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POR QUE O TEMPO SÓ CORRE PARA FRENTE E NUNCA PARA TRÁS? UMA PROPOSTA UTILIZANDO TEXTOS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NO ENSINO DE FÍSICA

Authors:

Abstract

Após tomar contato com o problema da possibilidade de reversão temporal nas estruturas lógico-matemáticas das teorias físicas pela dra. Marina Cortês (Universidade de Edimburgo) no Perimeter Institute, retornei ao Brasil decidido a trabalhar este tema com meus estudantes. O foco da proposta deste trabalho é a discussão na escola básica de alguns limites das teorias físicas e, portanto, da física ela mesma como disciplina. Fazemos isso por meio do uso de textos de divulgação científica, inspirados na proposta de leitura em três momentos de Solé. Pretende-se tornar claro que as ciências naturais são também um empreendimento proeminentemente humano, passível de revisão e certamente menos absoluto do que se costuma crer. Em especial, abordar este tema que notavelmente é e foi negligenciado na história das ciências físicas. O que procuramos ao utilizar textos de divulgação científica foi justamente vislumbrar uma possibilidade coerente e realizável de efetivar este desejo.
Revista do Professor de Física, v. 5, n. 2, p. 71-79, Brasília, 2021.
Instituto de Física - Universidade de Brasília
Revista do Professor de Física Ensino de Física
Artigo original
POR QUE O TEMPO CORRE PARA FRENTE E
NUNCA PARA TRÁS? UMA PROPOSTA
UTILIZANDO TEXTOS DE DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA NO ENSINO DE FÍSICA
WHY DOES TIME ONLY RUN FORWARDS AND NEVER BACKWARDS?
A PROPOSAL USING SCIENTIFIC DISSEMINATION TEXTS IN
PHYSICS TEACHING
André Luís Miranda de Barcellos Coelho1
1Universidade de Brasília.
Resumo
Após tomar contato com o problema da possibilidade de reversão temporal nas estruturas lógico-
matemáticas das teorias físicas pela dra. Marina Cortês (Universidade de Edimburgo) no
Perimeter Institute, retornei ao Brasil decidido a trabalhar este tema com meus estudantes. O
foco da proposta deste trabalho é a discussão na escola básica de alguns limites das teorias físicas
e, portanto, da física ela mesma como disciplina. Fazemos isso por meio do uso de textos de
divulgação científica, inspirados na proposta de leitura em três momentos de Solé. Pretende-se
tornar claro que as ciências naturais são também um empreendimento proeminentemente humano,
passível de revisão e certamente menos absoluto do que se costuma crer. Em especial, abordar este
tema que notavelmente é e foi negligenciado na história das ciências físicas. O que procuramos ao
utilizar textos de divulgação científica foi justamente vislumbrar uma possibilidade coerente e
realizável de efetivar este desejo.
Palavras-chave:
Texto de divulgação científica. Ensino de Física. Ensino de Ciências. Física
moderna.
http://periodicos.unb.br/index.php/rpf 71
Revista do Professor de Física, v. 5, n. 2, p. 71-79, Brasília, 2021.
Abstract
After my contact with the problem of the possibility of temporal reversal in the logical-mathematical
structures of physical theories by Dr. Marina Cortês (University of Edinburgh) at the Perimeter
Institute, I returned to Brazil determined to work on this topic with my students. The focus of the
proposal of this work is the discussion in the high school of some limits of the physical theories
and, therefore, of the physics itself. We do this through the use of texts of scientific dissemination,
inspired by the reading proposal in three moments of Solé. It is intended to make clear that the
natural sciences are also a prominently human endeavor, reviewable and certainly less absolute
than is commonly believed. In particular, addressing this subject which is remarkably and has
been neglected in the history of the physical sciences. What we were looking for when using
scientific texts was to envision a coherent and achievable possibility of fulfilling this desire.
Keywords:
Text of scientific dissemination. Physics teaching. Science teaching. Modern
physics.
I. CONTEXTO
A dra. Marina Cortês do instituto de astronomia da Universidade de Edimburgo ganhou
notoriedade recentemente após publicar um artigo em colaboração com Lee Smolin do
Perimeter Institute for Theoretical Physics (CORTÊS, 2018), no qual propõe uma teoria de base
que impõe irreversibilidade temporal aos modelos físicos. Cortês também é divulgadora
científica e frequentemente realiza palestras e conferências sobre o tema de seu trabalho.
Tive o prazer de assistir uma de suas palestras de título Why is time always moving forwards
and never backwards? (2017) (Por que o tempo sempre está se movendo para frente e nunca
para trás, em português) no Perimeter Institute, Canadá. Para uma plateia de professores
de ciências de várias nacionalidades, ela encantou-nos com sua brilhante retórica e seu
fascinante argumento que propunha a necessidade imperativa de uma reestruturação basal
nas teorias físicas. Tudo porque elas preveem, desde Newton e Galileu, a possibilidade
matemática de reversibilidade temporal. Este problema é desde então resolvido simples-
mente impondo que as condições iniciais determinam também um tempo inicial e por
conseguinte a evolução temporal observada. A grande questão é que à medida que os
problemas a serem resolvidos ficam cada vez mais complexos e precisamos voltar no tempo
para descrever apropriadamente um fenômeno a seta do tempo passa a ser uma escolha
arbitrária tipicamente coerente com a empiria. Porém nada nas teorias físicas impõe este
sentido em detrimento ao outro. Esta questão é particularmente sensível na área de atuação
da dra. Cortês que é a cosmologia.
Retornei ao Brasil decidido a trazer para meus estudantes essa questão interessantíssima
que não apenas diz respeito às teorias físicas, mas também à natureza da ciência e seus
processos da ciência. A questão, entretanto, era: como? A reversibilidade temporal nas
estruturas lógico-matemáticas das teorias físicas não é um assunto relevante per se para
estudantes do ensino médio brasileiro que tradicionalmente estudam ciências naturais de
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maneira postular e propedêutica. Entretanto este tem potencial interessante por apresentar
algumas características do empreendimento científico que são pouco exploradas no ensino
básico tais como a possibilidade de revisão das teorias científicas, os aspectos humanos
envolvidos na produção científica e como ela pode ser desenvolvida.
Uma resposta a esta questão me foi sugerida pelo professor Roberto R. da Silva no
âmbito da disciplina Divulgação Científica do programa de pós-graduação em Educação em
Ciências da Universidade de Brasília a quem agradeço pela dedicação e disponibilidade.
Este trabalho é fruto dos debates e leituras realizadas neste espaço.
II. A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NO ENSINO DE CIÊNCIAS
A utilização de textos de divulgação científica em aulas de ciências é tema de muitos
estudos. Apesar de, numa primeira análise, parecer algo de simples e desejável utilização, o
que muitos desses estudos revelam é que é preciso, no mínimo, cautela. Textos de divulgação
científica que não foram produzidos com o propósito de serem utilizados em sala de aula
podem trazer mais desafios do que se espera. Comumente estes textos trazem conceitos
revistos e reflexões sobre os processos científicos muito menos postulares e desarticulados
do que são tradicionalmente trabalhados em salas de aula de ciências naturais. Isto pode
conduzir a uma indesejável incerteza sobre o que está sendo, pretensamente, ensinado, por
exemplo.
Seja como for, e levando em conta este contexto de controvérsias em relação ao uso de
texto de divulgação científica em salas de aula de ciências naturais, é preciso discutir sobre o
tema com mais profundidade dado o potencial de tais textos para o ensino de ciências. Dada
a polissemia da expressão, para iniciar esse debate, em geral, os autores buscam explicitar o
que entendem por divulgação científica, suas principais características e formatos. Só então
é possível tecer alguma reflexão mais profícua sobre a questão do uso didático desses textos.
Uma comum conceituação utilizada remete-se a Bueno (1985) que classifica a divulgação
científica como um gênero de difusão científica
1
. Para ele as espécies de difusão são
classificadas de acordo com o público-alvo a que se destinam. Dessa forma, um texto que
se destina a comunicar para o grande público uma recente descoberta científica é diferente
daquele que se veicula em uma revista acadêmica destinada a especialistas da área. Apesar
da diversidade de comunicações e formatos de divulgação científica muito raramente o
potencial educacional é explorado. Esse potencial educacional de materiais sobre ciência
publicados em jornais e revistas foi e é explorado por diversos autores. Reis (1967) fazia
apontamentos sobre a importância do papel educativo de artigos e notícias. Silva Almeida
(1999), por exemplo, realizaram uma ampla revisão de estudos sobre o funcionamento de
textos alternativos ao livro didático (textos literários, artigos originais e textos de divulgação
científica) no ensino, sob a perspectiva do papel da leitura nas aulas de ciências. Tratando
mais especificamente dos textos de divulgação, encontramos em Almeida (1998) uma
discussão sobre as contribuições desse tipo de material ao ensino no sentido de dar destaque
a valores associados às condições de produção do conhecimento científico, assim como
de aproximar o estudante de diferentes discursos e formas de argumentação, presentes
1
Para Bueno (1985) difusão é todo e qualquer processo ou recurso utilizado para a veiculação de informações
científicas e tecnológicas.
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nesses materiais. Em outra linha de pesquisa, na interface entre educação formal e informal,
Gabana, Lunardi Terrazan (2003) investigaram a utilização dos materiais de divulgação
em sala de aula, propondo roteiros para guiar os professores em seu trabalho com esse
tipo de material. Alvetti (1999), dentro de uma perspectiva de renovação dos conteúdos
programáticos escolares, tece uma investigação sobre as potencialidades pedagógicas dos
textos publicados pela Revista Ciência Hoje na formação inicial e continuada de professores
de Física.
Neste contexto, o que se espera do ensino de ciências e como os textos de divulgação
científica podem apoiar estes objetivos? Esta pergunta motiva muitas contribuições de
diversos especialistas. Um ponto de vista muito defendido é que o ensino de [Ciências]
deve preparar o estudante para uma intervenção mais crítica na realidade que o cerca, e
não apenas lhe apresentar ferramentas para o ingresso na universidade (RIBEIRO, 2005). Se
defende o uso de textos de divulgação científica como instrumentos que permitam olhares
múltiplos ao empreendimento científico. Não apenas sobre seus resultados e achados, mas
também sobre seus processos. Na esteira dessa concepção, alinhamo-nos a ela para propor a
utilização de textos sobre a dra. Marina Cortês e da revista Ciência Hoje que tratam sobre o
assunto da possibilidade de reversibilidade temporal nas teorias físicas com o intuito central
de trazer para a sala de aula de ensino médio esses olhares múltiplos a que se referem os
autores citados2.
III. O COMPROMISSO COM O LETRAMENTO CIENTÍFICO E O USO DE
TEXTOS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA
A quase totalidade de nossos documentos norteadores da educação básica conta de
que o ensino de ciências tem um compromisso indispensável com o chamado letramento
científico. A BNCC para o ensino fundamental, por exemplo, na página 321 traz:
[...] Portanto, ao longo do Ensino Fundamental, a área de Ciências da
Natureza tem um compromisso com o desenvolvimento do letramento
científico, que envolve a capacidade de compreender e interpretar o mundo
(natural, social e tecnológico), mas também de transformá-lo com base nos
aportes teóricos e processuais das ciências. (BRASIL, 2018)
Este compromisso com o letramento científico da população é amplamente presente nos
discursos hegemônicos da área de ensino de ciências. Um bom exemplo é o movimento
CTS (Ciência Tecnologia e Sociedade) que enfatiza a premente necessidade de compreender
a ciência, seus métodos e processos, além de sua natureza e implicações sociais para que
um cidadão possa tomar para si a responsabilidade de tomar decisões de maneira mais
consciente. Desde as locais (como decidir tomar ou não os antibióticos prescritos pelo
médico) até as globais (como a participação de um referendo sobre a construção ou não
2
A saber: o caráter inerentemente provisório das teorias científicas, a possibilidade permanente de revisão
dessas teorias e a dimensão humana consubstanciada nos dilemas e histórias pessoais dos cientistas que
propõe revisões/adequações/novidades nas teorias científicas.
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de uma hidrelétrica), como reitera Sasseron et. al. em seu livro Alfabetização Científica na
Prática (SASSERON, 2017).
Apesar de, numa primeira aproximação, todos estejam se referindo ao mesmo objeto
quando dizem sobre letramento científico, este termo é bastante polissêmico. Um exemplo
dessa polissemia é o entendimento do PISA em comparação ao Currículo Em Movimento
(DISTRITO FEDERAL, 2018) que desenvolvemos em um trabalho recente:
Apesar de estarem, na primeira aproximação, em convergência ao concorda-
rem sobre a importância do letramento científico como função do ensino de
Ciências, o PISA o entende de maneira quase antagônica do Currículo em
Movimento. Observe que o PISA se ocupa em avaliar a educação na ciência
(vide seção 2.1), enquanto que o Currículo em Movimento, do conhecimento
científico no cotidiano. Essa diferença é mais do que perfunctória meramente,
revela concepções sobre o ensino muito conflitantes. (DE BARCELLOS COE-
LHO, 2020 pg 98)
Por conta desses deslocamentos de sentido, alguns autores preferem utilizar outros
termos tais como Alfabetização Científica ou Enculturação Científica. Ainda assim, é preciso
esclarecer o que se quer dizer com esses termos, pois estes também são termos polissêmicos.
Apesar do entendimento de que os objetivos do ensino de ciências estão associados ao
letramento científico ser bastante hegemônico, essa questão da polissemia incomoda alguns
autores. Talvez o mais proeminente autor contraegemônico sobre este tema seja Morris
Herbert Shamos. Na década de 90, Shamos escreve seu livro The Myth of Scientific Literacy
(1996) no qual discute sobre o que considera uma alucinação do letramento científico. Se
pergunta se é possível (ou mesmo desejável) alfabetizar cientificamente a população. Entre
tantas outras contribuições, o autor avalia a polissemia do termo letramento científico e
variantes como um objetivo vago demais. Entre suas análises, numa retrospectiva histórica,
demonstra que o maciço investimento motivado pela crise
3
na educação científica da década
de 80 nos EUA não trouxe, na prática, (quase) nenhum retorno. Para o autor fica clara a
necessidade urgente de se repensar esse consenso.
Neste contexto de controvérsias, entretanto, um certo consenso que aponta na direção
da necessidade de tornar o ensino de ciências mais significativo para os estudantes. Isto
passa, entre outros pontos, pela compreensão da natureza do empreendimento científico
e seus processos. Sobre este aspecto, este trabalho adiciona uma modesta contribuição ao
esforço de trazer para sala de aula temas científicos que possuem este potencial educacional
utilizando para tanto textos de divulgação científica.
IV. SOBRE OS TEXTOS UTILIZADOS E MÉTODO DE APLICAÇÃO
Infelizmente a dra. Marina Cortês não escreveu nenhum texto de divulgação científica
sobre o assunto de seu artigo vencedor do prêmio Buchalter de Cosmologia que trata
3
Shamos dedica um capítulo de seu livro discutindo essa crise e chega a conclusão de que ela foi, na
realidade, fabricada e motivada pelos cortes de recursos para a área de educação nos EUA da década de 80.
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sobre a reversibilidade do tempo nas teorias físicas. Ela, entretanto, foi extensivamente
entrevistada e algumas palestras dela sobre o assunto em vídeo disponíveis na internet
(CORTÊS, 2017) (SILVA, 2015). O tema também foi abordado em algumas revistas de
divulgação científica como a Revista Ciência Hoje. um texto nesta revista, em especial,
que nos parece interessante para atingir os fins anunciados anteriormente. Trata-se do texto
intitulado A Mecânica Quântica das Viagens no Tempo presente na edição 290 de Março de
2012 escrito pelo professor Ernesto F. Galvão do Instituto de Física da Universidade Federal
Fluminense (GALVÃO, 2012). Outro texto que utilizaremos é uma reportagem feita em
2014 e publicada no jornal português Público de título Queremos descobrir por que é que o
tempo está sempre a avançar e nunca recua. Trata-se de uma entrevista com a professora
Marina Cortês que enfatiza sua trajetória pessoal, além, evidentemente, de, em linhas gerais,
trazer as principais ideias dela sobre o tema. Utilizamos um fragmento dessa entrevista,
apenas as 11 primeiras perguntas.
Inspiramo-nos no trabalho de Verenna B. Gomes, Mayara S. de Melo e Roberto R. da
Silva (GOMES et al, 2019) para propor uma leitura efetiva desses textos em três momentos
4
.
Neste trabalho os autores propõem uma maneira de trabalhar textos de divulgação científica
na perspectiva de formação de leitores.
Nossa estratégia foi pensada para ser aplicada em 4 encontros no Ensino Médio. No
primeiro encontro, a proposta é a leitura em três momentos da entrevista da dra. Marina
Cortês ao jornal Público (GERSCHENFELD, 2014). No segundo encontro, trabalhamos um
conceito fundamental da Relatividade Geral no qual um referencial acelerado é equivalente
a um espaço-tempo curvo. Fazemos isso utilizando duas atividades do material didático
disponibilizado gratuitamente pelo Perimeter Institute intitulado Revoluções da Ciência
(PERIMETER, 2013, pg. 9 a 15). No terceiro encontro, trabalhamos uma noção fundamental
da Mecânica Quântica que é a ideia de uma ciência probabilística em detrimento a uma
determinística. Fazemos isso utilizando, mais uma vez, o referido material didático (PE-
RIMETER, 2013, pg. 22 a 28). No último encontro, voltamo-nos ao texto de divulgação
científica. Dessa vez, também em 3 momentos, lemos o texto selecionado para este trabalho
da Revista Ciência Hoje.
A proposta pode ser expandida para um número maior de aulas caso se procure
explorar outros conceitos relacionados à física moderna. É completamente compatível - e
até desejável - abordar noções de relatividade restrita, por exemplo. Ademais, esta proposta
se centra em trabalhar aspectos relacionados aos processos da ciência e de sua natureza.
Por isto, não nos ocupamos em descrever detalhadamente as atividades relacionadas aos
conteúdos selecionados. Sobre isto, entretanto, é importante destacar que o material didático
selecionado para as aulas 2 e 3 traz esses elementos. Ao abordar o conceito de espaço curvo
na relatividade geral, por exemplo, é proposta uma reflexão sobre modelos científicos para a
queda dos corpos. Posto em confronto a leitura newtoniana sobre a queda dos corpos com
um modelo alternativo em termos somente de aceleração, os estudantes são convidados
a reverem certezas e admitirem que estas não passam de constructos de uma teoria (e,
4
Proposto por Solé, trata-se de um modelo interativo que afirma haver dois processos simultâneos que
acontecem quando lemos. Um ascendente (das letras, palavras frases etc) e outro descendente (conhecimentos
prévios, recursos cognitivos para antecipações etc). Neste mesmo modelo é proposto três momentos da leitura:
antes, durante e depois.
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portanto, podem ser revistos). Isto dito, recomenda-se a utilização de uma abordagem com
essa característica em possíveis aplicações modificadas.
IV.1. UMA LEITURA EM 3 MOMENTOS
Voltemo-nos agora a descrever com mais detalhes como estes textos de divulgação
científica são utilizados na presente proposta. Como dito, inspiramo-nos na proposta de
uma leitura em 3 momentos concebida por Gomes et al (2019). Nesta proposta a leitura do
texto é dividida em 3 momentos denominados
antes, durante e depois
da leitura. Tendo
isto em vista, se propõe as seguintes atividades para cada um desses momentos:
Antes da leitura
: Ler apenas os subtítulos e projetar uma expectativa sobre o texto.
Isto é feito coletivamente. Um tempo é dado para que os estudantes leiam os subtítulos e
imaginem o teor do conteúdo desenvolvido em cada um deles. O professor então convida os
estudantes a compartilharem suas expectativas. O objetivo é realizar uma leitura superficial
não apenas do texto, mas também da compreensão prévia demonstrada pelos estudantes
sobre os temas abordados no texto.
Durante a leitura
: Os estudantes são convidados a responderem um questionário sobre
as principais ideias abordadas no texto durante sua leitura. Após a leitura de cada subseção
eles respondem uma ou duas questões sobre o que acabaram de ler. Este questionário é
inteiramente constituído de questões de múltipla escolha. Procura-se com esta atividade
verificar a capacidade do estudante de articular o que foi lido no texto com o significado que
busca-se alcançar no texto. Os questionários construídos para esta proposta encontram-se
disponíveis no anexo 1 e 2.
Depois da leitura
: Os estudantes são convidados a compartilharem o que entenderam
do texto. Para cada subseção do texto, promove-se um momento no qual eles socializam suas
respostas. A presente proposta vislumbra a organização em pequenos grupos e a produção
de respostas por grupo ao invés de individuais. Após este momento o professor conduz um
debate com a turma inteira, discutindo os principais pontos que julgam relevantes.
V. Considerações finais
O nosso ensino de ciências é bastante marcado pelo livro didático. Das propostas
curriculares ao planejamento das aulas, as mesmas características encontradas nos livros
didáticos aparecem. Um ensino marcado por ser propedêutico e segmentário, apoiado por
livros que preconizam a memorização e a repetição. Neste cenário, os textos de divulgação
científica oferecem uma alternativa para o ensino de ciências. Evidentemente, desafios
e riscos associados à sua utilização e ela requer certo preparo e ambiente. É preciso, por
exemplo, ao utilizar esses textos no ensino de ciências relacioná-los a conhecimentos prévios
dos alunos. O que pode aumentar as chances de tornar significativo o uso de textos de
divulgação científica em sala de aula.
Textos de divulgação científica, em geral, não possuem as mesmas características de
textos de livros didáticos. Estes costumam ser bastante focalizados e compactados e
raramente trazem discussões sobre os processos de construção do conhecimento. Os textos
de divulgação, por sua vez, são mais diversificados, pouco compactados e, em geral, focados
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nos processos. Esta diferença pode inibir a utilização de textos de divulgação científica
por professores em suas salas de aula, o que exige um certo realinhamento metodológico.
Neste sentido, utilizar textos de divulgação científica em sala de aula também significa criar
autonomia em relação aos livros didáticos que, normalmente, pautam o desenvolvimento
dos trabalhados na escola básica.
O desafio de implementar o uso de textos de divulgação científica em sala de aula vale
a pena? Isto é, é desejável que os professores e estudantes se apartem do tradicional livro
didático (ainda que momentaneamente) e se debrucem sobre questões mais gerais e focadas
nos processos de construção do conhecimento? Certamente vantagens nessa incursão.
Entretanto, é pertinente lembrar dos requisitos para utilização de tais textos em sala de aula.
Utilizá-los exige do professor concepções sobre educação e sobre o ensino que o permitam
trazer para sua sala de aula o controverso e o contra hegemônico em relação aos temas que
trabalha. Isto significa, sobretudo, espaço para o diálogo e para o contraditório que são
características não muito comuns em nossas salas de aula, especialmente de ciências. É sobre
este alinhamento que se organiza a proposta apresentada neste trabalho. Há, evidentemente,
muitas formas de trazer para nossas salas de aula estes elementos. O que procuramos ao
utilizar textos de divulgação científica aliados a atividades didáticas que abordam aspectos
relacionados aos processos da ciência foi justamente vislumbrar uma possibilidade coerente
e realizável de efetivar este desejo.
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