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Oferta de disciplinas sobre geografia e saúde nas universidades públicas brasileiras

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Abstract

This article intends to show the importance and capillarity of teaching Health Geography at college/university level, as well as understanding the reality of the teaching of this thematic at public universities in Brazil. Health Geography, or Medical Geography, such term should eventually fall into disuse due to the recent epistemological development of this subject, is extremely enriching for geographers since it expands the limits of the geographical science to the area of health, which is not commonly associated with geographical analysis. The research conducted to write this paper showcased numerous benefits for a geographical approach to health issues. On the other hand, the data generated in this research highlighted a relative lack of health geography teaching in Brazil, since it is not common for the public universities to offer a Health Geography-related subject.
LEFRANO-PORTO, B.; GURGEL, H.; CATÃO, R. Oferta de disciplinas sobre Geogrfia e saúde nas Universidades públicas
brasileiras. In. Simpósio Nacional de Geografia da Saúde: dimensões geográficas dos impactos e desafios das pandemias. X.,
2021, Campina Grande. Anais [...]. Campina Grande: UFCG, 2021. p.21-32. Disponível em https://www.anaisgeosaude.com.
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OFERTA DE DISCIPLINAS SOBRE GEOGRAFIA E SAÚDE NAS UNIVERSIDADES
PÚBLICAS BRASILEIRAS
LOFRANO-PORTO, Bruno
1
GURGEL, Helen-orientador
2
CATÃO, Rafael-orientador
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RESUMO
Nesse trabalho busca-se demonstrar a importância e a capilaridade do ensino de Geografia da Saúde
no nível superior de ensino, bem como entender a realidade do ensino dessa temática nas
universidades públicas do Brasil. A temática de Geografia da Saúde, ou Geografia Médica, termo que
vai eventualmente cair em desuso por conta da evolução epistemológica da disciplina nos anos mais
recentes, é bastante enriquecedora para a formação de geógrafos porque expande as dimensões da
ciência geográfica para a área da saúde que não costuma ser imediatamente associada à análises
geográficas. A pesquisa bibliográfica realizada para a produção desse artigo demostrou várias
potencialidades que o pensamento geográfico oferece para questões de saúde. Por outro lado, os
dados produzidos indicam uma relativa falta de ensino sobre geografia da saúde no Brasil, visto que a
tendência é de que os cursos de Geografia nas universidades públicas não ofertem disciplinas nessa
temática.
Palavras-chave: Geografia da Saúde, Geografia Médica, Ensino.
ABSTRACT
This article intends to show the importance and capillarity of teaching Health Geography at
college/university level, as well as understanding the reality of the teaching of this thematic at public
universities in Brazil. Health Geography, or Medical Geography, such term should eventually fall into
disuse due to the recent epistemological development of this subject, is extremely enriching for
geographers since it expands the limits of the geographical science to the area of health, which is not
commonly associated with geographical analysis. The research conducted to write this paper
showcased numerous benefits for a geographical approach to health issues. On the other hand, the
data generated in this research highlighted a relative lack of health geography teaching in Brazil, since
it is not common for the public universities to offer a Health Geography-related subject.
Key words: Health Geography, Medical Geography, Teaching
INTRODUÇÃO
Em 1984 o Professor de Geografia e Epidemiologia Jonathan Mayer da University
of Washington em Seattle publicou o artigo “Medical Geography: An Emerging discipline”, no
qual ele argumenta justamente que a, então, Geografia Medica, era uma disciplina emergente,
além de demonstrar várias potencialidades e possíveis temáticas de pesquisa, argumentando
principalmente que a Geografia Médica já era utilizada em pesquisas, especialmente
epidemiológicas, mesmo que isso não se desse de forma explícita.
Como Barcellos et al mostram em seu artigo de 2018 “Geografia e Saúde: O que
está em jogo? Histórias, temas e desafios”, não o termo mais utilizado para a disciplina
mudou, de Geografia Médica para Geografia da Saúde, como o próprio pensamento científico
da área evoluiu consideravelmente. Dentre alguns dos novos estudos na área destacam-se:
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os de Jean-Pierre Hervouët sobre as relações entre ambientes e sociedades mostrando o
surgimento de áreas de risco à saúde; os trabalhos de Peter Gould sobre doenças sem um
nicho específico de difusão, principalmente a AIDS, dentre outros. Esse mesmo texto traz que:
A geografia da saúde procura compreender o contexto em que ocorrem os
problemas de saúde, para poder atuar sobre territórios, não sobre os
indivíduos, nem sobre organismos. Diferente de outras disciplinas, a
geografia busca uma perspectiva macroscópica dos problemas de saúde,
permitindo compreender a dinâmica do processo saúde-doença e de doença-
atenção à saúde. A diversidade de temas da geografia da saúde é também
resultado dos diversos campos de atuação da Saúde Coletiva, que reúne as
ações de vigilância de doenças e seus determinantes, a atenção e
organização dos serviços de saúde, e a promoção de saúde, esta última de
desenvolvimento relativamente recente. Estudar estes problemas requer uma
visão ampliada de saúde, que abarque desde a prevenção de doenças até o
acesso a serviços de saúde, isto é, reconhecendo a inseparabilidade do
processo de saúde-doença-atenção.(Barcellos et al, 2018.)
Portanto, A Geografia da Saúde é uma disciplina que já evoluiu muito desde sua
condição de “emergente” e, é hoje amplamente utilizada no âmbito das tomadas de decisões
públicas e nos estudos de atenção e de prevenção de doenças, exemplos claros disso são os
boletins epidemiológicos disponibilizados pelo ministério da saúde que atualmente sempre
possuem mapas, tabelas de distribuição espacial e outros dados amplamente utilizados na
Geografia da Saúde. O volume 52 de janeiro de 2021, por exemplo, apresenta um mapa de
casos confirmados de sarampo por estado brasileiro e uma tabela de casos confirmados e
óbitos distribuídos por cada estado. Porém, no Brasil ainda há, nas universidades públicas,
uma considerável falta de disciplinas na área.
METODOLOGIA
Dado o objetivo do presente artigo de demonstrar a importância do ensino de
Geografia da Saúde e compreender a realidade dessa temática no Brasil, a pesquisa foi
dividida em múltiplas fases.
A primeira foi o levantamento de todos os cursos de Geografia das universidades
públicas brasileiras. Esse levantamento foi feito a partir do portal e-MEC. Então foi elaborado
um mapa com a distribuição estadual de todos esses cursos catalogados.
Posteriormente, foi elaborado um formulário eletrônico sobre a oferta de disciplinas
na temática de Geografia da Saúde que foi enviado para os coordenadores dos cursos de
geografia de universidades públicas brasileiras via e-mail, durante o período de junho e julho
de 2020. O nome dos coordenadores foi obtido através do portal e-MEC, a partir disso buscou-
se o contato destes por duas vias principais, o site da instituição ou publicações encontradas
no currículo Lattes do professor ou da professora. O link para o formulário foi enviado para
mais de 350 coordenadores de cursos de Geografia. O formulário continha dezenove
perguntas, algumas com respostas fechadas outras com respostas abertas e buscava
entender se o curso de Geografia coordenado pelo respondente ofertava ou não alguma
disciplina na temática de Geografia da Saúde e, em casos positivos, quais as características
da oferta e da disciplina em si. A partir dos dados obtidos, foi produzido um mapa com a
distribuição estadual dos cursos com oferta de pelo menos uma disciplina na temática de
Geografia da Saúde, bem como vários gráficos para demonstrar algumas das repostas
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obtidas. Todos os mapas foram confeccionados pelo SIG QGIS em sua versão 3.8 Zanzibar
e os gráficos pelo Excel.
Em seguida, foi realizada uma revisão bibliográfica de textos na área de Geografia
da Saúde para ajudar na compreensão dessa área de pesquisa e sua realidade no Brasil. Por
fim, foram elaboradas e enviadas cinco perguntas abertas para professores da área da saúde
com o intuito de compreender um pouco do escopo da Geografia da Saúde no nível de ensino
superior. Essas perguntas foram enviadas para quase todos os professores de disciplinas de
epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB). Essa universidade foi escolhida por
questões de praticidade, já que, por ser aluno dessa universidade o autor desse artigo teve
fácil acesso à oferta de disciplinas e contato dos professores.
RESULTADOS
Foi encontrado um total de 354 cursos de Geografia disponíveis em universidades
públicas brasileiras em junho de 2020, distribuídos espacialmente pelas unidades federativas
brasileiras da seguinte forma (figura 1):
Figura 1. Distribuição dos cursos de Geografia no Brasil.
Espirito Santo, Rondônia e Tocantins foram os estados que apresentaram o menor
número de cursos, com apenas três cursos à disposição nesses estados. O Pará foi o estado
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com maior número de cursos ofertados, com 32, seguido de perto pela Bahia, que teve 30
cursos ofertados.
O questionário elaborado foi enviado para mais de 350 coordenadores de cursos
de Geografia de universidades públicas brasileiras e foram obtidas 95 respostas (27%). Os
participantes dessa pesquisa estão distribuídos por praticamente todas as unidades
federativas do Brasil, sendo o Acre o único estado do qual não foi obtida nenhuma resposta
ao questionário on-line. Os resultados detalhados desse levantamento também foram
divulgados publicamente e podem ser acessados no site do Laboratório de Geografia,
Ambiente e Saúde (LAGAS) da Universidade de Brasília (UnB), ou diretamente pela seguinte
URL: lagas.unb.br/index.php/disciplina-geografia-da-saude-no-brasil.
Dentre as 95 respostas, 37 (38.9%) afirmaram que sim, o curso oferta pelo menos
uma disciplina na temática de Geografia da Saúde (figura 2). Apenas um coordenador de
curso informou oferta de mais de uma disciplina de Geografia da Saúde. Pois, o curso, ABI
(área Básica de Ingresso, são cursos que não possuem diferenciação de bacharelado ou
licenciatura no ingresso), da UFSP, que apresentou oferta de duas disciplinas. Assim, entre
95 cursos, tem-se a oferta de 38 disciplinas na temática de Geografia da Saúde. O mapa a
seguir (figura 2) mostra a distribuição estadual dos cursos que ofertam pelo menos uma
disciplina na temática de Geografia da Saúde, de acordo com o levantamento realizado.
Destaca-se o estado do Rio Grande do Norte que tem a oferta em 4 cursos de geografia.
Figura 2. Distribuição dos cursos que ofertam pelo menos uma disciplina
na temática de Geografia da Saúde
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As perguntas seguintes do questionário foram direcionadas a compreender as
características da oferta das disciplinas de Geografia da Saúde. Primeiramente, quanto ao
próprio nome das disciplinas. Em síntese, foi interessante notar que: 26 disciplinas se
chamam, justamente, “Geografia da Saúde”; 4 possuem a palavra “ambiente” no nome; 2
ainda utilizam o termo “Geografia Médica”; um outro nome que chamou muita atenção foi
“Geografia da Saúde e Geologia Médica”.
Quanto ao tipo de disciplina (figura 3), ou seja, a obrigatoriedade ou não de cursar
a disciplina para completar o curso, identificou-se que a grande maioria das disciplinas era de
caráter optativo, 29 disciplinas (76.3%), 8 eram de caráter obrigatório (21%) e ainda foi
registrada uma disciplina que havia sido criada em caráter experimental para atender às
demandas de discussão a respeito da pandemia de COVID-19.
Figura 3. Tipo de disciplina
Em relação à carga horária das disciplinas (figura 4), observou-se que 23
disciplinas possuem uma carga horária de 60h (60%); 9 disciplinas possuem carga horária
acima de 60h (23.6%), sendo que a maior carga registrada, que foi registrada em dois casos,
foi de 75h; 2 disciplinas apresentam carga entre 30h e 60h (5.2%); 4 disciplinas possuem
carga de 30h (11.2%).
Figura 4. Carga horária das disciplinas
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Com respeito à frequência de oferta (figura 5), observou-se que é comum que a
oferta se de forma anual ou a cada dois anos; apenas duas disciplinas são ofertadas de
forma semestral. Outras duas disciplinas são ofertadas esporadicamente, e 4 disciplinas
possuem oferta irregular, baseada na demanda.
Figura 5. Frequência de oferta
Por fim, outras informações para caracterização das disciplinas são as seguintes: 34
disciplinas são ofertadas de forma presencial, apenas 3 são ofertadas na modalidade à
distância; quase metade das disciplinas obrigatórias possuem carga horária abaixo de 34h;
Apenas duas disciplinas, dentre as obrigatórias, possuem oferta semestral, outras duas
possuem oferta baseada na demanda.
Dentre os 10 e-mails enviados para professores de disciplinas de epidemiologia da
Universidade de Brasília, obteve-se apenas duas respostas. Um professor informou que
leciona as disciplinas de “Epidemiologia Aplicada à Educação Física” na graduação e
“Epidemiologia e Atividade Física na Promoção de Saúde” na Pós-Graduação, o outro mestra
as disciplinas “informação e informática em saúde 2” e “epidemiologia analítica”. Os relatos
apresentados por esses professores corroboram a tese de que a Geografia da Saúde é uma
área do conhecimento já muito utilizada, dentro da área da saúde, porém não de forma
institucionalizada, ou “consciente”. Um professor diz
“Em ambas [as disciplinas] eu utilizo mapas com distribuição (normalmente
de prevalências) de doenças ou de características sócio-demográficas, de
condições clínicas ou de fatores de risco para doenças com alta prevalência.
Em particular, são muito comuns mapas que apresentam distribuição do nível
de atividade física na população e também mapas de equalização de
densidade (density-equalizing maps), que começam a ser muito comuns na
apresentação de dados do nível de atividade física da população mundial em
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associação com outra variável, como a renda ou a quantidade de programas
de intervenção existentes em cada país
Além disso, um dos respondentes faz uma conexão entre fatores Geográficos e a
prática de atividade física (saúde preventiva):
“Ao apresentar o conteúdo da disciplina eu usualmente me reporto às três
questões básicas da epidemiologia: quem, quando e onde. Nesta abordagem,
eu apresento desfechos que têm conhecidos determinantes ligados a fatores
geográficos e ambientais. Essas duas questões são bem identificadas no
nível de atividade física da população, que sobre influência de questões
territoriais e climáticas, como áreas e períodos do ano que favorecem mais
ou menos à prática de atividades físicas. Essas relações são bem exploradas
nas disciplinas”
Ambos os respondentes comentaram que um tópico de análise em suas aulas é a
relação entre fatores ambientais e agravos de saúde, em um caso esses agravos foram
doenças e no outro a limitação da prática de atividade física.
Os professores ressaltam a importância do estudo da Geografia para a Saúde, um
inclusive comenta já ter trabalhado na produção de mapas de distribuição espacial de
indicadores de demanda e gravidade de doenças e até oferece suplementos na nota para
alunos que façam um curso sobre QGIS específico.
As duas respostas ressaltaram os benefícios que uma disciplina na temática de
geografia da saúde pode trazer para seus alunos, um deles comenta:
“tendo em vista que muitas questões em saúde são afetadas por questões
geográficas, tanto nos temas mais afeitos à geografia física, quanto àqueles
ligados à geografia humana. Seria interessante que [uma disciplina sobre
Geografia da Saúde] fosse optativa para todos os cursos da saúde da UnB”
Para finalizar, gostaríamos de ressaltar o seguinte comentário feito por um dos
respondentes:
“Até pouco tempo eu não tinha conhecimento da existência desta disciplina
[Geografia, Ambiente e Saúde, ofertada pelo departamento de geografia da
UnB] na UnB, assim como o havia focado minha atenção nas
possibilidades de interação entre a geografia da saúde e minha área de
atuação, a despeito de saber do impacto de inúmeras questões ligadas à
geografia, tanto física quanto humana, na saúde humana. Seria interessante
uma maior divulgação da área e da disciplina”
A IMPORTÂNCIA DA GEOGRAFIA DA SAÚDE NO BRASIL
Apesar da Geografia Médica já existir, provavelmente, desde 1792 (BARCELLOS,
et al. 2018), ela só começa a aparecer no Brasil em meados do século XX, com as
contribuições do médico Josué de Castro que fez doutorado em geografia humana. Seus
estudos sobre a subnutrição e fome demonstraram que há um caráter geográfico e geopolítico
na manifestação de doenças, e foram uma espécie de primeiro passo para o desenvolvimento
da geografia da saúde no Brasil (MENDONÇA et al. 2014). Esses mesmos autores ainda
apontam lentidão na disseminação de visões mais amplas para saúde, dentro dos sistemas
de saúde brasileiros, mas podemos observar o aumento das intenções de pesquisa em
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geografia da saúde no Brasil por meio do levantamento feito pelo laboratório LAGAS-UnB,
que mostrou a criação de pelo menos 21 novos grupos de pesquisa em Geografia da Saúde
desde a publicação desse artigo em 2014. Portanto a Geografia da Saúde no Brasil está em
estágio de franco desenvolvimento e pode-se dizer que é uma temática estabelecida e de
reconhecimento considerável (GURGEL e BELLE, 2020), pelo menos dentro do meio
acadêmico. A figura 6, abaixo, foi produzida com base no artigo de BARCELLOS, et al. 2018
e mostra algumas importantes contribuições em teorias de geografia da saúde ao longo dos
anos. Figura 6. Linha do tempo de contribuições para geografia da saúde
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Por volta de 1970, observou-se a mudança de nome, de geografia médica para
geografia da saúde, isso se deu por conta da evolução das pesquisas, que mudaram o foco
da análise geográfica, passaram a entender saúde de forma mais holística, e deixaram de
analisar apenas a doença (MENDONÇA et al. 2014). No Brasil, esse movimento foi também
muito forte, nas décadas de 1970 e 1980, a corrente crítica brasileira deu um certo “boom” no
desenvolvimento da geografia da saúde nacional principalmente com análises de questões
de saúde decorrentes da atividade capitalista (MENDONÇA et al. 2014).
Além disso, a criação do SUS e a preocupação com a saúde coletiva tiveram e
seguem tendo importante papel no desenvolvimento e importância da Geografia da Saúde no
Brasil. São múltiplos os estudos de avaliação de efetividade de atendimento ou estudos de
vigilância epidemiológica no território brasileiro, dentre diversos outros subtemas da Geografia
da Saúde, disponíveis hoje, muitos, inclusive, com contribuições de autores estrangeiros.
Atualmente, percebe-se que existe uma tentativa de expansão de pesquisas na
área de Geografia da Saúde, tanto por parte das universidades como por partes de instituições
dedicadas à pesquisa como a Fundação Oswaldo Cruz que, de acordo com levantamento do
Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde (LAGAS-UnB), possui três grupos de pesquisa
dedicados à Geografia e Saúde e sita no seu site temas de pesquisa como “políticas públicas
para saúde em territórios” e “ambiente, ecologia e saúde”. Consulta realizada utilizando os
termos “geografia” e “saúde” na base de dados Scielo resultou em 583 artigos, sendo 373
publicados desde 2010, além disso, a base informa que 349 foram publicados no Brasil. A
mesma consulta com os termos em inglês (“geography” e “health”) em uma das maiores bases
bibliográficas da área da saúde (pubmed/medline, na National Library of Medicine dos Estados
Unidos) resultou em 24.337 artigos, sendo o primeiro registro no ano de 1.857, praticamente
90% deles publicados a partir de 2000. Sendo que quase 80% do ano de 2010 em diante, o
que mostra o crescimento de publicação na área nos anos mais recentes. Porém, é
compreensível que a importância da Geografia da Saúde tenha tendência de ser notada
somente pelas pessoas que atuam nessas pesquisas, por conta da baixa divulgação e
institucionalização dessa temática. Geógrafos fora desse nicho e pessoas da área da Saúde
tendem a não perceber a importância da Geografia da Saúde, ainda que muitas vezes utilizem
conhecimentos dessa ciência de forma inconsciente.
O ENSINO DE GEOGRAFIA DA SAÚDE NO BRASIL
Primeiramente, é importante ressaltar que essa análise foi feita com base em
dados da amostra de respondentes e não do total da população pretendida. Como foi citado,
nem todos os cursos de Geografia ofertados no Brasil responderam à pesquisa. No total, um
quarto dos cursos disponíveis, segundo o MEC, responderam ao questionário. Os dados
obtidos, apesar de não caracterizarem uma amostra aleatória, não possuem nenhum fator
que afete a validade dos mesmos visto que todos foram igualmente convidados a participar e
todas respostas foram incluídas. que se admitir a possibilidade de viés de participação,
visto que os coordenadores de curso que possuem alguma disciplina de Geografia da Saúde
poderiam ser mais propensos a responder o questionário do que os coordenadores de cursos
que não tem ligação com essas disciplinas. Entretanto, esta possibilidade provavelmente não
afetou demasiadamente a participação, uma vez que menos de 30% dos respondentes
afirmaram que o curso oferta alguma disciplina do tipo. É também interessante lembrar que
não houve respostas oriundas de todas as unidades da federação. Além do Acre não ter
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retornado nenhuma resposta, houve estados que apresentaram apenas um respondente.
Dessa forma, as próximas análises serão feitas a partir de uma escala mais abrangente,
considerando o Brasil como unidade de análise.
Como citado anteriormente, dentre as respostas recebidas, 37 de um total de 95
coordenadores responderam que o curso possui pelo menos uma disciplina na temática de
Geografia da Saúde. Assim, de modo aproximado e extrapolando nossos dados para todo o
território nacional, é plausível estimar que deva existir cerca de 40% dos cursos de geografia
no cenário nacional que contemplem esta temática em disciplinas. Considerando essa
hipótese, deve haver no Brasil algo entre 140 e 150 cursos de Geografia com disciplinas na
temática de Geografia da Saúde.
Então, mesmo com a importância que a Geografia da Saúde tem hoje no âmbito
das decisões públicas, e dentro da academia, ainda há uma considerável lacuna no ensino
dessa subárea da Ciência Geográfica.
É notório também que, dentro do contexto do ensino superior em nível de
graduação, a Geografia da Saúde tende a ter mais importância para o Bacharelado do que
para a Licenciatura, já que é mais comum os formandos licenciados trabalharem ao nível de
ensino básico e médico, onde a Geografia da Saúde talvez seja considerada menos relevante,
até por não ser contemplada na Base Nacional Comum Curricular, ainda que existem vários
benefícios ao ensino de Geografia da Saúde no ensino médico, como mostram PASTORIZA
e SILVA (2014) no texto “O Ensino Interdisciplinar do Tema Dengue: Uma Proposta para a
Geografia” e SOARES e BEZERRA (2019) em “Saúde urbana no ensino de geografia: um
relato de experiência no município de Olinda, Brasil”. Ainda assim, um bom número de cursos
que ofertem disciplinas nessa temática seria algo em torno de 250, ou mais, já que ainda é
muito interessante pelo menos a opção dessa disciplina mesmo para cursos de licenciatura.
Os resultados desse estudo mostram que a Geografia da Saúde ainda é pouco
disseminada, assim, um grande campo para a expansão dessa temática, em especial
através da rede de ensino. Apesar dos conhecimentos desse campo serem utilizados,
poucos ainda o relacionam com a geografia e a potencialidade que se teria em fazer parceria
com essa ciência. Nesse contexto, para que a Geografia da Saúde seja mais disseminada,
recomenda-se o fortalecimento dos grupos de pesquisa, assim como uma maior publicização
dos congressos e conferências e que a disciplina seja institucionalizada nos cursos de
geografia. Ressalta-se que os temas da Geografia da Saúde tendem a ser abordados e
discutidos em outras disciplinas dos cursos, tanto de Geografia como da área da Saúde. Deste
modo, o ensino de Geografia da Saúde já pode estar um pouco melhor institucionalizado do
que esses números sugerem. Ou seja, é bastante provável que os alunos de Geografia, por
exemplo, estudem técnicas, trabalhos ou temas relacionados à Geografia da Saúde dentro de
outras disciplinas, tais como, disciplinas sobre cartografia, geoprocessamento, climatologia,
planejamento urbano, geografia agrária, dentre várias outras.
Um último comentário, apesar do levantamento realizado sobre disciplinas de
Geografia da Saúde não ter obtido dados do estado do Acre, vale mencionar que um estudo
de 2014 teve justamente como objetivo a avaliação do ensino de Geografia da Saúde no Acre.
A conclusão foi de que não havia nenhuma disciplina nessa temática nos cursos de
bacharelado e licenciatura em Geografia na Universidade Federal do Acre (UFAC), além
disso, pouquíssimos alunos entrevistados tinham ouvido falar sobre Geografia da Saúde.
O estudo fez a divulgação da temática e promoveu um minicurso (DE FARIAS, 2014). Isso é
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bastante significativo já esses dois cursos analisados no estudo representam 66% dos cursos
de geografia do estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os levantamentos realizados, bem como as entrevistas feitas, sugerem que a
Geografia da Saúde, área de pesquisa dentro da Ciência Geográfica está francamente
estabelecida no Brasil e tem sua importância evidenciada no âmbito acadêmico e da saúde
pública e coletiva. Entretanto, carece de disciplinas específicas nos cursos de geografia das
universidades públicas brasileiras. Dessa forma, recomenda-se uma maior divulgação da
temática junto aos formadores dos futuros geógrafos e professores de geografia brasileiros, a
fim de institucionalizar a Geografia da Saúde, através da oferta de disciplinas, de modo a
consolida-la como área de pensamento e pesquisa específica da Geografia no Brasil.
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq través do financiamento de bolsa
PIBIC; do Laboratório Misto Internacional | LMI-Sentinela em parceria entre o IRD-UnB-
Fiocruz e do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde (LAGAS) da UnB.
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Article
Full-text available
The areas of Geography and Health have been approaching and giving space to a field of interdisciplinary nature called Health Geography. Yet, it is still incipient the insertion of health topics in the teaching of Geography, especially at the basic level. Based on this premise, the work objective was to carry out a didactic sequence that discussed urban health issues in geography classes at a primary school in Olinda city, Brazil. By a qualitative approach, the case study was developed through the participant research technique. Thus, a didactic sequence was elaborate related the geographic knowledge with the problematic of health in the city. Theoretical classes, field activities, mental mapping workshops and evaluation discussions of the teaching strategies used were carried out. The results showed that the students were sensitize and stimulated to better understand the living conditions of the place they inhabit and the possibilities of changing that place with a view to health promotion actions.
Article
p6 the United States, medical geography is one of the least known of the medically related social sciences. Medical geography is concerned with the analysis of spatial patterns of disease and medical care provision.
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