de
fundações e institutos empresariais” (SEGATTO, 2015, p.71). O segundo por ter o
intuito de fortalecer o regime de colaboração, com destaque no modelo de cooperação
horizontal entre os municípios por meio dos ADE ou Territórios de Cooperação
(SEGATTO, 2015, p.75-76).
Nessa ótica, para capilarizar o modelo de governança horizontal entre os
municípios e os respectivos estados é imprescindível institucionalizar um SNE que busque
impactar na melhoria do accountability, instaurando uma cultura de responsabilização e
articulação dos entes subnacionais.
Eduardo Grin (2016) atribuiu a União um papel central nas Comissões
Intergestoras, concorrendo na indução de capacidades estatais municipais. Segundo
avaliação desse autor, o conceito de sistema supõe articulação federativa nacional apoiada
no importante papel regulamentador, indutor, coordenador e nanciador da União.
Destarte, o SNE visa ajustar autonomia subnacional e convergência federativa, onde as
leis federais são executadas em todos os níveis de governo, mas sem uma visão hierárquica
típicas de um federalismo coercitivo. Ademais, sua institucionalização possibilita dotar
as arenas de negociação federativa de autoridade decisória, aumentando a probabilidade
de essa pactuação lograr êxito em termos de autoridade e legitimidade.
Esse é o caso do PLP nº 25/2019, em tramitação na Câmara dos Deputados,
que ao propor a criação de Comissões Permanentes de Pactuação Federativa no âmbito
nacional, estadual e municipal, tem a nalidade de regulamentar o parágrafo único
do art. 23 da CF/1988, referente ao regime de colaboração entre os entes federados
no campo das políticas educacionais, na perspectiva dagovernança horizontal entre os
sistemas de ensino.
ORG & DEMO, Marília, v. 22, n. 2, p. 59-80, Jul./Dez., 2021 71
A oportunidade empresarial em meio à crise sanitária Artigos
Assim, o PLP nº 25/2019 propõe a institucionalização da Comissão Tripartite
de Pactuação Federativa, no âmbito federal, que além de negociar com os estados e
municípios a política nacional de educação, tem a atribuição de estabelecer padrões de
qualidade ao elaborar a metodologia do Valor por Aluno-Ano (VAA); contribuir para a
elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE) subsequente; subsidiar a União na
formulação de políticas e programas educacionais; e estimular a cooperação horizontal
entre os entes federados.
Na esfera estadual o referido projeto de lei objetiva criar Comissões Bipartites
de Pactuação Federativa com atribuições especícas no tocante à oferta do ensino
fundamental e do ensino médio. Para tanto, as Comissões Bipartites cumprem a função
de estimular a cooperação horizontal com outros estados e entre municípios na execução
de políticas, ações e programas conjuntos. Por m, este projeto de SNE institui os
Polos Regionais de Educação como possibilidade de institucionalizar o associativismo
intermunicipal, sob a forma de consórcios e/ou de ADE.
A proposta do Senado, o PLP nº 235/2019, não delimitou a existência dessas
instâncias de negociação federativa para a institucionalização do SNE, atendo-se na
regulamentação do regime de colaboração horizontal mediante ADE e consórcios.
Demonstrando um processo de coesão e de consenso entre as duas propostas de
SNE, o relator Dario Berger tem avaliado a relevância de incluir a criação de comissões
de gestores dos três níveis de governo no projeto em apreciação no Senado7, conforme
reivindicado pelo movimento empresarial Todos Pela Educação8.
Nesse ínterim, o movimento empresarial tem se articulado com segmentos da
sociedade política para a apreciação e aprovação novos formatos de ‘cooperação’ do setor
público com o setor privado. Não só em relação à institucionalização do SNE, como
também tem disputado o fundo público para o nanciamento dos ADE em legislação
especíca, como o caso do Projeto de Lei nº 5.182/2019, apensando ao Projeto de Lei
Nº 2.417, de 2011. Essas proposições têm a nalidade de vincular as ações supletivas e
redistributivas da União no nanciamento dos ADE.
Com esse propósito, estes projetos de lei delimitam que o processo de formalização
de um ADE contará com a mediação de um contrato de cooperação entre os entes
federados envolvidos com uma entidade da sociedade civil sem ns lucrativos. Essa
última atuará como agente de articulação e fomento das ações coordenadas do Arranjo,
Para vericar o posicionamento do relator Dario Berger sobre a institucionalização do SNE ver: https://www12.senado.
leg.br/noticias/materias/2021/08/30/senado-debate-sistema-nacional-de-educacao-na-sexta-feira.
Em documento o movimento Todos Pela Educação sistematiza uma proposta de Sistema Nacional de Educação (SNE)
segundos seus interesses, intitulando-a de “Sistema de Cooperação Federativa na Educação”. Ressalta, nesta proposta, que
o objetivo é retomar o debate sobre a construção de uma lei complementar que institua novos formatos de cooperação
entres os sistemas, redes, e intuições de ensino da educação básica. Este documento foi construído junto ao Movimento
Colabora Educação, no ano de 2019, e constitui uma “recomendação política” do empresariado para a denição das
diretrizes norteadoras do SNE. Disponível em: https://www.todospelaeducacao.org.br/_uploads/_posts/165.pdf .
72 ORG & DEMO, Marília, v. 22, n. 2, p. 59-80, Jul./Dez., 2021
SILVA, J. A.; ANDRADE, M. C. P.; MOTTA, V. C.
podendo receber assistência técnica e nanceira da União, com vistas à implementação
das ações coordenadas e pactuadas pelos entes envolvidos. Logo, a questão central do PL
Nº 2.417/2011 é possibilitar a institucionalização do ADE de forma que o mesmo possa
receber, diretamente, os recursos provenientes do repasse da União aos entes federados,
com a intermediação das entidades empresariais.
Em síntese, vericamos que existe uma correlação de forças favorável à aprovação
destes projetos de lei, em vista do empenho de um grupo de congressistas na tramitação
sobre a matéria, de forma que, ainda nesse ano, seja pauta prioritária das casas legislativas.
Consequentemente, a institucionalização do SNE, nesses moldes, intensicará a
hegemonia do movimento empresarial no setor educacional, através de uma ‘reforma
no ordenamento jurídico da educação pública, ao prever o ADE como mecanismo de
regime de colaboração horizontal entre as redes de ensino.
A pAndemiA, os impActos nA educAção públicA e As soluções empresAriAis:
trAnsformAndo crises em oportunidAdes
Como exposto anteriormente, o empresariado educacional rearma a pauta da
regulamentação do SNE nos moldes dos ADE em 2019, quando tramitavam, também,
propostas sobre o novo Fundeb. Também demonstramos, em trabalhos anteriores, que
apesar da independência aparente entre as propostas de SNE e do Novo Fundeb, o
fato de estarem tramitando paralelamente transcendia uma coincidência meramente
temporal,de modo que as mesmas se retroalimentavam em termos de acesso, por parte
do empresariado, às verbas destinadas à educação pelo fundo público (ANDRADE;
ARGOLLO; LAMARÃO, 2021).
A pandemia atingiu o sistema educacional de imediato, pela suspensão das aulas
presenciais, na rede pública e na rede privada. Esta última, para continuar prestando os
serviços educacionais para os quais são pagas, logo ofereceu o chamado ensino remoto,
a despeito da saúde mental de docentes e discentes.
A rede privada de Educação Básica detinha, em 2020, cerca de 18% das matrículas.
Nesse sentido, o modo com que essas escolas, durante a pandemia, serviram à parcela
do mercado educacional composto pelas chamadas big techs é irrefutável: diferentemente
do cenário de crise instaurado em 2008, quando a Microsoft viu suas ações despencarem
60% e a Google perdeu mais da metade do seu valor de mercado, em 2020 a crise do
coronavírus fez disparar suas receitas. No segundo trimestre de 2020, Google, Apple e
Microsoft registravam lucros recordes. A Microsoft obteve lucro scal de 16,5 mil milhões
de dólares – um aumento de quase 50% em relação ao segundo trimestre de 2019; o
grupo Alphabet, dono da Google, lucrou 13,23 mil milhões de dólares (LUSA, 2021).
Em 2020, a Arco Educação – grupo brasileiro comcapital abertona bolsa norte-
americana Nasdaq – obteve receita de um bilhão de reais, uma alta de 75% comparado
ORG & DEMO, Marília, v. 22, n. 2, p. 59-80, Jul./Dez., 2021 73
A oportunidade empresarial em meio à crise sanitária Artigos
ao ano de 2019. De acordo com o fundador da Arco, o bom resultado se deve à “[...]
agilidade da empresa em se adaptar às rápidas transformações tecnológicas ocorridas
no mercado”, continuando capazes “de oferecer educação de alta qualidade em escala
(CABRAL, 2021, p.1).
Sem desconsiderar o grau de signicância dos eventos mencionados acima,
optamos por, no escopo deste texto, entender como a pandemia serviu ao empresariado
para impulsionar a antiga demanda pela regulamentação do SNE nos moldes dos ADE.
Devemos lembrar que, desde 2016, o Movimento Colabora Educação arma que o
trabalho isolado dos entes federados é uma das principais causas da má qualidade da
educação, pois não se garante ao alunado trajetória escolar coerente e equânime.
Se havia um quadro altamente desigual em termos de oportunidades educacionais
e trajetórias escolares, é certo que a pandemia agravou o problema. No primeiro mês de
suspensão das atividades presenciais no Brasil, e ainda sem qualquer certeza do que seriam
os próximos meses de pandemia brasileira, o Colabora deixou claro que a crise seria, em
qualquer aspecto, justicativa para a emergência de regulamentação do SNE, tendo em
vista a necessidade de coordenação das ações nesse campo. “É inegável que o campo da
educação pública é profundamente afetado pela crise. E, mesmo em meio a tamanha
paralisação, o tema doRegime de Colaboraçãose mostra urgente” (MOVIMENTO
COLABORA, 2020a, p.2)
No mês seguinte, em abril de 2020, o Colabora divulgou uma análise do Parecer
do CNE sobre a retomada das atividades pedagógicas e a reorganização do calendário
escolar. Nesse, armou:
Importante enfatizar que o Regime de Colaboração e o aprimoramento
da governança federativa são pressupostos indispensáveis para se pensar a
educação pública frente à crise atual. [...]. O Regime de Colaboração deve ser
exercida em todos os níveis e instâncias para que haja uma pactuação clara visando
um objetivo comum. Tanto para o calendário escolar quanto para a educação
remota [...]. Com a pandemia, ca mais evidente a urgência da regulamentação
do Sistema Nacional de Educação (SNE). Mediante necessidade prática de
uma coordenação federativa efetiva para os dias atuais e para desaos futuros,
o CNE, passada a discussão de temas prioritários no contexto da pandemia do
COVID-19, deve se posicionar de forma ativa quanto à necessidade de um SNE,
dando sequência ao trabalho já iniciado em Comissão da Câmara de Educação
Básica (MOVIMENTO COLABORA, 2020b, s.p., grifos nossos).
Em maio, o Colabora divulgou uma entrevista com João Marcelo Borges, diretor
de Estratégia Política do TPE. O diretor não fez ponderações; armou que, sem qualquer
sombra e dúvida, os inúmeros tipos de consórcios existentes no Brasil mostram que
algumas esferas têm vasta experiência em Regime de Colaboração, podendo atuar no
âmbito educacional sem diculdades. Outrossim, que se estivéssemos atravessando a crise
74 ORG & DEMO, Marília, v. 22, n. 2, p. 59-80, Jul./Dez., 2021
SILVA, J. A.; ANDRADE, M. C. P.; MOTTA, V. C.
sanitária com um SNE já regulamentado o quadro seria bastante distinto, uma vez que as
ações seriam coordenadas nacionalmente (MOVIMENTO COLABORA, 2020c).
Para exemplicar, foram divulgados diversos exemplos de arranjos institucionais
atuando como “comunidades educacionais”, sendo os modelos mais comuns na educação
os ADE e os Consórcios. No site do Movimento, é possível encontrar exemplos como
o Consórcio Intermunicipal do Sul de Alagoas(Conisul), que reúne 17 municípios
fortalecidos no campo da educação apesar da pandemia e da descentralização das ações.
Outro exemplo é o Arranjo de Desenvolvimento da Educação da Grande Florianópolis
(ADE)que tem como princípio o trabalho em colaboração a despeito da ausência e um
SNE que abrisse o leque de colaboradores e facilitassem o trabalho educacional durante
a pandemia (MOVIMENTO COLABORA, 2020d).
O processo de convencimento continuou ao longo de 2020. Ricardo Henriques –
integrante do TPE, do Instituto Unibanco, do Movimento pela Base e outros – armou
em entrevista que a crise sanitária era agrava pela paralisia do MEC, o que exigia o regime
de colaboração horizontal para avançar na formulação e implementação de políticas
públicas capazes de garantir mais equidade na educação. Para tanto, era necessário “[...]
pressionar o MEC para que se crie, com urgência, o SNE”, mobilizando o CNE e o
“Congresso Nacional para o sentido de urgência da construção do Sistema. Com ele,
poderemos viabilizar um aumento da efetividade da articulação entre entes federativos,
um melhor nanciamento da educação básica [...]” (MOVIMENTO COLABORA,
2020d, s.p.). No segundo semestre de 2020, foram divulgadas inúmeras chamadas a
pressionar o Congresso Nacional pela aprovação do projeto em tramitação.
Em dezembro, o Movimento (2020e) divulgou uma reportagem intitulada
Desaos e oportunidades para consórcios e arranjos de desenvolvimento da educação
para 2021, na qual armava-se a urgência de que a Efetivação de um SNE entrasse na
pauta Brasil 2021. Para o Colabora (20202, s.p.) e para o Instituto Positivo estava mais
do que claro que
[...] os relatos de gestores e professores acostumados com o Regime de Colaboração
comprovam que esse modelo de trabalho na Educação se mostrou grande aliado
para enfrentar um período tão delicado. No caso dos Consórcios e Arranjos de
Desenvolvimento da Educação (ADE), as experiências mostram que o repertório
consolidado pode, inclusive, servir como inspiração para uma nova cultura
colaborativa a ser acolhida pela gestão que se inicia nos municípios após as eleições
de 2020. [...]. Apesar de não existir fórmulas, alguns caminhos estão colocados. O
materialArranjos de Desenvolvimento da Educação: Caminhos para Implantação
e Gestão pode ser um documento de apoio rico para os novos gestores – e também
para os que continuam à frente das Secretarias de Educação. [...]. O principal
objetivo do guia é oferecer, a dirigentes e suas equipes técnicas, direcionamentos
preliminares necessários para a implantação e a gestão de um arranjo ou consórcio.
ORG & DEMO, Marília, v. 22, n. 2, p. 59-80, Jul./Dez., 2021 75
A oportunidade empresarial em meio à crise sanitária Artigos
Em 2021, diante da péssima perspectiva do cenário pandêmico, o Colabora
continuava demonstrando descontentamento com a demora para a tramitação do SNE.
Indicou que, conquanto o debate sobre a reabertura das escolas exigia cuidado, pautas
estruturantes seguiam aguardando para adentrar ao debate no Congresso Nacional. A
regulamentação do SNE “[...] é pauta que tramita nas duas casas legislativas: no Senado
Federal, oPLP 235/2019, sob relatoria do Senador Dario Berger, e, na Câmara dos
Deputados, oPLP 25/2019, sob relatoria do Deputado Idilvan Alencar. Como fazê-la
caminhar?”
No mês seguinte, o TPE organizou um debate público para reforçar a urgência da
medida, divulgando a Agenda Legislativa Pela Educação, que comporta temáticas como
Medidas de Enfrentamento à Pandemia; Políticas Docentes e Governança e Gestão das
Redes, onde se encaixa o SNE e os ADE. As três postagens do Movimento seguidas à
supracitada foram intituladas Agenda Legislativa Pela Educação tem SNE como uma das
prioridades; Senado e Câmara iniciam articulação para agilizar aprovação do SNE ainda
em 2021 e Senadores pedem empenho para tirar do papel a maior política educacional
da história. Estabelecida a desejada intensa articulação entre Câmara e Senado para
agilizar o processo, tramita, velozmente, a proposta empresarial para a regulamentação
do SNE como base da resolução das desigualdades educacionais.
O SNE ganhou destaque no encontro como agenda estruturante para efetivar
o Regime de Colaboração entre os entes federativos e para garantir avanços na
educação brasileira. A deputada Dorinha Rezende compartilhou que o SNE está
em fase de audiências públicas e, inclusive, já conta com texto inicial aprovado
pela Comissão de Educação. [...]. “Hoje é um dia que cará marcado na história
do Senado Federal, sobretudo na história da educação brasileira. É preciso que
tenhamos esforços para tirar do papel a maior política educacional da nossa
história: o SNE”, disse o senador Dário Berger (MDB/SC), [...]. Os parlamentares
destacaram que, com a aprovação da Emenda Constitucional 108, que tornou
permanente o Fundeb, o grande desao da agenda educacional brasileira agora é
implantar o SNE (MOVIMENTO COLABORA, 2020b, s.p.).
à guisA de conclusão
No escopo deste texto, optamos por demonstrar o movimento do empresariado
educacional em torno da regulamentação do SNE durante o período pandêmico que
ainda vigora. Demonstramos que, uma pauta tão antiga e recheada de lutas e disputas,
foi colocada em amplo movimento antes da pandemia. Outrossim, que o empresariado
educacional trabalhou ao longo de todo o ano de 2020 e 2021, e segue trabalhando, pela
aprovação do SNE nos moldes empresariais, com amplo destaque para a modalidade dos
consórcios. Não é de primeira ordem de importância se o fechamento das escolas deixar
as crianças com fome ou desamparadas; à própria sorte, ou sem aulas. Para este bloco,
existe apenas a crise da qualidade educacional como crise, sendo essa a única origem de
76 ORG & DEMO, Marília, v. 22, n. 2, p. 59-80, Jul./Dez., 2021
SILVA, J. A.; ANDRADE, M. C. P.; MOTTA, V. C.
todos os problemas sociais. Tal crise só pode ser resolvida, em tese, se seus interesses e
ideias forem atendidos.
Em plena crise sanitária e humanitária, o quadro político nos impõe um grande
desao: conter o desmonte do caráter público da educação, mesmo que nos limites
da função histórica do Estado burguês e da formação social brasileira de capitalismo
dependente, em dois pilares fulcrais da conjuntura hodierna, a extrema direita junto
com o fundamentalismo religioso e a intensicação do processo de mercantilização e
de mercadorização da educação. Duas lógicas privatistas que reúnem um pensamento
único – educar as massas para a conformação e apropriar-se do fundo público.
É preciso, doravante, deter não só o empresariamento da educação de novo tipo,
mas todos os mecanismos do empresariado que, para além de suas crenças liberais-
republicanas, avançam sobre a classe trabalhadora em meio a um dos piores momentos
da história recente. Saúde e dignidade não são mais toleradas pelo capitalismo
contemporâneo. E as lutas contra o empresariamento da educação precisam ter esse
aspecto como ponto fulcral.
SILVA, J. A.; ANDRADE, M. C. P.; MOTTA, V. C. e business opportunity in the midst of the
health crisis: the regulation of the National Education System as a fatal blow to Brazilian education.
ORG & DEMO (Marília), v. 22, n. 2, p. 59-80, Jul./Dez., 2021.
ABSTRACT: e article presents an analysis of the movement of educational business in this last pandemic year, especially
with regard to the regulation of the National Education System (SNE). Based on documentary, bibliographic and
journalistic research, we identied that educational business transformed health tragedy into a window of opportunity,
(re)presenting old demands as innovative solutions capable of reversing the damage caused by the pandemic to Brazilian
education. We demonstrate that the regulation of the SNE in business models has been a demand of the educational
business for more than a decade and that, presented henceforth as part of its salvationist (and protable) farce, it not only
deepens the subsumption of education to the business and the commodication of education. We conclude that, along
the lines in progress, the SNE makes an important qualitative leap in the educational business of education of a new type,
which may consolidate itself as a fatal blow in Brazilian public education.
KEYWORDS: Educational business; Commodication; Subsumption of education to the business community;
National Education System.
RESÚMEN: El artículo presenta um análisis del movimiento de emprendimiento educativo em el último año pandémico,
especialmente relacionado com la regulación del Sistema Nacional de Educación (SNE).A partir de una investigación
documental, bibliográca y periodística, identicamos que las personas de negocios educativos transformo la tragedia
de la salud en una ventana de oportunidad, (re) presentando viejas demandas como soluciones innovadoras capaces
de revertir el daño causado por la pandemia a la educación brasileña. Demostramos que la regulación del SNE em los
modelos de negocio ha sido una demanda de las personas de negocios educativos desde hace más de una década y que,
presentada en adelante como parte de su farsa salvacionista (y rentable), no solo profundiza la subsunción de la educación
a las personas de negocios educativos y la mercantilización de la educación. Concluimos que, em la línea en curso, el
ORG & DEMO, Marília, v. 22, n. 2, p. 59-80, Jul./Dez., 2021 77
A oportunidade empresarial em meio à crise sanitária Artigos
SNE da un salto cualitativo importante em los negocios de la educación de nuevo tipo, que puede consolidarse como un
golpe fatal em la educación pública brasileña.
PALABRAS CLAVE: Negocios educativos de nuevo tipo; Mercantilización; Subsunción de la educación a las personas
de negocios educativos; Sistema Educativo Nacional.
referênciAs
ABRUCIO. A dinâmica federativa da educação brasileira: diagnóstico e propostas de
aperfeiçoamento. Brasília: UNESCO, 2010. Cap. 2. p. 39-70.
ANDRADE, M. C. Base Nacional Comum e Novo Ensino Médio: expressões do
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Deputados, 2011.
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Complementar visa responder especicamente às disposições do artigo 23 da Constituição Federal,
acelerada, agora, pela recente sanção da Lei no 13.005/2014 que estabelece o Plano Nacional de
Educação e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2014.
BRASIL. Projeto de Lei complementar nº 25, de 13 de fevereiro de 2019. Institui o Sistema
Nacional de Educação (SNE), xando normas para a cooperação entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios nas políticas, programas e ações educacionais, em regime de
colaboração, nos termos do inciso V do caput e do parágrafo único do art. 23, do art. 211 e do art.
214 da Constituição Federal. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2019.
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Nacional de Educação, dispõe sobre o processo de avaliação dos sistemas de ensino, determina a
elaboração de planos nacional, estaduais, municipais e distrital de educação e especica as fontes de
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Submetido em: 28/09/2021
Aceito em: 03/11/2021
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Article
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Este artigo tem o objetivo de refletir sobre as vivências de jovens que frequentam o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo (SCFV) em São Leopoldo (RS) no ano de 2020, no pior período da pandemia da COVID-19. Além disso, compreender as formas pelas quais os jovens enfrentaram as desigualdades em um período em que a pandemia as acirrou ainda mais para os jovens das classes populares. Observou-se que o serviço de SCFV foi, para esse segmento, um espaço de busca de políticas de assistência social sendo, em sua essência, o SCFV um espaço de convivência, cidadania, desenvolvimento do protagonismo e da autonomia do público atendido.
Article
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The article presents the concept of empresariamento of the new-type education, based on Marx>s labor-value theory, and on the conceptions of the enlarged State - Gramsci’s private apparatuses of hegemony and organic intellectual. Its central dimensions are highlighted: mercantilization, commodification, and subsumption of the education to the empresariado. Aiming to apprehend historical and conjunctural, universal and particular aspects of this process, we work with Florestan Fernandes’ concept of dependent capitalism, as well as with historian Virgínia Fontes’ concept of new-type empresariamento. It is a theoretical-analytical effort to bring together structural and superstructural elements in order to contribute to studies focusing on the progressive political strength of the empresariado community in Brazilian education
Article
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Este artigo analisa a atuação dos governos estaduais no processo de coordenação federativa em municípios no campo da educação. A literatura reforça o crescente papel coordenador do governo federal nas políticas sociais, incluindo na área educacional, porém há poucos estudos sobre o papel dos estados. Para isso, foram analisadas a cooperação entre estados e municípios em seis estados: Acre, Ceará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará e São Paulo. O trabalho foi realizado com base em análise documental e entrevistas semiestruturadas com gestores das secretarias estaduais de educação, das secretarias municipais de educação e do Ministério da Educação e com atores de organizações não governamentais. A pesquisa empírica mostrou que há diversos modelos de cooperação entre estados e municípios, existindo, em apenas um estado, um modelo de coordenação estadual caracterizado por uma lógica mais permanente, institucionalizada e sistêmica de atuação.
Base Nacional Comum e Novo Ensino Médio: expressões do empresariamento da educação de novo tipo em meio à crise orgânica do capitalismo brasileiro
  • M C Andrade
ANDRADE, M. C. Base Nacional Comum e Novo Ensino Médio: expressões do empresariamento da educação de novo tipo em meio à crise orgânica do capitalismo brasileiro.
Mestrado em Educação) -Programa de Pós-Graduação em Educação
  • Dissertação
Dissertação (Mestrado em Educação) -Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Expressões do empresariamento da educação de novo tipo: interseções do "novo" Fundeb com as propostas de SNE e ADE. Germinal. São Paulo
  • M C Andrade
  • J Argolloo
  • M Lamrarão
ANDRADE, M. C.; ARGOLLOo, J.; LAMRARÃO, M. Expressões do empresariamento da educação de novo tipo: interseções do "novo" Fundeb com as propostas de SNE e ADE. Germinal. São Paulo, v.13, n. 1, p. 311-336, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.9771/gmed. v13i1.43987
Dispõe sobre a implementação do regime de colaboração mediante Arranjo de Desenvolvimento da Educação (ADE), como instrumento de gestão pública para a melhoria da qualidade social da educação
  • Brasil
  • Ministério Da Educação
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução Normativa nº 1, de 23 de janeiro de 2012. Dispõe sobre a implementação do regime de colaboração mediante Arranjo de Desenvolvimento da Educação (ADE), como instrumento de gestão pública para a melhoria da qualidade social da educação. Brasília, DF: CNE/CEB, 2012.
Projeto de Lei nº 2.417, de 28 de setembro de 2011. Dispõe sobre Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADE)
  • Brasil
BRASIL. Projeto de Lei nº 2.417, de 28 de setembro de 2011. Dispõe sobre Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADE). Brasília, DF: Câmara de Deputados, 2011.
Projeto de Lei nº 5.182, de 24 de setembro de 2019. Dispõe sobre Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADE)
  • Brasil
BRASIL. Projeto de Lei nº 5.182, de 24 de setembro de 2019. Dispõe sobre Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADE). Brasília, DF: Câmara de Deputados, 20019.
Receita Arco Educação chega a 1 bilhão
  • B Cabral
CABRAL, B. Receita Arco Educação chega a 1 bilhão. FOCUS.jor. Fortaleza, 31 mar. 2021. Disponível em: https://www.focus.jor.br/receita-da-arco-educacao-chega-a-r-1-bilhao-em-2020/ Acesso em: 09 set. 2021.