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Revista Contexto & Saúde
Editora Unijuí
Programa de Pós-Graduação em Atenção Integral à Saúde
ISSN 2176-7114 – v. 21, n. 43, jul./set. 2021
hp://dx.doi.org/10.21527/2176-7114.2021.43.11077
COMO CITAR:
CRUZ, Marly Marques et al. Implementação do “Projeto a Hora é Agora”: testagem e
tratamento do HIV/AIDS em Curiba, Brasil. Revista Contexto & Saúde, v. 21, n. 43, p.
304-323, 2021.
PÁGINAS
304-323
Avaliação da Implementação
do “Projeto A Hora é Agora”:
Testagem e Tratamento do HIV/AIDS em Curiba, Brasil
Marly Marques da Cruz,1 Vanda Lúcia Cota,2
Carla Rocha Pereira,1 Adriana de Araújo Pinho3
RESUMO
Este trabalho tem por objevo avaliar a implementação do “Projeto A Hora é Agora” (PAHA) que desenvolveu, em 2015, diferen-
tes estratégias para ampliar a testagem e tratamento do HIV para os homens que fazem sexo com homens (HSH) residentes em
Curiba/PR. A análise paru da perspecva dos atores-chave envolvidos, ulizando uma abordagem qualitava de invesgação. A
metodologia baseou-se em revisão documental, observações diretas, entrevistas semiestruturadas e discussão em grupos focais.
Os resultados centraram-se em quatro subcategorias de acesso: cobertura; adequação; qualidade e aceitabilidade. A melhoria da
cobertura foi vista no aumento de pontos de testagem, na ampliação dos dias e horários da testagem e rerada de anrretrovi-
rais. Na adequação, os preceitos dos direitos humanos foram reedos no respeito à privacidade e na agilidade na marcação de
consultas/exames. A qualidade indicou as barreiras enfrentadas, como esgma e discriminação por parte de alguns prossionais
de saúde. Por m, a aceitabilidade revelou como cada estratégia foi aceita pelos HSH. Conclui-se que o PAHA foi uma intervenção
bem-sucedida, ampliando a testagem e auxiliando os usuários a iniciarem o tratamento de HIV precocemente, incorporando novas
tecnologias e abordagens no cuidado aos HSH.
Palavras-chave: avaliação em saúde; testes sorológicos; HIV; cuidado periódico; homossexualidade masculina.
IMPLEMENTATION ASSESSMENT OF “A HORA É AGORA” PROJECT:
TESTING AND HIV/AIDS TREATMENT IN CURITIBA, BRAZIL
ABSTRACT
This work aims evaluate the implementaon of the “A Hora é Agora” Project (PAHA) was developed, in 2015, dierent strategies
to expand HIV tesng and treatment for men who have sex with men (MSM) living in Curiba/PR. The analysis started from the
perspecve of the key actors involved, using a qualitave research approach. The methodology was based on document review,
direct observaons, semi-structural interviews and discussion in focus groups. The results focused on four access subcategories:
coverage; adequacy; quality and acceptability. The improvement in coverage was seen in the increase of tesng points, in the
extension of the days and mes of tesng and withdrawal of anretrovirals. In terms of adequacy, the precepts of human rights
were reected in respect for privacy and agility in making appointments/exams. The quality indicated the barriers faced, such as
sgma and discriminaon by some health professionals. Finally, acceptability revealed how each strategy was accepted by MSM.
It is concluded that PAHA was a successful intervenon, expanding tesng and helping users to start HIV treatment, incorporang
new technologies and approaches to MSM care.
Keywords: health evaluaon; serologic tests; HIV; episode of care; male homosexuality.
RECEBIDO EM: 3/7/2020
MODIFICAÇÕES SOLICITADAS EM: 4/8/2020
ACEITO EM: 26/4/2021
1 Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz). Rio de Janeiro/RJ, Brasil.
2 Autora correspondente. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz). Rua Leopoldo Bulhões, 1.480,
sala 6.010 – Bonsucesso. Rio de Janeiro/RJ, Brasil. CEP 21041-210. hp://laes.cnpq.br/6137119209692697. hps://orcid.
org/0000-0002-6823-9304. vanda.cota@ensp.ocruz.br
3 Instuto de Estudos em Saúde Coleva (IESC/UFRJ). Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro/RJ, Brasil.
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AVALIAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DO “PROJETO A HORA É AGORA”:
Testagem e Tratamento do HIV/AIDS em Curiba
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305
INTRODUÇÃO
No decorrer da epidemia de Aids, do começo da década de 80 do século
20 até os dias de hoje, acompanhamos o desenvolvimento de diversos avanços
na prevenção, testagem e tratamento para as Pessoas Vivendo com HIV/Aids
(PVHA), tanto no Brasil quanto no mundo (GRECO, 2016; MAEDA et al., 2019). O
Brasil tem um papel de destaque, historicamente, na formulação de polícas de
enfrentamento da epidemia e no uso de inovações tecnológicas (biomédicas e
sociais) para o diagnósco e tratamento das PVHA. Um dos pilares do programa
do governo é a oferta universal de testes de HIV gratuitos, principalmente para
promoção e ampliação de diagnósco precoce e tratamento (MORA; BRIGEIRO;
MONTEIRO, 2018).
Apesar da disponibilidade dos testes de HIV nas Unidades Básicas de Saú-
de (UBSs), dados divulgados em 2013 indicaram que apenas 36,1% da população
brasileira sexualmente ava relatou já ter feito o teste (BRASIL, 2016).
Em populações especícas, como os homens que fazem sexo com homens
(HSH), um estudo com amostragem realizada em 12 cidades do Brasil indicou
um aumento signicavo na infecção por HIV entre os HSH em comparação a
um estudo anterior, de 12,1% em 2009 para 18,4% em 2016 (KERR et al., 2018).
Segundo dados epidemiológicos brasileiros, os casos de infecção por HIV regis-
trados no Sistema de Informação de Agravos de Nocação (Sinan) nos úlmos
12 anos indicam que 52,3% foram decorrentes de exposição homossexual e bis-
sexual (BRASIL, 2019). Apesar da alta prevalência, a frequência de testagem do
HIV entre HSH no Brasil é baixa, ocasionando o diagnósco tardio (DE BONI et al.,
2018).
Esses dados revelam a importância de se concentrar esforços na testagem
de HIV entre os HSH, apontando para um potencial aumento na incidência do
HIV nesta população e que envolvem ambientes de vulnerabilidade, esgma e
discriminação para as populações-chave, como também mudanças de comporta-
mento, polícas e programas (KERR et al., 2018).
Alguns passos foram dados nessa direção, como a realização de seminá-
rios entre o Departamento de IST/Aids e Hepates Virais do Ministério da Saúde
(MS) e Organizações Não Governamentais (ONGs) entre 2005 e 2007; desenvol-
vimento do “Plano Nacional de Enfrentamento da Epidemia de Aids e das DST
entre Gays, HSH e Travess”, em 2007 (CALAZANS; PINHEIRO; AYRES, 2018), e
iniciavas mullaterais, como o “Projeto Quero Fazer”, em 2009, para garanr
acesso ao serviço de testagem do HIV em cinco cidades brasileiras (MONTEIRO et
al., 2019). Nesse escopo foi posto em práca o “Projeto A Hora é Agora” (PAHA),
na cidade de Curiba, Paraná, em 2014. Essa capital foi a escolhida em razão de
alguns fatores, como: descentralização do diagnósco do HIV para a atenção bá-
sica desde 2002, ampliando a realização do exame nas UBSs da rede municipal;
no mesmo ano começou a nocar todos os casos de HIV, tornando-se uma prá-
ca pelo MS somente em 2014, e ser signatária da Declaração de Paris, compro-
metendo-se a acelerar a resposta para o m da Aids. Esse projeto foi elaborado a
parr de protocolos de pesquisa e desenvolvido por meio de uma parceria entre
a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), o Departamen-
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to de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis do
Ministério da Saúde, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Curiba, o Grupo
Dignidade (ONG que trabalha com a população LGBTI+ de Curiba) e os Centros
de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC).
O PAHA contou com diferentes pos de estratégias para ampliar a testa-
gem rápida de HIV, seguindo a premissa de fornecer locais de fácil acesso e ho-
rários alternavos, tais como o Grupo Dignidade (ONG), o Centro de Orientação
e Aconselhamento (COA), o Consultório na Rua (CR) e a unidade móvel (trailer).
Também foi ofertado, especialmente para os jovens HSH, uma plataforma on-line
(hps://www.ahoraeagora.org/) com o objevo de fornecer informações sobre a
prevenção do HIV, um instrumento para o usuário realizar uma autoavaliação de
risco, além da possibilidade de os usuários com 18 anos ou mais, moradores de
Curiba, solicitarem por esta plataforma kits de testes rápidos de uido oral para
autotestagem (E-tesng) (DE BONI et al., 2018). O E-tesng foi uma das estraté-
gias do projeto, por meio da qual os HSH poderiam receber os testes em casa
(pelo Correio) ou rerar na farmácia popular.
Outra estratégia ulizada do PAHA foi a “navegação” por pares (SHACHAM
et al., 2018), também chamada de “linkagem” (LABHARDT et al., 2018). Nela, um
“linkador”, normalmente HSH treinado, era designado para auxiliar e acompa-
nhar cada HSH com teste reagente de HIV por até três meses (90 dias) nas UBSs
vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), desde o momento da marcação de
consultas médicas/exames até a sua aderência à terapia anrretroviral (Tarv). O
projeto também se propôs, em seu protocolo, a fornecer espaços livres de esg-
ma e discriminação para garanr um lugar acolhedor para os HSH, incenvando
e facilitando a testagem de HIV para o grupo.
O PAHA foi um projeto de ciência de implementação, desenvolvido duran-
te um período de dois anos e meio e, após 14 meses, foi iniciada a avaliação do
processo de implementação do programa no intuito de saber o quanto as estra-
tégias garanam o acesso e eram aceitas pela população HSH, se eram sustentá-
veis e replicáveis em outros contextos. Esta pesquisa avaliava visou à aplicação
sistemáca de diversos procedimentos para aprofundar a análise da intervenção,
por meio de bases teóricas e/ou processos operacionais nos contextos existen-
tes, levando-se em consideração a visão dos disntos atores envolvidos (SALCI;
SILVA; MEIRELLES, 2018).
A avaliação do PAHA foi composta por quatro objevos: 1) explicar as va-
riáveis-chave de implementação do programa – relevância e pernência, acei-
tabilidade, adoção, viabilidade, delidade, penetração e sustentabilidade dos
serviços e avidades; 2) avaliar a efevidade das diferentes estratégias para o
alcance das metas do programa; 3) idencar as principais barreiras e os fato-
res facilitadores para implementação e 4) idencar e comparlhar as principais
lições aprendidas. O presente argo, no entanto, tem por objevo avaliar a im-
plementação do PAHA a parr da perspecva dos atores-chave envolvidos neste
processo, ulizando uma abordagem qualitava de invesgação/análise e com
base: a) em quatro variáveis-chave de implementação selecionadas para o ar-
go; b) na idencação das principais barreiras e facilitadores das variáveis-chave
analisadas.
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MATERIAIS E MÉTODOS
A pesquisa qualitava tem se consolidado no campo da saúde coleva
desde a década de 90, quando estudos referentes à sexualidade, Aids, corpora-
lidade, exclusão social e vulnerabilidade começaram a ser desenvolvidos (KNAU-
TH; LEAL, 2014). Essas pesquisas empregam metodologias das chamadas Ciên-
cias Sociais, como pesquisa documental, entrevistas em profundidade (também
chamadas de semiestruturais), observação direta, grupos focais, entre outros. Já
a pesquisa avaliava qualitava busca avaliar um programa, projeto ou mesmo
uma proposta políca, seja pública ou instucional, a parr das representações,
percepções, emoções e observação das relações e prácas envoltas na introdu-
ção e/ou desenvolvimento da ação (MINAYO, 2011).
A pesquisa avaliava ocorreu durante os meses de setembro a dezembro
de 2016. Uma equipe externa de avaliação composta por uma consultora inde-
pendente e três pesquisadoras-entrevistadoras foram responsáveis pela coleta e
análise dos dados qualitavos. Disntas técnicas foram ulizadas para a melhor
apreensão do objeto de invesgação em questão: a) revisão documental (memó-
rias das reuniões do Comitê Gestor, relatórios de supervisão, ocina de harmoni-
zação e documentos que foram publicados no período pré-instalação do projeto,
como normas, portarias, inquéritos, etc.); b) observações diretas das estruturas
e avidades nos serviços de Aconselhamento e Testagem Voluntária (ATV) do
PAHA (COA, CR, ONG e trailer – destacando-se que cada estratégia foi observada
três vezes); c) entrevistas semiestruturadas com informantes-chave (EIC) e d) dis-
cussão em grupos focais (DGF) com os prestadores de serviços do projeto e HSH,
sendo estes usuários ou não dos serviços ofertados pelo PAHA.
Foram desenvolvidos roteiros para a realização das observações diretas,
entrevistas e grupos focais, ressaltando-se que para os dois úlmos ainda foram
ulizadas chas sociodemográcas para descrever o perl dos parcipantes. Eles
foram selecionados por conveniência visando ao objevo de entrevistar casos
ricos de informação sobre o estabelecimento do PAHA (PATTON, 2015). Os rotei-
ros para as entrevistas e grupos focais abarcaram diversas questões do projeto,
como a qualidade da intervenção, os resultados não intencionais posivos e ne-
gavos, as barreiras e os facilitadores para o desenvolvimento do PAHA, entre
outros.
No que diz respeito à captação de HSH para parciparem da avaliação,
os gays/HSH (usuários e não usuários do PAHA) foram convidados por meio de
comunicação nas redes sociais (Fanpage no Facebook e Instagram), de parceiros
(Revista Lado A); por contato pessoal; divulgação em salas de bate-papo do site
UOL (consideradas salas de namoro ou “pegação” para o público gay/bissexual);
material de divulgação (yers e cartazes); disponibilização de telefone e e-mail e
ainda a produção de um vídeo com um educador de pares disponibilizado no site
do PAHA. Grande parte dos HSH parcipantes das entrevistas e grupos focais,
contudo, foi oriunda da própria rede da equipe do projeto. Os prestadores de
serviços foram selecionados por meio de indicações das equipes dos serviços; os
demais parcipantes, por exemplo, membros da sociedade civil, autoridades go-
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vernamentais, coordenadores locais dos serviços, aconselhadores, linkadores e
educadores foram recrutados diretamente pela equipe do estudo.
Ao todo, foram realizadas 18 entrevistas semiestruturadas com informan-
tes-chave, 14 entrevistas com gays/HSH residentes em Curiba, 4 grupos focais
e 12 dias de observação nas estratégias, 3 deles para cada estratégia (COA, CR,
ONG e trailer), nos horários de atendimento de cada estratégia, ulizando o mé-
todo etnográco para invesgar as estruturas e avidades de atendimentos dos
serviços prestados pelo PAHA. Entre os parcipantes havia gestores, prossionais
de saúde, avistas e HSH. Cinquenta pessoas parciparam da fase qualitava da
avaliação do projeto, entre entrevistas individuais e grupos focais, como descrito
no Quadro 1. O perl dos usuários do PAHA era de jovens, somente seis eram
maiores de 29 anos, todos se autodeclararam gays/bissexuais e possuíam Ensino
Médio e Superior completo, com exceção de um entrevistado com Ensino Médio
incompleto.
As entrevistas com os informantes-chave foram realizadas em uma sala
privava, com duração média de 60 minutos, gravadas em áudio e posteriormen-
te transcritas. Algumas entrevistas, contudo, foram conduzidas virtualmente, por
Skype, para aqueles que não residiam/trabalhavam na mesma cidade das entre-
vistadoras. Os grupos focais foram realizados com, no mínimo, quatro parcipan-
tes e, no máximo, dez, com a gravação de áudios que após foram transcritos. Eles
foram realizados em uma sala privava ou em outro local adequado/acessível e
conhecido pelos parcipantes, com uma duração média de duas horas.
Quadro 1 – Número total e perl de entrevistas e grupos focais da avaliação do
PAHA. Projeto AHA, Curiba, 2015-2017
Informantes-chave
Técnica Total de
parcipantes
EIC* DGF**
Gestores e implementadores (vigilância, direitos
humanos e pontos focais) 10 0 10
Prossionais de saúde prestadores de serviços do
PAHA
3 3 18
Prossionais de saúde não prestadores diretos de
serviços do PAHA
3 0 3
Integrantes de ONG (dirigentes e avistas voluntários) 2 0 2
HSH/Gays usuários das estratégias de ATV 8 0 8
HSH/Gays não usuários (nunca zeram o teste) 6 1 9
Total 32 4 50
* Entrevistas com Informantes-chave.
** Discussão em grupos focais (com disntos números de parcipantes em cada grupo).
Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.
Para atender aos objevos de avaliação do PAHA foram criadas sete ques-
tões-chave (KEQs), com suas respecvas subquestões, e analisadas conjuntamen-
te com as variáveis de implementação (PROCTOR et al., 2011). Além disso, outros
componentes foram incluídos, como o nível ou unidade de análise, se por po de
estratégia (diferentes serviços e vinculação) ou recipientes (executores, prestado-
res de serviços e beneciários/usuários), como também o método de coleta uliza-
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do para responder a cada questão, descritos no Quadro 2. A triangulação dos dados
coletados foi realizada a parr de procedimentos narravos e de análise temáca,
permindo avaliar o contexto social como um todo em razão da experiência vivida
por todos os parcipantes, além de idencar temas e tópicos especícos rela-
cionados às questões-chave de avaliação. Foram elaboradas planilhas-resumo para
produzir colevamente um esquema de codicação temáca relacionado às ques-
tões-chave. Com base nas planilhas-resumo foram criadas manualmente matrizes
temácas em Microso Excel de modo a facilitar as comparações entre catego-
rias e parcipantes das entrevistas. Uma leitura transversal das matrizes foi, então,
conduzida a m de idencar as categorias de análise e os pontos de convergência
e divergência entre as diferentes narravas, agregando, a parr desta análise, in-
formações pernentes para responder às questões-chave de avaliação, juntamen-
te com o material proveniente das observações e revisão documental.
Quadro 2 – Questões e variáveis-chave de avaliação, unidade de análise
e método de coleta, Projeto AHA, Curiba, 2015-2017
Questão-chave
de avaliação
Subquestões Variáveis-chave de
implementação
Nível/unida-
de de análise
Método de coleta
KEQ1. Qual é
a relevância,
adequação e
qualidade da
estrutura da
intervenção?
a) A intervenção é condi-
zente com os compro-
missos e plano estratégi-
co do país para suprir as
necessidades dos HSH
relavas ao HIV?
b) A estrutura da interven-
ção é sólida do ponto de
vista técnico?
c) A estrutura da inter-
venção favorece os
preceitos de direitos
humanos?
Relevância
Adequação/per-
nência
Qualidade
Por po de
beneciário e
por estratégia
Revisão docu-
mental
Entrevistas se-
miestruturadas
Grupos focais
Observação dire-
ta da prestação
de serviços
KEQ2. Qual é o
nível de instui-
ção e adaptação
da intervenção
conforme a
necessidade?
a) Qual é o nível de ecácia
dos sistemas internos
para o controle do anda-
mento em relação aos
planos e para a modi-
cação da efevação con-
forme a necessidade?
b) A intervenção foi ajus-
tada durante o período
de introdução a m de
alinhá-la a novas neces-
sidades e evidências?
Fidelidade
Adoção
Penetração
Por po de
beneciário e
por estratégia
Entrevistas se-
miestruturadas
Grupos focais
Observação de
campo
Visitas de
supervisão
Observação di-
reta
da prestação de
serviços
KEQ3. A inter-
venção produziu
os resultados
pretendidos no
curto, médio e
longo prazo?
Os resultados pretendidos
foram alcançados? O que
deu certo para quem, em
que medida e de que ma-
neiras?
Efevidade
Cobertura
Por po de
beneciário e
por estratégia
Indicadores pro-
gramácos
Entrevistas se-
miestruturadas
Grupos focais
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KEQ4. Que
resultados não
intencionais (po-
sivos e nega-
vos) a interven-
ção produziu?
Houve alguma mudança
não intencional na vida dos
usuários da intervenção, no
ambiente de prestação de
serviços e na comunidade
em geral?
Viabilidade
Aceitabilidade
Por po de
beneciário e
por estratégia
Entrevistas se-
miestruturadas
Grupos focais
Visitas de super-
visão
Revisão de atas
de reunião do co-
mitê gestor
Pesquisa de saída
com usuários HSH
KEQ5. Quais fo-
ram as barreiras
e facilitadores
que zeram a
diferença entre
o sucesso e o
fracasso da efe-
vação e resul-
tados da inter-
venção? Quais
são as lições
aprendidas?
a) Quais foram os gargalos
que impediram o suces-
so de algum componen-
te da intervenção e se
houve formas ecazes de
superá-los?
b) Quais foram os facilitado-
res da introdução e se há
condições especícas em
que eles foram/podem
ser maximizados?
c) Quais foram os fracassos
ou processos que não
funcionaram ou não se
mostraram ecazes na
instauração?
Adoção
Penetração
Viabilidade
Por po de
beneciário e
por estratégia
Entrevistas se-
miestruturadas
Grupos focais
Visitas de super-
visão
Revisão de atas
de reunião do co-
mitê gestor
KEQ6. Qual foi
o valor dos re-
sultados para os
parcipantes,
prestadores
de serviços,
organizações
envolvidas e a
comunidade em
geral?
a) Em que medida as con-
quistas foram valorizadas
pelas diversas partes
interessadas do progra-
ma e pela comunidade
em geral?
b) Houve consensos/diver-
gências fundamentais
naquilo que foi valori-
zado, por quem? Quais
foram os movos?
Aceitabilidade
Adoção
Por po de
beneciário e
por estratégia
Entrevistas se-
miestruturadas
Grupos focais
Visitas de super-
visão
Revisão atas de
reunião do comi-
tê gestor
KEQ7. Os resul-
tados posivos
têm chances de
serem man-
dos?
a) Os resultados foram ob-
dos de forma sustentável?
b) Em que medida foram
criadas e instucionalizadas
apropriação e capacidades
locais?
c) Em que medida recursos
locais estão disponíveis
para manter as avidade e
resultados?
d) Alguma área da interven-
ção é claramente insusten-
tável?
Sustentabilidade Por po de
beneciário e
por estratégia
Entrevistas se-
miestruturadas
Grupos focais
Visitas de super-
visão
Revisão atas de
reunião do comi-
tê gestor
Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.
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Para este argo, a estratégia de análise da avaliação foi centrada em qua-
tro categorias que englobam as dimensões de acesso ao PAHA: cobertura; ade-
quação; qualidade e aceitabilidade. Essas categorias fazem parte das variáveis-
-chave de implementação do PAHA, descritas no Quadro 2, sendo aquelas que
se destacaram para entender o acesso dos usuários aos serviços na testagem e
tratamento de HIV/Aids em Curiba. Os temas discudos, tanto nas entrevistas
quanto nos grupos focais, veram como base perguntas para responder às sete
questões-chave de avaliação.
Para cada categoria analisada foi desenvolvida uma descrição com base na
reexão conceitual de alguns autores, como também a parr de pesquisas empí-
ricas, tais como: a) Cobertura vinculada à amplitude e aos pos de serviços oferta-
dos aos usuários, além da experiência e informações sobre eles, podendo inuen-
ciar na demanda dos serviços; primordialmente na testagem de HIV para saber
se o público-alvo está conseguindo realizá-la em um dos locais do PAHA (MATIN
et al., 2019); b) Adequação relacionada à organização dos recursos da testagem
no PAHA, se atende ou não a todas as necessidades dos usuários do serviço, além
de entender a experiência deles com a organização do serviço de testagem (PEN-
CHANSKY; THOMAS, 1981; VIACAVA et al., 2012); c) Qualidade, correspondente à
qualidade da atenção/cuidado que está sendo ofertada no serviço e a percepção
de efevidade para ampliar o acesso, a capacitação prossional das equipes, a
percepção da sasfação dos usuários, além de fatores individuais dos prossio-
nais de saúde. Essa categoria informa se os direitos e dignidade dos usuários fo-
ram respeitados nos atendimentos, como também o cuidado prestado, a confor-
mação das instalações (estrutura sica) e os fatores contextuais (EMMERICK et
al., 2015); d) Aceitabilidade, refere-se à avaliação das atudes dos usuários diante
da aceitação do po de testagem disponibilizado no PAHA, ou seja, se o atendi-
mento está dentro das expectavas dos HSH (VIACAVA et al., 2012).
Apesar de a categoria sustentabilidade ser considerada central para a ma-
nutenção da estratégia em Curiba, fazendo parte das questões-chave, ela não
será aprofundada neste argo. A análise dos dados teve como base a literatura
em torno do campo da avaliação em saúde, sobretudo para a seleção das cate-
gorias discudas ao longo do argo e centrais nesse po de trabalho.
O projeto de pesquisa foi submedo ao Comitê de Éca em Pesquisa da Es-
cola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz, à Comissão Nacional de É-
ca em Pesquisa (Conep), e ao Comitê de Éca da Secretaria Municipal de Saúde de
Curiba – PR em 2016, tendo os pareceres no. 1.472.573, 1.707.476 e 125/2016,
respecvamente. Os Termos de Consenmento Livre e Esclarecido (TCLEs) foram
aplicados e obdos de todos os parcipantes da pesquisa, após explicação dos
propósitos, metodologia, riscos e benecios relacionados à parcipação.
RESULTADOS
Cobertura
A ampliação do acesso à testagem para o público-alvo a parr de disn-
tas abordagens e opções foi enfazada como fator posivo entre os prossionais
parcipantes do PAHA, que destacaram a oferta de vários pontos de testagem, o
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aumento de dias e horários nas estratégias (horário noturno e sábados, como no
trailer) e a vinculação precoce (acelerando o início do tratamento de HIV/Aids).
Igualmente, a ampliação de locais e horários para a rerada dos anrretrovirais
(ARV) foi uma questão reiterada pelos entrevistados, considerada fundamental
para a melhoria do acesso ao tratamento:
Outra coisa também que eu acho legal que o projeto fez assim, é dar uma
autonomia pro usuário, entendeu? Porque você pode ir na ONG, você pode ir
no trailer, você pode ir no COA e você pode fazer o teste em casa... isso é legal
porque assim, muitas pessoas não se testavam por conta de não querer ir no
serviço, entendeu? Pela questão da exposição [...] (educador de pares 2).
Para a população em situação de rua, houve a ampliação da testagem e
que conferiu certo acesso desses indivíduos às estruturas formais de cuidado à
saúde por meio do PAHA. Isso também possibilitou o acesso ao diagnósco pre-
coce de HIV para uma parte da população socialmente excluída, com base nas di-
retrizes do SUS e que embasavam as ações do Consultório na Rua do Município.
A despeito da ampliação da testagem para o HIV em Curiba apontada
pelos entrevistados, houve uma falta de conhecimento entre os HSH sobre os
serviços de testagem nas UBSs, mesmo após a descentralização da atenção ao
HIV/Aids, exigindo assim maior divulgação da testagem rápida. Para aqueles que
sabiam da possibilidade do teste rápido, ele foi preferencialmente realizado em
serviços especializados, como o COA, mesmo que o acesso a este para testagem
representasse exposição à preferência sexual dos usuários e a potencial associa-
ção com a soroposividade, como indica um entrevistado: “Então, eu já passei
ali próximo com amigos e não sei, as pessoas, eu vejo preconceito também nas
pessoas, elas sempre falam quando alguém sai do prédio, aí está saindo do COA”
(homem gay, usuário E-tesng, soroposivo, 33 anos).
Adequação
A estruturação do PAHA e a organização de suas avidades deu-se a par-
r da incorporação dos preceitos dos direitos humanos no processo de trabalho
das equipes, sendo visto como uma alternava de testagem mais acolhedora e
com um atendimento rápido, eciente e de qualidade na oferta da testagem e
tratamento. Nas entrevistas isso reeu-se em relatos sobre a humanização na
atenção das necessidades dos HSH, no respeito à privacidade (entre os prossio-
nais e os usuários do serviço), na ampliação de locais e horários de atendimento,
na maior agilidade de marcação de consultas e exames (por meio do papel do
linkador), na comunicação dos educadores de pares (jovens gays) e na divulga-
ção do projeto para diferentes pers de HSH. Em algumas estratégias o sigilo foi
incorporado na estrutura e na organização do espaço de atendimento, como na
existência de uma “porta de fundos” na saída do trailer, permindo discrição, no
reforço do isolamento acúsco na ONG, entre outras iniciavas:
[...] a estrutura que o projeto nos forneceu, por exemplo, no caso o equipa-
mento no trailer, ele trouxe assim mais um local de alternava para a popu-
lação-chave procurar, um local onde não tem esgma, não tem preconceito e
eles se sentem mais à vontade (ponto focal 2).
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Para alguns gestores e outros prossionais, a gura do linkador foi primor-
dial. Ele atuou como um agente-mediador com a UBS, tentando migar os efei-
tos das barreiras de acesso aos serviços de saúde e sinalizando a existência/per-
sistência delas para as unidades e à SMS. Segundo os informantes-chave, houve
diculdades dos usuários LGBTQI+ na rede pública de assistência relacionadas,
por exemplo, à persistência do esgma e da discriminação no atendimento. Em-
bora a estrutura e a organização do PAHA tenha visado à ampliação da capaci-
dade local para a prestação de testagem e vinculação ao tratamento do HIV de
qualidade para a população HSH, as capacitações realizadas para prossionais de
saúde (direitos LGBTQI+, esgma e discriminação) restringiram-se às equipes do
PAHA, não se estendendo à rede básica de saúde e reendo no atendimento
prestado.
No que se refere ao direito ao acesso do segmento mais vulnerável so-
cialmente, como a população de rua, a organização desse po de assistência
foi pensada para garanr o acesso aos usuários marginalizados, principalmente
àqueles sem documentação, a parr de estratégicas intersetoriais com a assis-
tência social, como referido por um dos informantes
[...] a gente tem trabalhado maciçamente junto com a assistência social no
sendo da confecção dos documentos deles, pra que não haja, então, um pre-
juízo ou um atraso no início do tratamento (ponto focal 4).
Como forma de aperfeiçoar a adequação das estratégias de testagem do
PAHA, foram providenciados, junto as equipes, os Procedimentos Operacionais-
-Padrão (POP), que foram colocados de forma visível em todas as estratégias, e
ajustes em relação aos uxos e processos de trabalho. Nas observações diretas
realizadas nas estratégias, percebeu-se que as equipes da ONG e do trailer se-
guiam os uxos dos atendimentos e os espaços eram limpos e acolhedores. A
ONG nha um lugar mais “gay-friendly” (cartazes voltados para esse público e
divulgação de ações de cidadania) e o trailer contava mais com a presença de
prossionais com idendade LGBTQI+.
A estratégia com maior diculdade de adequação à estrutura e à qualida-
de da atenção à população LGBTQI+ foi o COA. Lá foi observada a falta de padro-
nização do uxo dos usuários e procedimentos entre os prossionais do serviço,
além do pouco conhecimento da equipe sobre o projeto. A explicação para os
usuários sobre o PAHA era delegada, muitas vezes, aos linkadores. Houve tam-
bém pouca interação entre os prossionais do COA e a equipe do PAHA; ocor-
reu relato de atendimentos dos usuários sem discrição e privacidade; houve a
idencação de falas de aconselhadores com teor esgmazante e repasse de
informações técnicas com erros (discurso centrado no pânico e moralismo), en-
tre outros problemas.
Qualidade
Para os usuários do PAHA, de modo geral, a atenção em saúde ofertada
pelos serviços do programa foi realizada por prossionais qualicados tecnica-
mente e humanizados, sem prácas discriminatórias em relação às idendades
de gênero, sexualidade e ao HIV. Por outro lado, isso aparece nas barreiras en-
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frentadas pelos HSH no sistema de saúde local, presente no registro dos linkado-
res, referidos ao esgma e discriminação sofridos e também na organização dos
serviços, como demora na marcação de consultas e realização de exames; tempo
de espera para o atendimento; falta de prossionais nos serviços de saúde; des-
conhecimento de novas tecnologias de prevenção e tratamento, além da dicul-
dade em lidar com questões de sexualidade para o cuidado da saúde dessa po-
pulação. Outros fatores também foram ponderados e relacionados à qualidade,
como segurança, condencialidade e sigilo, importantes na garana do acesso
aos serviços para determinadas populações como os HSH, que não se iden-
cam como gays ou homossexuais:
Bastante preconceito, eu acho que a principal barreira é essa [...] alguns não
querem se expor e têm que se expor, e os que não se importam de serem
assumidos [como soroposivos] [...] sofrem um preconceito muito grande
também. Então, o que eu vejo é isso, barreira é o preconceito (homem gay,
usuário E-tesng, 21 anos).
De acordo com alguns informantes-chave da pesquisa, um melhor aco-
lhimento estaria dentro do modelo de cuidado integral para as PVHA, com dis-
cursos menos tecnicistas e não esgmazantes e o cuidado integral e integrado
desses sujeitos a outros serviços, numa perspecva muldisciplinar. Para isso,
além da capacitação das equipes, o processo de trabalho deveria ser baseado
na humanização, na integridade e nos direitos das PVHA. Sigilo e discrição tam-
bém fariam parte desse acolhimento, pois a forma como era realizada a rerada
dos medicamentos nas unidades dispensadoras contribuiu para o processo de
esgmazação dos HSH. Mesmo nos lugares considerados bons para a testagem,
como o COA, a estrutura sica não foi pensada para migar o esgma ou para
garanr a manutenção do sigilo durante o tratamento, como relatam os entre-
vistados:
[...] às vezes, você pega um atestado e está escrito COA lá embaixo, eu não
posso entregar lá porque se eu entregar o meu chefe vai falar, mas por que
treze atestados do COA? A minha médica inclusive ra aquela parte pra mim,
que eu solicito pra ela, pra não car escrito ali né, COA. Então, eu acho que o
COA é importante, porque eles são muito preparados, mas ao mesmo tempo
não é tão discreto (homem gay, usuário do PAHA, soroposivo, 35 anos).
[...] lá tem uma sala de espera e aí começa a chamar nomes, chamar pessoas
[...] a maior parte que estava lá pra pegar medicação sabia que eu [...] quase
todo mundo que estava lá estava pegando medicação de HIV (homem gay,
usuário do PAHA, 35 anos).
No que diz respeito à estrutura sica dos locais de testagem do PAHA, os
entrevistados senram a necessidade, sobretudo no COA, de espaços seguros e
acolhedores, com privacidade e prossionais capacitados e sensibilizados, com a
parcipação da população LGBTQI+, além da reciclagem técnica dos prossionais
de saúde, em parcular os médicos, para se apropriarem das novas diretrizes re-
lacionadas ao HIV. Ainda sobre a questão do cuidado, foi relatada a necessidade
de os serviços de saúde fornecerem um acompanhamento psicológico para as
PVHA, suprido pela gura do linkador, além da agilidade de consultas, exames e
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entrega dos resultados e forma de atendimento nas UBSs, principalmente para
não desesmular a vinculação e a connuidade no tratamento.
Aceitabilidade
Para os prossionais do PAHA, a testagem rápida ofertada em disntas
estratégias foi bem aceita, de forma geral, pelos HSH, porém com diferenças a
depender do perl e necessidades dos usuários. Para aqueles que acessaram o
Consultório na Rua, houve resistência na testagem pelo fato de muitos não que-
rerem ter conhecimento sobre o status sorológico diante da situação já bastante
vulnerável em que viviam. Isso tornou-se um desao para os prossionais, princi-
palmente para entenderem e respeitarem a decisão de cada indivíduo em situa-
ção de rua sem esse interesse:
[...] primeiro em não querer saber sobre a sua sorologia, o que é um direito
de cada um, então ele diz: ah eu não quero saber, minha vida já tá tão des-
graçada que eu não quero ter nocias. Então, eu acho que isso é um primeiro
momento assim, que a gente precisa respeitar apesar de tentar fazer todo um
trabalho de sensibilização (ponto focal 4).
A demanda por testagem entre a população em situação de rua, mesmo
entre aqueles que têm prácas homoerócas, pode ser secundária diante das
necessidades de saúde mais prementes para aqueles que estão na rua. Ela ocor-
rendo, no entanto, pode acabar sendo reprimida devido a barreiras de acesso ao
cuidado que, muitas vezes, esta população encontra nos serviços de saúde por
conta do esgma e discriminação a que está sujeita ou por diculdades burocrá-
cas, como a falta de documentação que os impede de acessar o serviço de saú-
de, que desaam a universalidade do sistema. Para atender esta população de
forma integral e integralizada aos demais atendimentos, a equipe do Consultório
na Rua trabalhou com o conceito de “gestão de caso” e contou com um médico
contratado especialmente para atender esses indivíduos.
O E-tesng foi uma estratégia que surpreendeu em termos de kits de tes-
tes solicitados e entregues, mostrando-se uma tecnologia aceitável entre os HSH
e efeva para fazer a “ponte” entre os usuários e os serviços de saúde. Essa es-
tratégia foi ulizada, sobretudo, pelos HSH que não queriam exposição para rea-
lizar a testagem e conseguiram privacidade e comodidade por meio do kit, como
mencionado por um dos entrevistados:
[...] o desenho do projeto, pra mim, o mais importante foi o teste ir pra casa,
pois as pessoas começaram a se testar mais apesar de suas parcularidades,
medos, vergonhas e ans (linkador, parcipante de grupo focal).
Porque eu acho que o maior problema também que a gente enfrenta é a ver-
gonha de fazer o teste, então como eu, por exemplo, eu faço o que eu recebo
por correio, então ele, você elimina essa barreira de você ter que conversar
com as pessoas, você assumir que você precisa do teste (usuário do E-tesng).
O PAHA, segundo os informantes-chave e usuários, contribuiu para uma
maior visibilidade do trabalho realizado na ONG, tornando-a uma opção para o
cuidado da saúde dos HSH e desmiscando a testagem na visão de alguns pro-
ssionais de saúde. Embora esta estratégia tenha sido apontada como acolhe-
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dora e gay-friendly, foi um espaço com pouca visibilidade dentro das estratégias
de testagem para os usuários e houve preocupação com uma potencial quebra
de sigilo “no meio LGBTQI+”. Outro ponto destacado por alguns prossionais de
saúde foi o fato de esta estratégia ser mais adequada para alcançar um público
assumido com uma idendade LGBTQI+ e não aqueles com prácas homoeró-
cas, mas autodeclarados heterossexuais.
Eu acho que sim porque pelo menos aqui no Dignidade o que eu vejo é que
eles se sentem mais à vontade de vir porque sabem que é uma equipe que
tem pessoas, tem homens gays que estão fazendo testes, é um ambiente um
pouco mais acolhedor (usuário da ONG).
A gura do linkador foi referida como fundamental na maior aceitação
para testagem e tratamento, tanto na ONG quanto nas outras estratégias, servin-
do de escuta para muitos usuários sobre a descoberta da soroposividade e tam-
bém tornando-se o apoio na dicil tarefa de revelar o diagnósco para a família
e amigos. O suporte técnico e emocional reeu na demanda de alguns usuários
sabidamente soroposivos à nova testagem apenas para poderem contar com o
apoio do linkador do programa. Outro ponto mencionado foi o auxílio na nave-
gação pelo sistema de saúde, pelo maior conhecimento que o linkador passa a
ter sobre como a rede de saúde funciona, orientando melhor os usuários, e pelas
orientações sobre HIV/Aids comparlhadas pelos linkadores.
[...] eu acho que o projeto dá possibilidades maravilhosas, como linkador,
sabe? Tipo, se deu posivo já chega alguém com uma certa experiência sa-
bendo do que está falando com uma abordagem mais tranquila e já te deixa
mais confortável dentro dessa situação e já te apresenta, digamos assim, o
leque de tratamentos e tudo o que a pessoa pode começar a fazer, e aí eu
acho que a parr disso é da pessoa dizer o que que ela quer, se sim ou se não,
e acho que esse, o apresentar o tratamento desse jeito, por exemplo, eu acho
que o linkador é uma das coisas mais legais, porque o que falta, tem muita
gente que não tem com quem conversar (usuário do E-tesng).
A mobilidade e acessibilidade do trailer foram fatores que permiram que
um maior número de pessoas vesse acesso ao serviço, mas, ao mesmo tempo,
o fato de estar num local aberto e público pode ter contribuído para que pessoas
não o ulizassem por preferirem maior privacidade e discrição, sendo apontado
como uma estratégia em que as pessoas “não assumidas” poderiam não ir.
De maneira geral, as estratégias de testagem no PAHA foram bem aceitas.
A proximidade dos serviços com a residência das pessoas, o grau de conança
no espaço em que era realizado o teste, o acesso a informações sobre o tempo
de espera, o apoio, o anonimato, o sigilo e a privacidade foram pontos impor-
tantes, segundo os usuários, para a escolha do serviço da testagem. O Quadro 3
procurou, de forma sintéca, apresentar os pontos posivos e negavos de cada
estratégia do PAHA, a parr das entrevistas e observações, importantes para o
desenvolvimento de melhorias no programa.
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Quadro 3 – Pontos posivos e negavos do PAHA em cada estratégia
Estratégia Pontos Posivos Pontos negavos
COA
▪ Familiarização com o serviço
(referência municipal para testagem)
e equipe;
▪ Sigilo e privacidade;
▪ Maior suporte prossional;
▪ Maior credibilidade por ser unidade
de saúde;
▪ Oferece outros pos de testagem;
▪ Acessa população de fora de Curiba;
▪ Opção para quem não tem plano de
saúde.
▪ Acessibilidade limitada
(horários mais restritos);
▪ Dispensação de medicamento
no mesmo local da testagem
(esgmaza);
▪ Demora no atendimento;
▪ Embora haja preparo técnico da
equipe, houve relatos de esgma
e discriminação no atendimento
à população LGBTQI+.
ONG
▪ Serviço não discriminatório;
▪ Ter membros gays na equipe do
PAHA;
▪ Reconhecido pela comunidade
LGBTI;
▪ Oferece outros serviços, não apenas
testagem para HIV;
▪ Mais acolhedora para gays/
homossexuais por ser mais direcionada
ao público LGBTQI+;
▪ Mais confortável;
▪ Segurança/conança por “parecer
um laboratório”;
▪ Já tem experiência no atendimento à
população LGBTQI+.
▪ Acessaria apenas “população
assumida”;
▪ Desconhecimento do serviço
de testagem oferecido na ONG;
▪ Potencial quebra de sigilo da
informação (resultado) no meio
LGBTQI+.
Trailer
▪ Oportunidade;
▪ Pracidade;
▪ Mobilidade;
▪ Localização estratégica (de passagem
das pessoas);
▪ Pessoas não são notadas em espaços
públicos de grande movimentação;
▪ Bom atendimento;
▪ Segurança/conança por “parecer
um laboratório”.
▪ Espaço público – não acessa
HSH (“não assumidos”);
▪ Falta de discrição, chama
atenção.
E-tesng
▪ Menos invasivo;
▪ Rapidez;
▪ Comodidade de se fazer em casa;
▪ Discrição (“permite não ter contato
pessoal”);
▪ Agilidade no resultado;
▪ Elimina a vergonha de se fazer o teste
em algum lugar (não exposição);
▪ Uliza saliva e não sangue;
▪ Confere privacidade ou não
(dependendo com quem a pessoa
mora, se escolhida entrega domiciliar).
▪ Necessidade de maior apoio
em caso de resultados reagentes
para HIV;
▪ Adequado para quem já tem
informação sobre HIV e só quer
fazer o teste, para maiores
informações requer outro serviço
(presencial-relacional).
Consultório
na Rua
▪ Apoio de uma equipe sensibilizada
do projeto para essa estratégia
(contratação de um médico);
▪ Acesso a outros pos de serviço de
saúde.
▪ A falta de documentos dos
usuários pode barrar o acesso
deles aos serviços de saúde e
tratamento.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.
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DISCUSSÃO
A avaliação da instalação do PAHA idencou que a aceitabilidade a novos
modelos de atenção e a inovações em tecnologias diagnóscas e sociais é pos-
sível, como a vinculação por pares, é alta entre a população-chave, prossionais
de saúde e gestores em saúde. Além disso, buscou-se uma assistência humaniza-
da, não discriminatória e considerada eciente para ampliar o acesso à testagem
e aumentar a vinculação dos portadores de HIV à atenção em saúde.
A avaliação da práca da testagem em diferentes estratégias pode ser
composta por disntos componentes, observando-se que no contexto do PAHA
buscou-se também a melhoria de sua operacionalidade (ALVES; MAZON, 2016).
Na avaliação de intervenções de saúde dessa natureza é importante que diversos
atores sejam escutados para que, por meio de disntos pontos de vista sobre
o mesmo objeto, se possa aprimorar o funcionamento do serviço, qualicar os
prossionais, aperfeiçoar normas e ronas e proporcionar dignidade aos sujeitos
envolvidos (RIBEIRO; ROSA; FELACIO, 2015).
Todas as quatro categorias analisadas – cobertura, adequação, qualidade
e aceitabilidade – trouxeram elementos importantes sobre as conquistas e as
barreiras em torno da ampliação da testagem de HIV no PAHA. O sigilo, a con-
dencialidade, a segurança e a privacidade foram fundamentais na escolha da
estratégia para a realização da testagem entre os HSH, assim como outros fato-
res. Por isso, aquelas que forneciam esses elementos foram as mais procuradas
e veram maior aceitação. A proximidade com o local da testagem e o acesso
à informação sobre o tempo de espera também foram elementos importantes
na opção da estratégia, com esses fatores mostrando-se semelhantes em outras
partes do mundo. Como exemplo, um estudo realizado em Manila, Filipinas, ana-
lisou o acesso dos HSH à testagem de HIV e revelou diversas causas conitantes
para a sua realização, como a localização distante dos Centros de Testagem, o
tempo de espera muito longo, a abertura e o fechamento no horário de trabalho
dos indivíduos e os locais não equitavos (WIJNGAARDEN et al., 2018).
No PAHA, algumas estratégias forneciam horários alternavos para a tes-
tagem, como a ONG e o trailer, ampliando, desta forma, o acesso. O E-tesng,
com a entrega (via correio e farmácia popular) de kits de autotestagem foi uma
forma de os HSH manterem o sigilo, superando o receio de serem idencados
no momento da testagem. Há evidências da efevidade da testagem rápida de
HIV na captação de indivíduos que nunca se testaram, conforme indicado em
uma pesquisa realizada na Espanha, na qual seis em cada dez pessoas que se
testaram em unidade móvel, no período de 2008 a 2011, nunca haviam realizado
um teste de HIV na vida; entre aqueles com resultado reagente estavam os HSH
mais jovens (BELZA et al., 2015). A testagem rápida de HIV de fácil acesso tem
se mostrado bem recepva entre os jovens HSH, principalmente em estratégias
que se disnguem dos serviços de testagem convencionais e conjugadas com o
anonimato (LABHARDT et al., 2018).
Apesar de o COA ter sido a estratégia mais procurada pelos usuários do
PAHA para testagem, algumas barreiras de acesso foram relatadas, como o fato
de o prédio do COA ser reconhecido como um lugar de testagem e tratamento
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de HIV em Curiba, podendo esgmazar as pessoas que o procuram e houve
a falta, idencada por alguns usuários, de um maior acolhimento em relação
a questões singulares da população LGBTQI+ e às posturas moralistas em torno
destas. Essas percepções indicaram que atudes esgmazantes a esta popula-
ção em razão da orientação sexual e da vulnerabilidade à infeção pelo HIV ainda
se faz presente no COA, constuindo-se em uma forte barreira na busca pela tes-
tagem, cuidado e atendimento, sobretudo na atenção básica, podendo interferir
na vida dos HSH mediante as atudes negavas e discriminatórias, trazendo uma
série de consequências comportamentais (GARCIA; RAMOS, 2017).
O esgma e a discriminação relacionado ao HIV/Aids ainda podem ser
conjugados com outros marcadores sociais, como orientação sexual, cor/raça,
renda, moradia, nível educacional, entre outros, que se intersectam e exacerbam
nos processos de discriminação que esta população pode enfrentar em serviços
de saúde (UNAIDS, 2019). Essa questão veio à tona, em parcular, nas categorias
de avaliação do acesso adequação e qualidade. Para a superação dessa barreira
seria necessária uma sensibilização das equipes e treinamentos, tanto na oferta
da testagem do HIV quanto no cuidado para populações especícas (SHUBHA
RAO et al., 2016). Esse ponto foi idencado no PAHA, principalmente a necessi-
dade de sensibilização dos prossionais de saúde das UBSs e no acesso à testa-
gem em algumas estratégias.
Apesar de o PAHA ter sido bem aceito pelos prossionais/gestores e usuá-
rios, que o viram como alternava de testagem mais acolhedora e que incorpora
preceitos de direitos humanos em seu atendimento, mostrando-se rápido e e-
ciente, essa perspecva disngue-se quando comparada ao atendimento reali-
zado nas UBSs no acesso aos exames, tratamento e na relação direta com os
prossionais de saúde do serviço. No que diz respeito ao Consultório na Rua, a
preocupação da população atendida estava na diculdade em conseguir aten-
dimento e tratamento por falta de documentação. Entre os fatores que podem
prejudicar a realização da testagem de HIV na população em situação de rua está
o medo de receber um diagnósco posivo e o adoecimento (HINO; SANTOS;
ROSA, 2018), como também a diculdade de conseguir acesso aos serviços de
saúde e por barreiras em virtude da sua condição, como a impossibilidade de
comprovar moradia, uso de álcool, drogas e outras doenças.
Em relação às fragilidades da atenção em saúde aos HSH soroposivos, os
conceitos de cuidado e vulnerabilidade podem ser ulizados nas prácas de saú-
de. Eles trariam uma renovação para as formas de “construção de diagnóscos
de saúde” para os usuários do PAHA que acessam as UBSs, incorporando saberes
para “além daqueles biomédicos e epidemiológicos” e trazendo os das ciências
sociais, humanas e prácos”. Para o diagnósco ampliado, o cuidado deve ser
construído a parr de prácas de saúde que possam considerar a autonomia dos
indivíduos e incorporar seus saberes (CALAZANS; PINHEIRO; AYRES, 2018).
A gura dos linkadores, que acompanhavam os HSH com testes reagentes
nos serviços de saúde até o início do tratamento, foi importante para criar a liga-
ção entre a testagem e as UBSs, como também no acompanhamento de exames
e apoio psicológico a parr de novos saberes incorporados. Além do contato pes-
soal, as trocas de mensagens (via WhatsApp) trouxeram esclarecimentos sobre
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os próximos passos no processo de cuidado e tratamento e também em como
abordar as questões pessoais reduzindo, assim, a vulnerabilidade dos usuários
acompanhados. Essa noção parte do princípio de que a ulização de um con-
junto de saberes, como o uso da tecnologia, torna-se fundamental para a trans-
formação e o conhecimento das condições de saúde dos indivíduos (CALAZANS;
PINHEIRO; AYRES, 2018).
Diversos projetos de testagem que ulizaram os linkadores como forma
de aproximação e acompanhamento dos HSH com diagnósco posivo foram
bem aceitos por essa população e revelaram que esse método tem se mostrado
eciente na navegação após a testagem de HIV, ajudando a reduzir a ansieda-
de, esclarecendo dúvidas relacionadas ao tratamento, fornecendo mudanças no
comportamento sexual e contribuindo para ampliar o acesso dos usuários aos
serviços de saúde (BROWNRIGG et al., 2017).
As avaliações de implementação de um programa, conforme a que fora
realizada, visam a promover seu desenvolvimento e melhoria, destacando-se
que os avaliadores podem fornecer evidências que orientem os implementado-
res no desenvolvimento do programa e que possam ser ulizadas nas tomadas
de decisão sobre a connuidade ou expansão (SPIEGELMAN, 2016).
Apesar de todo avanço do PAHA em relação à ampliação da testagem do
HIV entre os HSH, como a vinculação dos casos posivos na atenção básica e
seu acompanhamento até o início da TARV (linkagem), há ainda muito que se
avançar na atenção a essa população. Destacam-se as situações de esgma, dis-
criminação e violência homofóbica a que essa população está sujeita, tornando-a
vulnerável tanto a situações de exposição ao risco de adquirir HIV, quanto, uma
fez adquirido, a barreiras de acesso ao diagnósco e ao cuidado integral. Por
isso, torna-se fundamental invesgar as possíveis barreiras de acesso à testagem
e tratamento entre os HSH, como também entender as conexões entre as expe-
riências sexuais e a vulnerabilidade ao HIV desses indivíduos (MORA; BRIGEIRO;
MONTEIRO, 2018).
O atual desao do PAHA é encontrar formas para a sua sustentabilidade,
pois ele se mantém em Curiba em nova fase centrada no tratamento imediato
ao HIV, na assistência dos usuários e na prevenção ao vírus. Há alguns obstáculos
nesse campo, como questões de cunho políco (mudanças na gestão munici-
pal e crise políco-econômica nacional e local), custo para a manutenção dos
equipamentos e equipes, necessidade de autotestes mais baratos e de fácil ma-
nuseio para uso amplo na rede de saúde municipal, entre outros, para que seja
possível a connuidade das estratégias de testagem rápida de HIV introduzidas
pelo projeto em Curiba.
A despeito dos desaos ainda presentes para se encontrar mecanismos
efevos e ecientes de sustentabilidade das estratégias alternavas de aconse-
lhamento e testagem voluntária, o PAHA enfrentou desaos ao propor um novo
modelo de atenção para a resposta nacional e local à epidemia concentrada do
HIV entre a população HSH.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Projeto revelou como a aceitabilidade das inovações em tecnologias
diagnóscas e de cuidado (vinculação por pares) é alta entre a população-cha-
ve, prossionais e gestores em saúde por ser, ao mesmo tempo, de alta resolu-
vidade. A despeito das diculdades no processo de implementação do PAHA,
pode-se considerar que ele alcançou metas mais realíscas. Os prossionais
envolvidos acumularam vasta experiência e lições aprendidas que ajudarão na
connuidade do projeto e que poderão ser comparlhadas em sua adaptação a
outros contextos e cidades.
Apesar da ampla avaliação qualitava do PAHA na cidade de Curiba, cons-
tatou-se limitações no estudo. Houve diculdade na captação de usuários gays/
HSH para a composição do número almejado de grupos focais, a concentração
de entrevistados gays (usuários e não usuários do PAHA) em um segmento de
maior escolarização, Ensino Superior completo/incompleto e com melhor acesso
aos serviços de saúde, além da diculdade de atrair o público HSH sem idenda-
de gay/bissexual. Ademais, a avaliação do PAHA foi realizada por aqueles que o
colocaram em práca, ou seja, a parr de pessoas que estavam compromedas
com o seu êxito.
Com base no mapeamento dos pontos posivos e negavos da implemen-
tação do PAHA, os gestores e prossionais conseguiram ajustar os pontos ne-
gavos das estratégias para que o acesso à testagem rápida pudesse ter maior
aceitação entre os HSH, ampliando o número de pessoas testadas, além de forta-
lecer aquelas estratégias mais bem aceitas por esse público.
Como possíveis desdobramentos, há previsão da instalação de um modelo
semelhante de testagem em outras capitais do país, como Florianópolis e Cam-
po Grande, já em curso; a ampliação e diversicação de estratégias e pontos de
acesso à testagem de HIV para a diversidade do público HSH na Rede de Atenção
Básica à Saúde, com inclusão de áreas periféricas da cidade de Curiba, sobretu-
do em razão da saturação daquelas já existentes, bem como o comparlhamento
das experiências do PAHA para que a ampliação do acesso à testagem de HIV em
populações vulneráveis seja uma realidade no Brasil.
AGRADECIMENTOS
Arisdes Barbosa Júnior, Greet Peersman, Raquel Miranda, Nena Lenni,
Liza Rosso, David Harrad, Juliane Santos, Adriane Wollmann, Elina Sakurada,
Roberto de Jesus, Crisane Nakamura, Raquel Torres, Raquel de Boni, Leonardo
Lincoln, Bernardo Almeida, Carolina Ribeiro, Milena Costa, Paola Carriel, e a
todos os linkadores e educadores de pares.
FINANCIAMENTO
O projeto A Hora é Agora foi nanciado por meio do Acordo de Coopera-
ção entre a Ensp/Fiocruz-Fiotec e os Centros de Controle e Prevenção de Doen-
ças dos Estados Unidos da América – CDC, com recursos do Plano de Emergência
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do presidente dos EUA para Alívio da Aids – Pepfar. Seu conteúdo é responsabi-
lidade apenas dos autores e não representa necessariamente a visão ocial do
nanciador.
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