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Gabrielle Francinne de S. C. Tanus
Janicy Aparecida Pereira Rocha
Ilemar Christina Lansoni Wey Berti
Organizadoras
PRÁTICAS INFORMACIONAIS EM
DIÁLOGO COM AS CIÊNCIAS
SOCIAIS E HUMANAS
Florianópolis, SC
Rocha Gráfica e Editora Ltda.
2021
Coordenação do Selo
Franciéle Carneiro Garcês da Silva
Nathália Lima Romeiro
Site: https://www.nyota.com.br/
Grupos de pesquisa
Informação na Sociedade Contemporânea (ISC/UFRN)
Estudos em práticas informacionais e cultura (EPIC/UFMG)
Comitê Editorial e Científico
Arthur Coelho Bezerra (IBICT)
João Arlindo dos Santos Neto (UEL)
Diego Andres Salcedo (UFPE)
Kênia Maia (UFRN)
Gabrielle Francinne de S. C. Tanus (UFRN)
Luciana de Albuquerque Moreira (UFRN)
Hélio Márcio Pajeú (UFPE)
Májory K. F. de Oliveira Miranda (UFPE)
Henriette Ferreira Gomes (UFBA)
Maria Giovanna Guedes Farias (UFC)
Ilemar Christina Lansoni Wey Berti (UEL)
Marianna Zattar (UFRJ)
Janicy Aparecida Pereira Rocha (UNIRIO)
Monica M. Carvalho Gallotti (UFRN)
Jaqueline Souza (UFRN)
Nancy Sánchez-Tarragó (UFRN)
Lia Vainer Schucman (UFSC)
Carina Santiago dos Santos (UDESC)
Daniella Camara Pizarro (UDESC)
Lourenço Cardoso (UNILAB)
Comitê de Avaliadores Ad Hoc
Leyde Klébia Rodrigues da Silva (UFBA)
Edilson Targino de Melo Filho (UFPB)
Carina Santiago dos Santos (UDESC)
Bruno Almeida (UFBA)
Dorys Liliana Henao (U. de A.)
Samanta Coan (UFMG)
Daniella Camara Pizarro (UDESC)
Carina Santiago dos Santos (UDESC)
Diagramação: Nathália Lima Romeiro; Franciéle Carneiro Garcês da Silva
Arte da Capa: Franciéle Carneiro Garcês da Silva
Revisão textual: Pedro Giovâni da Silva
Ficha Catalográfica: Priscila Fevrier - CRB 7-6678
P912
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas /
Gabrielle Francinne de S. C. Tanus; Janicy Aparecida Pereira Rocha; Ilemar
Christina Lansoni Wey Berti (Org.). - Florianópolis, SC: Rocha Gráfica e Editora,
2021. (Selo Nyota)
400 p.
Inclui Bibliografia.
Disponível em: https://www.nyota.com.br/.
ISBN 978-65-87264-54-7 (Impresso)
ISBN 978-65-87264-55-4 (E-book)
1. Ciência da Informação. 2. Práticas informacionais. 3. Ciências Humanas 4.
Ciências Sociais. I. Tanus, Gabrielle F rancinne de S. C. (Org.). II. Rocha, Janicy
Aparecida Pereira. (Org.). III. Berti, Ilemar Christina Lansoni. (Org.). IV. Título.
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original.
1 Licença disponível em: https://goo.gl/rqWWG3. Acesso em: 01 jun. 2021.
2 Licença disponível em: https://goo.gl/Kdfiy6. Acesso em: 01 jun. 2021.
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
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PRÁTICAS INFORMACIONAIS, USUÁRIO E
RALÉ ESTRUTURAL COMO NÃO-PÚBLICO:
PRAXIOLOGIAS RESTRITIVA OU RECEPTIVA
Rodrigo Rabello
1 INTRODUÇÃO
O presente capítulo pretende abordar e refletir sobre
desafios para a realização de pesquisas sobre práticas
informacionais, considerando grupos caracterizados pela
desigualdade e invisibilidade social. Há aqui o interesse de
problematizar pressupostos teóricos que restringem ou
podem limitar a ação investigativa e/ou de atuação
profissional, bem como apresentar alternativas teóricas
receptivas de sujeitos e suas práticas, em abordagens
agregadoras.
As ciências da informação e da documentação – dentre
as quais biblioteconomia, arquivologia, museologia,
documentação, ciência da informação, cada qual com sua
particularidade – tendem a considerar, em seu quadro teórico,
sujeitos que, por suas características sociais, culturais e
econômicas, adquirem visibilidade e proeminência como
público de interesse.
O público é composto por sujeitos denominados
usuários de informação. Estes podem ser pensados em ao
menos duas dimensões interdependentes. A primeira tocante
à definição constitutiva do usuário de informação e a
segunda, como parte daquela, relativa à instituição onde se
realizam práticas. Ambas as dimensões são, portanto,
relevantes para demarcar o sujeito como usuário e o espaço
de atuação e intervenção.
As ciências da informação e da documentação tendem a
focar um tipo de espaço em particular para, a partir deste,
definir os sujeitos que com ele se relaciona. Esses espaços são
as instituições de mediação da informação ou unidades de
informação, que podem se configurar como bibliotecas,
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
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centros de documentação, arquivos, museus, produtos e
serviços de informação em determinado contexto.
As unidades de informação constituem, elas próprias,
sistemas de mediação da informação, já que, com a finalidade
de mediação, coletam, selecionam, tratam e disponibilizam
conteúdos produzidos e consumidos em determinado
contexto ou situação. Aquelas também podem constituir e
manter subsistemas mediacionais, como é o caso dos
catálogos, bases de dados, acervos e coleções, fundos
documentais, dentre outros.
As práticas de mediação são realizadas pelos
profissionais de informação e pelos serviços-meio, os quais,
ainda que indiretamente, também as fazem. Na relação entre
profissionais e serviços-meio, podem ser citados, como
exemplo, os produtos e serviços derivados do tratamento da
informação. Seus recursos são disponibilizados em meios
particulares, como catálogos e bases de dados. Estão
inseridos em espaços institucionais particulares, estruturados
seguindo alguma lógica e organização direcionada a um
determinado público.
Há aqui a consideração de ao menos dois tipos de
sujeitos humanos abordados pela literatura das ciências da
informação e da documentação: o profissional que trabalha
para e/ou com a mediação da informação; e o usuário de
informação, a quem a informação será mediada. Tais sujeitos,
em diferentes graus de relação com o sistema, interferem
direta ou indiretamente no seu desenho, gestão,
gerenciamento, (re)composição e (re)direcionamento.
Nesse cenário, espaço e profissional são dependentes,
ao menos idealmente, dos utilizadores. Se não há demanda
social, em tese, não há sentido de existência e manutenção de
uma instituição ou sistema de mediação da informação. Tal
demanda é criada por ou induzida para um público, isto é, por
ou para usuários de informação reais ou potenciais.
Os usuários de informação reais (ou efetivos) são
aqueles sujeitos que, depois de realizado algum trabalho de
mediação em determinado contexto institucional, utilizam
efetivamente espaços e produtos e serviços de informação lá
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disponibilizados. Já os usuários de informação potenciais
correspondem àqueles sujeitos que, ao possuírem
determinados atributos, podem vir a se tornar usuários reais
ou efetivos. Se no primeiro caso há utilização do espaço ou de
algum produto ou serviço a partir de uma situação de
necessidade de informação, no segundo, o uso pode vir a
ocorrer potencialmente, ainda que dependente, dentre
outros aspectos, de condições prévias dos sujeitos.
Dito de outro modo, os usuários de informação
correspondem aos atores principais ou coadjuvantes no
cenário de atuação mediacional das unidades e dos sistemas
de informação. As práticas informacionais desses atores
podem ser estudadas e facilitadas quando há interação
destes com o sistema de mediação; ou quando os atributos
definidores dos sujeitos podem ser identificados; ou, ainda,
quando – e aqui se diferenciando do pressuposto do sistema
de mediação – há interação e associação entre sujeitos em sua
relação com a informação no contexto de uma comunidade.
Em síntese, o cenário da mediação informacional –
composto por instituições, infraestruturas, dispositivos,
profissionais mediadores e sujeitos utilizadores – define o
público formado por usuários reais ou potenciais. Todavia,
faz-se necessário problematizar tais categorias de usuário
quando deixam de contemplar outros sujeitos no cenário
informacional.
É possível dizer que os sujeitos que permanecem
excluídos de qualquer cenário de mediação da informação
formam o denominado não-público, constituído por não-
usuários. Esses sujeitos – definidos pela negação
correspondente – podem ser investigados, p. ex., em termos
de invisibilidade de grupos e/ou quando se considera algum
tipo de desigualdade social.
O conceito de não-público é abordado por Flusser
(1980), inspirado em ideias do educador e filósofo Paulo
Freire. Questionando a ausência do não-público em contextos
institucionais, Flusser propõe o que, em sua visão, seria
particularmente necessário para a valorização de diferentes
vivências culturais para a transformação de uma “biblioteca
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tradicional” – que desconsidera o não-público – em uma
biblioteca receptiva e agregadora, ou seja, uma “biblioteca
verdadeiramente pública” ou “biblioteca ação-cultural”.
Para além da desigualdade cultural, que culmina na ideia
de não-público, ainda é possível pensar em outros modos de
desigualdade e invisibilidade social. Tais modos podem ser
estudados em termos de desigualdade de classes sociais.
Souza (2011) tem se debruçado, no âmbito do pensamento
social brasileiro, sobre tais questões.
Com tal contribuição é possível refletir sobre uma classe
social que formaria a base da pirâmide no Brasil. Ela se
edificaria tendo como alicerce uma parcela significativa da
população. Ela estaria à margem da “sociedade” e apareceria
“invisível” aos olhos das camadas superiores da pirâmide. De
modo não pejorativo, mas provocativo, Souza (2011)
denomina essa classe de “ralé estrutural”, fruto de um
passado de escravidão e da formação de um Estado
patrimonialista, cujos valores e práticas estão presentes e
moldam o pensamento dominante na sociedade brasileira.
Ambos os conceitos – não-público e ralé estrutural –
foram empregados por Rabello e Almeida Junior (2020), ao
observarem que parte importante do não-público (não-
usuários) é constituída pela ralé estrutural. O caráter parcial
decorre do fato de que a noção de não-público pode se
estender ulteriormente à dimensão da classe social
desprivilegiada, já que a não utilização de determinada
unidade de informação e de seus produtos e serviços pode
ocorrer por motivações diversas, como preconceitos e
inadequação institucional.
Segundo a investigação, há limitações inerentes ao
conceito de usuário de informação, sendo estas de ordem
epistemológica e política, com implicações éticas. Nessa
direção, em virtude do pressuposto limitador do construto de
usuário de informação, este se apresenta como um
imperativo teórico que dificultaria ou impediria conceber a
ralé estrutural como público.
Não obstante, considerando tal percurso, pergunta-se:
como pensar as práticas informacionais de um grupo que, em
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
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termos teóricos e de atuação institucional, está praticamente
invisível socialmente e, por conseguinte, tende a estar fora do
alcance dos holofotes das ciências da informação e da
documentação?
Há – com tal questionamento – o objetivo de refletir
sobre os desafios para o estudo das práticas informacionais,
estas pensadas em termos de praxiologias restritiva ou
receptiva. Para tanto, o texto propõe uma revisão de
literatura não exaustiva, mas que busca trazer luz a pontos de
inflexão, quais sejam: a possibilidade de concepção da ralé
estrutural como público e, além disso, a receptividade de
práticas em cenários diversificados de desigualdade e de
invisibilidade social.
2 USUÁRIO E PRÁTICAS INFORMACIONAIS
Na presente seção será abordado um aspecto particular
relacionado ao conceito de usuário de informação, para, em
seguida, estabelecer, preambularmente, caminhos para a
relação do conceito com estudos de práticas informacionais.
Finaliza apresentando desafios para tais estudos, quando o
sujeito se encontra em situação de desigualdade e
invisibilidade social.
O estudo de Rabello e Almeida Junior (2020)
fundamentou conceitualmente usuário de informação a partir
de três argumentos ou aspectos conceituais. Tais aspectos
tangenciam a(s): 1. Posição dos sujeitos em modelos que têm
o sistema de mediação de informação como pressuposto; 2.
Posição dos sujeitos para além dos sistemas, num modelo
contextual e situacional ou, numa palavra, social; e 3.
Características dos sujeitos segundo sua posição em classes
ou campos sociais.8
8 Os aspectos 1 e 2 e os respectivos enfoques (paradigmas ou modelos)
informacionais podem também ser apreciados nos estudos de Ørom (2000),
de Capurro (2007), de Araújo (2014), dentre outros. O aspecto 3, tocante às
características dos sujeitos, pode ser observado em termos de classes
sociais, em Rabello e Almeida Junior (2020), ou em campos bourdieusianos,
em Lucas e Silveira (2017).
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
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Nesse momento, o foco será direcionado para o terceiro
aspecto conceitual de usuário de informação. Segundo
observam Rabello e Almeida Júnior (2020), a abordagem das
classes e/ou campos sociais corresponde a um
desdobramento que está sob o espectro do modelo social. A
seguir serão apresentados elementos da fundamentação
daquela pesquisa.
O percurso para essa conceituação de usuário de
informação contou com a fundamentação do estudo de Souza
(2011), ao abordar a ralé estrutural como uma classe social.
Esta estaria subjugada por classes privilegiadas – média e alta
–, as quais lançariam mão de violência simbólica de modo a
lograr ressonância e aceitação junto à opinião pública.
A proposta se apresenta como uma visão alternativa à
ênfase na economia para a definição de classes sociais. A
perspectiva economicista, segundo o autor, daria maior
ênfase às condições materiais. De modo a considerar outras
esferas da vida social para a diferenciação de classes sociais,
Souza (2011) recorre à perspectiva multidimensional advinda
da noção de “habitus” de Bourdieu. Entretanto, ante a uma
suposta restrição praxiológica na concepção bourdieusiana,
Souza (2011) caminha para uma ampliação dos sujeitos
passíveis de serem investigados ao considerar a ralé
estrutural.
Na noção bourdieusiana, o poder simbólico, meio para a
violência simbólica, encontra espaço em disposições das
relações sociais. Tais relações ocorrem, para Bourdieu, em
campos multidimensionais. Neles há a articulação de modos
de capital particulares, como é o caso dos capitais simbólico,
econômico, cultural, social, para citar aqueles que
fundamentaram o estudo de Souza (2011), embora não
estivessem nele sistematizados. No quadro, em apêndice, há
uma proposta de sistematização, haja vista que parte dos
conceitos é empregada no presente texto.
Convergindo com as dimensões propostas por Bourdieu
e com a releitura destas realizada por Souza (2011), o terceiro
aspecto tocante ao conceito usuário de informação – real ou
potencial – foi delimitado considerando-o na condição de
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
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[...] uma expressão empregada segundo
características atribuídas a determinado
indivíduo com mais ou menos condições
materiais – estando ou não em situação de
invisibilidade social –, mas que goza de
algum capital cultural e social que lhe
confere algum privilégio. [Refere-se à]
figura de um indivíduo com um ou mais
atributos, um sujeito alfabetizado em seu
e/ou em outro(s) idioma(s), com hábito ou
familiarizado com a leitura ou a fruição de
alguma linguagem ou manifestação
estética “socialmente” aceita (cinema,
teatro, música, literatura, poesia, dentre
outras), com certa competência
informacional em termos educacionais,
científicos, técnicos, tecnológicos, dentre
outras. Esse perfil ideal do usuário da
informação determina, mesmo que não
explicitamente, as bases para políticas de
ações e serviços oferecidos nos
equipamentos informacionais [...]
(RABELLO; ALMEIDA JUNIOR, 2020, p. 19).
Essa concepção, ao posicionar o sujeito que utiliza e se
apropria da informação – segundo a dinâmica e as condições
prévias que o caracterizam – encontra na praxiologia
bourdieusiana um referente. Nela, as práticas realizadas são
situadas e condicionadas por fatores presentes no tipo de
capital incorporado. Como uma característica própria de
qualquer capital, ele pode ser acumulado e reconhecido como
um valor.
Os modos de disposição para a ação são forjados num
sistema de relações sociais. Os usuários de informação
reproduzem privilégios, quando pertencentes às classes alta
e média. Contam com diferenciais advindos da acumulação de
capitais econômico, social, cultural, dentre outros. Como
consequência, gozam de hábitos, capacidades e competências
incorporadas no bojo da família, das relações sociais, das
possibilidades de educação, formação e acesso à informação
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
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e ao conhecimento, além de condições materiais que também
permitem, em maior ou menor medida, a manutenção ou
ampliação de privilégios.
Em contraponto, o termo ralé estrutural foi empregado
destacando os sujeitos que, para Souza, evidenciam o maior
conflito brasileiro: “o abandono social e político, ‘consentido
por toda a sociedade’, de toda uma classe de indivíduos
‘precarizados’ que se reproduz há gerações enquanto tal.”
(SOUZA, 2011, p. 21). Nessa reprodução, existe, portanto,
“uma sociedade que ‘naturaliza’ a desigualdade e aceita
produzir ‘gente’ de um lado e ‘subgente’ de outro.” (SOUZA,
2011, p. 24).
Nessa direção, as classes alta e média – quando não
ignoram a classe invisibilizada – consideram a ralé estrutural
como corpos e músculos, mercadorias desqualificadas,
destituída de valor. Com preço módico no mercado de
subempregos, a ralé estrutural fornece àquelas o dispêndio
muscular dos afazeres domésticos, dos serviços da
construção civil etc. As classes privilegiadas logram, com isso,
o tempo livre necessário para a manutenção de seus
privilégios.
Aqueles na base da pirâmide social – se pensados em
termos de sujeitos informacionais9 – podem resistir (se
munidos com informação) quando defrontados com discursos
opressores. Os sujeitos se articulam e criam vínculos
identitários em relações sociais complexas, dispostas em
estruturas socioinformativas e inovativas (RENDÓN-ROJAS;
GARCÍA CERVANTES, 2012). Podem admitir “outros sujeitos
influentes em políticas informacionais e que atuam em
dessemelhantes regimes de informação” (RABELLO, 2017, p.
101). Eles podem, ainda, ser estudados a partir das agências
informacionais, expressas, p. ex., em termos de práticas
informacionais.
9 O termo “sujeito” utilizado em relação à informação ou a algum fenômeno
a ela tangente tem nomeado conceitos emergentes para representar
aqueles que realizam práticas ou outras intervenções informacionais em
determinados contextos (CRUZ; ARAÚJO, 2020).
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
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Os estudos das práticas informacionais, segundo Araújo
(2020), reconhecem na praxiologia e no movimento da
“práxis” o fundamento da expressão “práticas” em questão.
Nessa direção, os estudos seriam marcados pelo pensamento
relacional, por disposições sociais de significação para busca
e escolha de recursos, por modos de se relacionar com a
informação (regras sociais, negociação, legitimação de
fontes), dentre outros aspectos.
Depois de resgatar e de traduzir o conceito de
Savolainen (2008, p. 2) – a quem as práticas informacionais
correspondem a um conjunto de maneiras “social e
culturalmente estabelecidas para identificar, buscar, usar e
compartilhar as informações disponíveis em várias fontes,
como televisão, jornais e a Internet" – e de trazer parte do
entendimento desse autor sobre o construcionismo social,
Araújo (2020) apresenta contribuições de autores para o
campo, tais como os trabalhos de Caidi, Allard e Quirke (2010),
de Kalms (2008) e de Floegel e Costello (2019).
Os estudos de práticas informacionais – quando
consideram o usuário de informação real ou potencial –
abordam as práticas como fenômeno social que, quando
compreendido, auxilia o profissional a criar, a manter e a
ofertar serviços e recursos em unidades de informação.
Numa outra dimensão, as práticas informacionais
podem ser estudadas como um fenômeno social sem
necessariamente ter no horizonte uma aplicação ou
preocupação com o funcionamento de alguma unidade ou
sistema de mediação da informação.
Há, todavia, em ambas as possibilidades, questões com
implicações epistemológicas, políticas e éticas expressas, p.
ex., nas seguintes perguntas: Como pensar os sujeitos na
condição de não-público ou não-usuário de unidades de
informação? Ou quando estes, complementarmente, se
encontram em contextos de desigualdade e de invisibilidades
social? Noutras palavras, como pensar o estudo das práticas
informacionais dos sujeitos quando na condição, p. ex., de ralé
estrutural como não-público?
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
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3 PRAXIOLOGIAS RESTRITIVA OU RECEPTIVA
A presente seção objetiva abordar a ralé estrutural
como não-público e situações de agências de modo a refletir
sobre possíveis desafios para os estudos das práticas
informacionais, identificando espaços de atuação em termos
de praxiologias restritiva ou receptiva.
A acepção de ralé estrutural serviu de contraponto para
Rabello e Almeida Junior (2020, p. 19-20) refletirem sobre o
conceito usuário de informação, quando pensado no contexto
das unidades de informação. Este último conceito
desconsidera, segundo os autores, a condição de
desigualdade e de invisibilidade dos sujeitos, já que tende a
“[...] desatender o sujeito que não goza de algum capital
econômico e cultural socialmente aceito.” Conforme esse
entendimento, a ralé estrutural forma “[...] o montante do
não-público das unidades de informação.”
O termo não-público foi utilizado por Flusser (1980) no
sentido de colocar como foco a impossibilidade de a maioria
da população usufruir, em parte ou totalmente, bens
artísticos e culturais. Independe, por assim dizer, do desejo de
fazê-lo ante o espaço ou os recursos e serviços oferecidos.
Para o não-público lhe é cerceada essa possibilidade de
fruição artística e cultural.
O não-público concebido por Flusser (1980) também
corresponde ao contexto da biblioteca; por essa razão,
conforme acrescentam Rabello e Almeida Junior (2020),
igualmente pode ser pensado em termos de não-usuário(s).
No entanto, para Flusser, o não-público foi pensado no
cenário de uma instituição em particular, naquilo que
denominou de biblioteca tradicional.
Nela, o impedimento de utilização de bens culturais
pode ser gerado pela instituição de mediação da informação
e da cultura; ou seja, ela própria – a instituição – pode gerar o
não-público. Para a instituição de mediação, o não-usuário é
aquele sujeito impossibilitado de usufruir do espaço e dos
recursos e serviços informacionais oferecidos. Tal
impossibilidade de utilização pode ocorrer em virtude da
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
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“ausência” de algum atributo ao não-usuário (RABELLO;
ALMEIDA JUNIOR, 2020).
Nesse sentido, pode-se dizer que a “ausência” de
determinados atributos simbolicamente aceitos auxilia a
definir não-público também em termos de ralé estrutural.
Para esta última classe haveria a carência de capital
econômico e dos capitais social e cultural, aceitos e
valorizados pela sociedade. Portanto, as carências relativas à
posição dos sujeitos em classes sociais também definem o
não-público.
Não obstante, as barreiras institucionais auxiliam a
observar que a condição de não-público transcende as
questões de classe. Existem barreiras diretas e/ou indiretas
para a constituição do não-público. Dentre várias barreiras, a
unidade de informação pode oferecer obstáculos linguísticos
ou de linguagem, afastando pessoas analfabetas, ao só
disponibilizar o texto escrito, ou ao somente oferecer
manifestações culturais aceitas ou acessíveis pelas classes
privilegiadas. A unidade de informação pode possuir, ainda,
barreira arquitetônica, ao não oferecer acessibilidade às
pessoas com deficiência, aos idosos etc. e/ou quando não
permite a entrada de pessoas trans em banheiros e/ou o
acesso de pessoas com determinados trajes.
Nesses termos, mesmo o usuário em potencial –
pertencente às classes privilegiadas – pode ser içado à
categoria de não-público. Além disso, o contraste entre
usuário de informação e não-público aponta para desafios
ético-políticos para o ensino e a pesquisa nas ciências da
informação e da documentação, culminando em desafios para
atuação profissional em unidades de informação.
Há desafios – apontados por Flusser (1980) e reiterados
por Rabello e Almeida Junior (2020) – que precisam ser
enfrentados, como a necessidade de as instituições
tradicionais deixarem de trabalhar para o usuário e passarem
a fazê-lo com a comunidade (considerando também o não-
usuário); ou de as instituições deixarem de ser implantadas na
comunidade, passando a ter uma atuação orgânica; ou
passarem a fomentar uma “[...] conexão crítica com a ‘cultura
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
108
do passado’, [...] para dar voz ou protagonismo à ralé
estrutural como público.” (RABELLO; ALMEIDA JUNIOR, 2020,
p. 20).
A situação da ralé estrutural como não-público traz um
problema ético-político-epistemológico inerente ao conceito
de usuário de informação, quando pensado no contexto das
unidades de informação ou, noutras palavras, no contexto dos
sistemas de mediação da informação.
A ralé estrutural como não-público desvela
algo que as áreas de biblioteconomia e
ciência da informação, ao priorizar o
usuário de informação, tendem a
desconsiderar. A invisibilidade e a
desigualdade social estão encobertas sob
o véu do conceito de usuário de
informação como um “tipo ideal”, um
imperativo teórico. Tal conceito sintetiza
os atributos materiais, ideológicos e
simbólicos das classes alta e média. Nele
quase não há lugar para relações ou
conflitos de classe. Nesse contexto,
quando o usuário é potencial há a
expectativa de alçá-lo a usuário real, pois
aquele, de antemão, possui algum capital
econômico e/ou cultural para tanto.
Nesses termos, a ralé estrutural como não-
público, sem dispor de tais atributos,
praticamente inexiste ou, sequer, é
colocada no horizonte. (RABELLO;
ALMEIDA JUNIOR, 2020, p. 20).
O cotejo conceitual entre usuário de informação e ralé
estrutural como não-público levanta questões para o estudo
das agências informacionais quando realizado por
pesquisadores para compreender os fenômenos e/ou para
subsidiar ações de profissionais de informação que trabalham
criando, mantendo e/ou ofertando serviços e recursos em
unidades de informação. Nessa perspectiva, corre-se o risco
de se considerar práticas sob uma praxiologia restritiva, que
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
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apenas contempla sujeitos com atributos das classes
privilegiadas, encarnados no termo usuário de informação.
Os estudos de “informação e comunidade” e/ou de
“usuários e não-usuários” oferecem caminhos com um escopo
ampliado (RABELLO; ALMEIDA JUNIOR, 2020). Podem ser
pensados no sentido de uma praxiologia receptiva, que
considera a variedade de sujeitos e de suas agências. Nesses
estudos, a “práxis” recepciona, também, questões de classe
social. Assim, eles podem se preocupar com a condição da ralé
estrutural como não-público, mas no sentido de evidenciá-la
ou de apresentar alternativas para transformá-la em público.
Todavia, nesse contexto de receptividade e de
alargamento praxiológico, as práticas informacionais podem
ser estudadas como um fenômeno social sem
necessariamente ter como horizonte alguma aplicação – ou
seja, gerir, manter ou aperfeiçoar sistemas, produtos e
serviços de informação –, ainda que, em última instância, o
conhecimento produzido possa ser relevante em contextos
institucionais de mediação.
Apresentam-se, a seguir, estudos que apontam para
uma praxiologia receptiva de sujeitos e suas práticas. Isso
pode ocorrer em ambiências diversificadas, em situações para
além dos contextos profissionais, apreciando a vida cotidiana
e podendo acolher diferentes estratos sociais.
O estudo de Caidi, Allard e Quirke (2010)10 aborda
práticas informacionais de imigrantes, apresentando
investigações que desvelam barreiras e dificuldades de
10 A revisão de Caidi, Allard e Quirke (2010) se diferencia dos demais
trabalhos publicados pela Annual Review of Information Science and
Technology (ARIST) – entre 1966 a 2009 – sobre o campo que se estabeleceu,
no Brasil, com o nome de estudos de usuários. Até 1990, as revisões da
ARIST publicaram investigações sobre necessidade, busca e uso da
informação e, a partir de 2001, passaram a agregar abordagens sobre
comportamento e práticas informacionais em contexto (RABELLO, 2013).
Contudo, o fizeram sem mencionar, no título da revisão, uma determinada
categoria de grupo, como foi o caso dos imigrantes na revisão de 2010.
Estudos sobre práticas informacionais passaram ganhar proeminência nas
revisões da ARIST do final da primeira década de 2000, como é o caso da
revisão de Courtright (2007).
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
110
acesso à informação, como as estruturais (de tecnologia, de
língua) e sociais (dificuldades de comunicação, valores
culturais, isolamento). Ao reconhecer a relevância do tema, a
revisão de literatura traz investigações que visam fornecer
subsídios aos profissionais de informação para que obtenham
dados a respeito de como imigrantes buscam, acessam e
utilizam informações, quais suas necessidades e quais
práticas adotam ante as barreiras enfrentadas na vida
cotidiana.
A revisão sobredita trouxe critérios orientadores para a
formulação e aplicação de políticas de imigração no Canadá,
quais sejam: familiar (consanguinidade com cidadãos do país
anfitrião), refugiado (questões humanitárias) e econômico
(adaptação ou utilidade ao sistema produtivo no país). Este
último representa a maioria de casos identificados naquele
país e a partir dele se prioriza um sistema de pontos no qual
são valorizados fatores como situação econômica, habilidade
linguística, experiência de trabalho, idade etc.
Apesar das implicações relativas ao imigrante em um
contexto cultural a ele diferente ou estranho, os três critérios
para a admissão e permanência do imigrante tocam, direta ou
indiretamente, questões ou privilégios de classe. O capital
social (familiar e/ou redes de colaboração no país anfitrião
e/ou advindo desde o país de origem ou de outros) soma-se
aos capitais cultural, econômico e político, onde se valorizam,
p. ex., formação, conhecimento e experiência técnico-
profissional, habilidades linguísticas, comunicativas, de
adaptação à nova cultura, às normas e regras cívicas etc.11
A pesquisa de Kalms (2008) explora como e por que uma
família assume o controle de informações, abordando o
ambiente doméstico como um lugar de consumo e gestão de
informação. A casa, nesses termos, se configura como um
11 Ainda que os modos de capitais não tenham sido abordados em termos
bourdieusianos – exceto em uma aproximação das interpretações aos
conceitos de capitais econômico e social –, os problemas descritos por Caidi,
Allard e Quirke (2010) se traduzem em barreiras para o estudo das práticas
informacionais, algo que pode ser observado em termos de “integração”,
“inclusão/exclusão” e “residência” dos imigrantes.
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
111
sistema no qual os sujeitos lançam mão de recursos, serviços
e tecnologias informacionais. O autor estudou as práticas
informacionais de chefes de família na Austrália, mediante a
análise dimensional proposta por Schatzman. Chegou-se a
dois processos de habilitação e nove dimensões de ação, por
intermédio dos quais foi possível observar que as práticas
“representam uma ordem negociada para processamento e
gerenciamento de informações em uma casa.” (KALMS, 2008,
tradução nossa).
O estudo de Floegel e Costello (2019) investiga práticas
de informação de pessoas queer12 em mídia de
entretenimento, considerando, especificamente, conteúdos
ficcionais e de não-ficção criativa, veiculadas em filmes e na
televisão. A identidade dos sujeitos na relação com os meios
e as práticas inclui aspectos como busca, satisfação, consumo,
validação, avaliação e apuração de fatos. Revelam aspectos
positivos e negativos não apenas nas práticas das pessoas
queer tocantes às mídias de entretenimento, mas também em
suas experiências em acessar os conteúdos em instituições de
informação.
À luz de uma praxiologia receptiva – em cujas práticas
podem ser estudadas em contextos múltiplos, em agências de
sujeitos diversificados – quais convergências podem ser
apontadas nos estudos sobre imigrantes, donos de casa e
pessoas queer? Adiante seguem ponderações de ordem
epistemológica e teórico-metodológica, com alcance
conceitual e ético-político, também relativas a questões de
práticas no cenário de classes sociais, algo de interesse para a
reflexão sobre a ralé estrutural como não-público.
Os três estudos sobre práticas informacionais
demonstram o emprego de uma praxiologia receptiva. Dois
12 Conforme explicam Floegel e Costello (2019), a palavra queer, para além
de ser uma expressão pejorativa – quando abordada como uma
manifestação homofóbica no sentido literal das palavras “estranho”,
“ridículo”, "desviante", "aberração" etc. –, tem se apresentado como um
termo construcionista para tratar de aspectos de gênero e sexualidade em
contextos socioculturais de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais,
queer, intersexuais, dentre outras (recepcionados pela sigla LGBTQI+).
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
112
dos estudos – sobre imigrantes e pessoas queer –
investigaram temas e sujeitos que podem sofrer situações de
desigualdade e invisibilidade social. Conquanto o
direcionamento não tenha sido o de estudar as práticas de
usuários de algum sistema de informação específico, os
autores admitiram a relevância dos resultados para aplicação
em instituições.
Em relação ao lugar dos sujeitos priorizados, ainda que
situados no espaço e no tempo, existe um aspecto definidor
nos três estudos exemplificados. Os sujeitos foram
investigados no contexto de países desenvolvidos, como é o
caso dos Estados Unidos, do Canadá e da Austrália, algo que
pode influenciar ou ser definidor da abordagem da pesquisa.
Apesar de aspectos sobre desigualdade social serem
relevantes para estudos em distintos contextos, faz-se
necessário observar que o conceito de ralé estrutural de
Souza (2011) tem como aspecto orientador características e
construtos desenvolvidos no âmbito do pensamento social
brasileiro. Portanto, está inscrito no bojo dos problemas
histórico-sociais enfrentados na América Latina e,
particularmente, no Brasil.
Nos estudos exemplificados, as pessoas e suas práticas
no ambiente familiar e doméstico, sejam elas queer ou não,
podem ser analisadas à luz de problemas sociais. Barreiras
sociais, para pessoas queer, podem estar associadas, p. ex., a
preconceitos. Dificuldades informacionais no ambiente
doméstico – quando analisadas, p. ex., a partir de famílias com
baixa renda – tendem a ter alguma associação com questões
relativas à estrutura de classes. Já para o estudo sobre
práticas de imigrantes, conforme observado, a dimensão da
classe social tende a ser relevante, quando são considerados,
p. ex., capitais cultural, social e econômico para aceitação ou
permanência do imigrante no país.
Para além do contexto do imigrante, da pessoa queer e
do dono de casa, se a ralé estrutural como não-público fosse
considerada em um estudo de práticas informacionais, seria
possível investigar o não-usuário – pertencente a
determinada comunidade – em sua relação com a informação.
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
113
Portanto, a perspectiva das práticas informacionais poderia
acolher estudos das agências de sujeitos – ao mesmo tempo –
imigrantes, queer, donos de casa e pertencentes à ralé
estrutural como não-público. A transversalidade praxiológica
observada no exemplo demonstra sua receptividade ao
acolher sujeitos e suas práticas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pesquisas sobre práticas informacionais têm
apresentado abordagens teórico-metodológicas profícuas
para o alargamento do alcance praxiológico.
A expressão “estudo de usuários” – quando pensada em
contextos tradicionais das unidades de informação – tende a
condicionar a investigação em uma praxiologia restritiva. Isso
porque a acepção de usuário de informação, naquele
contexto, carrega determinantes conceituais que induzem a
desconsiderar, p. ex., a questão social da ralé estrutural como
não-público.
A praxiologia restrita ao usuário (real ou potencial) de
uma unidade de informação tradicional pressupõe que o
sujeito estudado somente o será por trazer consigo atributos
os quais, por vezes, estão expressos em capitais acumulados
e valorados socialmente. O pesquisador e/ou o profissional,
nesse cenário, estuda as práticas no sentido de atuar para o
sistema de mediação ou para o sujeito a quem a informação
ou a “cultura do passado” será mediada.
A praxiologia receptiva – de sujeitos e práticas diversas
– igualmente contribui com o campo das ciências da
informação e da documentação, mas podendo considerar
distintos estratos e contextos sociais. Ela o faz tanto em
termos de ciência básica ou fundamental – para compreender
o fenômeno, mas sem a necessária intenção de aplicação –,
como para fundamentar e/ou subsidiar a aplicação em
instituições e unidades de informação.
Neste último caso, pesquisador e/ou profissional
pode(m) investigar as práticas com vistas a atuar não apenas
para, mas também com a comunidade. Nessa direção, há a
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
114
possibilidade de se trabalhar organicamente junto à
comunidade, promovendo uma mediação crítica da
informação e da “cultura do passado” e dando voz e
protagonismo, p. ex., à ralé estrutural, aos negros, aos
indígenas, às pessoas LGBTQI+, às pessoas com deficiência
etc., no sentido de considerar os sujeitos como público.
Nos estudos das práticas informacionais, como em
qualquer estudo, as escolhas epistemológicas e teórico-
metodológicas serão também ético-políticas. Isso porque
trabalhar com uma praxiologia restritiva ou receptiva de
sujeitos e suas práticas reflete ou contrasta com a visão de
mundo do pesquisador e/ou do profissional e implica
restringir ou ampliar o escopo de sujeitos. Com efeito, tais
escolhas do pesquisador e/ou do profissional darão a régua e
o compasso para a definição de quem deve ou pode ser
estudado. Demarcam quais sujeitos e quais práticas
informacionais serão priorizadas, silenciando e invisibilizando
uns, dando voz e trazendo ao cenário outros.
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Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
117
APÊNDICE
Quadro – Parte de conceitos correspondentes ao habitus
bourdieusiano.
Poder
simbólico
Subordinado a outras formas de poder. É difícil de ser
reconhecido já que é transformado, transfigurado, mas
nem por isso deixa de ser legitimado. Ele é invisível e “[...]
só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que
não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que
o exercem.” (1989, p. 7-8).
Violência
simbólica
Depende das relações de poder “[...] material ou
simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas
instituições) envolvidos nessas relações.” (1989, p. 11).
Exerce, para algum modo de dominação de uma classe
sobre outra, função instrumental de imposição ou de
legitimação política e de poder simbólico.
Capital
simbólico
Ou distinção, prestígio, reputação, fama, etc. É “[...] a
forma percebida e reconhecida como legítima das
diferentes espécies de capital” (1989, p. 134-135). Nesses
termos, o modo de disposição do capital é reconhecido
quase que automaticamente ou percebido “[...] por um
agente dotado de categorias de percepção [...]” (1989, p.
145).
Capital
econômico
Medido em termos materiais. A “[...] hierarquia que se
estabelece entre as espécies do capital e a ligação
estatística existente entre os diferentes haveres fazem
com que o campo econômico tenda a impor a sua
estrutura aos outros campos.” (1989, p. 135).
Capital
cultural
Advém da nem sempre visível “transmissão doméstica”,
somada ao investimento de tempo, para além, mas em
relação, com o ganho e o investimento monetário (1989,
p.73). Ele pode existir sob três formas: “[...] no estado
incorporado, ou seja, sob a forma de disposições duráveis
do organismo; no estado objetivado, sob a forma de bens
culturais – quadros, livros, dicionários, instrumentos,
máquinas [...]; e, enfim, no estado institucionalizado, [sob
a forma de diplomas e certificados escolares].” (1989,
p.74).
Capital
social
É “[...] o conjunto de recursos ou potenciais que estão
ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou
menos institucionalizadas de interconhecimento e de
inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação
a um grupo, como conjunto de agentes que não somente
são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem
percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles
Práticas informacionais em diálogo com as ciências sociais e humanas
118
mesmos), mas também são unidos por ligações
permanentes e úteis. [...] O volume do capital social que
um agente individual possui depende [...] da extensão da
rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e
do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico)
que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está
ligado.” (1998, p.67).
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Bourdieu 1989 e 1998.