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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN | Capítulos 1 e 2

Authors:
INTERLÚDIO ALEGÓRICO - ALEGORIA IV
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
“Bem-aventurados são os que
têm sono: porque breve adormecerão.
Assim falou Zaratustra.”
Friedrich Nietzsche,
Assim falou Zaratustra.
3.1. Os séculos XVII e XIX justapostos
“Tentativa de ver o século XIX de maneira tão positiva quanto
procurei ver o século XVII no trabalho sobre o drama barroco.”1 Insis-
tindo na inexistência de períodos historiograficamente decadentes,
Benjamin formaliza a intenção de levar adiante uma apreciação tão
produtiva do tempo de Baudelaire quanto aquela realizada, anos an-
tes, em relação à época de Gryphius e Calderón. O trabalho das Passa-
gens é o resultado deste seu “querer filosófico”. Escrito entre 1927 e
1BENJAMIN, Walter. “Arquivo N”. In: Passagens. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de
SP; Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006, p. 500.
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1940, o projeto inacabado sobre as galerias de Paris reúne grande par-
te dos temas tratados em sua fase tardia – tanto quanto o Trauerspiel-
Buch (1916-1925), antes dele, compilara as questões de juventude. Ao
recusar o procedimento more geometrico de Descartes e o sistema filosó-
fico do século XIX, este leitor não-ortodoxo de Leibniz2 adere ao re-
gistro categorial do fragmentário, levando às últimas conseqüências a
aversão pela esterilidade das construções monolíticas. Enquanto no
livro do Barroco, Benjamin equipara a composição do tratado à do
mosaico, defendendo a fecundidade das citações autorizadas; nas Pas-
sagens, ele constrói um verdadeiro móbile de imagens, inspirando-se,
para isso, na técnica da montagem dadaísta.3 Nos dois casos, ele abre
mão das “tábuas transcendentais” dos mandamentos acadêmicos, pre-
ferindo, em seu lugar, captar a essência não detrás ou acima das pró-
prias coisas, mas nelas mesmas. Coerente com sua “Premissa gnoseo-
lógica”, o filósofo busca obter o “teor de verdade” a partir da imersão
no “teor factual” – ou seja, revelar o universal a partir de sua densidade
histórica.4 Seja em relação ao drama barroco, seja às arcadas parisienses,
a motivação de Benjamin é só uma: demonstrar até que ponto se pode
ser concreto, sem sucumbir à mera facticidade imediata. Portanto,
2Na “premissa gnoseológica” do livro do Barroco, Benjamin afirma: “A idéia é mônada.
O Ser que nela penetra com sua pré e pós-história traz em si, oculta, a figura do restante do
mundo das idéias, da mesma forma que segundo Leibniz, em seu Discurso sobre a Metafísica,
de 1686, em cada mônada estão presentes indistintamente todas as demais.” BENJAMIN,
Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 69-70. Ainda que
sob a perspectiva das “dobras”, a importância de Leibniz para o “espírito” barroco é funda-
mental também para a leitura deleuziana do Barroco. Sobre este tema, cf. DELEUZE, Gilles.
A dobra: Leibniz e o Barroco. São Paulo: Papirus, 1991.
3Sobre o significado do princípio da montagem – bem como o da “desmontagem” – para
o movimento Dadá alemão cf. BAITELLO JUNIOR, Norval. Dadá-Berlim: des/montagem. São
Paulo: Annablume, 1994.
4Em uma conversa com Ernst Bloch a respeito do Passagenarbeit, Benjamin chega a com-
parar seu método com o do físico nuclear. Ele escreve: “Este trabalho – comparável ao
método da fissão nuclear – libera as forças gigantescas da história que ficam presas no ‘era
uma vez’ da narrativa histórica clássica.” BENJAMIN, Walter. “Arquivo N”, op. cit., p. 505.
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nem magia, nem positivismo.5 Seu procedimento é estritamente me-
tódico e conta com a mediação: 1) da alegoria, no livro do Barroco; e 2)
das imagens dialéticas, nas Passagens. Enquanto no primeiro o filósofo
se empenha em despertar o Trauerspiel do “sono” da recepção classicista,
no segundo ele busca acordar as “energias revolucionárias” adormeci-
das no cotidiano.6
Entre o concreto e o onírico, sua técnica – e porque não,
astúcia – consiste basicamente em tratar o mundo material como
se fosse, no limite, um mundo de coisas sonhadas. Não por acaso, a
Darstellung benjaminiana do Barroco tem como emblema Calde-
rón de la Barca – o dramaturgo por excelência do desengaño. Ao
tomar o sonho como fundamento ontológico do fado, ele investe a
providência do elemento onírico, conferindo-lhe o ar de fantasma-
goria.7 Já nas Passagens, Benjamin segue um triplo modelo. 1) Como
propedêutica, Aragon e a noção de “Sobre-realidade” (Surréalité) –
uma “realidade absoluta”, em que o sonho e a vigília não se opõem,
5Alusão aos termos usados por Adorno em carta onde critica a insuficiência da mediação
teórica empregada por Benjamin no ensaio sobre Baudelaire. Cf. BENJAMIN, Walter. Briefe,
II. Frankfurt am Main: Suhkamp, 1966, p. 672 apud GAGNEBIN, Jeanne Marie. “A propó-
sito do conceito de crítica em Walter Benjamin”. Discurso, São Paulo, n. 13, 1983, p. 229-
30.
6Em relação às Passagens, Buck-Morss resume: “o Passagen-Werk se torna um recontar
marxiano da história da Bela Adormecida, a qual se preocupava com o despertar do sonho
coletivo da fantasmagoria mercadológica.” BUCK-MORSS, Susan. A dialética do olhar. Walter
Benjamin e o projeto das passagens. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002, p. 325.
7Típico da época, este recurso pode ser bem exemplificado pela importância atribuída
pelos literatos barrocos à narração dos sonhos proféticos no início da trama. Tanto é assim
que, em A vida é sonho, o rei Basílio erra, não em tomar uma aparência (Schein) por realidade,
mas em acreditar que pode burlar os desígnios divinos. Nesse caso, o sonho não conspira
propriamente contra o destino, mas a seu favor – sendo, portanto, mais um agente a serviço
da ordem cósmica secularizada na idéia de Providência. Justamente por isso, tanto para
Calderón quanto para o próprio Benjamin, o onírico não constitui o oposto complementar
da vigília, mas, antes, o seu fundamento. Em conseqüência, o despertar barroco equivale, na
melhor das hipóteses, à consciência produzida pelo desengaño – isto é, à perda das ilusões
quanto ao sentido transcendente do mundo.
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constituindo, antes, o avesso e o direito de um mesmo plano ima-
nente, tal qual uma tira de Möebius.8 2) Em seguida, Proust e a
busca do tempo perdido como o “trabalho de Penélope da reminis-
cência” – a reviravolta dialética da rememoração. 3) Finalmente,
Marx e a ênfase no “despertar” do mundo9 como práxis revolucio-
nária. Três autores, três registros epocais, três matrizes “epistemo-
lógicas” radicalmente distintas. E, no entanto, a compreensão do
tema do sonho no trabalho das Passagens seria precária, se não le-
vasse em conta não apenas o contraste, mas a própria justaposição
entre elas.
3.2. Sonho ou realidade?
Seguidor de Hoffmann, admirado por Baudelaire, Théophile
Gautier publica em 1836 um conto, cujas afinidades com a configu-
ração benjaminiana do Barroco são flagrantes: “A morte amorosa.”
Tanto quanto A vida é sonho dois séculos antes, o texto é construído a
partir do entrelaçamento, tipicamente calderonesco, entre os esta-
dos do sonho e da vigília. Como Segismundo, Romuald é atormen-
tado pelas incertezas de uma “dupla personalidade”, sendo simulta-
neamente um padre recém-ordenado e o nobre amante da cortesã
Clarimonde – uma sedutora vampira. “De dia, eu era um padre do
Senhor, casto, ocupado com as preces e as coisas santas.” No entanto,
“(...) de noite, tornava-me um fino conhecedor de mulheres, jogan-
8A chamada “tira de Möebius” é criada pelo matemático e astrônomo alemão August
Ferdinand Möebius em 1858. Considerada uma “superfície não-orientável”, ela pode ser
construída a partir de uma tira de papel torcida e colada nas pontas. A peculiaridade dessa
enigmática figura é que não existem bordas ou quaisquer outras fronteiras observáveis entre
o interior e o exterior. Uma formiga, por exemplo, percorreria sua única superfície helicóide
indefinidamente.
9MARX, Karl. Der historische Materialismus: Die Frühschriften. Leipzig, 1932, v. 1, p. 226
(carta de Marx a Ruge; Kreuzenach, set. 1843) apud BENJAMIN, Walter. “Arquivo N”, op.
cit., p. 499.
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do dados, bebendo e blasfemando; e quando, no raiar da aurora, eu
despertava, parecia-me que, inversamente, eu adormecia e sonhava
que era padre.”10 Joguete de uma ilusão “singular e diabólica”, o
tímido Romuald se divide entre os rigores impostos pelo sacerdócio
e as promessas de felicidade junto à belíssima dama – segundo ele
mesmo, “um anjo ou um demônio, e talvez os dois”.11 Clarimonde
provoca: “(...) te farei mais feliz que o próprio Deus no paraíso; os
anjos te invejarão. Rasga esta fúnebre mortalha com que vais te en-
volver; sou a beleza, sou a juventude, sou a vida. (...) Nossa existên-
cia transcorrerá como um sonho.”12 Entre o claustro e a corte, o jo-
vem se divide entre uma vida de privação e outra de fausto. De um
lado, “o aspecto fúnebre e terrível” do estado que acabara de abraçar;
de outro, “o luxo perfeitamente digno de um rei”. Sem conseguir
separar a ilusão da realidade, esse “Segismundo gótico”13 confidencia:
“Duas espirais enredadas uma na outra e enroladas sem nunca se
tocarem representam muito bem a vida bicéfala que foi a minha.”14
De certa forma, como no drama de Calderón, o despertar não traz
qualquer alívio ao sonhador, uma vez que, paradoxalmente, o mer-
gulha em um novo sonho.
10 GAUTIER, Théophile. “A morte amorosa”. In: CALVINO, Italo (Org.). Contos fantásticos do
século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 214.
11 Ibidem, p. 216.
12 GAUTIER, Théophile. “A morte amorosa”, op. cit., p. 218.
13 A expressão utilizada alude à sobreposição da constelação benjaminiana do Barroco (sé-
culo XVII) ao gênero “gótico” (século XIX) – surgido em meados do século XVIII, com O
Castelo de Otranto de Horace Walpole. Difundido na Inglaterra com Byron e apreciado na
Alemanha sobretudo com Hoffmann, o “gótico” é certamente uma referência marcante em
“A morte amorosa” de Gautier. Além disso, como defende Löwy, “o roman noir inglês do
século XVIII e alguns românticos alemães do século XIX são referências ‘góticas’ que se
encontram no coração da obra de (...) Benjamin.” LÖWY, Michael. “Walter Benjamin e o
Surrealismo”. In: A estrela da manhã: surrealismo e marxismo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002.
14 GAUTIER, Théophile. “A morte amorosa”, op. cit., p. 234. Que se note, mais uma vez, a
semelhança com a figura geométrica representada pela tira de Möebius.
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Não por acaso, ratificando a concepção barroca do sono como
“simulacro da morte”, esta última é outro elemento central na tra-
ma. Tanto que a própria Clarimonde é uma vampira – uma morta-
viva, portanto.15 Depois de um contato “espectral” em pleno dia em
que Romuald é ordenado, o próximo encontro dos dois acontece
quando ele é chamado para dar a extrema unção a uma nobre mori-
bunda – a própria Clarimonde –, que, entretanto, expira instantes
antes de sua chegada. Ao contemplar seu corpo marmóreo, o padre
confessa: “Aquela perfeição de formas, se bem que purificada e san-
tificada pela sombra da morte, me perturbava mais voluptuosamen-
te do que devia, e aquele repouso parecia tanto um sono que qualquer
um se enganaria.”16 Um beijo, entretanto, ressussita a jovem e, a
partir de então, eles passam a viver juntos num suntuoso palácio
veneziano. Entregue à opulência da vida mundana, o casal seria com-
pletamente feliz, se não fosse pela reincidência de um “maldito pe-
sadelo”, no qual Romuald julga ser um modesto pároco de aldeia
perseguido pelos tormentos da culpa cristã. Nesta “vida paralela”,
15 Vale lembrar que a figura dos vampiros se torna bastante popular a partir do século XIX.
Além do próprio Gautier, vários outros artistas são atraídos pelo fascínio destas enigmáticas
criaturas noturnas. Para citar apenas três deles: 1) Baudelaire, com “As metamorfoses do
vampiro”: “Quando após me sugar dos ossos a medula,/ Para ela me voltei já lânguido e sem
gula/ À procura de um beijo, uma outra eu vi então/ Em cujo ventre o pus se unia a podri-
dão!/ Os dois olhos fechei em trêmula agonia,/ E ao reabri-los depois, à plena luz do dia,/ A
meu lado, em lugar do manequim altivo,/ No qual julguei ter visto a cor do sangue vivo,/
Pendiam do esqueleto uns farrapos poeirentos,/ Cujo grito lembrava a voz dos cata-ventos/
Ou de uma tabuleta à ponta de uma lança,/ Que nas noites de inverno ao vento se balança.”
Cf. BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 523-5.
2) Bram Stoker, com Drácula: baseado no folclore da Transilvânia encarnado em uma figura
histórica real – Vlad, o empalador –, a obra celebriza uma das personagens mais terríveis e
prolíferas da iconografia ocidental. Cf. STOKER, Bram. Drácula. Porto Alegre: L&PM, 2005.
3) Murnau, com Nosferatu: inspirado na obra de Stoker, o filme expressionista conta a histó-
ria de um corretor de Bremen que vai à costa do mar Báltico para fechar a venda de um
castelo, cujo proprietário é Orlock – um sinistro conde que dorme em um caixão e, à noite,
desperta para se alimentar de sangue humano. Cf. NOSFERATU. Direção: Friedrich Wilheim
Murnau, 1922. São Paulo: Continental. 1 DVD (81 min). Preto e branco. Legendado.
16 GAUTIER, Theophile. “A morte amorosa”, op. cit., p. 226.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
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ele é aconselhado pelo velho Sérapion, que, temendo pela vida do
amigo, o previne sobre as cavilosas tentações do diabo: “Você está
com o pé levantado sobre um abismo, cuidado para não cair. Satã
tem garras compridas, (...) e a pedra que cobre Clarimonde deveria
ser selada com um triplo selo, pois, pelo que dizem, não é a primeira
vez que ela morre.”17 Apesar das advertências, Romuald não se im-
porta com o fato de Clarimonde ser uma vampira, e consente em,
toda noite, ter o sangue sugado pela amada. Para evitar as “alucina-
tórias” admoestações do abade, ele luta contra as “areias do adorme-
cimento”, tentando de todas as formas se manter acordado.18 Seu
esforço, contudo, é vão. Num destes sermões, Sérapion tem uma
idéia: desenterrar Clarimonde, para que a visão de seu estado lamen-
tável ponha fim ao amor de Romuald. Ele diz: “Você não será mais
tentado a perder sua alma por um cadáver imundo devorado pelos
vermes e prestes a se desmanchar em pó.”19 À meia-noite, os dois se
dirigem ao cemitério. Depois de cavar a sepultura e abrir a tampa do
caixão, o abade asperge água benta sobre o corpo daquela “que em
vida foi a mais bela do mundo”. Ao ser tocada pelo “santo orvalho”,
ela imediatamente se converte em um monte indiscernível de cinzas
e ossos semicarbonizados. E, nas palavras do próprio Romuald, a
moral da história é: “jamais olhe para uma mulher e ande sempre
com os olhos fitos na terra, pois, por mais casto e calmo que você
seja, basta um minuto para fazê-lo perder a eternidade.”20
17 Ibidem, p. 229.
18 Alusão indireta ao “Homem da areia” (Der Sandmann) de Hoffmann – a propósito, citado
por Freud em seu ensaio sobre o “estranho” (unheimlich). Mestre do chamado gênero fantás-
tico, sua recepção francesa é particularmente fecunda entre 1828 e 1840 – período em que
o conto de Gautier é publicado. A propósito, também Andersen elege a figura do portador
dos sonhos como protagonista de seu conto “Ole Lukoeje”. Literalmente “Olavo fecha-olho”,
o homem da areia anderseniano poderia, em português, ser chamado ainda de “João-pesta-
na”. Cf. ANDERSEN, Hans Christian. “Ole Lukoeje”. In: Contos de Andersen. São Paulo: Paz e
Terra, 1988, p. 199-213.
19 GAUTIER, Theophile. “A morte amorosa”, op. cit., p. 237.
20 Ibidem, p. 239.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
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3.3. As Flores do Mal
A antítese sem resolução entre extremos. A ética cristã. O tem-
po noturno. O eterno retorno. O Memento mori. Originários da conste-
lação do Barroco, tais elementos evidenciam a sobreposição
benjaminiana entre os séculos XVII e XIX, sendo encontrados com
destaque em “A morte amorosa”, mas também em As Flores do Mal de
Charles Baudelaire – obra, não por coincidência, dedicada a Théophile
Gautier.21 Significativamente, todos estes elementos gravitam em tor-
no de um núcleo comum: o satanismo baudelairiano. Ao contrário de
outros escritores “malditos” – como Sade, por exemplo – o crítico e
poeta não era ateu. Como diz Benjamin, “mesmo em suas horas rebel-
des não quis Baudelaire, admirador dos jesuítas, romper de todo e
para sempre com o salvador.”22 Não obstante, entre sua vocação e sua
atuação cristã se interpõe uma fissura, certamente, indelével. Citando
Strindberg, Baudelaire bem poderia ter dito: “Desde a infância bus-
quei a Deus, e encontrei o demônio.”23 O autor de As Flores do Mal
identifica dois impulsos opostos inatos no ser humano: um na direção
de Deus, outro na de Satã – este último, como diz Olgária, “bendito
porque maldito”.24 Ela observa que na poética baudelairiana “o Mal se
21 A propósito, a dedicatória de Les Fleurs du Mal é a seguinte: “Ao poeta impecável/ ao
perfeito mago das letras francesas/ ao meu caríssimo e veneradíssimo/ mestre e amigo/
THÉOPHILE GAUTIER/ com o sentimento da mais profunda humildade/ dedico/ estas flores
doentias/ C.B.” Cf. BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal, op. cit., p. 97.
22 BENJAMIN, Walter. “Paris do Segundo Império”. In: Obras escolhidas III: Charles Baudelaire:
um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 21.
23 Cf. STRINDBERG, August. Inferno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, p. 95.
24 Cf. MATOS, Olgária. “Um surrealismo platônico”. In: NOVAES, Adauto. Poetas que pensa-
ram o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. Que se recorde que pelo viés de uma
nova leitura do Paraíso perdido de Milton, Satã é cultuado como herói, tanto pelos românti-
cos, quanto pelos epígonos. O resgate das tradições medievais, o gosto pelo fantástico e o
pathos da revolta são fatores que explicam sua presença marcante junto às obras do século
XIX – cuja inspiração remonta, possivelmente, aos precursores Goethe, Hoffmann e Nodier.
Como exemplo: Céu e Terra, de Lord Byron; Hino à Ahriman, de Giacomo Leopardi; Uma
lágrima do diabo, de Théophile Gautier; O fim de Satã, de Vitor Hugo; A queda de um anjo,
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
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associa ao Belo, arruinando, a um só tempo, a tradicional adequação
entre o Belo e o Bem como ainda a metafísica de sua separação.”25 Por
isso, a “catástrofe sem redenção” é a pedra fundamental de sua peculiar
concepção religiosa – já sintetizada como “um estranho gnosticismo
neopagão e maniqueísta em que Lúcifer ocupa todos os altares.”26
Lembrando a constituição bipolar das personagens do Trauerspiel, as
antíteses baudelairianas se preservam indefinidamente, sem perspec-
tiva de superação. Ao contrário da dialética de Hegel, não há qualquer
síntese possível entre os contrários – que coexistem num estado sem-
pre tenso de insolúvel contraposição. “O Heautontimoroumenos” (O car-
rasco de si mesmo) é um bom exemplo. “Eu sou o espelho amaldiçoado/
Onde a megera se olha aflita/ Eu sou a faca e o talho atroz!/ Eu sou o
rosto e a bofetada!/ Eu sou a roda e a mão crispada,/ Eu sou a vítima e
o algoz!”27 Se a caracterização benjaminiana do soberano barroco é
feita a partir do constraste entre os extremos do “mártir” e do “tira-
no”, a do Satã baudelairiano segue um método semelhante. “Deus
diabólico”, mas também “diabo divino”,28 suas faces de Jânus se dão
a conhecer em um de seus mais emblemáticos poemas: “As Litanias
de Satã”. “Ó Príncipe do exílio, a quem fizeram mal/ E que, vencido,
sempre te ergues mais triunfal,/ Tem piedade, ó Satã, de minha atroz
de Lamartine; O demônio, de Lermontov e Os cantos de Maldoror, de Isidore Ducasse podem ser
citadas entre algumas das obras dedicadas ao “Príncipe das Trevas”. Além delas, Schiller se
refere a Satã como “Urgehewer mit Majestät”, George Sand o apresenta como “o mais belo dos
imortais depois de Deus, o mais triste depois de Jesus e o mais altivo de todos”; e Dostoiévski
coloca em sua boca a célebre frase “Eu sou Satã e nada do que é humano me é estranho” –
cuja origem pode ser atribuída a Terêncio, numa comédia que, aliás, coincide com o título
de um dos mais belos poemas de Baudelaire, “O Heautontimoroumenos” (O carrasco de si
mesmo).
25 MATOS, Olgária. “Um surrealismo platônico”, op. cit., p. 313.
26 Cf. JUNQUEIRA, Ivo. In: As Flores do Mal, op. cit., p. 62.
27 No original, “Je suis le sinistre miroir/ Où la mégère se regarde./ Je suis la plaie et le couteau!/ Je
suis le soufflet et la joue!/ Je suis les membres et la roue,/ Et la victime et le bourreau!” BAUDELAIRE,
Charles. As Flores do Mal, op. cit., p. 306-9.
28 MATOS, Olgária. “Um surrealismo platônico”, op. cit., p. 323.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
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miséria!”29 E continua: “Bastão do desterrado, archote do inventor,/
Confessor do enforcado e do conspirador,/ (...) Pai adotivo dos que, em
cólera sombria,/ O Deus padre baniu do Éden terrestre um dia,/ Tem
piedade, ó Satã, de minha atroz miséria!”30 Confinado ao inferno –
“onde sonha silencioso” –, Satã é tanto o “anjo mais belo”, “o rei das
trevas soberanas”; quanto o “charlatão familiar das angústias huma-
nas”, o “amante da Morte” traído pela própria sorte. Benjamin, contu-
do, adverte que o satanismo baudelairiano não deve ser tomado
literalmente, como profissão de fé. Para ele, seu significado é, antes, o
de permitir ao poeta a adoção de uma postura, para todos os efeitos,
“não-conformista”. Recorrendo, mais uma vez, ao registro cristão,
Baudelaire anuncia uma transvaloração radical – moral, mas também
política –, cujo sentido se revela particularmente nítido em “Abel e
Caim”. Enquanto a descendência do primeiro “cresce e brota”, “goza e
pulula”, “frui, come e dorme”; a do segundo “treme e padece”, “arde
em tormentos”, “range de fome e privação”. Subversivo, o poema se
encerra com a exortação: “Raça de Caim, sobe ao espaço/ E Deus enfim
deita por terra!”31 Com base nos estudos marxistas, Benjamin associa a
raça de Caim à representação daqueles que não possuem nada além da
própria força de trabalho: o proletariado. Nesse sentido, o embate en-
tre os dois irmãos bíblicos corresponde à alegoria da luta de classes
que, no fim, levaria à vitória dos deserdados.32
29 No original, “O Prince de l’exil, à qui l’on a fait tort,/ Et qui, vaincu, toujours te redresses plus
fort,/ O Satan, prends pitié de ma longue misère!” BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal, op. cit.,
p. 422-423.
30 No original, “Bâton des exilés, lampe des inventeurs,/ Confesseur des pendus et des conspirateurs,/
(...) Père adoptif de ceux qu’en a sa noire colère/ Du paradis terrestre a chassés Dieu le Père,/ O Satan,
prends pitiè de ma longue misère!” BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal, op. cit., p. 426-7.
31 No original, “Ah! race de Caïn, au ciel monte/ Et sur la terre jette Dieu!” BAUDELAIRE, Charles.
As Flores do Mal, op. cit., p. 420-421.
32 Para uma análise da “estética antiburguesa” entre os artistas e literatos românticos du-
rante os anos de 1830 e 1848 na França cf. OEHLER, Dolf. Quadros parisienses: estética antiburguesa
em Baudelaire, Daumier e Heine. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
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A propósito de Baudelaire, Benjamin escreve: “Aquilo que
o trabalhador assalariado executa no labor diário não é nada menos
do que o que, na antigüidade, trazia glória e aplauso ao gladiador.”33
Até por isso, o poeta afirma que para viver a modernidade é preciso
uma constituição heróica. Entrelaçando o antigo ao moderno, o
heroísmo de Baudelaire é de extração estóica – como a caracteriza-
ção do cortesão barroco, de acordo com a leitura benjaminiana do
Trauerspiel. Ao mesmo tempo “santo” e “intrigante”, Don Juan
Tenório está para o dândi baudelairiano, assim como Lady Macbeth
para as damnées de As Flores do Mal.34 Refratárias à “ordem natural”
do destino, suas realizações se explicam pela recusa à “história-
natureza” – para o Barroco benjaminiano, índice de ruína e mímesis
da morte; para Baudelaire, sede de todos os vícios, já que portado-
ra do pecado original. Ao questionar a tese rousseauísta que admi-
te a bondade natural do homem, Baudelaire ressalta o vínculo do
mal com os horrores praticados naturalmente pelo “bom selvagem”.
Ele observa: “O crime, cujo gosto o animal humano hauriu no
ventre da mãe, é originalmente natural. A virtude, ao contrário, é
artificial.”35 Para apagar as nódoas de um estado irreversivelmente
corrompido, Baudelaire recorre a dois agentes em particular: a lés-
bica e o dândi. Em “Paris do Segundo Império”, Benjamin observa
que a Grécia oferece ao poeta a imagem da heroína perfeita para
romper o pacto natural, atentando contra a economia moral do
33 BENJAMIN, Walter. “Paris do segundo império”, op. cit., p. 74.
34 No poema “O ideal”, a propósito, Baudelaire escreve: “O que me falta ao coração e o que
o redime/ Sois vós, ó Lady Macbeth, alma afeita ao crime,/ Sonho de Ésquilo exposto ao
aguilhão dos ventos;/ Ou tu, Noite, por Miguel Ângelo engendrada,/ Que em paz retorces
numa pose inusitada/ Teus encantos ao gosto dos Titãs sedentos!” No original, “Ce qu’il faut
à ce coeur profond comme un abîme,/ C’est vous, Lady Macbeth, âme puissante au crime,/ Rêve d’Eschyle
éclos au climat des autans;/ Ou bien toi, grande Nuit, fille de Michel-Ange,/ Qui tors paisiblement
dans une pose étrange/ Tes appas façonnés aux bouches de Titans”. BAUDELAIRE, Charles. “O ideal”.
In: As Flores do Mal, op. cit., p. 146-9.
35 BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 57.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
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mundo: a da lesbiana. Como Olgária Matos resume, “Safo, a mu-
lher-dândi, é a perfeição da antiphysis e da contra-religião.”36 Ne-
gação da fatalidade do corpo, índice do “puro artifício” e do “puro
místico”, ela, como o dândi, acena com o “último rasgo de heroísmo
nas decadências”.37 Depois de se referir ao dandismo como “estra-
nho espiritualismo” ou “espécie de religião”, Baudelaire ainda com-
para: “todas as condições materiais complexas a que se submetem,
desde o traje impecável (...) até as proezas mais perigosas do espor-
te, não passam de uma ginástica apta a fortificar a vontade e a
disciplinar a alma.”38 Quintessência da moda, essa “doutrina da
elegância e da originalidade” é tão despótica que obriga seus discí-
pulos a obedecerem à mesma fórmula utilizada por Santo Inácio de
Loyola para impor a obediência entre os jesuítas: como um cadá-
ver!39
Não é, pois, fortuito o comentário de Benjamin ainda no livro
do Barroco: “O cadáver é o supremo adereço cênico, emblemático, (...)
do século XVII.”40 Já em “Parque central”, o filósofo observa que o
Barroco percebe o corpo morto apenas de fora: “Baudelaire o vê tam-
bém de dentro.”41 Os versos de “Uma carniça” reenviam oportuna-
mente ao tema do memento mori seiscentista, chamando atenção para a
36 MATOS, Olgária. “Um surrealismo platônico”, op. cit., p. 319.
37 BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade, op. cit., p. 51.
38 Ibidem, p. 50.
39 Notar o parentesco da exortação cristã com a divisa emblemática da moda, conforme a
noção benjaminiana de “sex appeal do inorgânico” deixa evidente. A expressão, a propósito,
é utilizada pelo filósofo em uma passagem do “Exposé de 1939”, não por acaso, aberta pela
epígrafe de Leopardi: “A Moda: ‘Senhora Morte! Senhora Morte!’” Ele escreve: “A moda
prescreve o ritual segundo o qual o fetiche, que é a mercadoria, deseja ser adorado. (...) Ela
acopla o corpo vivo ao mundo inorgânico. Face ao vivo, ela faz valer os direitos do cadáver.
O fetichismo, que está assim submetido ao sex appeal do inorgânico é seu nervo vital.”
BENJAMIN, Walter. “Exposé de 1939”. In: Passagens, op. cit., p. 58.
40 BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão, op. cit., p. 242.
41 BENJAMIN, Walter. “Parque Central”. In: Obras escolhidas III, op. cit., p. 175.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
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fugacidade da vida e a perecibilidade da carne – condições sine qua non
para o trabalho “redentor” do alegorista. O poema começa com: “Lem-
bra-te, meu amor, do objeto que encontramos/ Numa bela manhã
radiante:/ Na curva de um atalho, entre calhaus e ramos/ Uma carniça
repugnante.”42 Como os dramaturgos barrocos Gryphius e Lohenstein
dois séculos antes, e o poeta expressionista Gottfried Benn um século
mais tarde,43 Baudelaire oferece uma descrição crua do pedaço de car-
ne em decomposição como o estado cadavérico que, no fim, aguarda
todas as criaturas: “Zumbiam moscas sobre o ventre e, em alvoroço,/
Dali saíam negros bandos/ De larvas, a escorrer como um líquido grosso/
Por entre esses trapos nefandos.”44 Ele adverte: “Pois hás de ser como
essa coisa apodrecida,/ Essa medonha corrupção,/ Estrela de meus olhos,
sol de minha vida,/ Tu, meu anjo e minha paixão!”45 E, em seguida,
42 No original, “Rappelez-vous l’objet que nous vîmes, mon âme,/ Ce beau matin d’été si doux:/ Au
détour d’un sentier une charogne infâme/ Sur un lit semé de cailloux”. BAUDELAIRE, Charles. As
Flores do Mal, op. cit., p. 172-173.
43 Em relação a Gryphius, Benjamin faz notar sua dedicação aos estudos de anatomia – os
quais, para ele, eram movidos não apenas pelo conhecimento científico, como ainda por um
“estranho interesse emblemático”. Quanto a Lohenstein, Benjamin ressalta o que chama de
“poesia cadavérica” e rastreia a presença de singulares experiências com o “tema lírico” da
morte em suas obras. Em “Altar da memória e da gratidão”, por exemplo, o dramaturgo
retrata, em “nove estrofes implacáveis”, as várias partes do cadáver em estado de putrefação.
Cf. BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão, op. cit., p. 241-2. Já Gottfried Benn –
que também era médico e trabalhou no exército alemão durante a primeira guerra – extrai
poesia da mesa de dissecção, descrevendo detalhes de uma necrópsia, em seu “Florzinha”:
“Um afogado carregador de cervejas foi fincado sobre a mesa./ Alguém havia entalado uma
sécia de lilás claro-escuro/ entre os seus dentes./ Quando recortei fundo/ desde o peito, língua
e palatino/ com uma longa faca,/ devo tê-la empurrado, pois escorregou/ para o cérebro, que
estava ao lado./ Enfiei-a na cavidade toráxica/ entre os fios/ que o costuravam. Embeba-se no
seu vaso!/ Descanse em paz. Florzinha! Cf. BENN, Gottfried apud CAVALCANTI, Cláudia (Org.).
Poesia Expressionista alemã: uma antologia. São Paulo: Estação Liberdade, 2000, p. 52-3.
44 No original, “Les mouches bourdonnaient sur ce ventre putride,/ D’où sortaient de noir bataillons/
De larves, qui coulaient comme un épais liquide/ Le long de ces vivants haillons”. BAUDELAIRE,
Charles. As Flores do Mal, op. cit., p. 174-5.
45 No original, “ – Et pourtant vous serez semblable à cette ordure,/ A cette horrible infection,/ Étoile
de mes yeux, soleil de ma nature,/ Vous, mon ange et ma passion”. BAUDELAIRE, Charles. As Flores do
Mal, op. cit., p. 174-5.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
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conclui: “Então, querida, dize à carne que se arruína,/ Ao verme que te
beija o rosto,/ Que eu preservei a forma e a substância divina/ De meu
amor já decomposto!”46 De certa forma, as estrofes acima remetem
tanto ao conceito baudelariano de “moderno”, quanto ao sentido mes-
mo de sua concepção artística. Em “O pintor e a vida moderna”, ele
escreve: “A Modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a
metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável.”47 Em
“Sonho parisiense” – poema, aliás, dedicado a Constantin Guys –,
Baudelaire descreve o trabalho do pintor, como uma espécie de “sonho
lúcido”, em que o artista-demiurgo cria, “a seu agrado”, suas próprias
feerias. “O sono engendra assombros vários!/ Por um capricho singu-
lar,/ Banira eu já desses cenários/ O vegetal irregular,/ E, artista côns-
cio do que cria,/ Eu saboreava em minha tela/ A pertinaz monotonia/
Do metal, do óleo e da aquarela.”48 Aqui, como em “A carniça”, o
labor artístico busca salvar a matéria que, entregue às suas imperfei-
ções, seria inevitavelmente consumida pelo circuito infernal da histó-
ria-natureza. Nesse sentido, o comentário de Benjamin é certeiro:
“Interromper o curso do mundo – esse era o desejo mais profundo em
Baudelaire. (...) [Dele] nasciam as tentativas sempre renovadas de atingir
o mundo no coração ou de fazê-lo dormir, cantando.”49
Numa referência à metáfora do procedimento artístico, o autor
ainda observa: “Os poetas encontram o lixo da sociedade nas ruas, e no
46 No original, “Alors, ô ma beauté! dites à la vermine/ Qui vous mangera de baisers,/ Que j’ai
gardé la forme et l’essence divine/ De mes amours décomposés!” BAUDELAIRE, Charles. As Flores do
Mal, op. cit., p. 176-7.
47 BAUDELAIRE. Sobre a modernidade, op. cit., p. 25. Importa notar que Baudelaire é o criador
do conceito de “modernidade” (Modernité), conforme Benjamin o utiliza. Até então, a pala-
vra alemã Moderne se reportava ao contexto das artes na virada do século XX, dizendo
respeito sobretudo à insubordinação formal aos princípios estéticos realistas herdados do
século XIX. Benjamin, por sinal, é quem introduz a acepção baudelairiana do termo em
alemão.
48 BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal, op. cit., p. 367-71.
49 BENJAMIN, Walter. “Parque Central”, op. cit., p. 160.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
129
próprio lixo o seu assunto heróico.”50 Fazendo juz ao epíteto de “apache-
alquimista”,51 Baudelaire coloca em primeiro plano a relação com os
restos da modernidade urbana e, ao mesmo tempo, esboça os traços de
seu próprio “método” de trabalho: “Oh! Vós, sede testemunha de que
cumpri meu dever/ Como um químico perfeito e como uma alma
santa./ Pois de cada coisa extraí a quintessência,/ Tu me deste tua lama
e eu a transformei em ouro.”52 Aqui, as semelhanças com a descrição
da figura do trapeiro, conforme citação de Benjamin em “Paris do
Segundo Império” são notórias. “Tudo o que a cidade grande jogou
fora, tudo o que ela perdeu, tudo o que desprezou, tudo o que des-
truiu, é reunido e registrado por ele.” E continua: “Compila os anais
da devassidão, o cafarnaum da escória; separa as coisas, (...) procede
como uma avarento com seu tesouro e se detém no entulho que, entre
as maxilas da deusa indústria, vai adotar a forma de objetos úteis ou
agradáveis.”53 Benjamin mesmo chega a indicar, explicitamente, as
correspondências entre o comportamento do trapeiro e o do poeta:
alegoristas, ambos “realizam seu negócio nas horas em que os burgue-
ses se entregam ao sono”.54 Não é acidental que, em “Parque Central”,
ele sintetize: “A expressão alegórica nasceu de uma curiosa combina-
ção de natureza e história.”55 A sentença é particularmente válida para
50 BENJAMIN, Walter. “Paris do Segundo Império”, op. cit., p. 78.
51 “Apache” é um termo bastante em voga na época em que o texto é escrito. Sua acepção é
a de um homem mau e perigoso, malfeitor, no linguajar parisiense. Benjamin lança duas
hipóteses, ambas plausíveis, ao elaborar sua “teoria da modernidade”. E escreve: “Uma luz
suspeita cai sobre a poesia do apachismo. Representa a escória os heróis da cidade grande ou
será antes herói o poeta que edifica sua obra a partir dessa matéria?” BENJAMIN, Walter.
“Paris do Segundo Império”, op. cit., p. 79.
52 No original, “O vous, soyez témoins que j’ai fait mon devoir/ Comme un parfait chimiste et comme
une âme sainte./ Car j’ai de chaque chose extratit la quintessence,/ Tu m’as donné ta boue et j’en ai fait
de l’or.” BAUDELAIRE, Charles. “Projeto para um epílogo, edição de 1861”, trad. Jorge Coli
apud COLI, Jorge. “Consciência e heroísmo no mundo moderno”. In: NOVAES, Adauto (Org.).
Poetas que pensaram o mundo, op. cit., p. 293.
53 BENJAMIN, Walter. “Paris do Segundo Império”, op. cit., p. 78.
54 Ibidem, p. 79.
55 BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão, op. cit., p. 189.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
130
a compreensão do sentido da perecibilidade, no contexto da
modernidade capitalista. Se caducidade e morte descrevem processos
tipicamente naturais até o século XIX, com a progressiva aceleração
do desenvolvimento industrial, a duração do “ciclo vital” das coisas
passa a ser regido por um outro critério: o de sua própria “obsolescência
programada”. Como resultado, o processo de perecimento (ou consu-
mo) passa a ser incorporado ao âmago mesmo do processo produtivo.56
Antecipando possíveis interseções entre a providência barroca e os não
menos implacáveis processos industriais, ainda no livro do Barroco,
Benjamin cita: “(...) o mundo é uma grande loja/ Um posto aduaneiro
da morte/ Em que o homem é a mercadoria que circula/ A morte, a
extraordinária negociante,/ Deus, o contador mais consciencioso,/ E a
sepultura, um armazém credenciado.”57 Como a epígrafe acima insi-
nua, a relação do século XVII com o cadáver é análoga à do século XIX
com respeito às mercadorias. Por isso, tanto o trapeiro quanto o pró-
prio poeta significam, para a modernidade, aquilo que o alegorista
representara para o Barroco: a possibilidade de “redenção”, precisa-
mente a partir de suas ruínas.
3.4. O trabalho das Passagens
Esta motivação, aliás, é o que dispara a redação do Pas-
sagenarbeit – obra em que a Paris do Segundo Império, capital do
capital, é designada como “cidade de sonho”. Benjamin escreve:
“O capitalismo foi um fenômeno natural com o qual um novo sono,
repleto de sonhos, recaiu sobre a Europa e, com ele, uma reativação
das forças míticas.”58 Com a caracterização do capitalismo como
56 Cf. WITTE, Bernd. “Por que o moderno envelhece tão rápido? A concepção da modernidade
em Walter Benjamin”. Revista USP, n. 15 (Dossiê Walter Benjamin), 1992, p. 107.
57 MÄNNLING, Christoph. Schaubühne des Todes oder Leich-Reden apud BENJAMIN, Walter. Ori-
gem do drama barroco alemão, op. cit., p. 181.
58 BENJAMIN, Walter. “Arquivo K”. In: Passagens, op. cit., p. 436.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
131
“fenômeno natural” ou “sono repleto de sonhos”, o onírico deixa
de ser uma referência estritamente circunstancial ou figurativa,
para ser incorporado ao âmago mesmo de suas proposições teóri-
cas. Não é, pois, exagero admitir que grande parte da celeuma em
torno da produção benjaminiana tardia diga respeito precisamente
a esse ponto – conforme é atestado sobretudo pelas “grandes car-
tas” trocadas com Adorno. Tiedemann chama atenção para dois
períodos bem nítidos na confecção do projeto das galerias. O pri-
meiro tem início em meados de 1927, se estendendo até o outono
de 1929. Sob impacto assumido d’O camponês de Paris, os primeiros
esboços do Passagen-Werk vêm à luz como parte de um trabalho
inicialmente chamado “Passagens parisienses: uma feeria dialéti-
ca”. Neste momento, as afinidades com Rua de mão única são notó-
rias. O que, com efeito, pode ser confirmado por uma carta enviada
a Scholem, em que Benjamin explicita: “Dever-se-ia agora
conquistar ‘para uma época’ ‘a concretude extrema tal qual ela se
manifesta aqui ou ali [em Einbahnstrasse] em jogos infantis, em
um edifício, em uma situação existencial’.”59 O parentesco entre as
duas obras pode ser inferido, além disso, pela significativa presen-
ça do elemento onírico. Com uma importante ressalva: enquanto
em Rua de mão única sua abordagem é realizada de forma imediata,
através de relatos protocolares, no trabalho das Passagens, o sonho
ultrapassa a esfera estritamente autobiográfica e atinge, pelo viés
das “imagens dialéticas”, a dimensão teórico-política in nuce. Por-
tanto, se nessa primeira fase, Aragon – mas também Proust – são
influências marcantes, a partir da década de 30, o sonho passa a ser
tratado ainda de acordo com um outro registro: o marxista. Em
conseqüência, o onírico deixa de consumar tão-somente uma “ren-
dição feérica ao particular” para se converter em um aspecto de
59 Gesammelte Schriften, V, p. 1091 apud BENJAMIN, Walter. Passagens, op. cit., p. 16.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
132
enorme valor para a compreensão dos processos históricos propria-
mente ditos.
Este, por sinal, é um dos principais motivos da querela entre
Benjamin e Adorno.60 A julgar pela correspondência trocada entre os
dois, a aproximação benjaminiana do marxismo significa, para este
último, um nítido retrocesso diante das questões colocadas ao longo
da década de 20 – seja no texto sobre “As afinidades eletivas de Goethe”,
no livro Origem do drama barroco alemão ou ainda na versão de 1929 do
projeto das galerias.61 Já em relação às formulações dos anos 30, a
opinião de Adorno não é constante. Seu parecer começa com um gran-
de entusiasmo pelo desenvolvimento de um “projeto comum” (cf. car-
ta de 2-4 e 5/8/1935), passando pela crítica e decepção quanto ao
tratamento das categorias marxistas (cf. carta de 10/11/1938), até fi-
nalmente culminar com uma homenagem póstuma laudatória, em
que não faltam elogios ao “pensador inesgotável” que ousou filosofar
mesmo contra a própria filosofia.62
Apesar dos atritos, a colaboração com o Instituto de Pesquisa
Social (Institut für Sozialforschung) é, certamente, da maior importância
para Benjamin. Como mostra Wiggershaus, a perspectiva de receber
60 Sobre as afinidades e conflitos entre os dois filósofos ver 1) KOTHE, Flávio. Benjamin &
Adorno: confrontos. São Paulo: Ática, 1978; 2) WIGGERSHAUS, Rolf. “Walter Benjamin, o
Passagenwerk, o Instituto e Adorno”. In: A Escola de Frankfurt: história, desenvolvimento teórico,
significação política. Rio de Janeiro: Difel, 2002, p. 219-245; 3) AGAMBEN, Giorgio. “O
príncipe e o sapo: o problema do método em Adorno e Benjamin”. In: Infância e história:
destruição da experiência de origem da história. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005; e 4) NOBRE,
Marcos. “Theodor Adorno e Walter Benjamin (1928-1940)”. In: A dialética negativa de
Theodor W. Adorno: a ontologia do estado falso. São Paulo: Iluminuras, 1998, p. 59-101.
61 Esta versão diz respeito aos fragmentos referidos como “Pariser Passagen II”. O conheci-
mento que Adorno tinha desse primeiro esboço do Trabalho das passagens era, sem dúvida,
parcial e baseado apenas na leitura do texto feita pessoalmente por Benjamin em Königstein,
entre setembro e outubro de 1929. Cf. BENJAMIN, Walter. Briefwechsel, p. 25 e 252 apud
NOBRE, Marcos. “Theodor Adorno e Walter Benjamin”, op. cit., p. 61.
62 Cf. ADORNO, Theodor. “Caracterização de Walter Benjamin”. In: Prismas. São Paulo:
Ática, 1997.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
133
um salário fixo e continuar o desenvolvimento das pesquisas sobre o
Passagen-Werk era, sem dúvida, uma esperança promissora para ele,
em 1934. Talvez a única. Até então, o filósofo recebia um valor insu-
ficiente de apenas quinhentos francos por mês, o que o obrigava a
contar com o auxílio de amigos e parentes – como é o caso de Dora,
Brecht e do próprio Adorno. Este tão logo é informado sobre a reto-
mada do projeto das passagens, se mostra bastante satisfeito pelo pros-
seguimento de um trabalho marcado por tantos reveses. E escreve a
Benjamin: “Não desejo nada mais do que isto: que o senhor seja tão
forte quanto seu imenso tema exige, depois dessa longa e dolorosa
interrupção.”63 Contente pelo amigo, Adorno espera que o projeto
“realize, uma vez por todas, sem concessões, todo o conteúdo teológico
e toda a literalidade nas teses mais extremas daquilo que lhe foi atri-
buído.”64 Suas expectativas, contudo, não se mostram inteiramente
condizentes com as exigências feitas pelo Instituto a seus colaborado-
res. Com efeito, Adorno mesmo chega a admitir a Pollock sua preocu-
pação quanto à aceitação das pesquisas de Benjamin. Segundo ele, as
especulações benjaminianas estariam a tal ponto saturadas de metafí-
sica, que dificilmente se enquadrariam sem problemas no plano de
trabalho então definido por Horkheimer. Antecipando possíveis mal-
entendidos, o próprio Benjamin se dispõe a dissipar toda e qualquer
apreensão quanto ao projeto na época intitulado “Paris, capital do sé-
culo XIX”. Ressaltando as analogias com o livro do Barroco, o filósofo
garante que “o mundo das imagens dialéticas é protegido contra todas
as objeções que a metafísica provoca.”65 Eloqüente, sua defesa é tão
bem recebida por Adorno, que este redige uma carta bastante assertiva
a Horkheimer, onde deixa patente seu apoio aos estudos de Benjamin:
63 Carta de Adorno a Benjamin de 06/11/1934, Passagenwerk, p. 1106 apud WIGGERSHAUS,
Rolf. “Walter Benjamin, o Passagenwerk, o Instituto e Adorno”, op. cit., p. 221.
64 Ibidem, p. 221.
65 Carta de Benjamin a Adorno de 31/05/1935, Briefe, p. 664 apud WIGGERSHAUS, Rolf.
Op. cit., p. 222.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
134
“este trabalho não conterá nada que não possa ser defendido do ponto
de vista do materialismo dialético. Ele [Benjamin] perdeu completa-
mente o caráter de improvisação metafísica que lhe era próprio an-
tes.”66 Além de certificar Horkheimer quanto à legitimidade das
intenções do colega, Adorno não hesita em apontar a superioridade do
projeto de Benjamin em relação às produções acadêmicas da época.
Segundo sua perspectiva, a novidade da impostação benjaminiana re-
side na tentativa de definir o século XIX a partir da categoria das
“imagens dialéticas”. Chamando atenção para a sintonia intelectual
de Benjamin com os planos do próprio Instituto, Adorno cita o fato
do caráter fetichista da mercadoria ser tomado pelo filósofo como “chave
da consciência” e, sobretudo, do “inconsciente da burguesia do século
XIX”.
Mesmo que pareçam escritos autônomos, Tiedemann chama
atenção para o vínculo do Passagen-Werk com os textos dedicados a
Baudelaire e o ensaio “A obra de arte na época de sua reprodutibilida-
de técnica”. A primeira versão deste último, por sinal, desencadeia
sérias divergências entre seu autor e a direção da Revista de Pesquisa
Social (Zeitschrift für Sozialforschung) – sob cuja encomenda o artigo é
escrito. Por conta do desacordo quanto ao papel do intelectual na so-
ciedade, Adorno prontamente se dirige a Horkheimer, lamentando a
presumida interferência brechtiana.67 Logo na introdução, Benjamin
recorre a Marx, colocando em primeiro plano o sentido do texto para o
“combate político”. Conforme ele mesmo explicita, a razão de pres-
cindir de noções estéticas tradicionais – como, por exemplo, gênio,
estilo, forma e conteúdo – é tão-somente evitar uma apropriação inde-
66 Carta de Adorno a Horkheimer, Oxford, 1935. Cf. WIGGERSHAUS, Rolf. Op. cit., p. 222-3.
67 Adorno chega inclusive a usar a expressão “aquele selvagem” para se referir a Brecht, na
mesma carta a Horkheimer onde comenta o manuscrito de Benjamin com o texto sobre a
obra de arte. Que se recorde que este último, de fato, passa o verão de 1934 na casa de
Brecht – então exilado na Dinamarca –, o que pode, sim, ter contribuído para o forte teor
“político” do ensaio em questão. Cf. WIGGERSHAUS, Rolf. A Escola de Frankfurt, op. cit.,
p. 220.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
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vida pela propaganda fascista. “Os conceitos seguintes, novos na teoria
da arte, (...) podem ser utilizados para a formulação de exigências re-
volucionárias na política artística.”68 Ainda nesse texto, o filósofo de-
nuncia a “estetização da vida política”, mostrando os perigos inerentes
à valorização “artística” da guerra, tão típica do Nacional-Socialismo.
Comparando esta forma de auto-alienação com o exemplo mais perfei-
to da “arte pela arte”, Benjamin mostra o absurdo da campanha beli-
cista, em que humanidade vive sua própria destruição como uma
experiência de puro prazer estético.69 Ele conclui: “Eis a estetização da
política, como a pratica o fascismo. O comunismo responde com a
politização da arte.”70 Com efeito, o engajamento assumido por Ben-
jamin nesse ensaio71 contrasta ponto por ponto com a orientação de
neutralidade recomendada por Horkheimer aos colaboradores do Ins-
tituto de Pesquisa Social. O que, de certa forma, explica a exasperação
de Adorno. Tanto que o próprio Horkheimer chega formalmente a
“sugerir” o abandono da introdução do artigo sobre a obra de arte.
68 BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”. In: Obras
escolhidas I: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 166.
69 Sobre os princípios estéticos subjacentes à ideologia nacional-socialista, bem como o
imperativo de “embelezamento do mundo” encampado por Hitler como o principal objeti-
vo do nazismo ver o vídeo-documentário ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO. Direção: Peter Cohen,
1992. São Paulo: Versátil. 1 DVD (121 min). P&B e colorido. Legendado. Tradução de
Undergangens Arkitektur.
70 BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, op. cit.,
p. 196.
71 Como exemplo das notáveis “afinidades eletivas” compartilhadas por Benjamin e o dra-
maturgo e amigo Bertolt Brecht, cita-se um comentário deste último, no qual é enfatizada
a necessidade de uma arte “que não nos proporcione somente as sensações, as idéias e os
impulsos que são permitidos pelo respectivo contexto histórico das relações humanas (...),
mas, sim, que empregue e suscite pensamentos e sentimentos que desempenhem um papel
na modificação desse contexto.” BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2005, p. 142. Em última instância, é exatamente o que Benjamin sugere com
respeito ao cinema. Emancipados da tradição, os filmes potencializariam a construção de
uma nova ordem social, a partir da transformação qualitativa da percepção das massas em
relação à obra de arte, desta forma “refuncionalizada”. Cf. BENJAMIN, Walter. “A obra de arte
na época de sua reprodutibilidade técnica”, op. cit.
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136
Segundo suas instruções, expressões como “fascismo” e “comunismo”
deveriam ser substituídas por “doutrina totalitária” e “forças construti-
vas da humanidade”. Suas orientações recomendam ainda a utilização
do tom “mais científico possível”, desautorizando quaisquer termos e
proposições que abram precedentes para uma “interpretação política”.
Palavras como “materialismo” chegam a ser, por isso, expressamente
desaconselhadas.72 Para justificar as diretrizes adotadas, Horkheimer
defende que a revista e o Instituto, na condição de “órgãos científicos”,
devem se resguardar de “serem arrastados numa discussão política por
parte dos jornais”.73 A segunda versão do ensaio sobre a obra de arte leva,
pois, em consideração as objeções realizadas, sendo atendidas as solicita-
ções de Horkheimer em nome dos interesses do Instituto.
Entretanto, se os desentendimentos relativos ao ensaio sobre a
obra de arte se referem sobretudo à questão do engajamento político,
eles não são os únicos no longo e tumultuado processo de redação do
Passagen-Werk. Além de Brecht, Jung é outra aproximação não grata.
Tanto que a controvérsia em torno de uma presença positiva de sua
teoria nos escritos de Benjamin se torna constante a partir de 1934. As
controvérsias atingem o ápice, três anos depois, com a recomendação
da direção do Instituto para que Benjamin abandone o projeto de um
ensaio sobre Jung e se concentre no trabalho sobre Baudelaire.74 O
72 Cf. carta de Horkheimer a Adorno de 24/12/1937 apud WIGGERSHAUS, Rolf. A Escola de
Frankfurt, op. cit., p. 237.
73 Cf. carta de Horkheimer a Benjamin, de 18/03/1936 apud WIGGERSHAUS, Rolf. A Escola
de Frankfurt, op. cit., p. 237.
74 Willi Bolle chama atenção para o abandono de “um estudo metodológico fundamental
sobre os teóricos da imagem arcaica e do inconsciente coletivo, Ludwig Klages e Carl Jung.”
Ele mostra que “quando Benjamin consultou Horkheimer, se deveria escrever tal artigo,
recebeu a resposta de que a relação da psicanálise com a historiografia materialista era um
tema de interesse tão geral para todos os pesquisadores do Instituto, que era preferível que
ele postergasse essa questão, escrevendo primeiro ‘um artigo materialista sobre Baudelaire’.”
Cf. carta de Benjamin a Horkheimer, de 28/03/1937, Gesammelte Schriften, V, p. 1157 segs.;
e de Horkheimer a Benjamin, de 13/04/1937, p. 1158 segs. apud BOLLE, Willi. Fisiognomia
da metrópole moderna. São Paulo: Edusp, 2000, p. 52.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
137
“pomo da discórdia” entre eles se refere sobretudo à passagem do “Ex-
posé de 1935” introduzida pela epígrafe de Michelet: “Cada época
sonha a seguinte”. Benjamin escreve: “À forma do novo meio de pro-
dução, que no início ainda é dominado por aquela do antigo (Marx),
correspondem na consciência coletiva imagens nas quais se interpene-
tram o novo e o antigo.”75 Ele prossegue: “Estas imagens são imagens
do desejo e nelas o coletivo procura tanto superar quanto transfigurar
(...) as deficiências da ordem social de produção.”76 Na famosa carta de
Hornberg, Adorno objeta que a representação das “imagens dialéti-
cas” como sonho teria o inconveniente de “psicologizá-las”, subme-
tendo-as ao que chama de encantamento ou feitiço da “psicologia
burguesa.” Em carta datada de novembro de 1935, ele questiona:
“Quem é o sujeito do sonho? (...) A noção de uma consciência coletiva
foi inventada somente para desviar a atenção da verdadeira objetivida-
de e seu correlato, a subjetividade alienada.”77 Adorno, aqui, parece
não ter levado em conta suas próprias palavras em defesa das “imagens
históricas”, proferidas em uma aula inaugural, no ano de 1931: “Elas
[as imagens dialéticas] não são deidades históricas mágicas a serem
aceitas e veneradas. Antes pelo contrário: elas têm de ser produzidas
pelo homem (...).” Ele é enfático: “Nesse ponto, elas se distinguem de
maneira central das imagens arcaicas, das proto-imagens míticas, tal
como a psicanálise as encontra, tal como Klages espera preservá-las
como categorias de nosso conhecimento.”78 Como se percebe, as críticas
de Adorno se dirigem muito mais a Klages e Jung do que ao próprio
Benjamin, já que sua teoria nunca deixou de considerar o aspecto his-
tórico fundamental na constituição das imagens dialéticas – apesar de
75 BENJAMIN, Walter. “Exposé de 1935”, op. cit., p. 41.
76 Ibidem, p. 41.
77 ADORNO, Theodor. “Theodor Adorno: Letter to Walter Benjamin”. In: ADORNO, Theodor et
al. Aesthetics and Politics. London; New York: Verso, 2007, p. 112-3.
78 ADORNO, Theodor. AGS, 1, p. 341 apud NOBRE, Marcos. A dialética negativa de Theodor
W. Adorno, op. cit., p. 91.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
138
ter, com efeito, se aproximado dos “teóricos da imagem arcaica” ao
elaborá-la. Além disso, em sua própria “Caracterização de Walter Ben-
jamin”, escrita dez anos após a morte do colega, Adorno parece ter
revisto sua opinião e, praticamente, formula a resposta que teria se dado
frente às objeções levantadas por ele mesmo quinze anos antes. Após
citar textualmente a mesmíssima passagem do “Exposé de 1935”, ele
escreve: “Mas essas imagens eram, para Benjamin, mais que arquéti-
pos do inconsciente coletivo, como o são para Jung: Benjamin as en-
tendia como cristalizações objetivas do movimento coletivo e batizou-as
com o nome de ‘imagens dialéticas’.”79 Seja como for, a conjunção de,
pelo menos, três matrizes teóricas divergentes80 contribui, sem dúvi-
da, para a polêmica em torno de um tópico não menos controvertido:
a utilização do “modelo do sonho” no tratamento das questões sociais.
Primeiramente, há que se notar que o “estranhamento” produzido
pela configuração Marx-Freud-Jung – além de Aragon e Proust – se
deve à peculiaridade do método de trabalho adotado por Benjamin: o
da tensão sem resolução entre elementos “extremos”. Assim, o teor
mesmo de sua teoria corre o risco de ser gravemente adulterado se
suprimido qualquer um de seus aspectos “dissonantes”. O que, na
época, infelizmente parece não ter sido levado em conta. Sob a pers-
pectiva do freudo-marxismo do Instituto de Pesquisa Social, as for-
mulações benjaminianas estariam muito aquém do “cientificismo”
salvaguardado pela direção de Horkheimer.
De volta ao trecho do “Exposé de 1935”, Benjamin recorre a
Marx ao colocar em primeiro plano a discussão política, com o aporte
de categorias operatórias tipicamente materialistas, como “luta de clas-
79 ADORNO, Theodor. “Caracterização de Walter Benjamin”, op. cit., p. 233.
80 Vale lembrar que o procedimento não é de todo estranho a Benjamin. Já na “premissa
gnoseológica” do livro do Barroco, o filósofo deixa evidente sua simpatia pela tensão entre
os “extremos” reunidos em “constelações” – desta forma, não estandardizadas pela operação
niveladora dos conceitos, conforme utilizados pelo sistema do século XIX. Cf. BENJAMIN,
Walter. Origem do drama barroco alemão, op. cit., p. 56-7.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
139
ses” e “meios de produção”. Já, de Freud, Benjamin se apropria da tese
que assume a origem desiderativa das imagens oníricas, buscando ain-
da em Jung a validação da existência de algo aparentado a um “incons-
ciente coletivo”. Ora, como logo se percebe, sua elaboração é muito
mais “benjaminiana”, que propriamente marxista, freudiana ou jun-
guiana exclusivamente, não encontrando respaldo – pelo menos, não
na íntegra – na obra de qualquer um destes autores – o que, aliás,
explica grande parte da hostilidade do Instituto em relação a ela. A
propósito do Passagen-Werk, Cohen observa que a combinação das teo-
rias marxista e psicanalítica representa “não somente uma de suas
maiores seduções, como ainda um dos seus aspectos mais recalcitran-
tes, principalmente porque Benjamin nunca resolveu com clareza os
detalhes dessa fusão.”81 De tradição materialista-dialética, o marxis-
mo, por exemplo, é contrário à “psicologização” das questões sociais e,
por isso, condena a adoção de categorias de fundo “não-objetivo” como
é o caso do inconsciente – tanto de Freud, quanto do próprio Jung.
Amparada pela tese do sonho como realização de um desejo, a psicaná-
lise freudiana, por seu turno, é refratária à aceitação da existência de
imagens oníricas produzidas por uma “consciência coletiva” autôno-
ma em relação à psique individual – haja visto a centralidade do tema
no processo de ruptura com o ex-discípulo Jung.82 Com relação à psi-
cologia analítica deste último, não há uma só evidência em sua teoria
que autorize qualquer relação legítima entre a noção “arquetípica” – e,
portanto, atemporal – do “inconsciente coletivo” com as construções
históricas concretas.
Em todo caso, o núcleo duro da objeção de Adorno não se refere
a nenhum destes pontos em particular, se concentrando no potencial
81 COHEN, Margaret. “Walter Benjamin’s Phantasmagoria”. New German Critique, n. 48,
1989, p. 99.
82 Para um registro epistolar da relação pessoal e profissional mantida entre os dois psicólo-
gos cf. MCGUIRE, William (Org.). A correspondência completa de Sigmund Freud e Carl G. Jung.
Rio de Janeiro: Imago, 1993.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
140
utópico vislumbrado por Benjamin nas imagens oníricas – o que,
segundo ele, seria inconcebível. Na leitura de Adorno, o sonho re-
presentaria a ameaça de regressão a um estágio arcaico “pré-kantia-
no” embebido no mito, não se coadunando com a mediação das
“imagens dialéticas” – como em Klages, por exemplo. Neste senti-
do, sua crítica se reporta particularmente ao seguinte trecho do “Ex-
posé de 1935”: “No sonho, em que diante dos olhos de cada época
surge em imagens a época seguinte, esta aparece associada a elemen-
tos da história primeva (Urgeschichte), ou seja, de uma sociedade sem
classes.”83 O autor continua: “As experiências desta sociedade, que
têm seu depósito no inconsciente do coletivo, geram, em interação
com o novo, a utopia que deixou seu rastro em mil configurações da
vida.”84 Com base na proposição acima, Adorno discorda de uma
representação positiva do sonho coletivo – que, para Benjamin, seria
patente tanto nas “construções duradouras” quanto nas “modas fu-
gazes” da cultura de massas. Firmemente contrário a uma apropria-
ção “utópica” do onírico, Adorno parece, contudo, desconsiderar as
últimas linhas do manuscrito em questão. Nelas, Benjamin assume
sua orientação marxista, apresentando a própria dialética como o
“órgão do despertar histórico” – isto é, como método para a supera-
ção do “sonho do mundo sobre si mesmo”. Retomando a epígrafe de
Michelet, o filósofo explicita que cada época não apenas sonha a se-
guinte, como ainda, ao sonhar, “esforça-se em despertar”. E resume:
“A utilização dos elementos do sonho no despertar é o caso exemplar
do pensamento dialético.”85 Tanto que no “Arquivo N” – oportuna-
mente aberto com a epígrafe de Marx –, Benjamin ainda o cita uma
vez mais: “Nosso lema deve ser reforma da consciência, não por meio
de dogmas, e sim pela análise da consciência mística, obscura a si
83 BENJAMIN, Walter. “Exposé de 1935”, op. cit., p. 41.
84 Ibidem, p. 41.
85 Ibidem, p. 51.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
141
mesma, seja em sua manifestação religiosa ou política.”86 Ele prosse-
gue: “Ficará claro que o mundo há muito possui o sonho de uma coisa,
da qual precisa apenas possuir a consciência para possuí-la realmen-
te.”87 Em última instância, a sentença pode ser tomada como divisa
dos esforços benjaminianos, no sentido de precipitar – a partir de suas
próprias “fantasmagorias” – um “conhecimento ainda não consciente”
à espera de uma humanidade adormecida, isto é, alheia a isso. Entre-
tanto, o “sonho coletivo” a que Benjamin se refere para pensar a “pro-
to-história” (Urgeschichte) do século XIX “espera secretamente pelo
despertar”. Ao contrário de Aragon, Klages, Jung e do próprio Freud,
a ênfase benjaminiana, aqui, não é tanto nas instâncias oníricas, mas
sobretudo na tentativa de encontrar a constelação histórica do desper-
tar – no limite, a categoria construtiva-chave para o Passagen-Werk
entre os anos de 1934 e 1935, isto é, antes das interferências do Insti-
tuto. Por sinal, apenas nesta obra Benjamin se refere ao despertar em
diversas passagens e sob várias perspectivas: “momento crítico na lei-
tura das imagens oníricas” nos “Materiais”, “paradigma do pensamen-
to dialético” no “Exposé de 1935”, “revolução copernicana da
rememoração” e “cavalo de madeira dos gregos na Tróia dos sonhos”
no “Arquivo K”, “reforma da consciência” no “Arquivo N”.
Neste último, a propósito, Benjamin chega à seguinte formu-
lação: “Seria o despertar [Erwachen] a síntese da tese da consciência
onírica [Traumbewusstein] e da antítese da consciência desperta
[Wachbewusstsein]?”88 A julgar pela pontuação interrogativa da senten-
ça, o próprio filósofo não teria chegado a uma conclusão a respeito – o
que só reforça seu valor, muito mais como uma questão ainda em
desenvolvimento, do que como uma proposição teórica plenamente
acabada. De qualquer forma, a anotação tem o mérito de indicar a
86 MARX, Karl. Der historische Materialismus: Die Frühschriften. Leipzig, 1932, v. 1, p. 226-7
(carta de Marx a Ruge; Kreuzenach, set. 1843) apud BENJAMIN, Walter. “Arquivo N”, op.
cit., p. 509.
87 Ibidem.
88 BENJAMIN, Walter. “Arquivo N”, op. cit., p. 505.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
142
direção que as reflexões benjaminianas se encaminhavam, até a dura
recepção encontrada por parte, quer do Instituto, quer do próprio
Adorno. Por causa dela, Benjamin claramente abandona a idéia do
sonho, procurando, em seu lugar, dar maior destaque à utilização das
categorias marxistas propriamente ditas.89
Não obstante, numa carta de novembro de 1938, Adorno acusa
o filósofo de desrespeito ao hegelo-marxismo tout court. E escreve: “A
menos que eu muito me engane, esta dialética tem uma falha: a me-
diação.”90 Em relação ao ensaio sobre Baudelaire, o filósofo diverge,
outra vez, da abordagem de Benjamin, considerando insuficiente a
mediação teórica empregada por ele ao relacionar aspectos da lírica
baudelairiana com características históricas de sua época. Criticando o
que desqualifica como “apresentação deslumbrada da mera facticida-
de”, Adorno inscreve seu trabalho na “encruzilhada entre a magia e o
positivismo”. E conclui: “Este lugar é enfeitiçado. Só a teoria permiti-
ria quebrar o encanto: a sua própria, a boa, desabusada teoria especula-
tiva.”91 Na visão do filósofo, Benjamin teria deixado de lado seus mais
frutíferos pensamentos ao submetê-los ao crivo das categorias “mate-
rialistas” – que, para Adorno, não coincidem em absoluto com as
marxistas. Ainda nessa carta, ele resume: “A razão (do meu desacordo
teórico) está em que julgo infeliz, do ponto de vista do método, tor-
near ‘materialisticamente’ alguns traços singulares claramente reco-
nhecíveis da super-estrutura, pondo-os em relação, sem mediação e
até mesmo de maneira causal, com os traços correspondentes da infra-
89 Essa “guinada” é, sem dúvida, determinante para a compreensão do caminho que as
pesquisas do Passagen-Werk tomariam, desde então. Pode-se dizer que, a partir da resistên-
cia do Instituto, o “sonho coletivo” deixa o primeiro plano do trabalho, entrando em seu
lugar a noção marxista de “fantasmagoria”. Sobre o sentido subjacente a essa significativa
“mudança gestáltica” cf. COHEN, Margaret. “Walter Benjamin’s Phantasmagoria”, op. cit.
90 BENJAMIN, Walter. Briefe, II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1966, p. 782 apud GAGNEBIN,
Jeanne Marie. “A propósito do conceito de crítica em Walter Benjamin”, op. cit.,
p. 229-30.
91 BENJAMIN, Walter apud GAGNEBIN, Jeanne Marie. “A propósito do conceito de crítica em
Walter Benjamin”, op. cit., p. 229-30.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
143
estrutura.”92 E, aqui, Adorno toca num dos pontos certamente funda-
mentais para a compreensão da constelação benjaminiana das “ima-
gens dialéticas” – e, portanto, do papel do sonho em sua teoria. Em
carta a Scholem, Benjamin observa: “O isolamento em que vivo e,
sobretudo, trabalho, acarreta uma dependência anormal que encontra
o que faço. Dependência que não quer dizer suscetibilidade.”93 Em
resposta às críticas adornianas, o filósofo questiona a relação de deter-
minação assumida entre a infra e a superestrutura, alegando que Marx
nunca pretendeu assumir uma relação causal entre elas. Modificando,
portanto, a natureza do vínculo até então autorizado entre as bases
materiais e a produção simbólica, Benjamin sustenta: “As condições
econômicas, sob as quais a sociedade existe, encontram na superestru-
tura a sua expressão.” E compara: “Exatamente como o estômago estu-
fado de um homem que dorme, embora possa condicioná-lo do ponto
de vista causal, encontra no conteúdo do sonho não o seu reflexo, mas
a sua expressão.”94 Rouanet chama atenção para a originalidade do
tratamento benjaminiano da teoria marxista, considerando positiva a
adoção do “modelo do sonho” como artifício heurístico. E pondera:
“Preserva-se, assim, a autonomia relativa dos dois planos, ao mesmo
tempo que se faz justiça à sua interação, evitando-se tanto a evapora-
ção idealista dos fatos materiais em dados da consciência quanto a
transformação desses dados em simples reflexos.”95
3.5. O eterno retorno como sonho coletivo
Em resumo: tendo retomado o projeto “Paris, capital do século
XIX”– a partir de 1934, como pesquisador bolsista do Instituto de
92 Ibidem, p. 229-30.
93 Cf. carta a Scholem de 04/04/1939, Briefe I und II, p. 801 apud KOTHE, Flávio. Benjamin
& Adorno: confrontos, op. cit., p. 93.
94 BENJAMIN, Walter. “Arquivo K”, op. cit., p. 437.
95 ROUANET, Sérgio Paulo. “As galerias do sonho”. In: As razões do Iluminismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, p. 121.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
144
Pesquisa Social –, Benjamin redige seu texto programático – conhecido
como “Exposé de 1935” –, privilegiando categorias construtivas-chave
como, por exemplo: “imagens dialéticas”, “imagens do desejo”, “so-
nho”, “inconsciente da coletividade”, “fantasia imagética”, “mundo
do sonho” e “despertar histórico”. Conforme se percebe, o aspecto onírico
é, nesse momento, central para a articulação de sua teoria – o que
explica sua presença marcante também nos “Materiais”. Entretanto,
ao longo de sua interlocução com o Instituto – e, em particular, com
Adorno –, o tema simplesmente desaparece ao longo das seis versões
ao todo redigidas para a apresentação do trabalho das Passagens. Quando,
já em 1939, Horkheimer solicita a Benjamin uma versão final para a
obtenção de um possível financiamento norte-americano, a ênfase do
texto recai sobre categorias como “fantasmagoria”, “fetichismo da
mercadoria” e “visão do inferno”, sendo o ensaio sobre Baudelaire, a
partir de então, tomado como protótipo do Passagen-Werk. Cohen se
detém nessa importante reviravolta metodológica, destacando a trans-
formação da oposição entre o sonho e o despertar do “Exposé de 1935”
na oposição entre as “fantasmagorias críticas” e as “mistificadoras” do
“Exposé de 1939”.96 Ora, não obstante as muitas e significativas dife-
renças entre as duas versões, há certamente uma ligação de fundo entre
elas, cujo teor diz respeito ao âmago mesmo da teoria benjaminiana da
modernidade como “espaço-tempo onírico” (Zeitraum, Zeit-Traum): a
definição do eterno retorno como “sonho coletivo”.97
No “Arquivo S”, Benjamin escreve: “O coletivo que sonha ig-
nora a história. Para ele, os acontecimentos se desenrolam segundo
um curso sempre idêntico e sempre novo.”98 E continua: “Com efeito,
a sensação do mais novo, do mais moderno, é tanto uma forma onírica
96 COHEN, Margaret. “Walter Benjamin’s Phantasmagoria”, op. cit., p. 90.
97 Sobre a relação entre as duas categorias cf. CHAVES, Ernani. “O eterno retorno como ‘sono
coletivo’”. In: Mito e história: um estudo da recepção de Nietzsche em Walter Benjamin. Tese (Dou-
torado em Filosofia). São Paulo: FFLCH-USP, 1991, p. 280-299.
98 BENJAMIN, Walter. “Arquivo S”, op. cit., p. 588.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
145
dos acontecimentos quanto o eterno retorno do sempre igual.”99 No
contexto da lógica “onirocapitalista” à qual Benjamin se reporta, a
“novidade” é, portanto, a forma “fantasmagórica” assumida pelo “sem-
pre-igual” ao ingressar no circuito “infernal” da produção e consumo
de mercadorias. Como Rouanet observa, o recurso ao “modelo do so-
nho” tem, nesse caso, o mérito de colocar em evidência tanto as ambi-
güidades espácio-temporais características da modernidade benjami-
niana, quanto a justaposição entre os aspectos materiais e espirituais
tão típicos de sua leitura do jovem Marx – e condensadas no “meta-
conceito” de fantasmagoria. Em “Parque Central”, o filósofo anota:
“Dialética da produção de mercadorias: a novidade do produto adqui-
re um significado até então desconhecido; pela primeira vez, o sempre
igual aparece de modo evidente na produção de massa.”100 O enuncia-
do é a base mesma da definição benjaminiana do “moderno” como
“tempo do inferno”, desempenhando, por isso, um papel determinan-
te na economia do trabalho das Passagens – particularmente no “Ar-
quivo D”, onde o autor discute a idéia do eterno retorno, a partir da
constelação Nietzsche-Blanqui-Baudelaire.101 Em A gaia ciência, por
exemplo, Nietzsche anuncia: “Esta vida, como você a está vivendo e já
viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes.” E
acrescenta: “E nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e
cada suspiro e pensamento, (...) terão de lhe suceder novamente, tudo
na mesma seqüência e ordem.”102 Antecipando em pelo menos dez
anos a profecia nietzschiana, Blanqui por seu turno registra: “O que
escrevo neste momento, numa cela do Fort du Taureau, eu o escrevi e
99 Ibidem, p. 588.
100 BENJAMIN, Walter. “Parque Central”, op. cit., p. 172.
101 Ao se referir ao estilo incisivo da “visão do inferno” descrita por Blanqui em L’Eternité par
les Astres, Benjamin escreve: “O texto, estilisticamente muito marcante, contém as mais
notáveis relações tanto com Baudelaire quanto com Nietzsche”. Cf. carta de Benjamin a
Horkheimer de 06/01/1938 citada em BENJAMIN, Walter. “Arquivo D”. In: Passagens, op.
cit., p. 152.
102 NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 230.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
146
o escreverei por toda a eternidade, à mesa, com uma pena, vestido
como estou agora, em circunstâncias inteiramente semelhantes.”103
Nas palavras de Benjamin, a concepção do universo que o autor desen-
volve em A eternidade pelos astros coincide com a própria visão do infer-
no:104 “Sempre e em todo lugar, no campo terrestre, o mesmo drama,
o mesmo cenário, sobre o mesmo palco estreito, uma humanidade
barulhenta, enfatuada de sua grandeza, acreditando ser o universo e
vivendo em sua prisão como numa imensidão.”105 Ele acrescenta: “Mes-
ma monotonia, mesmo imobilismo nos astros estrangeiros. O univer-
so se repete, sem fim, e patina no mesmo lugar.”106 Enquanto Blanqui
enfatiza o caráter “científico” de sua cosmovisão, depreendendo dela
uma “angústia mítica”, o eterno retorno nietzschiano não é, a rigor,
uma “tese cosmológica”, funcionando, antes, como “imperativo éti-
co”.107 Razão pela qual sua doutrina resulta na divisa do amor fati:
“o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, pa-
ra não desejar nada além desta última, eterna confirmação e chance-
103 BLANQUI, Auguste. L’Eternité par les Astres apud BENJAMIN, Walter. “Arquivo D”,
op. cit., p. 153.
104 Esse, aliás, é o fundamento da teoria baudelairiana da modernidade, conforme a leitura
de Benjamin deixa evidente. A mesma intuição, a propósito, pode ser encontrada também
em Strindberg, que escreve: “Eu, filho do fim do século XIX, guardo a convicção inabalável
de que o inferno existe, mas aqui, na terra, e que estou acabando de passar por ele.” Cf.
STRINDBERG, August. Inferno, op. cit., p. 168.
105 BLANQUI, Auguste. L’Eternité par les Astres apud BENJAMIN, Walter. “Arquivo D”, op. cit.,
p. 153.
106 BLANQUI, Auguste. L’Eternité par les Astres apud BENJAMIN, Walter. “Arquivo D”, op. cit.,
p. 153. Que se notem as semelhanças entre sua descrição e a passagem sobre “A eterna
mesmice” do “Eclesiastes”, tão significativa para a caracterização da constelação benjamini-
ana do Barroco: “Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre. Levanta-se
o sol e põe-se o sol, e volta a seu lugar onde nasce de novo. O vento vai para o sul, e faz o seu
giro para o norte; volve-se e revolve-se, na sua carreira e retorna aos seus circuitos. (...) Todas
as coisas são canseiras. (...) O que foi, é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer:
nada há pois novo sob o sol.” Cf. “Eclesiastes”, 1: 11-14.
107 Cf. MARTON, Scarlett. “O eterno retorno do mesmo: tese cosmológica ou imperativo
ético?” In: NOVAES, Adauto (Org.). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992,
p. 205-23.
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3. O SONHO COLETIVO: O SÉCULO XIX
147
la?”108 Em suma, enquanto Nietzsche responde à fatalidade do eterno
retorno com a ética do “amor pelo destino”, Baudelaire propõe uma
saída oposta: a de deliberada recusa à história-natureza. Motivo pelo
qual Benjamin afirma que seu dandismo – diversamente da “resigna-
ção sem esperança” do último Blanqui – representa a contraparte da
atitude nietzschiana. Não por acaso, em “Paris do Segundo Império”,
o filósofo menciona um trecho onde Baudelaire se despede deste mun-
do “onde o sonho e a ação vivem a sós”. Benjamin pondera: “Seu sonho
não estava tão só como lhe parecia, a ação de Blanqui foi irmã do sonho
de Baudelaire. Ambos se entrelaçaram: são as mãos entrelaçadas sobre
uma pedra debaixo da qual Napoleão III enterrara as esperanças dos
combatentes de Junho.”109 Nessa passagem, a alusão ao registro oníri-
co não é, certamente, gratuita. Pelo contrário: ela aponta para o vetor
utópico vislumbrado por Benjamin nas “imagens oníricas” – note-se
que, aqui, em particular, numa relação de parentesco inextricável com
o âmbito da ação revolucionária. Como mostra Bolle, o estudo “mate-
rialista” sobre a “Paris do Segundo Império” em Baudelaire se propu-
nha, em última instância, tornar legível um processo histórico-políti-
co muito próximo: a passagem da República de Weimar para o Terceiro
Reich.110
108 NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência, op. cit., p. 230.
109 BENJAMIN, Walter. “Paris do Segundo Império”, op. cit., p. 98. Os “combatentes” a que
Benjamin se refere nessa passagem correspondem aos operários que, sob o comando do líder
socialista Auguste Blanqui, participaram das insurreições populares de junho de 1848, em
Paris, em favor de uma República democrática e social, contra o novo poder instituído.
110 BOLLE, Willi. Fisiognomia da metrópole moderna, op. cit., p. 70.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
“Razão, ó fantasma abstrato da vigília,
eu te expulsara já de meus sonhos,
e eis-me aqui no ponto em que eles vão se
confundir com as realidades da aparência.”
Louis Aragon,
O Camponês de Paris.
4.1. Literatura morta?
“Ele [Benjamin] estava mergulhado no trabalho Origem do dra-
ma barroco alemão. Quando me explicou que se tratava de uma análise
da tragédia alemã do século XVII; que essa literatura só era conhecida
por alguns raros especialistas e que essas tragédias jamais haviam sido
encenadas, eu fiz uma careta: para que se ocupar de literatura morta?”1
A retrospectiva é de Asja Lacis – “uma das mulheres mais eminentes
que conheci”,2 nas palavras do próprio Benjamin. Ao questionar o
1LACIS, Asja apud GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamin: os cacos da história. São Paulo:
Brasiliense, 1982, p. 36.
2SCHOLEM, Gershom. Walter Benjamin: a história de uma amizade. São Paulo: Perspectiva,
1989, p. 125.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
150
envolvimento do amigo com o que seria sua tese de habilitação
(Habilitationsschrift), esta jovem “revolucionária russa” traduz a per-
plexidade não só dos militantes do Partido Comunista, como também
a dos responsáveis por sua avaliação junto à Universidade de Frank-
furt. Os motivos, obviamente, não são os mesmos. Enquanto marxis-
tas como Brecht condenam a “estética idealista” de Benjamin,
ressentidos por sua resistência à militância política; Schultz e Cornelius
desaprovam o hermetismo do trabalho, censurando seu caráter
“esotérico”.3 Em todo caso, à objeção de anacronismo levantada pela
“bolchevique de Riga”, Benjamin responde esclarecendo suas inten-
ções. Como ele mostra, a pesquisa do drama barroco não se restringe à
academia. Além de propor uma nova terminologia para os estudos
estéticos, ela põe em pauta problemas bem atuais, ligados à situação
sociopolítica da Alemanha. Redigido entre 1916 e 1925, o Trauerspiel-
Buch é contemporâneo de um dos períodos mais turbulentos da histó-
ria européia: a eclosão da primeira grande guerra e a proclamação da
República de Weimar. Neste momento, o estudo do drama barroco
pode parecer arbitrário e até mesmo “incompreensível”. Mas, como o
próprio Benjamin adverte, não é. Do ponto de vista intelectual – e, no
limite, político – ele assume uma postura denunciativa, claramente
hostil ao cânone neokantiano salvaguardado pela Escola de Marburg.4
3O parecer desfavorável de Hans Cornelius, por exemplo, enfatiza o emprego de “uma
grande quantidade de palavras, cujo sentido o autor [Benjamin] não considera necessário
esclarecer, mas que não possuem nenhum significado positivo, nem nenhum sentido claro,
mesmo se forem entendidas em seu significado usual, no contexto no qual elas são utiliza-
das.” Gutachten von Cornelius in Brukhardt Lindner, Habilitationsakte Benjamins, p. 332 apud
CHAVES, Ernani. Mito e história: um estudo da recepção de Nietzsche em Walter Benjamin. Tese
(Doutorado em Filosofia). São Paulo: FFLCH-USP, 1991, p. 141.
4Considera-se que o neokantismo tenha surgido na Alemanha, aproximadamente a partir
de 1860, numa tentativa de superar tanto o positivismo e o materialismo quanto o
construtivismo da filosofia romântica. A Escola de Marburg representava, então, a tendên-
cia mais racionalista, objetivista e cientificista nesta direção. Seu grande esforço era o de não
permitir que o conhecimento filosófico se dissolvesse, nem na intuição romântica do real
nem nas conceitualizações próprias das ciências particulares.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
151
Ignorado pelos decanos, o resultado é uma decepção fragorosa, acade-
micamente falando. O insucesso do trabalho, contudo, só demonstra a
relevância das idéias expostas, bem como a vitalidade de suas críticas.
Willi Bolle aponta a ironia da situação: se nos anos 20, a tese é dupla-
mente recusada pelo meio universitário, a partir da década de 60, em
contrapartida, ela se torna assunto de vários projetos acadêmicos, den-
tro e fora da Alemanha.5
Seja como for, um dos fatores determinantes na escolha de Ben-
jamin pelo Trauerspiel é, sem dúvida, a reavaliação da literatura barro-
ca pelo Expressionismo alemão. Apesar de criticar a empatia como
método para o conhecimento historiográfico, o filósofo concorda: “Ne-
nhuma sensibilidade artística teve tantas afinidades com a do Barroco,
em sua busca de expressão (...), como a que caracteriza nossos dias.”6
Marcados pela violência belicista, os séculos XVII e XX parecem – aos
olhos não só de Benjamin – convulsionados pela mesma tormenta. No
plano externo: a iminência da guerra.7 No plano interno: angústia,
desespero e melancolia. Em meio à vertigem, à ruína e à morte, auto-
res como Johann Christian Hallmann e Gottfried Benn representam,
cada um a seu modo, o Memento mori de seu tempo. Em “Oração fúne-
bre” (Leichrede), Hallmann pondera: “Se levarmos em conta os inúme-
ros cadáveres com que em parte a peste devastadora, e em parte as
armas guerreiras, têm enchido não somente a nossa Alemanha, mas a
Europa inteira, devemos confessar que nossas rosas têm sido transfor-
5Para outros detalhes da recepção póstuma da obra benjaminiana, cf. BOLLE, Willi. Tableaux
Berlinois: Walter Benjamin e a cultura da República de Weimar. Tese (Livre-docência). São Pau-
lo: FFLCH-USP, 1984. Sobre a recepção de Benjamin no Brasil, cf. PRESSLER, Gunther Karl.
Benjamin, Brasil: a recepção de Walter Benjamin, de 1960 a 2005. São Paulo: Annablume,
2007.
6MANHEIMER, Victor apud BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo:
Brasiliense, 1984, p. 76-7.
7Sobre a unificação alemã sob o comando militar de Bismarck e a constituição do pri-
meiro império alemão (Reich) cf. ALMEIDA, Ângela. A República de Weimar e a ascensão do
nazismo. São Paulo: Brasiliense, 1999.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
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madas em espinhos, nossos lírios em urtigas, nossos paraísos em cemi-
térios, em suma, toda a nossa vida numa imagem da morte.”8 Com
toda a truculência dos literatos barrocos, a obsessão pelo espetáculo
dos corpos sem vida não é, todavia, exclusividade sua. Médico durante
a Primeira Guerra, Gottfried Benn – um dos mais controvertidos poe-
tas expressionistas – encerra seu “Homem e mulher passeiam pelo
Pavilhão do Câncer” com uma remissão intempestiva ao “Eclesiastes”:
“Aqui o solo já incha em torno de cada leito./ Carne nivela-se à terra.
Brasa vai-se embora./ Sumo começa a correr. Terra chama.”9 Não é
gratuito que Else Lasker-Schüller sintetize a mesma sensação de luto
num poema, por sinal, intitulado “Fim de mundo”: “A vida está no
coração de todos/ como em ataúdes.”10 Ao comentar o interesse dos
expressionistas por tudo que leve o estigma do sofrimento humano,
Viktor Zmegac explica: “Quaisquer elementos-tabu; tudo o que até
então era considerado feio, nojento, proibido, alcança no protesto da
nova poesia, um sentido artístico.” E conclui: “Na visão expressionista
da vida, as cenas repugnantes da podridão, da violência e da morte são
parte indissociável da realidade.”11
Num certo sentido, este interesse é também o de Benjamin ao
se voltar para uma apreciação “redentora” da dimensão onírica em
suas diversas expressões. Em Haxixe, por exemplo, ele observa: “De
súbito, compreendi por que (...) a feiúra poderia valer como o verda-
deiro reservatório do belo, ou melhor, como o seu cofre de tesouros, o
veio cavado na montanha de onde se extrai o ouro recôndito do belo,
cintilando por entre as rugas, olhares e feições.”12 A teoria benjamini-
8HALLMANN, J. C. apud BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão, op. cit., p. 254.
9BENN, Gottfried. “Homem e mulher passeiam no Pavilhão do Câncer”. In: CAVALCANTI,
Cláudia (Org.). Poesia expressionista: uma antologia. Poesia expressionista: uma antologia. São
Paulo: Estação Liberdade, 2000, p. 57.
10 LASKER-SCHÜLLER, Else. “Fim de mundo”. In: CAVALVANTI, Cláudia (Org.). Poesia
expressionista..., op. cit., p. 134-5.
11 ZMEGAC, Viktor apud CAVALCANTI, Cláudia. Op. cit., p. 26.
12 BENJAMIN, Walter. Haxixe. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 30.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
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ana da alegoria, que se recorde, parte de convicção análoga. Ainda no
livro do Barroco, o filósofo define o que chama de cerne da visão alegó-
rica: “a exposição (...) mundana da história como história mundial do
sofrimento.”13 Não é à toa que o drama expressionista é inaugurado na
Alemanha, em 1915, com As troianas de Franz Werfel – mesma peça,
por sinal, encenada por Optiz ainda nos primórdios do período barro-
co. Como se sabe, a tragédia não exalta as façanhas dos heróis gregos
como, por exemplo, Ulisses ou Aquiles. Descreve, antes, o lamento da
rainha Hécuba entre os escombros do palácio troiano, já arruinado
pelo assalto aqueu. Benjamin compara: “as alegorias são no reino dos
pensamentos o que são as ruínas no reino das coisas.”14 Atento ao “es-
tilhaço significativo” como a matéria-prima da criação artística, ele
chama atenção para a dimensão da linguagem. Segundo o filósofo,
justamente neste ponto, as semelhanças entre as realizações barrocas
alemãs e as expressionistas são mais notórias. Formalmente precárias,
suas obras primam menos por um “fazer artístico” que por um “querer
artístico” (Kunstwollen). Benjamin pondera: “Uma coisa é encarnar uma
forma, e outra, dar-lhe uma expressão característica.”15 Como geral-
mente ocorre em épocas ditas “decadentes”, o esboço do projeto como
tal assume, neste caso, um papel dominante em relação às obras acaba-
das. Ele esclarece: “A forma em si, cuja vida não é idêntica à obra por
ela determinada, e cuja manifestação é muitas vezes inversamente pro-
porcional à perfeição de um produto literário, se torna evidente no
corpo raquítico de uma obra medíocre.”16 Ainda segundo ele, diante
do esgotamento da cultura clássica alemã, impõe-se aos contemporâ-
neos a necessidade de um “modo de exibição” impactante, “que esteja
à altura da violência dos acontecimentos históricos.”17
13 BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão, op. cit., p. 188.
14 Ibidem, p. 200.
15 Ibidem, p. 82.
16 Ibidem, p. 82.
17 Ibidem, p. 77.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
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Redigido na década de 40, um belo texto de Adorno retoma a
discussão da “forma filosófica”, em parte, já esboçada no prefácio do
livro do Barroco. Depois de censurar o preconceito com o qual o “pro-
duto bastardo” do ensaio é avaliado na Alemanha, o filósofo provoca:
“Apesar de toda a inteligência acumulada que Simmel e o jovem Lukács,
Kassner e Benjamin confiaram ao ensaio, a corporação acadêmica só
tolera como filosofia o que se veste com a dignidade do universal e do
permanente.”18 A recepção acadêmica de Benjamin, aliás, demonstra
bem isso. Sua infeliz premissa gnoseológica tem início justamente
com o tema da apresentação (Darstellung). Entre o imperativo da obje-
tividade científica e o impulso da expressão ensaística, Benjamin elege
o tratado como forma de crítica à lógica coercitiva encampada pelo
sistema. Como diz Adorno, a consciência da não-identidade entre o
modo de exposição e a coisa impõe ao filósofo um esforço ilimitado.
Neste caso, “o ‘como’ da expressão deve salvar a precisão sacrificada
pela renúncia à delimitação do objeto.” O filósofo reconhece: “Nisso,
Benjamin foi o mestre insuperável.”19
4.2. Pathos onírico-expressionista
O repúdio à estética clássica. O conflito com a autoridade insti-
tucional. A contradição entre o desejo de expansão criativa e a virtual
impossibilidade de se romper totalmente os padrões. A valorização da
expressão (e, ao mesmo tempo, o impasse da incomunicabilidade). A
experimentação formal. As “afinidades eletivas” com o Barroco. A lar-
ga utilização de imagens. A reabilitação da alegoria. Com base nos
18 ADORNO, Theodor. “O ensaio como forma”. In: Notas de Literatura I. São Paulo: Ed. 34,
2003, p. 15-6.
19 Ibidem, p. 29. Confirmando o valor atribuído por Benjamin ao cuidado formal em seus
textos, um aforismo de Rua de mão única revela: “Não há nada mais pobre que uma verdade
expressa tal como foi pensada.” Cf. BENJAMIN, Walter. Rua de mão única. In: Obras escolhidas
II. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 60.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
155
elementos acima, levanta-se a seguinte hipótese de trabalho: por seu
pathos, o livro do Barroco é uma obra “expressionista”.20 Com uma
ressalva: essa denominação só é legítima referida à atitude, e não à
filiação de Benjamin ao movimento propriamente dito – que, como se
sabe, nunca ocorreu de fato. De acordo com Scholem, a “imoderação
dos surrealistas” era-lhe preferível à “pretensão estudada” da literatura
expressionista, na qual notava traços de “blefe e insinceridade”.21 Mesmo
tendo contato com alguns membros do Cabaré Neopatético (Neopa-
thetisches Kabarett),22 sua identificação com o grupo é, para dizer o mí-
nimo, limitada. Scholem conta: “[Benjamin] nutria grande admiração
por algumas fases da pintura expressionista de Kandinsky, Marc Cha-
gall e Paul Klee.”23 Segundo ele, o filósofo tem especial apreço por
Georg Heym, chegando inclusive – em caráter excepcional – a citar
de cor versos de “O Dia Eterno”. Além deles, Indiferença Criativa de
Salomo Friedländer e O outro lado de Alfred Kubin são dois livros
bastante elogiados pelo autor. Entretanto, apesar das simpatias isola-
das, o amigo avisa: “Benjamin nunca desenvolveu uma relação positi-
va com o Expressionismo literário, um movimento que surgiu, nos
anos pré-guerra, num círculo ao qual Benjamin estivera bastante liga-
do.”24 Aclamado como um dos “gigantes da prosa expressionista”, a
figura de Kasimir Edschmid por exemplo é, na opinião de Benjamin,
20 Como bem observa Furness, “Expressionismo é um termo descritivo que deve abranger
tantas manifestações culturais dessemelhantes que quase chega a perder seu sentido.” Cf.
FURNESS, R. S. Expressionismo. São Paulo: Perspectiva, 1990, p. 7. Em todo caso, o termo será
empregado neste trabalho não como “etiqueta” ou “rótulo” de um determinado estilo artís-
tico, mas como uma das atitudes características do meio cultural alemão, particularmente
durante as duas primeiras décadas do século XX.
21 SCHOLEM, Gershom. Walter Benjamin: a história de uma amizade, op. cit., p. 137.
22 Uma das “células iniciais” do Expressionismo fundada em Berlim, em 1910.
23 SCHOLEM, Gershom. Op. cit., p. 74. Em relação a Klee, que se recorde a belíssima home-
nagem prestada por Benjamin ao pintor, com sua alegoria do Angelus Novus – por sinal, uma
das passagens mais comentadas de suas teses “Sobre o conceito de história”. Cf. BENJAMIN,
Walter. Obras escolhidas I: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 226.
24 SCHOLEM, Gershom. Walter Benjamin: a história de uma amizade, op. cit., p. 74.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
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apenas um “símbolo de trivialidade pretensiosa.” As críticas não pa-
ram por aí. Scholem conta que o primeiro número da revista Der Au-
fbruch de Ernst Joël é recebido com duras reservas da parte de Benjamin.
Motivo: enquanto aquele sustenta uma autêntica “reforma político-
social”, este, ao contrário, é partidário de uma bem-vinda “renovação”
estudantil. Suas diferenças, aliás, explicam o fato de os dois serem
adversários políticos na eleição de 1914 para a presidência da Associa-
ção dos Estudantes Livres em Berlim – que culminaria com a vitória
de Benjamin. O ensaio de juventude “A vida dos estudantes” é, a
propósito, o discurso de posse deste, como diz Habermas, “jovem con-
servador”. O mesmo texto é publicado, em 1916, em A Meta (Das
Ziel) de Kurt Hiller – outro colaborador de Der Aufbruch. Diante da
recepção entuasiasmada de Scholem pela declarada oposição à guerra
defendida pelo periódico, Benjamin objeta: “A minha opinião sobre
Das Ziel difere totalmente da sua. Considero válidos, todavia, o meu
trabalho e o de Werfel, nenhum outro.”25 Intitulado “Conversa com
um estadista”, o artigo em questão é dirigido justamente contra o
ativismo político, típico de Hiller. Ainda segundo Scholem, Benja-
min teria depois confirmado sua decidida aversão ao racionalismo da
maioria dos ensaios, particularmente os de Hiller e Rubiner – então
um “anarquista convicto”.
As muitas e significativas divergências – dentro e fora do círcu-
lo expressionista –, contudo, não constituem motivo suficiente para se
ignorarem as afinidades de Benjamin com o clima de protesto predo-
minante no grupo. Vale dizer que uma das características mais fla-
grantes do expressionismo é, exatamente, a ausência de uma linha
única de atuação, sendo o movimento marcado, do começo ao fim,
pela pluralidade de tendências e opções políticas as mais diversas.26
25 BENJAMIN, Walter apud SCHOLEM, Gershom. Op. cit., p. 24.
26 A esse respeito, é bastante elucidativo o debate que reúne autores como Bloch, Lukács,
Brecht, Benjamin e Adorno, e discute, retrospectivamente, a relação entre a estética e a
política no contexto das vanguardas artísticas no início do século passado. Cf. ADORNO,
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
157
Tanto é assim que, mais tarde, ao se referir ao contexto do início da
década de 20, Furness chama atenção para o vínculo do expressionismo
alemão com os movimentos políticos de esquerda, sobretudo, o Co-
munismo. No entanto, ele avisa: “Mas deve-se lembrar que o anseio
por uma nova sociedade, um novo objetivo, um novo homem também se
imbrica com o programa do Nacional-Socialismo. A ênfase no
vitalismo, no irracional e no visionário também é encontrada no fas-
cismo.”27
Em todo caso, ainda na década de 10, o termo Aufbruch (parti-
da, surgimento, recomeço ou despertar) traduz bem a expectativa de
transição para uma nova era, tanto por parte dos que estão do lado da
modernização, quanto daqueles que estão contra ela. Palavra de ordem
da época, o “despertar” caracteriza o que o Benjamin chama, ainda no
livro do Barroco, de “decadência produtiva” preparatória de uma nova
fase. Furness resume: “Em toda parte o apelo é pela auto-expressão. As
artes estão prontas para um novo começo, uma nova partida ou Aufbruch
e o expressionismo parece um arauto adequado para o novo século.”28
Kracauer observa: “no sentido pleno em que foi usado, [Aufbruch] sig-
nificava ‘saída do mundo sombrio de ontem em direção a um amanhã
construído com base em concepções revolucionárias’.”29 Implícita ou
explicitamente, a remissão ao termo pelas obras visionárias do Expres-
sionismo cumpre a função de anunciar para uma humanidade “suici-
da”, o evangelho de uma nova era de fraternidade.30 Como exemplo,
Theodor et al. Aesthetics and Politics. London; New York: Verso, 2007; MACHADO, Carlos
Eduardo J. Um capítulo da história da modernidade estética: Debate sobre o Expressionismo. São
Paulo: Ed. Unesp, 1998; e LLOYD, Jill. German Expressionism: primitivism and modernity. New
Haven: Yale University Press, 1991.
27 FURNESS, R. S. Expressionismo, op. cit., p. 101 (grifos nossos).
28 Ibidem, p. 26.
29 KURTZ apud KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema
alemão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p. 53.
30 KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema alemão, op.
cit., p. 53.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
158
vários periódicos lançados reforçam, com vigor, a aposta no “novo” –
aliás, típica da época: A tempestade. A Ação. A Partida. O Novo Pathos. A
Nova Arte. Nova Juventude. A Jovem Alemanha. Que se acrescente: a
primeira antologia de poesia expressionista é organizada por Kurt
Pinthus em 1919, sob um título que se tornaria não menos
emblemático do período: Menschheitsdämmerung.31 O duplo sentido da
palavra Dämmerung (aurora ou crepúsculo) aponta para uma ambigüi-
dade, sem dúvida, fundamental para a compreensão do “espírito”
expressionista: surgimento ou ocaso da humanidade (Menschheit)? O
prefácio da obra esclarece: “A poesia de nosso tempo é fim e ao mesmo
tempo início.” E explica: “Vocês, jovens, que crescerão numa humani-
dade mais livre, não sigam estes [os poetas da antologia], cujo destino
foi viver na terrível consciência do ocaso em meio a uma humanidade
perdida, desesperançosa, e ao mesmo tempo ter a missão de conservar
a crença no que há de bom, de futuro, de divino, no que brota das
profundezas do homem!”32
4.3. A constelação do sonho, da loucura e do mito
O tom geral da declaração ressoa um certo pathos nietzschiano
claramente perceptível no arrebatamento juvenil tão peculiar ao Ex-
pressionismo. Ao lado de Strindberg, o filósofo antecipa a atitude
expressionista em mais de um aspecto: o repúdio aos cânones; o anún-
cio do ocaso; o além-do-homem (Übermensch); a transvaloração dos va-
lores; o êxtase dionisíaco; a exaltação do mito. A despeito de suas
múltiplas nuances, são todas marcas registradas de uma geração que
descobre, entre os vários espectros da loucura, uma de suas experiên-
cias-limite mais intensas – que se recorde que o culto a “loucos” famo-
sos como Hölderlin, Strindberg e o próprio Nietzsche era bastante
31 Em português, Aurora (ou crepúsculo) da humanidade.
32 PINTHUS, Kurt apud CAVALCANTI, Cláudia (Org.). Poesia expressionista alemã: uma antolo-
gia. São Paulo: Estação Liberdade, 2000, p. 24.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
159
popular na época. De forma análoga à noção benjaminiana do “limiar”
(Schwelle) – e do próprio sonho –, a ênfase nos estados psicológicos
extremos – ou até patológicos – põe em evidência tanto a rejeição
pelas formas ditas normais do pensar e do sentir, quanto ainda a vir-
tual insanidade subjacente aos padrões sociais. Daí a afirmação de
Edschmid: “o expressionista não vê, tem visões.”33 Assinado por Hoddis,
Der Visionarr, por exemplo, aponta para a representação do louco como
negação por excelência de uma certa “razão burguesa” cristalizada nas
instituições guilherminas. Vale destacar o neologismo que dá título
ao poema. Em alemão, Visionär equivale a “visionário”, enquanto Narr
significa “louco”. Ele diz: “Lâmpada, não esquente./ Da parede saiu
um braço magro de mulher./ Era pálido e tinha veias azuis./ Os dedos
estavam carregados de preciosos anéis./ Quando beijei a mão, assustei-
me:/ Estava viva e quente./ Arranhou-me o rosto./ Peguei uma faca de
cozinha e cortei algumas veias./ Um grande gato lambeu graciosa-
mente o sangue do chão./ Entretanto um homem de cabelos arrepia-
dos subiu/ Por um cabo da vassoura encostado à parede.”34 Não é
gratuito que as alucinações tangenciem um outro motivo igualmente
significativo para a sensibilidade da época: o das “imagens oníricas”.35
Tanto que a recém-publicada teoria freudiana da interpretação dos
sonhos dedica um capítulo inteiro à análise do “parentesco subjacente”
entre os chamados distúrbios mentais e os sonhos. Freud cita: “Kant
escreve em algum ponto de sua obra: ‘o louco é um sonhador acorda-
do.’ Krauss declara que ‘a insanidade é um sonho sonhado enquanto os
sentidos estão despertos.’ Schopenhauer chama os sonhos de loucura
breve e, à loucura, de sonho longo. Hagen descreve o delírio como
33 Cf. LOTTE, Eisner. A tela demoníaca. São Paulo: Paz e Terra, 1985.
34 HODDIS, Jakob apud CALVALCANTI, Cláudia. Op. cit., p. 120-1. Em Portugal, o título do
poema é traduzido como “Visiotário” por João Barrento, sendo a mesma “solução” adotada
também pela edição brasileira assinada por Cláudia Cavalcanti.
35 Que se recorde o sentido das “imagens oníricas” como propedêutica para a teoria benja-
miniana das “imagens dialéticas”, conforme desenvolvido nas Passagens. Cf. BENJAMIN, Walter.
“Exposé de 1935” e “Arquivo N”, In: Passagens, op. cit.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
160
uma vida onírica que é induzida não pelo sono mas pela doença.” Com
base em Wundt, Freud ainda insiste: “nós mesmos, de fato, podemos
experimentar nos sonhos quase todos os fenômenos encontrados nos
manicômios.”36
De qualquer forma, se entre os artistas expressionistas o onírico
responde pela projeção de uma subjetividade instável modulada pela
distorção dos estados extremos, no Barroco benjaminiano, o sonho é o
fundamento ontológico da meditação principesca, não raro, associada
aos vapores da bílis negra. Conforme Shakespeare e Calderón insistem
em repetir, a constelação do sonho abriga a essência mesma não só do
teatro como da própria vida. Retomada pela dramaturgia moderna, a
revelação encontra em Strindberg um de seus mais eloqüentes porta-
vozes. Dando prosseguimento à trilogia onírica representada por “O
caminho de Damasco”, o autor traz para o palco “a desconexa – ainda
que aparentemente lógica – forma dos sonhos.”37 Até certo ponto fiel
à “cultura barroca”, no prefácio da peça “O Sonho” ele pondera: “Já
que os sonhos são, via de regra, preenchidos por dor – e menos fre-
qüentemente por alegria – uma nota de melancolia atravessa toda a
história.” E acrescenta: “O sono, o libertador, não raro aparece como
um torturador; mas quando a agonia é mais opressiva, o despertar
resgata o sofredor e o reconcilia com a realidade.”38 Adorno, porém,
sugere algo diferente. Em Minima Moralia, ele escreve: “Quando des-
pertamos no meio de um sonho, mesmo que seja dos piores, ficamos
decepcionados e temos a impressão de termos sido enganados quanto
ao melhor.”39 E continua: “Mas sonhos felizes, bem-sucedidos, a rigor,
há tão poucos quanto, nas palavras de Schubert, música alegre. Mesmo
o sonho mais belo encerra como uma mácula sua diferença da realida-
36 FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p. 111.
37 STRINDBERG, August. “A dream play”. In: Eight expressionist plays. New York: New York
University Press, 1972, p. 343.
38 STRINDBERG, August. “A dream play”, op. cit., p. 343.
39 ADORNO, Theodor. Minima Moralia. São Paulo: Ática, 1993, p. 97.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
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de, a consciência da mera aparência daquilo que ele proporciona.”40
Portanto, enquanto para Strindberg o despertar é tranqüilizador, já
que traz a chance da reconciliação com a vigília, para Adorno, ao con-
trário, ele é inseparável da angústia produzida pela consciência da
irrealidade do sonho.
Não obstante, ainda no contexto expressionista, este tema pode
ser abordado também a partir de uma terceira perspectiva: a do
surgimento ou despertar (Erwachen, Aufbruch) do mito. Razão pela
qual o resgate do tratamento nietzschiano do onírico é plausível como
desdobramento do mote calderonesco que defende: “a vida é sonho”.
Em A gaia ciência, Nietzsche resume: “Sonho e tenho de prosseguir
sonhando para não sucumbir: tal como o sonâmbulo tem de prosse-
guir o sonho para não cair por terra.”41 Ao contrário de Adorno, o
filósofo exalta a “consciência da aparência”, reconhecendo o caráter
irredutivelmente ilusório da realidade mesma. Como a figura de Prós-
pero, em Shakespeare, mais adiante ele afirma: “Tudo aqui é aparên-
cia, fogo-fátuo, dança de espíritos e nada mais.”42 Já na primeira grande
obra nietzschiana, O nascimento da tragédia, o sonho desempenha um
papel, sem dúvida, essencial. Neste primeiro uso do conceito, o regis-
tro do onírico se opõe ao da embriaguez (Rausch). Os princípios apolíneo
e dionisíaco são introduzidos como poderes que irrompem da própria
natureza, respectivamente como “mundo figural do sonho” ou como
“realidade inebriante”. O onírico (Apolo) e o extático (Dionísio) são
contextualizados, neste momento, como dois “estados artísticos ime-
diatos”. Justamente na tragédia antiga, Nietzsche identifica sua “uni-
dade com o fundo mais íntimo do mundo em uma imagem similiforme
[gleichnisartig] de sonho”.43 A partir da analogia onírica, ele antecipa o
40 Ibidem, p. 97.
41 NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 92.
42 Ibidem, p. 92.
43 NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia: ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1998, p. 32.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
162
aforismo 54 de A gaia ciência dizendo: “Isto é um sonho, mas quero
continuar sonhando!”44 Depois de apresentar a metade desperta da
vida como, de acordo com o senso comum, a preferível de ser vivida, o
filósofo sustenta precisamente o oposto no tocante ao sonho. Como
mostra Assoun: “ao invés de o sonho constituir, enquanto aparência,
um menor grau de ser em relação à realidade, ele exprime, segundo
Nietzsche, sua essência (...), o núcleo da verdade em torno do qual
gravita a realidade humana.”45 Ele indica, ainda, a retomada da oposi-
ção entre o apolíneo e o dionisíaco pelo último Nietzsche. Em sua
definição derradeira, o sonho é apresentado como “a forma representa-
tiva, na escala cotidiana, da compulsão à visão (Zwang zur Vision) que
deriva da forma apolínea de expressão.”46 Com efeito, se a aparência
(Schein) onírica é tomada como “princípio estético” em O nascimento da
tragédia e “índice de desrealização ontológica” em A gaia ciência, em
Assim falou Zaratustra ela adquire o status de “modo de ser da verdade”
– isto é, uma das formas da profecia. Em “Dos três males”, Nietzsche
escreve: “Em sonho, achava-me em pé, num promontório – além do
mundo, segurando uma balança e pesando o mundo.”47 Meio “embar-
cação”, meio “lufada de vento”, o sonho é o recurso de que se vale o
filósofo para melhor medir ou decifrar o mundo. Tanto que Zaratustra
fala do sonho como de um princípio rigorosamente construtivo. Atri-
buindo-lhe o valor de modelo, ele se propõe a imitá-lo em pleno dia.
Para o profeta, o que o sonhador faz, o homem desperto deve saber
fazer: “eis por que o sonho será uma das línguas do novo evangelho.”48
No limite, a valorização da lógica do sonho como princípio de
conduta é, apesar de tudo, um dos fatores que explicam a apropriação
44 Ibidem, p. 39.
45 ASSOUN, Paul-Laurent. “O sonho e o simbolismo”. In: Freud e Nietzsche: semelhanças e
dessemelhanças. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 206.
46 Ibidem, p. 219.
47 NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra, op. cit., p. 224.
48 Ibidem, p. 218.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
163
das idéias nietzschianas pela propaganda nazista.49 Em referência aos
anos de 1918 e 1919, Scholem mesmo comenta: “muitas vezes, para
minha completa surpresa, havia nas suas palavras [de Benjamin] um
forte traço nietzschiano.”50 Mais adiante, ele acrescenta: “naquele tempo,
Benjamin também falava muito sobre Nietzsche em seu período fi-
nal.”51 Essa influência pode ser comprovada pelas remissões ao filóso-
fo, nos dois únicos trabalhos acadêmicos que Benjamin escreve: sua
tese de doutoramento e o Trauespiel-Buch. Precisamente neste último,
a admiração do jovem Benjamin cede lugar a uma crítica aguda da
ideologia. Ela é esboçada, pela primeira vez, num ensaio de 1916,
Trauerspiel e Tragédia”, reaparecendo mais tarde no livro do Barroco.
Sem exagero, o motivo da ruptura de Benjamin com o pensamento
nietzschiano – tão bem recebido pela juventude pré-hitlerista – é es-
sencialmente o mesmo que o afasta, tanto do idealismo alemão quanto
do próprio Expressionismo: sua opção pelo mito, isto é, pelo
adormecimento. Como mostram Nancy e Labarthe, “a potência mítica
é propriamente a do sonho.”52 Neste sentido, a antítese entre o sono e
a vigília é análoga à contraposição benjaminiana entre o mito e a his-
tória. Ao criticar a postura de Nietzsche, Benjamin se justifica: “Quando
a arte ocupa na existência uma posição tão central que os homens são
vistos como sua manifestação, e não como seu fundamento, podemos
dizer que não há mais base para a reflexão racional.”53 Este, aliás, é o
49 Não é demais insistir que a polêmica aproximação entre o pensamento nietzschiano e a
ideologia nazista ocorre à revelia do próprio autor, por iniciativa de sua irmã Elizabeth
Förster-Nietzsche. A esse respeito, cf. MONTINARI, Mazzimo. “Interpretações nazistas”. Ca-
dernos Nietzsche, São Paulo: GEN, n. 7, , p. 55-77, set. 1999 e MARTON, Scarlett. “Desfigu-
rações e desvios”. In: Nietzsche na Alemanha. São Paulo: Discurso; Ijuí/RS: Ed. Unijuí, 2005,
p. 13-49.
50 SCHOLEM, Gershom. Walter Benjamin: a história de uma amizade, op. cit., p. 63.
51 Ibidem, p. 69.
52 Sobre o papel de um certo “despertar mítico” na constituição da ideologia nacional-
socialista, cf. LACOUE-LABARTHE, Philippe; NANCY, Jean-Luc. O mito nazista. São Paulo:
Iluminuras, 2002, p. 49-50.
53 BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão, op. cit., p. 126.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
164
pressuposto de sua argumentação contra o irracionalismo inerente à
exaltação da vida como princípio meramente estético. Chaves susten-
ta: “a guerra colocou, sem dúvida, para Benjamin, a questão ou
do mito ou da história.” E continua: “Escolher o ‘mito’ significaria
escolher a barbárie e correr, com o Zaratustra na mochila, para os cam-
pos de batalha. Escolher a ‘história’ significaria encontrar um instru-
mento de crítica, cortante o suficiente para contrapor-se às forças do
mito.”54 Afastando-se do vitalismo do Movimento da Juventude
(Jungendbewegung) de Gustav Wyneken, Benjamin se dá conta do po-
tencial destrutivo de um certo “misticismo bélico”, subjacente à cam-
panha em favor da guerra. Willi Bolle adverte: “A juventude, que era
a menina dos olhos da sociedade, ‘essa criança mimada por todos os
partidos políticos e pelas corporações’, era destinada a ser sacrificada
nos campos de batalha.”55 Ainda em 1914, o próprio Benjamin chega
a se apresentar como voluntário ao serviço militar, mudando imedia-
tamente de idéia após a notícia da morte do amigo Fritz Heinle.56 Seja
como for, anos mais tarde ele mesmo ressaltaria: “A guerra como abs-
tração metafísica, professada pelo novo nacionalismo, é unicamente a
tentativa de dissolver na técnica, de modo místico e imediato, o segre-
do de uma natureza concebida em termos idealistas.”57 De extração
nietzschiana, a constelação esteticismo-idealismo-nacionalismo encon-
tra na arte futurista de Boccioni e Marinetti uma de suas manifesta-
ções mais extremas.58 Exatamente por isso, Benjamin chama atenção
54 CHAVES, Ernani. Mito e história: um estudo da recepção de Nietzsche em Walter Benjamin, op.
cit., p. 140.
55 BOLLE, Willi. Tableaux Berlinois: Walter Benjamin e a cultura da República de Weimar, op.
cit., p. 7.
56 Sobre outros detalhes relativos à convocação e dispensa de Benjamin do serviço militar
cf. SCHOLEM, Gershom. Op. cit., p. 20.
57 BENJAMIN, Walter. “Teorias do fascismo alemão”. In: Obras escolhidas I, op. cit., p. 70.
58 Marinetti, por exemplo, insiste: “Nós futuristas contestamos a afirmação de que a guerra
é anti-estética.” Ele argumenta: “a guerra é bela, porque inaugura a metalização onírica do
corpo humano. A guerra é bela, porque enriquece um prado florido com as orquídeas de
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
165
para a “apoteose fascista da guerra” e denuncia uma certa “arte pela
arte” implícita na celebração apologética da técnica. Ele é enfático:
Todos os esforços para estetizar a política convergem para um único ponto. Esse
ponto é a guerra.”59 Ora, o que o último Benjamin repudia na “estetiza-
ção da política” coincide, em linhas gerais, com o que o jovem Benja-
min censura na independência do trágico em relação ao ethos: a
autonomia do mito em relação à história – ou ainda, nos termos do
Passagen-Werk, a primazia do sonho sobre as “instâncias do despertar”.
4.4. Sonambulismo pré-hitlerista
De certa forma, a crítica do sonho como irracionalismo ou “sono
da razão” se mostra particularmente significativa nas vicissitudes que
envolvem a produção de um dos grandes marcos do cinema
expressionista alemão: “O Gabinete do Doutor Caligari”.60 Este “con-
fogo das metralhadoras. A guerra é bela, porque conjuga numa sinfonia de tiros de fuzil, os
canhoneiros, as pausas entre dus batalhas, os perfumes e os odores de decomposição. A
guerra é bela, porque cria novas arquiteturas, como a dos grandes tanques, dos esquadrões
aéreos em formação geométrica, das espirais de fumaça pairando sobre aldeias incendiadas.
Poetas e artistas do futurismo, lembrai-vos desses princípios de uma estética da guerra, para
que eles iluminem vossa luta por uma nova poesia e uma nova escultura!” MARINETTI apud
BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, op. cit., p.
195-6 (grifos nossos).
59 BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, op. cit.,
p. 195.
60 Cf. O GABINETE DO DR. CALIGARI. Direção: Robert Wiene, 1919. São Paulo: Continental.
1 DVD (52 min). Preto e branco. Legendado. Tradução de Das Kabinet des Dr. Caligari. A
análise a seguir é articulada com base na argumentação de Siegfried Kracauer em De Caligari
a Hitler: uma história psicológica do cinema alemão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. Que se
recorde que Kracauer e Benjamin eram amigos – Adorno, por sinal, foi apresentado a este
último por intermédio do colega. Prova da significativa afinidade entre os dois, são as
diversas menções à “biografia social” de Jacques Offenbach nas Passagens. Nessa obra, Kracauer
apresenta o gênero da opereta do século XIX como o protótipo da instituição do cinema. Cf.
KRACAUER, Siegfried. Jacques Offenbach und das Paris seiner Zeit apud BENJAMIN, Walter. The
Arcades Project. Boston: Harvard University Press, 2002, p. 110, 142, 438-9, 508, 510,
536, 600, 732, 743, 770, 965. Sobre o relacionamento pessoal e intelectual entre os dois
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
166
to inspirado em Hoffmann” é concebido pelos amigos Hans Janowitz
e Carl Mayer, que vislumbram no cinema um instrumento catalizador
de poderosas revelações poéticas.61 Mais tarde, o próprio Benjamin
chamaria atenção para as “verdadeiras possibilidades” das películas
cinematográficas ao ingressarem em um contexto “pós-aurático” eman-
cipado do ritual e marcado por sua indelével reprodutibilidade. Ele
escreve: “O filme serve para exercitar o homem nas novas percepções e
reações exigidas por um aparelho técnico cujo papel cresce cada vez
mais em sua vida cotidiana.”62 Em todo caso, sob a perspectiva estrita-
mente mercadológica das grandes produtoras, o aspecto “artístico”
das montagens é, no fundo, apenas um pretexto. Para Erich Pommer,
diretor da Decla-Bioscop, o roteiro de Caligari acena, antes de mais
nada, com a oportunidade de conciliar o entretenimento esteticamen-
te qualificado com o sucesso no mundo do business. Fonte de lucro
comercial e, simultaneamente, veículo de propaganda política, o cinema
recebe, por isso, um enorme volume de investimentos durante o pós-
autores, cf. BENJAMIN, Walter. Briefe an Siegfied Kracauer. Marbach: Deutsches Literatur-
Archiv, 1987; JAY, Martin. Permanent Exiles: Essays on the Intellectual Migration from Germany
to America. New York: Columbia University Press, 1985 e MICHAEL, Klaus. “Vor dem Café:
Walter Benjamin und Siegfried Kracauer in Marseille”. In: OPITZ, Michael & WIZISLA,
Erdmut (Org.). Aber ein Sturm weht vom Paradise her: Texte zu Walter Benjmain. Leipzig:
Reclam, 1992, p. 203-21. Para uma análise comparativa entre a crítica da cultura sob a
perspectiva de Kracauer e a de Benjamin, cf. ainda HANSEN, Miriam. “Estados Unidos,
Paris, Alpes: Kracauer (e Benjamin) sobre o cinema e a modernidade”. In: CHARNEY, Leo &
SCHWARTZ, Vanessa (Org.). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac Naify,
1998, p. 405-50.
61 De acordo com suas indicações, o cenário do filme deveria ser executado pelo conterrâneo
Alfred Kubin (escritor, pintor e ilustrador, na época considerado um dos mais expressivos
artistas radicais de Praga) – “cidade onde a realidade se funde com os sonhos, e os sonhos se
transformam em visões de horror”, nas palavras do próprio Kracauer. Cf. KRACAUER, Siegfried.
De Caligari a Hitler, op. cit., p. 78. Kafka, vale lembrar, é outro renomado praguense. Não
é casual que Michael Löwy se refira a ele como “o sonhador insubmisso”. Cf. LÖWY, Michael.
Franz Kafka: o sonhador insubmisso. Rio de Janeiro: Azougue, 2005.
62 Cf. BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, op.
cit., p. 174.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
167
guerra alemão.63 Diante da avalanche de filmes antigermânicos exibi-
dos no exterior, as autoridades respondem com o incremento da pro-
dução nacional, apostando em filmes capazes de alinhar a opinião
pública com seus interesses estratégicos – econômicos, mas também
políticos. Kracauer observa que nenhuma consideração por sentimen-
tos populares influenciou as decisões em favor de uma campanha cine-
matográfica na Alemanha: ditada pelas necessidades da guerra, ela se
baseou exclusivamente nos argumentos dos especialistas.64 Assim, a
UFA (Universum Films G. A) é fundada em 1917, a partir da associação
de um eminente grupo de banqueiros, industriais e armadores. Que se
note que mais de um terço das ações é de propriedade de um único
acionista – o próprio Reich. Kracauer chama atenção: “a gênese da
UFA testemunha o caráter autoritário da Alemanha imperial.”65
Ironicamente, o repúdio à autoridade é um dos aspectos mais
marcantes do primeiro roteiro de O Gabinete do Doutor Caligari – resul-
tado da parceria de um “pacifista ferrenho” (Janowitz) com um crítico
contudente dos abusos da psiquiatria (Mayer). Anos mais tarde,
Janowitz explicaria a conexão entre a personagem de Caligari e “o
grande poder autoritário de um governo que odiávamos, e que nos
havia forçado a prestar juramento, impondo o alistamento obrigatório
àqueles que se opunham a seus objetivos bélicos.”66 Apesar do protes-
to dos autores, o projeto é, no fim, grosseiramente adulterado. Na
prática, a inserção de um prólogo e de um epílogo confere à história
63 “Em seu discurso final durante o julgamento de Nuremberg, Albert Speer declararia: ‘A
ditadura de Hitler foi a primeira ditadura de um Estado industrial, uma ditadura que, para
dominar seu povo, serviu-se com perfeição de todos os meios técnicos... dito isto, não se
pode responsabilizar unicamente a personalidade de Hitler pelos acontecimentos crimino-
sos desses anos. A desmedida de seus crimes poderia também se explicar pelo fato de que, para cometê-
los, Hitler foi o primeiro a saber servir-se dos meios oferecidos pela técnica.’ O cinema foi um destes
meios.” VIRILIO, Paul. Guerra e cinema. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 137.
64 KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler, op. cit., p. 52.
65 Ibidem, p. 52.
66 Cf. ROBINSON, David. O Gabinete do Doutor Caligari. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 39.
Costelação dos sonhos.pmd 28-jul-2008, 15:06167
A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
168
original uma outra “moldura”, colocando a narrativa principal – e, por
extensão, a própria crítica do filme – “entre parênteses.” Original-
mente, a história tem início com a chegada do Doutor Caligari à pe-
quena cidade de Holstenwall. O roteiro de Mayer descreve sua
enigmática figura como “um velho de aparência espectral, com uma
capa escura esvoaçante e uma cartola. (...) As mãos, juntas nas costas,
seguram uma bengala. A cabeça lembra a de Schopenhauer.”67 Sob
forte influência gótica, Caligari encarna o papel do “cientista satâni-
co”.68 Apresentando um número popular numa barraca de feira, ele
comanda o show em que o empregado Cesare, em transe, prevê o futu-
ro, diante de uma platéia extasiada. Entretanto, uma série de assassi-
natos coloca o sonâmbulo sob suspeita. Ao investigar a misteriosa
identidade de Caligari, o jovem Francis descobre um diário onde o
cientista reporta suas verdadeiras intenções: “descobrir o segredo psi-
quiátrico da história de Calligaris – um lendário ocultista italiano do
século XI: ‘como um sonâmbulo pode se tornar apenas uma máquina
da morte mecânica para seu cliente.’” Na tela, aparecem os caracteres:
“Alucinação!!! [Zwangsvorstellungen]” Na seqüência seguinte, ele deli-
ra: “Você precisa se tornar Calligaris e mandar o sonâmbulo matar. Só
assim você pode servir à ciência!” O letreiro explica: “O infeliz pesqui-
sador foi assim possuído por sua obsessão e em seguida reconstituiu,
com o pedantismo típico dos cientistas, aquela historinha italiana.”
67 Ibidem, p. 22.
68 Confirmando seus traços góticos, nos Estados Unidos, por exemplo, o filme é anunciado
pela crítica como “uma página de Poe” (Motion Picture News) ou “uma história fantástica de
assassinato e loucura que Edgar Allan Poe poderia ter escrito” (New York Times). Cf. ROBINSON,
David. Op. cit., p. 62. Vale destacar ainda o parentesco do “sonâmbulo Cesare” com o
“boneco falante” de Hoffmann. Seu conto “Os autômatos”, por sinal, antecipa vários ele-
mentos que reaparecem no filme de Janowitz e Mayer. A começar por sua abertura: “O
‘Turco falante’ provocava sensação geral; sim, conseguia agitar a cidade inteira, pois jovens
e velhos, ricos e pobres afluíam da manhã à noite para ouvir os oráculos sussurados aos
curiosos pelos lábios hirtos da maravilhosa figura, simultaneamente morta e viva.” Cf.
HOFFMANN, E. T. A. “Os autômatos”. In: Contos fantásticos. Rio de Janeiro: Imago, 1993,
p. 85-112.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
169
Nessa primeira versão, Caligari é responsabilizado pelas mortes – exe-
cutadas por Cesare, sob seu comando – e, por isso, trancafiado como
louco na cela de um hospital psiquiátrico. O filme original se encerra-
ria com: “Aqui ficava o gabinete do Doutor Caligari. Paz para suas
vítimas. Paz para ele! A cidade de Holstenwall.”69 Como mostra
Kracauer, “o significado da história revela-se no final: a razão ultrapas-
sa o poder irracional, a autoridade insana é simbolicamente abolida.”70
Pelo menos, é o que Janowitz e Mayer têm em mente quando escre-
vem sua obra “revolucionária”. Kracauer destaca que a personagem de
Caligari – tal qual é concebida por seus autores – “exemplifica uma
autoridade ilimitada que idolatra o poder e que, para satisfazer sua
avidez pela dominação, viola cruelmente todos os direitos e valores
humanos.”71 Com base na experiência concreta dos seus criadores –
que vivem, de fato, os traumas da Primeira Guerra –, o objetivo do
filme é “retratar [através da figura de Cesare] o homem comum que,
sob pressão do serviço militar compulsório, é treinado para matar e ser
morto.”72 Em última instância, o “primeiro” Caligari denuncia a ma-
nipulação da juventude pelo alto comando militar amparado pela ciên-
cia – neste caso, representada pela psiquiatria. Ou ainda, dito de outra
forma, essa primeira versão mostra os jovens alemães dominados pelo
“sonho coletivo”, sob a tutela contra-revolucionária dos “intelectuais
mandarins” da época.
O filme pronto, contudo, narra uma história totalmente dife-
rente. Isso porque seu diretor, Robert Wiene, mantém o desfecho su-
gerido por Fritz Lang e inverte o conteúdo subversivo da película,
colocando-a a serviço exatamente daquilo que seus autores, em última
instância, pretendiam atacar: o delírio das autoridades. Depois de re-
69 ROBINSON, David. O Gabinete do Doutor Caligari, op. cit., p. 93.
70 KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler, op. cit., p. 82.
71 Ibidem, p. 82.
72 Ibidem, p. 82.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
170
feito, o filme se encerra com a comprovação da loucura, não do vetusto
Doutor, mas do jovem Francis – que de herói se converte em demente,
confinado e preso a uma camisa-de-força, em um manicômio. As últi-
mas palavras do diretor do hospital psiquiátrico – aliás, o próprio
Caligari – são precisamente as seguintes, de acordo com essa outra
versão: “Afinal, entendo sua ilusão. Ele me toma por aquele místico
Calligaris. E agora também sei o que fazer para curá-lo.”73 Segundo
Kracauer, a enorme discrepância entre a concepção do roteiro e sua
produção final corresponde, no limite, à reviravolta política que, anos
mais tarde, culminaria com a ascensão do Terceiro Reich na Alema-
nha. Não por acaso, seu ensaio identifica traços semelhantes entre a
figura de Caligari e a do próprio Hitler: “como o mundo nazista, o de
Caligari é abundante de sinistros presságios, atos de terror e explosões
de pânico. O normal como uma casa de loucos: a frustração não pode-
ria ser retratada de modo mais completo.”74 Ainda segundo ele, “o
filme reflete o duplo aspecto da vida alemã, ao acoplar uma realidade,
na qual a autoridade de Caligari triunfa, a uma alucinação em que esta
mesma autoridade é derrubada.”75 Remetido ao contexto da década de
20, o filme atende, pois, a um duplo propósito: desacreditar a legiti-
midade do protesto dos jovens “rebeldes” – tidos como loucos – e, ao
mesmo tempo, incitá-los a manter a postura essencialmente “lúcida”
de Caligari. Tanto que o cartaz de divulgação da película repete o
absurdo que, no roteiro original, corresponde textualmente ao delírio
de Caligari: “Você deve se tornar Caligari [Du musst Calligaris werden]!”
Se a versão de Janowitz e Mayer é movida pelo impulso da crítica ao
“sonambulismo tutelado” ou à “irracionalidade da razão”, a versão de
Weine contradiz seu “significado revolucionário”, promovendo exata-
mente a sua negação. Ou, nas palavras de Kracauer, colocando o senti-
do autêntico do filme como a própria história original: “entre aspas”.
73 ROBINSON, David. O Gabinete do Doutor Caligari, op. cit., p. 93.
74 KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler, op. cit., p. 90.
75 Ibidem, p. 84.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
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Ele constata: “Em Caligari, o Expressionismo parece não ser nada mais
do que a tradução adequada de uma fantasia de um louco em termos
pictóricos.”76 E pondera: “ao tornar o filme uma projeção externa de
eventos psicológicos, a representação expressionista simbolizou o en-
colhimento geral para dentro de uma concha que ocorreu na Alema-
nha no pós-guerra.”77 Ao fim e ao cabo, tanto quanto o infeliz “segundo”
Francis, o movimento parece ter sucumbido, de fato, ao estigma da
“doença”.78
4.5. Sonhadores definitivos
Não é fortuito que Iwan Goll formalize, cinco anos mais tarde,
a morte oficial do expressionismo, publicando sua homenagem póstu-
ma aos artistas, segundo ele, “doentes do tempo que os traiu”. Ele
escreve: “Reivindicação. Manifesto. Apelo. Atuação. Súplica. Êxtase.
O homem grita. (...) O Expressionismo foi uma bela, boa, grande
causa. Mas o resultado é, infelizmente, e sem culpa dos expressionistas,
a república alemã em 1920.”79 Quatro anos depois, Benjamin contra-
poria a situação alemã à francesa, abrindo seu ensaio sobre o Surrealismo
76 Ibidem, p. 86.
77 Ibidem, p. 87.
78 Tanto que, alguns anos mais tarde, o regime nazista realizaria a primeira exposição de
“arte degenerada” (Entartete Kunst) em Munique, em março de 1937. Em torno de 650
pinturas, esculturas, gravuras e livros foram expostos em onze cidades da Alemanha e Áus-
tria – e, em seguida, destruídos. A motivação de Hitler era erradicar a arte moderna,
desqualificando-a como “judaico-bolchevique”. Um dos recursos utilizados na defesa da
saúde como imperativo estético foi o absurdo posicionamento das obras de diversos artistas
expressionistas ao lado de fotografias de doentes mentais ou portadores de deficiências físi-
cas grotescas. Com isso, os organizadores do evento pretendiam apresentar suas obras como
signo da disfunção patológica dos seus autores, considerados “degenerados”. Cf. ARQUITE-
TURA DA DESTRUIÇÃO. Direção: Peter Cohen, 1992. São Paulo: Versátil. 1 DVD (121 min).
P&B e colorido. Legendado. Tradução de Untergangens Arkitektur.
79 GOLL, Iwan apud CAVALCANTI, Cláudia (Org.). Poesia expressionista alemã: uma antologia,
op. cit., p. 33.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
172
com a seguinte metáfora: “O crítico pode instalar nas correntes espiri-
tuais uma espécie de usina geradora quando elas atingem um declive
suficientemente íngreme. No caso do surrealismo, esse declive corres-
ponde à diferença de nível entre a Alemanha e a França.”80 Se o fim da
Primeira Guerra coincide com o esgotamento da força vital dos
expressionistas na Alemanha, na França, ao contrário, ele cataliza a
gênese de um acontecimento da maior importância, não só artística: o
Surrealismo.81 Como seus próprios integrantes fazem questão de
enfatizar, o movimento não constitui nem uma “escola artística”, nem
um “modo de expressão”, nem uma “metapoesia”, mas, sim, “um meio
de liberação total do espírito”.82 André Breton provoca: “O Surrealismo
é uma força de oposição absoluta? Ou um conjunto de proposições
puramente teóricas? Ou um sistema alicerçado na confusão de todos
os planos? Ou a primeira pedra do edifício social?”83 Deliberadamente,
ele evita uma resposta. Seu Manifesto de 1924, contudo, define
categorialmente o Surrealismo como “automatismo psíquico em esta-
do puro, mediante o qual se propõe exprimir (...) o funcionamento do
pensamento.”84 Logo em seguida, ele acrescenta: “O Surrealismo ba-
seia-se na crença da realidade superior de certas formas de associações
até aqui negligenciadas, na onipotência do sonho, no jogo desinteres-
sado do pensamento.”85 Chamando o homem de “sonhador definiti-
vo”, Breton critica a hegemonia do “reino da lógica”, concluindo pela
80 BENJAMIN, Walter. “O Surrealismo: o último instantâneo da inteligência européia”. In:
Obras Escolhidas I, op. cit., p. 21.
81 Nas Passagens, Benjamin observa: “O pai do surrealismo foi o Dadá; a mãe foi uma
passagem. Dadá já era velho quando os dois se conheceram. No final de 1919, Aragon e
Breton, por antipatia a Montparnasse e Montmartre, transferiram seus encontros com ami-
gos para um café na Passage de l’Opéra. A construção do Boulevard Haussmann foi o seu
fim.” BENJAMIN, Walter. “Arquivo C”. In: Passagens, op. cit., p. 121.
82 QUENEAU, Raymond apud NADEAU, Maurice. História do surrealismo. São Paulo: Perspec-
tiva, 1985, p. 68.
83 NADEAU, Maurice. História do surrealismo, op. cit., p. 74.
84 BRETON, André. Manifestos do Surrealismo. Rio de Janeiro: Nau, 2001, p. 40.
85 Ibidem, p. 40.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
173
incapacidade do “racionalismo absoluto” em responder às questões, de
fato, relevantes. Para isso, ele convoca a imaginação – segundo o poe-
ta, a única instância “capaz de mostrar aquilo que pode ser”. Ele desafia:
“Quando teremos lógicos e filósofos dormentes?”86 E avisa: “Não é o
temor da loucura que nos obrigará a deixar a bandeira da imaginação
a meio pau.”87 Guiado por Freud e Sade, Breton se lança ao abismo do
inconsciente. Atento à virtual fecundidade do desejo e dos sonhos, prin-
cipalmente, ele se justifica: “Se as profundezas de nossa mente alber-
gam estranhos poderes, capazes de aumentar as forças da superfície ou
de lutar vitoriosamente contra elas, é do maior interesse capturá-los.”88
Admitindo espanto pelo descaso com que essa parte tão significativa
da atividade psíquica usualmente é tratada pelo observador mediano,
ele reconhece: “cumpre sermos gratos às descobertas de Freud.”89 Su-
postamente familiarizado com os métodos psicanalíticos, Breton teria
chegado ao ponto de formular o que chama de pensamento falado:
“um monólogo enunciado o mais depressa possível, sobre o qual o
espírito crítico de quem o faz se abstém de emitir qualquer juízo.”90
Adorno, por exemplo, chama atenção para a confusão do poeta quanto
ao sentido que as “associações livres” adquirem para Freud e para ele
mesmo, Breton. E observa: “No mundo dos detritos do Surrealismo,
não vem à tona o em si do inconsciente. Se ele tomasse como medida
sua relação com o inconsciente, os símbolos apareceriam como algo
racional demais.”91 Não por acaso, a recepção de A interpretação dos
sonhos mostra que o próprio Freud se ressente pelo pouco crédito con-
ferido ao trabalho pelos meios mais respeitados por ele. Para sua com-
86 Ibidem, p. 25.
87 Ibidem, p. 18.
88 Ibidem, p. 23-4.
89 Ibidem, p. 23.
90 Ibidem, p. 37.
91 ADORNO, Theodor. “Revendo o Surrealismo”. In: Notas de Literatura I. São Paulo: Ed. 34,
2003, p. 137.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
174
pleta surpresa, no entanto, o reconhecimento imediato vem, ironica-
mente, dos círculos – artísticos, literários ou filosóficos – aos quais o
autor não atribui qualquer importância especial. Em relação a este
mal-entendido, Roudinesco cita especificamente o caso da recepção
pelo movimento surrealista na França. Ela observa: “Freud nunca com-
preendeu, como é atestado sobretudo pelo relato da visita que lhe foi
feita por André Breton em 1921, o sentido da ‘revolução surrealista’,
para a qual A interpretação dos sonhos constituiu um breviário, emblema
da ‘revolução freudiana’.”92 Adorno detecta consideráveis distorções
na apropriação surrealista da teoria psicanalítica. Ele pondera: “Ne-
nhuma arte tem obrigação de entender a si mesma.”93 Exatamente por
isso, o filósofo autoriza uma certa desobediência em relação às concep-
ções programáticas, elaboradas tanto pelos próprios divulgadores do
movimento, quanto por seus comentadores e epígonos. Ele explica:
“Nivelar o Surrealismo com a teoria psicológica do sonho é já submetê-
lo à vergonha de ser tomado como algo oficial.”94 Censurando a tão
freqüente remissão às categorias freudianas, Adorno sugere que as obras
surrealistas sejam consideradas, no limite, como “análogas ao sonho”.
De qualquer forma, Pierre Reverdy não hesita em alardear a
inextrincável complementariedade entre os estados do sono e da vigí-
lia – imanência, aliás, aceita e reverenciada por todo o grupo: “O so-
nho e o pensamento são dois lados diferentes de uma mesma coisa – o
reverso e o anverso, o sonho constituindo o lado em que a trama é mais
rica, porém mais frouxa; o pensamento, aquele em que a trama é mais
sóbria, porém mais apertada.”95 Ao que tudo indica, Breton está de
acordo: “Eu creio que, no futuro, será possível reduzir estes dois esta-
dos aparentemente tão contraditórios, que são o sonho e a realidade, a
92 ROUDINESCO, Elizabeth. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998,
p. 396.
93 ADORNO, Theodor. “Revendo o Surrealismo”, op. cit., p. 135.
94 Ibidem, p. 136.
95 REVERDY, Pierre apud NADEAU, Maurice. História do surrealismo, op. cit., p. 60.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
175
uma espécie de realidade absoluta, de sobre-realidade (Surréalité).”96
Em Une vague de rêves, Aragon compara o que chama de “epidemia de
sonhos” com uma onda gigante que se abate sobre os surrealistas, dei-
xando-os como se estivessem “afogados ao ar livre”. Suas sessões de
“sonhos falados”, a propósito, ilustram bem os efeitos deste não pouco
estranho “fenômeno natural”. Nestes encontros, artistas como Crevel,
Péret e Desnos falam, redigem e desenham como “verdadeiros autô-
matos”. Inspirado por um certo “frenesi profético”, Desnos, por
exemplo, não teria necessidade nem de dormir para sonhar e narrar
seus sonhos. Ao se referir à tal época, Breton conta que o amigo era,
não raro, possuído pela personalidade do “ser vivente mais infixável”
que existe: Marcel Duchamp. Ele ainda chama atenção para o “valor
absoluto de oráculo que isso adquiria”.97 Atribuindo ao “limiar” do
adormecimento a chance de acesso a um “grau de consciência mais
elevado”, Breton chega mesmo a anunciar: “A voz surrealista que sa-
cudia Cumas, Dodona e Delfos é exatamente a mesma que me dita os
menos iracundos dos discursos que profiro.”98 Vale dizer que, não
obstante o propalado conhecimento psicanalítico, sua declaração passa
ao largo de toda a teoria freudiana que admite o sonho como realização
de um desejo – atestando, no mínimo, sua radical ambivalência em
relação a ela. Por isso, ainda que Freud seja usualmente reconhecido
como influência decisiva para a elaboração de algo como uma doutrina
surrealista do sonho, em última instância, as idéias do grupo oscilam
em torno de variações, mais ou menos uniformes, entre as concepções
1) poética – sonho como fonte de inspiração; 2) antiga ou não-cientí-
fica – sonho como revelação profética ou modo de apresentação da
96 BRETON, André. Manifestos do Surrealismo, op. cit., p. 28. Confirmando o caráter “produ-
tivo” atribuído ao sonho, Breton conta que o poeta Saint-Pol-Roux, antes de adormecer,
não deixa de afixar um aviso à porta: “o poeta está trabalhando.” O comentário, por sinal, é
citado por Benjamin em seu ensaio sobre o Surrealismo. Ver BENJAMIN, Walter. “O
surrealismo: o último instantâneo da inteligência européia”, op. cit., p. 22-3.
97 BRETON, André. Nadja. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 34.
98 BRETON, André. Manifestos do surrealismo, op. cit., p. 61.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
176
verdade; 3) ou mesmo junguiana – sonho como manifestação dos ar-
quétipos míticos.
4.6. Desejo de vidência
Seja como for, é bem conhecida a carta em que Benjamin conta
a Adorno suas primeiras impressões sobre a obra que, sem sombra de
dúvida, motiva a redação do hoje famoso Passagen-Werk: “No começo
há Aragon, O camponês de Paris, livro do qual eu não podia ler mais do
que duas ou três páginas à noite, na cama, meu coração batendo tão
forte que me fazia deixá-lo de lado.”99 Tendo visitado o amigo precisa-
mente no verão de 1927, em Paris, Scholem desvenda a origem de seu
“interesse ardente” pelo Surrealismo: “[Benjamin] lia as revistas em
que Aragon e Breton proclamavam algumas idéias que, em um certo
sentido, vinham ao encontro de sua própria experiência mais profun-
da.”100 Ainda segundo ele, sua leitura teria catalizado um certo núme-
ro de coisas que tinham irrompido nele mesmo, Benjamin, no decorrer
dos anos precedentes. A linguagem predominantemente imagética, a
concepção de objeto surrealista e o modo de exibição baseado na técni-
ca da colagem são, pelo menos, três motivos que justificam, em parte,
a identificação do filósofo com o grupo francês. Que se note que todos
eles tangenciam a dimensão onírica, sem – no caso específico de Ben-
jamin – se restringir a ela. De acordo com Scholem, o filósofo busca
trasladar para o registro da disciplina intelectual mais ou menos aqui-
lo que a imaginação surrealista extrai das formas antitéticas produzi-
das pelas “explosões” inconscientes. Aragon é, neste caso, um bom
modelo. Ao contrário de Breton, ele esgarça as fronteiras da consciência,
partindo não da teoria psicanalítica, mas de uma certa inversão poética
99 BENJAMIN, Walter. Correspondance, II (1929-1940). Paris: Aubier-Montaigne, 1970 apud
ARAGON, Louis. O camponês de Paris. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 25-6.
100 SCHOLEM, Gershom apud LÖWY, Michael. A estrela da manhã: surrealismo e marxismo. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 40.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
177
do cartesianismo. Ele escreve: “Meu problema é a metafísica. E não a
loucura. E não a razão.”101 Não é casual que Fürnkäs, por exemplo,
chame o “Prefácio para uma mitologia moderna” de “paródia da me-
ditação cartesiana.”102 Ao proclamar a precariedade dos meios dialéticos,
a “premissa gnoseológica” de Aragon põe em xeque o cânone racionalista
tão odiado por ele: “não quero mais me abster dos erros de meus de-
dos, dos erros de meus olhos. Sei agora que eles não são armadilhas
grosseiras, mas sim curiosos caminhos em direção a um objetivo que
nada, além deles, pode me revelar.”103
Enquanto Descartes, guiado pelo cogito, é movido pelo “desejo
de evidência”, os surrealistas, incentivados pela imaginação, percor-
rem o caminho inverso: seu desejo é, antes, o da “vidência”.104 Tanto
que a apropriação da imagem como via de acesso a uma “realidade
absoluta” ou “sobre-realidade” (Surréalité) é um dos artifícios mais uti-
lizados por eles. Reverdy explica: “A imagem é uma criação pura do
espírito. Ela não pode nascer de uma comparação, mas da aproximação
de duas realidades mais ou menos afastadas.” E continua: “Quanto
mais as relações das duas realidades aproximadas forem longínquas,
mais a imagem será forte, mais força emotiva e realidade poética ela
terá.”105 Observados seus limites, não é difícil apontar em sua descri-
ção importantes ressonâncias, tanto com a noção de “idéia” desenvol-
vida no prefácio epistemológico do livro do Barroco, quanto com a
concepção das “imagens dialéticas” apresentada, mais tarde, no traba-
lho das Passagens. Benjamin escreve: “A idéia pode ser descrita como a
101 ARAGON, Louis. O camponês de Paris, op. cit., p. 226.
102 FÜRNKÄS, Josef. Surrealismus als Erkenntnis. Walter Benjamin-Weimarer Eisnbahnstrasse und
Pariser Passagen. Stuttgart: J. B. Metzler, 1988, p. 51 segs. apud GAGNEBIN, Jeanne Marie.
“Posfácio: uma topografia espiritual.” In: O camponês de Paris, op. cit., p. 241.
103 ARAGON, Louis. O camponês de Paris, op. cit., p. 42.
104 Cf. MATOS, Olgária. “Desejo de evidência, desejo de vidência: Walter Benjamin”. In:
NOVAES, Adauto (Org.). Desejo. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 283-305.
105 REVERDY, Pierre apud BRETON, André. Manifestos do surrealismo, op. cit. p. 35.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
178
configuração em que o extremo se encontra com o extremo.”106 E ain-
da: “A idéia é mônada – isto significa, em suma, que cada idéia con-
tém a imagem do mundo.”107 Ainda nas Passagens, ele insiste: “Ao
pensamento pertencem tanto o movimento quanto a imobilização dos
pensamentos. Onde ele se imobiliza numa constelação saturada de
tensões, aparece a imagem dialética. (...) Ela deve ser procurada onde a
tensão entre os opostos dialéticos é a maior possível”108 A alegoria de
uma configuração saturada de constrastes é, por sinal, bem
exemplificada pela constituição essencialmente heterogênea de seu
próprio grupo de amigos. Habermas escreve: “Somente numa cena
surrealista, poderíamos imaginar Scholem, Adorno e Brecht reunidos
num simpósio amistoso em torno de uma mesa redonda, debaixo da
qual Breton ou Aragon se agacham, enquanto Wyneken permanece
junto à porta, para debaterem sobre o ‘espírito da utopia’ ou o ‘espírito
como antagonista da alma’.”109 Nos dois casos, a justaposição de ele-
mentos “extremos” atua, não no sentido de neutralizar o choque gera-
do pela aproximação dos opostos, mas de radicalizar suas tensões
produtivas. Exatamente por isso, Benjamin prefere as categorias dos
“móbiles de imagens” ou das “constelações” – e não a dos conceitos
conforme utilizados pelo sistema – em sua teoria. Richard Wolin ob-
serva: “Caracterizando a idéia como uma ‘imagem’, Benjamin busca
enfatizar a importância de uma visão sensível e intuitiva do todo, uma
visão que tenta facilitar a representação do não-idêntico, do não-
conceitual.”110 Márcio Seligmann completa: “ao invés do registro do
106 BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão, op. cit., p. 57.
107 Ibidem, p. 70.
108 BENJAMIN, Walter. “Arquivo N”, op. cit., p. 518.
109 HABERMAS, Jürgen. “Crítica conscientizante ou salvadora – a atualidade de Walter Ben-
jamin”. In: Habermas: sociologia. São Paulo: Ática, 1980, p. 171.
110 Ele ainda acrescenta: “Uma preocupação com o caráter imagético da verdade se torna
uma questão permanente no discurso filosófico de Benjamin em todas as suas fases.” WOLIN,
Richard. “Ideas and Theory of Knowledge”. In: Walter Benjamin: an aesthetic of redemption.
Los Angeles: University of California Press, 1994, p. 100.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
179
argumento lógico e da exposição linear do discursivo, Benjamin apela
para a exposição fragmentária vinculada ao registro do visual.”111 Willi
Bolle acrescenta: “genericamente falando, a fisiognomia benjaminia-
na é uma espécie de ‘especulação’ das imagens, no sentido etimológico
da palavra: um exame minucioso de imagens prenhes de história.” Ao
defender a imagem como a categoria central da teoria benjaminiana
da cultura, ele explicita: “‘alegoria’, ‘imagem arcaica’, ‘imagem de
desejo’, ‘fantasmagoria’, ‘imagem onírica’, ‘imagem de pensamento’,
‘imagem dialética’ – com esses termos se deixa circunscrever em boa
parte a historiografia benjaminiana.”112
O método alegórico de “leitura” dos rebus históricos justifica a
simpatia de Benjamin pela montagem como “modo de exibição” –
de fundamental importância para a composição dos mosaicos góti-
cos (cf. o Trauerspiel-Buch), das seqüências cinematográficas (cf. “A
obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”) ou das
colagens dadaístas (cf. o Passagen-Werk).113 Ao desalojar os objetos
de seu sentido unívoco, as colagens propiciam a fuga de seu destino
previsível, despertando-os para uma realidade inteiramente desco-
nhecida. Não por acaso, a prática da citação cumpre a mesmíssima
função da montagem pictórica, no plano textual. Em Rua de mão
única, este procedimento é expresso em uma passagem bem conheci-
da: “Citações em meu trabalho são como salteadores no caminho,
que irrompem armados e roubam ao passeante a convicção.”114 Nos
dois casos, fica clara a intenção do filósofo: desfazer e refazer cone-
111 SELIGMANN-SILVA, Márcio. “Palavra e imagem na obra de Walter Benjamin: escritura
como crítica do lógos”. In: Ler o livro do mundo – Walter Benjamin: Romantismo e crítica poética.
São Paulo: Iluminuras, 1999, p. 225.
112 BOLLE, Willi. Fisiognomia da metrópole moderna. São Paulo: Edusp, 2000, p. 42.
113 O surrealista Max Ernst, a propósito, define a colagem como “o encontro fortuito de
duas realidades distantes em um plano não pertinente.” Cf. ERNST, Max apud MORAES,
Eliane Robert. O corpo impossível: a decomposição da figura humana de Lautreamont a Bataille.
São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 44.
114 BENJAMIN, Walter. Rua de mão única, op. cit., p. 61.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
180
xões, a partir da constituição de um novo – e, não raro, inesperado –
plexo de referências. Não é à toa que nas Passagens, Benjamin anota:
“Este trabalho deve desenvolver ao máximo a arte de citar sem usar
aspas. Sua teoria está intimamente ligada à da montagem.”115 E ain-
da: “Método deste trabalho: montagem literária. Não tenho nada a
dizer. Somente a mostrar. Não surrupiarei coisas valiosas, nem me
apropriarei de formulações espirituosas. Porém, os farrapos, os resí-
duos: não quero inventariá-los, e sim fazer-lhes justiça da única ma-
neira possível: utilizando-os.”116
Assim, inextrincavalmente ligados ao tema do onírico, dois
outros aspectos afins complementam o tratamento benjaminiano da
imagem: o choque e o estranhamento. Comparando os efeitos do cine-
ma aos da arte dadaísta, Benjamin escreve: “De espetáculo atraente
para o olho e sonoridade sedutora para o ouvido, a obra de arte, me-
diante o dadaísmo, transformou-se em choque.”117 Num certo senti-
do, ao adquirir o que o filósofo chama de “poder traumatizante”, as
imagens cinematográficas estimulam a mesma “explosão terapêutica
do inconsciente” preconizada, um século antes, pelo unheimlich
hoffmanniano – e, pelo menos em parte, atualizado pelo olhar surrealista
115 BENJAMIN, Walter. “Arquivo N”, op. cit., p. 500.
116 Ibidem, p. 502. Nesse caso, sua tarefa é análoga à do filósofo-alquimista: entre a decom-
posição da prima materia – o enxofre ou o “caos primordial” – e sua posterior reunificação
para a obtenção do lapis philosophorum – o ouro ou a “pedra filosofal” – se interpõe a ação,
primeiro, separadora, depois, recombinatória do trabalho do iniciado. Estas duas etapas são,
respectivamente, chamadas de nigredo – aliás, regida por Saturno – e albedo pela tradição
esotérica. A comparação não é descabida, se se considera as declarações do próprio Benja-
min. No ensaio sobre “As afinidades eletivas de Goethe”, por exemplo, ele compara a tarefa
do comentador com a do químico e a do crítico com a do alquimista. Enquanto o primeiro
é responsável pela análise do “teor coisal”, o último se encarrega da síntese do “teor de
verdade” da obra. Vale destacar a importância da complementariedade entre as duas etapas.
Sobre o papel da crítica de arte na obra de Benjamin cf. GAGNEBIN, Jeanne Marie. “A
propósito do conceito de crítica em Walter Benjamin”. Discurso, São Paulo, n. 13, p. 219-
230, 1983.
117 BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, op. cit.,
p. 24.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
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capaz de perceber o maravilhoso no cotidiano.118 No programa-mani-
festo L’esprit nouveau, de 1917, Guillaume Apollinaire festeja a surpre-
sa como o “maior motivo novo”. Tido como um dos precursores do
Surrealismo, ele avisa: “Para ir à descoberta não é necessário escolher
um fato sublime. Pode-se partir do cotidiano: um lenço que cai pode
significar para o poeta uma alavanca com a qual erguerá todo um
universo.”119 A noção de objeto surrealista parte justamente deste ponto.
Nadeau explica que um objeto surrealista é um objeto dépaysé, isto é,
saído de seu quadro habitual e empregado em usos diferentes daqueles
para os quais estava destinado. Ele conclui: “Os ready-made de Duchamp
realizam avant la lettre estas condições.”120
Atenção especial é dispensada pelos surrealistas a uma categoria
bem particular de objetos: a dos anacrônicos. Significativamente, a
tentativa de “salvar o obsoleto” coincide com a própria origem do
projeto inacabado de Benjamin sobre as galerias parisienses – constru-
ções arquitetônicas, aliás, típicas do século XIX. Essa é precisamente a
chave para o que o filósofo chama de transmutação da miséria em
“niilismo revolucionário”. Ele constata: “[O Surrealismo] foi o pri-
meiro a ter pressentido as energias revolucionárias que transparecem
no ‘antiquado’, (...) nas primeiras fotografias, nos objetos que come-
çam a extinguir-se, nos pianos de cauda, nas roupas de mais de cinco
anos, nos locais mundanos, quando a moda começa a abandoná-los.”121
No limite, o tratamento conferido ao objeto pelo artista surrealista é
análogo tanto ao do colecionador em relação às mercadorias (no Passagen-
118 Benjamin explica: “O espaço se amplia com o grande plano, o movimento se torna mais
vagaroso com a câmera lenta. É evidente, pois, que a natureza que se dirige à câmera não é
a mesma que a que se dirige o olhar. A diferença está principalmente no fato de que o espaço
em que o homem age conscientemente é substituído por outro em que sua ação é incons-
ciente.” BENJAMIN, Walter. Op. cit., p. 189.
119 APOLLINAIRE, Guillaume apud NADEAU, Maurice. História do surrealismo, op. cit., p. 22.
120 Ibidem, p. 140.
121 BENJAMIN, Walter. “O Surrealismo: o último instantâneo da inteligência européia”, op.
cit., p. 25.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
182
Werk), quanto ao do melancólico em relação à physis barroca (no
Trauerspiel-Buch). A adoção de um mesmo procedimento justifica as
semelhanças entre as três posturas, aparentemente tão díspares: a “sal-
vação” pela alegoria. Livre do destino demoníaco para o qual é criado,
o mundo perecível das coisas escapa da própria morte: objetos e cria-
turas interrompem o ciclo infernal da história-natureza, sendo imor-
talizadas como significação, pela ação redentora do alegorista.122
Adorno, aliás, vê o Surrealismo como complemento, não do Expres-
sionismo, mas da Nova Objetividade.123 Ele afirma: “O horror que
esta experimentava diante do ‘crime do ornamento’ é mobilizado pelo
choque surrealista.”124 Segundo o filósofo, artistas como Breton e
Aragon recolhem o que a Neue Sachlichkeit recusa aos homens: “as de-
formações testemunham o efeito da proibição do que um dia foi dese-
jado.” Ele ainda pondera que entre a esquizofrenia e a reificação, o
Surrealismo se depara com o espectro de uma liberdade subjetiva numa
situação de não-liberdade objetiva.125
122 No livro do Barroco, Benjamin pondera: “Se o objeto se torna alegórico sob o olhar da
melancolia, ela o priva de sua vida, a coisa jaz como se estivesse morta, mas segura por toda
a eternidade.” Cf. Origem do drama barroco alemão, op. cit., p. 205. A mesma idéia é retoma-
da, num outro registro, nas Passagens: “O verdadeiro colecionador retira o objeto de suas
relações funcionais” e, portanto, “realiza a liberação das coisas da servidão de serem úteis.”
Cf. BENJAMIN, Walter. “Arquivo H”. In: Passagens, op. cit., p. 241 e 243.
123 Movimento que se seguiu ao Expressionismo na Alemanha, a Nova Objetividade (Neue
Sachlichkeit) é fundada oficialmente em 1923, em Berlim, pelos artistas Otto Dix, George
Grosz, Max Beckman e George Scholz. Críticos contundentes do cotidiano e, acima de
tudo, da situação sociopolítica da Alemanha no entre-guerras, seus trabalhos buscavam
apresentar uma imagem crua da sociedade alemã, depois da guerra de 1914.
124 ADORNO, Theodor. “Revendo o surrealismo”, op. cit., p. 139.
125 Ibidem, p. 139. O ativismo político é uma questão controvertida entre os surrealistas.
Ao se referir ao que chama de sua “antinomia fundamental”, o poeta Pierre Naville destaca
o impasse proveniente da incompatibilidade entre a especulação teórica e a atitude “dialética.”
Ele questiona: “Deve-se acreditar numa liberação do espírito anterior à abolição das condi-
ções burguesas da vida material? Ou, ao contrário, a abolição das condições burguesas da
vida material é condição necessária para a liberação do espírito?” Entre a especulação e a
práxis, Naville faz sua opção por esta última e se desliga oficialmente do grupo surrealista.
Cf. NAVILLE, Pierre. La Révolution et les intellectuels (Que peuvent faire les surréalistes?)
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
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Essa alienação se torna particularmente visível nas freqüentes –
e não menos polêmicas – alusões dos surrealistas ao uso produtivo dos
entorpecentes. Não por acaso, em seu discurso da imaginação, Aragon
anuncia o Surrealismo como “filho do frenesi e da sombra”, “filtro do
absoluto”, “fermento mortal”, “uma vertigem a mais”, “máquina de
revirar o espírito”, “estupefaciente vindo dos limites da consciência,
das fronteiras do abismo.”126 A serviço dos “inimigos da ordem”, este
“novo vício”, segundo ele, teria o mérito de proporcionar efeitos aná-
logos aos das próprias drogas: “O que vocês, fumadores modernos de
haxixe, invejarão dos adormecidos acordados das mil e uma noites,
dos miraculados e convulsionários, quando assegurarem para si mes-
mos um tal poder visionário sobre o mundo?”127 Ao contrário do delí-
rio induzido pelos alucinógenos, a embriaguez surrealista, como mostra
Aragon, é precipitada pelo gatilho das próprias imagens. Ele garante:
“O vício chamado Surrealismo é o emprego desregrado e passional do
estupefaciente imagem, ou melhor, da provocação sem controle da ima-
gem por ela mesma e por aquilo que ela traz consigo no domínio da
representação.”128 Numa remissão direta aos “paraísos artificiais” de
Baudelaire, Breton compara: “Passa-se com as imagens surrealistas o
mesmo que com as imagens do ópio, que o homem já não evoca, mas
que a ele se oferecem espontânea, despoticamente.”129 Já em Haxixe,
Benjamin verifica: “No transe, as imagens parecem prescindir inteira-
apud NADEAU, Maurice. História do surrealismo, op. cit., p. 90. Seja como for, ao responder à
exigência de uma politização menos retórica e mais atuante por parte dos surrealistas, Breton
observa: “No domínio dos fatos, não é possível qualquer equívoco da nossa parte: não há
entre nós ninguém que não deseje a passagem do poder das mãos da burguesia para o
proletariado. Até então, continua sendo necessário, ao nosso ver, que prossigam as experiên-
cias da vida interior e isso, bem entendido, sem controle exterior, mesmo marxista.” BRETON,
André apud NADEAU, Maurice. Op. cit., p. 93.
126 ARAGON, Louis. O camponês de Paris, op. cit., p. 92.
127 Ibidem, p. 92.
128 Ibidem, p. 93.
129 BRETON, André. Manifesto do surrealismo, op. cit., p. 52. Cf. também BAUDELAIRE, Charles.
Paraísos artificiais. Porto Alegre: L&PM, 1998.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
184
mente da nossa atenção para que se apresentem diante de nós. Aliás, [o
transe] pode fazer-nos perceber coisas tão extraordinárias, com tal ra-
pidez, que simplesmente nunca terminamos de admirá-las, tal a sin-
gularidade e beleza desse universo de imagens.”130 Se no prefácio do
livro do Barroco, a imagem é apresentada como “categoria cognitiva”,
em Haxixe ela é usada como recurso, em última instância, “propedêu-
tico”. Nos dois casos, sua utilização não é nem arbitrária, nem ilustra-
tiva, mas tão somente metódica.
4.7. Despertar do sonho
Como se sabe, a tentativa de compreensão de experiências
limítrofes normalmente vedadas à investigação lógico-conceitual é uma
das preocupações mais antigas de Benjamin – e, ao que tudo indica, o
acompanha ao longo de toda a vida. Suas primeiras conversas com
Scholem confirmam isso. De acordo com o amigo, o jovem Benjamin
demonstra grande interesse pela discussão da viabilidade de se esten-
der o conceito de experiência para além das esferas, desde Kant,
mapeadas pelo conhecimento científico. Em relação à época em que os
dois passaram na Suíça, Scholem registra a presença de Paraísos artifi-
ciais em sua estante. Segundo ele, Benjamin teria falado sobre a ex-
pansão da experiência nas alucinações, insinuando que poderiam conter
algo incapaz de ser traduzido por palavras como ilusão.131 Sobre Kant,
Scholem reporta o comentário do amigo: o filósofo teria, afinal, funda-
mentado uma experiência inferior.132 Não é à toa que, ao se referir à
legitimidade das chamadas disciplinas mânticas, Benjamin é enfático:
“Uma filosofia que não inclui a possibilidade de vaticínio pela borra
130 BENJAMIN, Walter. Haxixe, op. cit., p. 90.
131 SCHOLEM, Gershom. Walter Benjamin: a história de uma amizade, op. cit., p. 68.
132 Sobre a leitura benjaminiana de Kant ver os capítulos “Imagens sem objeto” e “Benja-
min e Kant: o iluminismo visonário” em: MATOS, Olgária. O iluminismo visionário: Benjamin,
leitor de Descartes e Kant. São Paulo: Brasiliense, 1999.
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
185
de café e não pode explicá-la não pode ser uma verdadeira filosofia.”133
Sua convicção explica o forte acento “metafísico” encontrado, via de
regra, nos escritos de juventude. Mesmo que, com o amadurecimento
intelectual, o filósofo tenha deslocado os motivos ditos espirituais do
centro de gravidade de sua teoria, a rigor, eles nunca foram extintos
totalmente. Que se recorde, por exemplo, a retomada do elemento
teológico em seus últimos escritos políticos – em especial, nas teses
“Sobre o conceito de história”. De qualquer forma, entre os anos de
1928 e 1929 – portanto, já no início de sua fase “marxista” ou “mate-
rialista” – ele mesmo faz questão de ressaltar a diferença entre o que
chama de “níveis de significado da teologia” e “níveis de experiência
do sonho”. Scholem escreve: “Benjamin não era um extático, mas os
êxtases de utopias revolucionárias e da imersão surrealista do subcons-
ciente [sic] eram para ele chaves para abertura do seu próprio mundo,
para o qual estava buscando formas de expressão totalmente diferen-
tes, severas e disciplinadoras.”134
Numa carta de julho de 1926 escrita ao amigo, o filósofo se
justifica: “As formas literárias de expressão que meu pensamento pro-
curou nos últimos dez anos estão completamente determinadas pelas
medidas preventivas e pelos contravenenos que tive de opor à erosão
que continuamente ameaçava minha obra.”135 Ainda na mesma cor-
respondência, Benjamin enumera quatro livros que designa como “ver-
dadeiros lugares de ruína e catástrofe”. Entre eles estão o Passagenarbeit
e um livro “sumamente importante” sobre o haxixe. Ele ainda avisa:
“Sobre este último tema, ninguém sabe nada; e, por enquanto, a coisa
deve ficar só entre nós.”136 Marcados pelo estigma do inacabamento,
são ambos guiados pelo mesmo método epistemológico-crítico, já
anunciado no livro do Barroco: o do desvio. Neste caso, tanto a flânerie
133 SCHOLEM, Gershom. Op. cit., p. 68.
134 Ibidem, p. 138.
135 BENJAMIN, Walter. Haxixe, op. cit., p. 9.
136 Ibidem, p. 10.
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
186
quanto o êxtase da droga cumprem, em última instância, um único
propósito: adotar a “errância” como instrumento catalizador de uma
certa desordem produtiva, fundamental para uma posterior reorientação
espácio-temporal da experiência histórica. Benjamin, entretanto, aler-
ta para o equívoco de se reduzirem as vivências surrealistas estrita-
mente ao êxtase místico ou induzido pelas drogas: “A superação
autêntica e criadora da iluminação religiosa não se dá através do narcó-
tico. Ela se dá numa iluminação profana, de inspiração materialista e
antropológica.”137 Para o filósofo, o grande mérito do Surrealismo não
é apontar no enigmático o seu lado enigmático, mas, em vez disso,
descobrir o maravilhoso no cotidiano. Ele escreve: “As verdades mais
profundas (...) têm a poderosa propriedade de se adaptarem a tudo o
que é indistinto e vulgar, refletindo-se à sua maneira até mesmo na
fantasia de um sonhador irresponsável.”138 Segundo Benjamin, tanto
o flâneur quanto o comedor de haxixe vivem na “intoxicação” – ou
“embriaguez” – uma experiência de limiar (Schwelle).139 Fenômeno
propedêutico, ela cria condições para aquilo que, para o autor, foi sem-
pre o mais importante: “liberar-se do sonho, sem o trair.”140 Conforme
adverte Olgária Matos, primeiramente é preciso “despertar para o so-
nho”, para depois “despertar do sonho”.141 O Surrealismo teria cum-
137 Cf. BENJAMIN, Walter. “O Surrealismo: o último instantâneo da inteligência européia”,
op. cit., p. 23. Sobre o sentido da noção surrealista de “iluminação profana” na obra do
autor, ver COHEN, Margaret. Profane Illumination: Walter Benjamin and the Paris of Surrealist
Revolution. Berkeley: University of California Press, 1993; e MATOS, Olgária. “Iluminação
mística, iluminação profana: Walter Benjamin”. Discurso, São Paulo, n. 23, p. 87-108,
1994.
138 BENJAMIN, Walter. Haxixe, op. cit., p. 56.
139 Já nas Passagens, Benjamin confirma as afinidades entre os dois: “uma embriaguez apo-
dera-se daquele que, por um longo tempo, caminha a esmo pelas ruas.” BENJAMIN, Walter.
“Arquivo M”. In: Passagens, op. cit., p. 462.
140 Cf. ADORNO, Theodor. “Caracterização de Walter Benjamin”. In: Prismas. São Paulo:
Ática, 1997, p. 237.
141 MATOS, Olgária. “Desejo de evidência, desejo de vidência: Walter Benjamin”, op. cit.,
p. 301 (grifos nossos).
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
187
prido, se tanto, apenas essa primeira etapa. Benjamin, todavia, dá um
passo adiante. À sobre-realidade (Surréalité) de Breton, ele contrapõe,
através da mediação histórica, a chance do verdadeiro despertar. As-
sim, a não pouco incômoda aproximação benjaminiana do onírico equi-
vale, no limite, a seu método de trabalho – via programática de acesso
ao instante da cognoscibilidade em que a realidade pisca os olhos, e o
intérprete de sonhos faz valer seu direito ao aqui e agora da história.
Tal recurso, por sinal, revela – mas infelizmente também encobre –
aquilo que já foi considerado seu maior legado: a astúcia de pensar ao
mesmo tempo dialética e não dialeticamente.142 Como diz Derrida, “a
possibilidade do impossível (die Möglichkeit des Unmöglichkeit) só pode
ser sonhada, mas o pensamento, um pensamento inteiramente outro,
sobre a relação entre o possível e o impossível tem, talvez, mais afini-
dade com este sonho do que com a própria filosofia.”143 Ou, quem
sabe, precisamente isso não seja também filosofar?
142 ADORNO, Theodor. Minima Moralia, op. cit., p. 134.
143 DERRIDA, Jacques. Fichus: discours de Francfort. Paris: Galilée, 2002. O comentário é parte
do discurso de agradecimento pelo prêmio Theodor W. Adorno, recebido em 2001 da
cidade de Frankfurt. A expressão “possibilidade do impossível” é de autoria de Adorno e
extraída do ensaio “Caracterização de Walter Benjamin”, já citado anteriormente.
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ÍNDICE DAS ALEGORIAS
ALEGORIAS I ........................................................................................ 75
1. Restos oníricos ............................................................................... 76
2. O sonho da Aufklärung produz monstros ......................................... 77
3. Mab, a portadora dos sonhos .......................................................... 78
4. O Dizer (Sagen) e o Mostrar (Zeigen) .............................................. 79
5. Imagens oníricas ............................................................................ 80
6. Areias do adormecer....................................................................... 81
7. O Príncipe dos Sonhos ................................................................... 82
8. Sonho, tira de Möebius da história ................................................. 83
9. Vida desperta ................................................................................. 84
ALEGORIAS II ....................................................................................... 85
10. A vida é sonho ............................................................................. 86
11. Forma é volúpia ........................................................................... 87
12. Sono da morte .............................................................................. 88
13. Os sonhos de Don Juan ................................................................ 89
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
190
14. Barroco, arte das texturas ............................................................. 90
15. Melancolia artística, profética e divina ......................................... 91
16. Demônio das antíteses ................................................................. 92
17. Tudo é vaidade ............................................................................. 93
18. História-Natureza morta ............................................................. 94
ALEGORIAS III ..................................................................................... 95
19. As Flores do Mal ........................................................................... 96
20. Revolta ........................................................................................ 97
21. O dândi Don Juan ....................................................................... 98
22. O inferno é aqui ........................................................................... 99
23. Morada de sonho ........................................................................ 100
24. Fetiche da mercadoria ................................................................ 101
25. Kitsch onírico .............................................................................. 102
26. O último refúgio da aura ........................................................... 103
27. Inconsciente ótico ...................................................................... 104
ALEGORIAS IV ................................................................................... 105
28. O outro lado .............................................................................. 106
29. Assim sonhou Zaratustra ........................................................... 107
30. Sonambulismo da razão .............................................................. 108
31. O despertar do mito ................................................................... 109
32. Móbile de imagens..................................................................... 110
33. Paris, cidade de sonho ................................................................ 111
34. Sobre-realidade .......................................................................... 112
35. A interpretação dos sonhos de Magritte ..................................... 113
36. Imagens do desejo ...................................................................... 114
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4. O SONHO SOBRE-REAL: O SÉCULO XX
191
ÍNDICE ICONOGRÁFICO
BAVCAR, Evgen, Nostalgia da luz. ........................................................ 79
BELLMER, Hans, Boneca, 1934. ........................................................... 114
BERGMAN, Ingmar, O olho do diabo, 1960.............................................. 89
BERNINI, Gian Lorenzo, A verdade, 1646-52. ...................................... 90
BERNINI, Gian Lorenzo, O êxtase de Santa Teresa, 1652. ......................... 90
BLAKE, William, O corpo de Abel encontrado por Adão e Eva, 1825. ......... 97
BOEL, Pieter, Alegoria das Vanitas, 1663. ............................................. 94
BRANCUSI, Constantin, Musa adormecida, 1910. .................................... 76
BUÑUEL, Luís, O cão andaluz, 1929. .................................................. 104
CHAGALL, Marc, Paris pela janela, 1913. ............................................ 111
CLAENSZ, Pieter, Vanitas, 1630............................................................ 93
CRUIKSHANK, George, Rainha Mab, Romeu e Julieta, 1860. .................. 78
DALÍ, Salvador, Segismundo e Segismundo acorrentado, 1964. ................... 86
DELACROIX, Eugène, O naufrágio de Don Juan, 1840. ........................... 98
DÜRER, Albrecht, Melancolia I, 1514. ................................................. 91
DÜRER, Albrecht, São Jerônimo na cela, 1514. ...................................... 91
ERNST, Max, L’Ange du Foyer ou O Triunfo do Surrealismo, 1937. ........ 112
ESCHER, M. C., Tira de Möebius II, 1963.............................................. 83
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A CONSTELAÇÃO DO SONHO EM WALTER BENJAMIN
192
FUSELI, Henry, As três bruxas de Macbeth, 1783. .................................... 88
FUSELI, Henry, Pesadelo, 1781. ............................................................ 88
GAIMAN, Neil, Sandman: terra dos sonhos, 2006. ................................... 81
GOYA, Francisco, O sonho da razão produz monstros, 1798. ..................... 77
GOYA, Francisco, Saturno, 1823. ......................................................... 92
GRANDVILLE, Jean-Jacques, Camellia. ................................................. 101
GRANDVILLE, Jean-Jacques, Chevrefeuille. ........................................... 101
GRANDVILLE, Jean-Jacques, Pavot. ..................................................... 101
HITCHCOCK, Alfred, Spellbound, 1945. ................................................. 80
HÖCH, Hannah, Golpe com faca de cozinha na época final alemã
da cultura da barriga de cerveja de Weimar, 1919. ................................ 110
KANDINSKY, Wassily, Composição VII, 1913. ........................................ 87
KERTÉSZ, André, Sob a Torre Eiffel, 1929. .......................................... 111
KLEE, Paul, Cidade de sonho, 1921. .................................................... 111
KUBIN, Alfred, O cemitério, 1902. ...................................................... 106
KUBIN, Alfred, Toda noite um sonho nos visita, 1903. ........................... 106
KUBIN, Alfred, Visão dalmaciana, 1902-03........................................ 106
LINKLATER, Richard, Waking life, 2001................................................ 84
MAGRITTE, René, A Filosofia na Alcova, 1966. ................................... 114
MAGRITTE, René, A interpretação dos sonhos, 1930. .............................. 113
MARC, Franz, Formas em luta, 1914. .................................................... 87
MARC, Franz, O sonho, 1912. ............................................................. 107
MUCHA, Alphonse, Job, 1896. ........................................................... 102
MUNCH, Edvard, Nietzsche, 1906. ..................................................... 107
MUNCH, Edvard, O grito, 1893.......................................................... 107
NADAR, Félix, Charles Baudelaire, 1855. ............................................ 103
NADAR, Félix, Sarah Bernhardt, 1865. ............................................... 103
NADAR, Félix, Théophile Gautier, 1856. ............................................. 103
Passage Choiseul, 1908, fotógrafo desconhecido. ................................ 100
REDON, Odilon, Olhos fechados, 1890................................................... 82
RICKETTS, Charles, A morte de Don Juan, 1911. .................................... 98
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ÍNDICE ICONOGRÁFICO
193
RIEFENSTAHL, Leni, O Triunfo da Vontade, 1937. ................................. 109
RODIN, Auguste, A porta do inferno, 1880-1917. ................................. 99
SCHWABE, Carlos, Don Juan nos infernos, 1907...................................... 98
SCHWABE, Carlos, Morte, 1907. ........................................................... 96
SCHWABE, Carlos, Mulheres condenadas, 1907........................................ 96
SCHWABE, Carlos, Revolta, 1907. .......................................................... 96
SCHWABE, Carlos, Spleen e Ideal, 1907. ................................................. 96
VAN STEENWYCK, Pieter, Ars longa, vitta brevis. ................................... 93
WEENIX, Jan Baptista, Retrato de Descartes, 1647.................................. 86
WIENE, Robert, O Gabinete do Doutor Caligari, 1919. ........................ 108
WITKIN, Joel Peter, Natureza morta, 1992........................................... 94
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METROPOLIS. Direção: Fritz Lang, 1927. São Paulo: Continental. 1 DVD (124 min).
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O GABINETE do Dr. Caligari. Direção: Robert Wiene, 1919. São Paulo: Continental.
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O CÃO andaluz. Direção: Luís Buñel, 1930. São Paulo: Versátil. 1 DVD (80 min). Preto
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O TRIUNFO da vontade. Direção: Leni Riefensthal, 1937. São Paulo: Continental. 1
DVD (110 min). Preto e branco. Tradução de: Triumph des Willens.
QUANDO FALA o coração. Direção: Alfred Hitchcock, 1945. São Paulo: Continen-
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THE DEVIL’S eye. Direção: Ingmar Bergman, 1960. Londres: Tartan Video. 1 DVD (84
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205
Mancha 10,5 x 18,5 cm
Formato 14 x 21 cm
Tipologia Garamond 312 e Gill Sans Condensed 25
Papel miolo: Off-set 75 g/m2
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Número de páginas 206
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... João Barrento (2013), en el libro Limiares sobre Walter Benjamin, afirma que Benjamin utilizó, en sus escritos y formulaciones, un método más imaginativo que conceptual, un método que no separaba la forma del pensamiento y que, sobre todo, eligió fronteras, divergencias y umbrales como lugar y objeto de reflexión. En este espacio de umbrales, como sugiere Alexia Bretas (2008), es como si lo onírico rozara lo real. Tal descripción, de alguna manera, nos hace pensar en la intención freudiana y benjaminiana de hacer resonar el tejido onírico en el espacio de la vigilia (Gurski & Perrone, 2021). ...
Article
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This article aims to reflect on the existence of politics of psychoanalysis. To do this, we take some results of the research carried out in Brazil, "Confined dreams: what Brazilians dream in times of pandemic (2020/2021)", to propose oneiropolitics. Combining psychoanalysis with the thought of the German philosopher Walter Benjamin, oneiropolitics refers to politics of desire. Due to the urgency of our temporality and historical context, it is necessary to dream of a future and nurture a political imaginary capable of sustaining insistent thought and practice in the sense of criticism, democracy, and the possibility of another future.
Book
"A learned and subtle volume." -Choice"Handelman's comprehensive and penetrating treatment combines an interest in literary theory and modern Jewish philosophy." -Moment"Fragments of Redemption can serve as an illuminating guide to the course of modern Continental thought, as well as of the Jewish contributions to it... This very rich book demands reading and re-reading. It will do much to further understanding of the work of all three authors, and in particular to enhance the status of Levinas." -Times Literary SupplementExamining the messianic ideologies of Walter Benjamin, Gershom Scholem, and Emmanuel Levinas-three of the most vital Jewish thinkers of our time- Handelman makes clear the considerable influence of traditional Jewish thought on modern and postmodern literary theory.
Chapter
What I shall argue in this chapter is that it is possible to see Diṅnāga as a skeptic, very much along the lines of the many Buddhists who preceded him, and that as a skeptic his main interest was not to find a way to increase our knowledge but rather to find a way to subtract from our opinions. To state the matter in a slightly different way, I shall argue that Diṅnāga’s central interest was to set down the necessary conditions that would have to be met before we could claim that our knowledge had been increased. These conditions, then, can be seen as controls against the proliferation of uncritical and irrational judgements. My hypothesis that Diṅnāga’s aims essentially were those of the rational skeptic is one that I believe accounts well for. the evidence at hand, but it is one that I have formed only gradually over the course of several years. Rather than inviting anyone to accept the hypothesis at this stage, I shall first simply present the principal features of Diṅnāga’s system of epistemology as it is developed in two of his texts, the Pramäṇasamuccaya and the Hetucakra-nirṇaya, and then I shall offer some comments at the end of this chapter as to why it appears to me that a skeptical interpretation of Diṅnāga’s epistemology seems suitable.