ArticlePDF Available

Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido

Authors:

Abstract and Figures

Esse artigo relata os processos criativos em teatro que foram realizados com duas turmas de nono ano do Ensino Fundamental II, em Curitiba, PR. Tais processos foram desenvolvidos unindo as temáticas relacionadas à diversidade, ao preconceito, às questões de gênero e especialmente às questões relacionadas à mulher, a partir do Teatro do Oprimido de Augusto Boal, especificamente o Teatro Imagem e o Teatro Jornal. O processo foi dividido em duas etapas, com o total de vinte encontros, cumpridos entre os meses de fevereiro a dezembro de 2017 buscando desenvolver a investigação e o desenvolvimento de senso crítico e reflexivo, resultando em três processos criativos em teatro. A revisão bibliográfica apresentada diz respeito às teorias relacionadas aos estudos de gênero, ao ensino de teatro na educação básica e ao Teatro do Oprimido. Para tanto foram considerados como principal aporte bibliográfico os autores Augusto Boal, Judith Butler e Guacira Lopes Louro.
Content may be subject to copyright.
Encontros entre teatro, cotidiano
e escola: diferentes olhares do
sujeito escolar sobre gênero por
meio do Teatro do Oprimido
Andressa Kloster1
Submetido em: 02/03/2021
Aprovado em: 04/04/2021
DOI: 10.5965/2358092525252021163
1. Mestra pelo Programa Mestrado Prossional em Arte (Prof-Artes) da Universidade do
Estado de Santa Catarina (2018). Professora de Arte do Colégio Nossa Senhora Medianeira.
E-mail: andykloster.arte@gmail.com.
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
164
RESUMO
Esse artigo relata os processos criativos em teatro que
foram realizados com duas turmas de nono ano do Ensino
Fundamental II, em Curitiba, PR. Tais processos foram desen-
volvidos unindo as temáticas relacionadas à diversidade, ao
preconceito, às questões de gênero e especialmente às ques-
tões relacionadas à mulher, a partir do Teatro do Oprimido de
Augusto Boal, especicamente o Teatro Imagem e o Teatro Jornal.
O processo foi dividido em duas etapas, com o total de vinte
encontros, cumpridos entre os meses de fevereiro a dezembro
de 2017 buscando desenvolver a investigação e o desenvolvi-
mento de senso crítico e reexivo, resultando em três proces-
sos criativos em teatro. A revisão bibliográca apresentada diz
respeito às teorias relacionadas aos estudos de gênero, ao ensi-
no de teatro na educação básica e ao Teatro do Oprimido. Para
tanto foram considerados como principal aporte bibliográco
os autores Augusto Boal, Judith Butler e Guacira Lopes Louro.
Palavras-chave: teatro na escola, Teatro do Oprimido, identida-
de de gênero.
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
165
ABSTRACT
This article reports the creative processes in theater that were
carried out with two 9th grade classes, in Curitiba, Paraná. Such
processes were developed connecting the themes related to diver-
sity, prejudice, gender related questions and especially the ques-
tions related to women, drawing on the aesthetics of the Theatre
of the Oppressed of Augusto Boal, specically the Image Theater
and the Newspaper Theater. The process was divided in two steps,
with the total of twenty meetings, accomplished between February
and December of 2017, looking to develop investigation and critic
and reective sense, resulting in three creative processes in drama.
The literature review presented concerns the theories related to
gender studies, theater teaching in primary and secondary school
and the Theatre of the Oppressed. For that, it was used as a main
literature contribution the authors Augusto Boal, Judith Butler and
Guacira Lopes Louro.
Keywords: theater at school, Theatre of the Oppressed,
gender identity.
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
166
INTRODUÇÃO
O teatro pode ser entendido, também, como uma forma de
expressão dos problemas sociais, como meio de conhecimento
e possível transformação da subjetividade, tanto dos indivíduos
que atuam, quanto do público e das relações que se dão entre
estes, o que acontece de forma interativa no teatro.
Com este trabalho, busca-se discutir, problematizar e
dialogar sobre problemas da atualidade presentes na vida dos/
as adolescentes, de forma direta, envolvendo estudantes do
nível fundamental de ensino, e a expressão desses problemas
de forma poética, artística e teatral. Para tanto, foi escolhida a
metodologia do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, por ser
uma abordagem criada com o objetivo de colocar em discus-
são problemas sociais, debater e reetir, além de ter também o
propósito de que pessoas comuns, não artistas, possam colocar
a realidade - seja ela social, cultural, política ou econômica - em
cena, expressando e reetindo sua própria realidade.
Foram desenvolvidos três processos criativos, realizados
com duas turmas de nono ano de um colégio2 público localiza-
do na cidade de Curitiba, Paraná.
É no sentido de promover o pensamento crítico e emanci-
pador que o Teatro do Oprimido passou a ser aplicado na escola,
em concordância com as pedagogias emancipatórias, e princi-
palmente os escritos de Paulo Freire, que buscam a formação de
sujeitos críticos e reexivos acerca da sua realidade, capazes de
exercer suas funções como cidadãos/ãs a partir de uma educa-
ção horizontal, dialógica e comprometida com a humanização,
o que nos permite considerar os estudos de Pierre Bourdieu.
A partir de sua ideia sobre luta e violência simbólica, o teóri-
co explica o controle e a dominação de certos padrões sociais
sobre outros. Segundo Cristina Carta Cardoso de Medeiros, é
importante “compreender as ações que resultam na formação
de disposições; o poder, a dominação ou a violência simbólicos;
2. Colégio Estadual Professor Lysímaco Ferreira da Costa.
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
167
as relações de força e de sentido estabelecidos na ordem social
vigente; o privilegiamento de uns sobre os outros e as lógicas
veladas dos espaços sociais.” (MEDEIROS, 2009, p. 11)
Essa pesquisa, no contexto do Programa de Mestrado
Prossional em Artes PROFARTES, pautado pela linha de
pesquisa “Processos de ensino, aprendizagem e criação em
artes”, consistiu no desenvolvimento de processos criativos,
buscando perceber, criticar, construir e talvez interferir na
realidade vivida por estudantes de nível fundamental, seja no
âmbito social, econômico, político e/ou cultural e, além disso,
oportunizar a criação e a expressão artística e poética a partir
das vivências desses alunos/as. O recorte da pesquisa está rela-
cionado à linguagem do teatro, fazendo um paralelo entre o
Teatro do Oprimido de Augusto Boal e discussões sobre gêne-
ro na escola, tendo como prerrogativa o interesse dos/as estu-
dantes em trabalhar esse tema quando discutido sobre arte
engajada, temas sociais da atualidade que podem ser expressa-
dos pela arte, em uma abordagem ligada à diversidade cultural
e ao preconceito.
ESTREITANDO O DIÁLOGO ENTRE TEORIAS
DE GÊNERO E O TEATRO DO OPRIMIDO DE
AUGUSTO BOAL
As temáticas relacionadas aos estudos de gênero, particu-
larmente às questões relacionadas à mulher, podem e devem ser
inseridas no contexto escolar. Faz-se necessário discutir sobre a
inserção dessas temáticas no ambiente escolar, local onde há uma
ampla amostragem de diversidade, embora esta seja muitas vezes
silenciada, mascarada, oprimida e massicada. Segundo Guacira
Lopes Louro, renomada pesquisadora nessa área,
[...] as memórias e as práticas atuais podem contar da
produção dos corpos e da construção de uma lingua-
gem da sexualidade; elas nos apontam as estratégias
e as táticas hoje institucionalizadas das “Identidades
sexuais e de gênero. Na escola, pela armação ou pelo
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
168
silenciamento, nos espaços reconhecidos e públicos
ou nos cantos escondidos e privados, é exercida uma
pedagogia da sexualidade, legitimando determinadas
identidades e práticas sexuais, reprimindo e marginali-
zando outras. Muitas outras instâncias sociais, como a
mídia, a igreja, a justiça, etc. também praticam tal peda-
gogia, seja coincidindo na legitimação e denegação de
sujeitos, seja produzindo discursos distantes e contra-
ditórios. (LOURO, 2000, p. 21)
É preciso abordar gênero e sexualidade na escola, funda-
mentalmente porque os/as jovens da atualidade sentem neces-
sidade de falar sobre isso, de se expressar.
A pesquisadora Marivete Gesser, em seu artigo A organi-
zação escolar e o processo de homogeneização e exclusão das
diferenças, destacou que a organização escolar “[...] prima por
estratégias de ensino homogeneizantes e universalizantes, di-
cultando o acolhimento das diferenças, [e] acaba produzindo,
como efeito, conitos decorrentes dos diferentes comportamen-
tos, valores e modos de vida e formas de aprender” (GESSER,
2015, p. 86). Segundo a autora,
[...] a escola produz um processo de exclusão/inclusão
social perversa dos/as alunos/as “desviantes”. Destaca-
se que a exclusão, de acordo com Bader Sawaia (2005),
deve ser entendida como um processo dialético no qual
as pessoas não são simplesmente excluídas, mas sim
incluídas perversamente como seres inferiores, apêndi-
ce (in)útil da sociedade. Um exemplo disso refere-se à
orientação sexual dos/as alunos/as da escola. Aqueles
que divergem do padrão heterossexual não são simples-
mente excluídos mas, [...] são incluídos como desvian-
tes por não corresponderem à norma instituída como
saudável de orientação sexual. (GESSER, 2015, p. 87)
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
169
Para Gesser, a escola deve promover cidadania e transfor-
mação social a partir de práticas voltadas ao acolhimento das
diferenças e que garantam os direitos humanos a todos/as.
Somente levando em conta essas questões é que pode-
remos oportunizar uma educação mais democrática, igualitária
e justa. Sendo assim, ações que promovam discussões sobre
gênero, identidades, pluralismos, bem como diversidade em
geral, geram uma educação que estimula a construção de uma
sociedade mais justa e cidadã:
[...] sob a expectativa de que a educação perpasse a
promoção de debates em torno das desigualdades de
gênero, a escola necessita possibilitar espaços nos quais
se desenvolvam discussões sobre o tema das relações
de gênero, podendo proporcionar uma mudança cultu-
ral e uma construção de saberes sem preconceitos e
priorizando a igualdade de gêneros. (GRAUPE; SOUZA,
2015, p. 117).
Trazer à tona essas discussões e quebrar com o padrão
normatizador e com o silêncio estabelecido no ambiente escolar,
nos permite um novo olhar dos/das adolescentes para temas de
relevância e importantes discussões, tendo em vista o fato de a
escola ter sido – e continuar sendo - um ambiente que preza por
padronizações, ignorando a diversidade e a individualidade de
cada um/a que nele convive, além de reproduzir padrões sociais
que geralmente enfatizam diferenças de classes e relações de
poder, rearmando papéis de oprimido e opressor.
Dentro dessa lógica, padrões sociais heteronormativos e
patriarcais também são rearmados dentro do ambiente escolar,
excluindo, ignorando ou enfrentando a diversidade de gênero
que não se encaixe nos padrões estabelecidos como “normais”.
Assim, indivíduos desviantes do padrão não são bem aceitos
por colegas e pela própria equipe escolar, que - por opção ou
mesmo por não saberem como lidar com a situação – preferem
ignorá-los, restando-lhes o papel de excluídos. Sob essa pers-
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
170
pectiva, cabem as reexões de Judith Butler sobre a noção de
um patriarcado universal presente na sociedade em que vive-
mos, cultura esta que não dá conta de explicar os mecanismos
da opressão de gênero. Para Butler,
[...] a noção binária de masculino/feminino constitui
não só a estrutura exclusiva em que essa especicidade
pode ser reconhecida, mas de todo modo a “especici-
dade” do feminino é mais uma vez totalmente descon-
textualizada, analítica e politicamente separada da
constituição de classe, raça, etnia e outros eixos de rela-
ções de poder, os quais tanto constituem a “identidade”
como tornam equívoca a noção singular de identidade.
(BUTLER, 2017, p. 22)
Os argumentos utilizados para questionar e justicar essa
noção binária, bem como o preconceito de gênero, normalmen-
te estão relacionados à biologia ou à religião, seguindo a ideia de
que o gênero deve estar ligado diretamente ao sexo biológico. É a
própria Butler quem propõe uma diferenciação entre os termos,
sendo o sexo relacionado a termos biológicos e o gênero construí-
do culturalmente. Segundo a autora, a distinção entre sexo e gêne-
ro “[...] concebida originalmente para questionar a formulação de
que a biologia é o destino [...] atende à tese de que, por mais que
o sexo pareça intratável em termos biológicos, o gênero é cultural-
mente construído.” (BUTLER, 2017, p. 6).
Os estudos sobre gênero e identidade de gênero surgem
a partir do movimento feminista, trazendo discussões que
contemplam diferentes representações. No teatro feminista é
possível trazer à tona, artisticamente, essas discussões, visto
que tal movimento engloba vários pontos de vista, com dife-
rentes ideologias e demandas que se alteram dependendo do
contexto histórico e social.
Neste sentido, a discussão sobre questões relacionadas
à mulher em peças teatrais e a reexão sobre esses assun-
tos trouxe também a mulher além da personagem: escritora,
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
171
diretora, entre outras funções ocupadas majoritariamente por
homens. Assim, essas reexões e a expressão artística de tais
temas se tornam cada vez mais profundas e questionadas pelas
próprias mulheres.
Segundo Ana Paula Canotilho, pesquisadora portuguesa,
“[...] a arte e os feminismos reetem a diversidade das experiên-
cias das mulheres, a sua identidade, a diversidade de vozes em
contextos e práticas artísticas com atitudes e objetivos estéti-
cos, políticos e sociais” (CANOTILHO, 2015, p. 39).
A abordagem e a problematização de temáticas relaciona-
das ao gênero e à mulher na sociedade, igualdade e diversidade
podem ser trazidas para o campo das artes e mais especica-
mente para o teatro de diversas formas, com diferentes lógicas.
O Teatro do Oprimido (TO) e suas técnicas possibilitam a ree-
xão e expressão dessas temáticas, podendo abarcar reexões
sobre gênero, principalmente no que tange às angústias e senti-
mentos vividos pelos/as adolescentes em idade escolar.
As práticas de TO permitem incorporar as discussões neste
meio que, na maioria das vezes, nos contextos atuais, evita colo-
cá-los em pauta, como forma de ação política e cultural. O diálo-
go entre os temas sobre gênero na escola e as metodologias de
Boal, tendo em vista o papel do teatro pedagógico de ressaltar
a importância cultural e social, além de auxiliar no desenvolvi-
mento dos/as alunos/as por seu caráter interativo e promover
socialização e atuação de temas importantes, deve desencadear
uma reexão e incentivar a criticidade sobre assuntos relevan-
tes, mas vai além disso.
A partir de uma perspectiva de pensar de forma crítica e
reexiva sobre a sua própria realidade e a realidade que os/as
rodeia, esses/as alunos/as podem criar uma interação com as
demais pessoas, sejam elas colegas ou espectadores/as, desen-
volvendo, assim, um processo de investigação e debate sobre
problemas sociais e questões do cotidiano envolvendo opres-
sores/as e oprimidos/as. Segundo Canotilho, referindo-se ao
Teatro do Oprimido:
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
172
O método estimula uma postura ativa nos/as pratican-
tes e espectadores/as. Como linguagem, pode incen-
tivar à discussão de qualquer tema no qual exista um
conito claro e objetivo e o desejo e a necessidade de
mudança. Por m, oferece condições para que alter-
nativas sejam encontradas e estimuladas, e que extra-
polem o âmbito do palco para a vida real, tornando-se
factos concretos. (CANOTILHO, 2015, p. 36)
O ensino de teatro na escola é uma via de experimentação
artística para estudantes, forma de sensibilização, de trabalhar a
subjetividade em um ambiente em que se valoriza tanto a racio-
nalidade, mas pode ser também uma maneira de se expressar
cenicamente, questionar, criticar e reetir sobre questões que
façam parte do cotidiano desses estudantes.
Por essa perspectiva, salienta-se a importância do Teatro
do Oprimido no desenvolvimento de teatralidades no cotidia-
no escolar que exprimam a realidade singular e social dos/as
alunos/as. Sendo assim, segue-se a partir daqui uma aborda-
gem sobre o TO e de que maneira isso pode ocorrer nos proces-
sos criativos dos estudantes.
O TEATRO DO OPRIMIDO E O DESPERTAR
DA EXPRESSÃO CRÍTICA E ARTÍSTICA
O Teatro do Oprimido foi criado por Augusto Boal, que é,
possivelmente, o teatrólogo brasileiro mais conhecido no exte-
rior. Segundo Boal (2013), o Teatro Oprimido busca desenvol-
ver, nos que o praticam, a capacidade de perceber o mundo por
meio de todas as artes e não apenas do teatro, centralizando
esse processo na palavra, no som e na imagem.
Os Jogos, o Teatro Imagem, o Teatro Fórum, o Teatro Jornal,
o Teatro Invisível, O Arco Íris do Desejo e o Teatro Legislativo
são as práticas, metodologias e pensamentos que envolvem o
Teatro do Oprimido como um todo. Para essa pesquisa foram
selecionadas principalmente o Teatro Imagem e o Teatro Jornal.
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
173
O Teatro Imagem agrupa formas de percepção não verbal
estimuladas, em detrimento da palavra, isto é: a palavra é dispen-
sada para que se possa desenvolver outras formas de percep-
ção e expressão. Segundo Boal, no Teatro Imagem o espectador
deve intervir muito mais diretamente. Pede-se que ele expresse
sua opinião sobre um tema determinado, de interesse comum,
que os participantes se interessem em discutir. Pede-se ao parti-
cipante que expresse sua opinião, mas sem falar: deve apenas
usar os corpos dos demais participantes para “esculpir” um
conjunto de estátuas, de tal maneira que suas opiniões e sensa-
ções resultem evidentes. O participante deverá usar os corpos
dos demais como se ele fosse um escultor, e como se os outros
fossem feitos de barro. Deverá determinar a posição de cada
corpo até os detalhes mais sutis de suas expressões sionômi-
cas. Não é permitido falar em nenhuma hipótese.
[...] O importante é chegar a um conjunto modelo que,
na opinião geral, seja a concreção escultural do tema
dado, isto é: este modelo é a representação física deste
tema! Quando nalmente se chega a uma gura acei-
ta mais ou menos unanimemente, pede-se ao escultor
que faça outra imagem mostrando como ele gostaria
que fosse o tema dado. Em outras palavras: o primei-
ro conjunto deve mostrar a imagem real, enquanto o
segundo mostrará a imagem ideal. Isto é: temos uma
realidade queremos transformar; como transformá-la?
Isso deve ser mostrado através de imagens formadas
pelos corpos dos participantes. (BOAL, 2013, p. 139- 140)
Desta maneira, o Teatro-imagem tem a intenção de
ensaiar uma transformação da realidade, através do uso da
imagem corporal.
O Teatro-jornal, por sua vez, transforma notícias de jornais
ou qualquer material impresso em cenas teatrais, segundo Boal
“[...] consiste na combinação de imagens e palavras revelando,
naquelas, signicados que, nestas se ocultam. Mostra que um
jornal, por exemplo, usa técnicas de cção, tal como na litera-
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
174
tura” (2013, p.17). Consiste em diversas técnicas simples que
permitem a transformação de notícias de jornal ou de qualquer
outro material não dramático em cenas teatrais.
Para Boal, o teatro tem um papel de autoconhecimento, de
reexão e criticidade e por meio do teatro é possível repensar
ações cotidianas, questões sociais e políticas a m de transfor-
mar todos/as que de alguma forma participam desse teatro e a
partir daí buscar transformações na vida. Boal relata, em Teatro
do Oprimido e outras poéticas, que o teatro no início era uma
festa, uma comunhão entre público e atores. Posteriormente, as
classes dominantes transformaram esse teatro, criando muros,
dividindo espectadores e atores.
O autor defende que o público oprimido pode se libertar:
“[...] primeiro, o espectador volta a representar, a atuar: teatro
invisível, teatro foro, teatro imagem, etc. Segundo, é necessário
eliminar a propriedade privada dos personagens pelos atores
individuais: Sistema Coringa.” (BOAL, 2013, p. 121)
Segundo Márcia Pompeo Nogueira, o Teatro do Oprimido
tem um potencial de transformação:
Nesta nova perspectiva política do teatro, que tem como
base tanto a Pedagogia do Oprimido quanto o Teatro do
Oprimido, o político é entendido como um processo de
reexão dos participantes sobre as situações em que se
encontram, como um passo para uma ação transforma-
dora nestes contextos. (NOGUEIRA, 2013, p. 182).
Dessa forma, é possível desenvolver, na escola, trabalhos
relacionados à arte que envolvam essas discussões, principal-
mente no que diz respeito às inquietações dos/as próprios/as
alunos/as, e buscar desenvolver a criatividade e a expressivida-
de tendo como fonte inspiradora as questões que lhes são caras
ou que façam parte do cotidiano dos/as mesmos/as.
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
175
PROCESSOS CRIATIVOS: A DIVERSIDADE E
O PRECONCEITO COMO TEMÁTICAS PARA
UMA PRODUÇÃO TEATRAL NA ESCOLA
Levando em consideração a proposta do Teatro do
Oprimido, suas relações políticas e sociais, o incentivo à reexão
e o pensamento crítico, o posicionamento tanto dos/as atores e
atrizes quanto dos/as espectadores/as ou “espect-atores ”3 e a
importância de se trabalhar problemas relacionados ao contexto
de um determinado público, salienta-se a importância do traba-
lho de sensibilização, debates, conversas, a m de conhecer o
grupo que irá realizar a proposta de T.O., criando um repertório
conceitual e reforçando que as questões a serem problemati-
zadas no teatro devem pertencer, de fato, a este determinado
grupo e não serem trazidas por pessoas de fora.
Inicialmente realizamos uma sensibilização para as temá-
ticas relacionadas à arte política e à arte engajada, de forma
geral, incluindo as outras linguagens artísticas, com o objetivo
de integrá-las a partir da temática. É importante deixar claro que
o objetivo não foi diminuir a importância das outras linguagens
em relação ao teatro, nem trabalhar de forma polivalente cain-
do no reducionismo, mas sim de maneira a integrar as quatro
linguagens artísticas no ensino de Arte, como forma de sensibi-
lização à temática para a produção nal em teatro.
Dessa forma, trabalhamos os elementos do hip hop: o graf-
ti nas artes visuais, o rap na música, e o break na dança, reetin-
do sobre a história do movimento e sua importância social. Além
disso, também foram realizadas experiências a partir do conceito
e da técnica do grati, pesquisas de outras músicas com cunho
político e experiências corporais a partir de tais músicas.
As aulas seguintes envolveram a leitura dos textos
Feminilidades e Masculinidades (REIS, 2016) e Nosso Corpo
Nossas Regras (PEREIRA, 2014) bem como a apresentação e
discussão de notícias de jornal (jornal on-line, notícias virtuais
3. Espect-ator é a união das palavras espectador e ator, e está relacionada àquele que além
de assistir, intervém na ação cênica.
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
176
ou compartilhamentos em redes sociais e, inclusive, comentá-
rios polêmicos e/ou preconceituosos em publicações de redes
sociais, sobre essas temáticas), selecionadas pelos/as alunos/as.
As discussões envolveram homossexualidade, homofobia, assé-
dio, desigualdade de gênero, violência contra mulher e bullying,
entre outros. Neste momento realizamos uma discussão sobre
o cuidado com a veracidade das informações especialmente das
que são veiculadas na internet e redes sociais.
No décimo primeiro encontro, zemos uma aula exposi-
tiva sobre os elementos formais do teatro, os signos teatrais e
alguns jogos teatrais, incluindo o de objetos baseados nos jogos
teatrais de Boal.
O jogo realizado em sala foi feito com objetos disponibiliza-
dos pelos/as próprios/as estudantes, uma régua, uma garrafa, uma
cola em bastão, dentre outros e assim os/as alunos/as deveriam, a
partir da mímica, ressignicar objetos, conectando com os signos
teatrais em estudo, especialmente cenário e adereços.
No décimo segundo encontro, estudamos teoricamente
o Teatro do Oprimido e suas práticas, assistimos vídeos sobre o
tema, trechos de peças gravados em vídeo e trechos do docu-
mentário Augusto Boal e o Teatro do Oprimido (2010), dirigido
por Zelito Viana. Na segunda parte desse encontro zemos uma
vivência prática dentro da proposta do Teatro Imagem do T.O.,
a partir de algumas imagens, trazidas pelos/as alunos/as, que já
haviam sido solicitadas no encontro anterior. Essas imagens deve-
riam representar a palavra opressão. Após um alongamento e
um aquecimento corporal básico, trabalhamos o jogo teatral, do
próprio Boal. Neste jogo, uma pessoa deve criar imagens corporais
com o corpo do/a colega, como se ele/ela fosse um/a escultor/a e
o/a colega a argila. Para Boal, os exercícios desenvolvem a capaci-
dade de observação pelo diálogo visual entre duas ou mais pesso-
as. [...] O Teatro-Imagem tende a desenvolver a linguagem visual e
a introdução de qualquer outra linguagem (palavra, por exemplo)
não apenas confunde a linguagem que se quer desenvolver, como
a ela se superpõe. (BOAL, 2008, p.172)
Dando sequência ao trabalho, outro exercício foi propos-
to: criar imagens corporais, em grupos, a partir de algumas pala-
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
177
vras, uma de cada vez: trânsito, família, preconceito, pobreza,
opressão. As imagens corporais trouxeram muitas relações com
temas já discutidos pelos/as participantes em encontros anterio-
res. Pôde-se perceber a presença dos temas violência, discrimi-
nação, preconceito e diversidade de gênero nas imagens corpo-
rais e nas impressas que foram levadas pelos/as alunos/as. Por
m, foram criadas formas corporais a partir das imagens que
eles escolheram e logo em seguida foi feita uma roda de discus-
são onde eles/as puderam falar sobre suas análises e reexões
a partir das imagens impressas e das imagens corporais, deles/
as e dos/as colegas.
Durante as discussões dos textos, das notícias e das aulas
teóricas e práticas, percebeu-se a necessidade de aprofun-
dar algumas informações sobre feminismos, que foram e são
responsáveis pelas discussões que envolvem igualdade de direi-
tos independentemente do gênero e a defesa ao respeito pela
diversidade da identidade de gênero. Para tanto, convidamos
a atriz Tefa Polidoro, que faz uma performance com a perso-
nagem Ternurinha, uma mulher em situação de rua, que traz
reexões sobre as questões de gênero relacionadas à mulher,
discute e interage com o público, e por isso ganha o nome de
perfopalestra. Além disso, a personagem nos faz reetir sobre
os direitos ou a extrema falta de direitos que acometem mulhe-
res em situação de rua. A perfopalestra leva o título Nem 1 a -
fazendo alusão ao protesto Ni una a menos, na Argentina, contra
os feminicídios, que ocorrem no país e que teve como estopim
a morte de uma jovem, de 16 anos, após ter sido estuprada. Tal
protesto repercutiu em vários países, inclusive no Brasil. A atriz
Tefa Polidoro, em email recebido no dia 20 de outubro de 2017
às 18:57, relata que
A palestra intitulada “Nem 1 a -” faz uma reexão sobre
o que é necessário para uma mulher tornar-se indivídua
reconhecida na nossa atual sociedade ocidental capi-
talista. A performance faz parte de minha pesquisa de
doutorado - UDESC e traz Ternurinha, uma personagem
bufonesca desenvolvida a partir de vivências em situa-
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
178
ção de rua (quando se colocou em performance pelas
ruas sem dinheiro, sem abrigo, sem lenço ou documen-
to) para falar. (POLIDORO, 2017)
Após todas essas etapas de leituras, debates e discussões,
estudos e apreciações, iniciou-se a escrita do texto dramatúrgico
que foi realizado coletivamente a partir da proposta do Teatro
Jornal, com o objetivo de buscar uma potencialidade poética
dos/as próprios/as alunos/as. estes, realizaram uma pesquisa de
notícias e outras informações midiáticas sobre o tema, além de
aprofundar uma discussão em cada uma das turmas. Algumas
notícias foram selecionadas, focando naquelas que poderiam
ser utilizadas como base e inspiração dentro das temáticas de
relação com diversidade e preconceito.
A turma A escolheu temas relacionados à mulher, e a
turma B temas relacionados ao gênero de uma forma um pouco
mais ampla, incluindo notícias que tinham tema relacionado a
homossexuais e às mulheres. Havia notícias de diversas temáti-
cas, não apenas de gênero. No entanto, nesse primeiro momen-
to, a escolha deles foi por notícias que tivessem alguma proxi-
midade com o tema. Durante a escrita do texto houve algumas
mudanças em relação às notícias, algumas foram lembradas
posteriormente e outras deixadas de lado.
Em seguida, os grupos foram divididos de acordo com
funções dentro do processo criativo, de acordo com os gostos
pessoais, habilidades e o querer. Inicialmente, foram seleciona-
das, de forma voluntária, duas alunas da turma A e três alunas
da turma B para carem responsáveis pela estruturação do texto
a partir das ideias coletivas. Também deniu-se quem iria fazer
as personagens. Os/as demais foram divididos/as em outras
funções e tiveram igual importância, como produção de carta-
zes de divulgação, sonoplastia, gurino, maquiagem, adereços
e cenário. As pessoas destinadas para essas funções deveriam
dar ideias a partir do olhar de sua função.
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
179
Todas as etapas realizadas foram pensadas com o obje-
tivo de dar suporte teórico, referências, ideias, conhecimentos
de diversas maneiras, leituras, discussões, debates, pesquisas,
produções artísticas, a m de produzirmos um texto coerente,
embasado e ao mesmo tempo com uma proposta narrativa que
se aproximasse de uma poética artística e, por m, a consuma-
ção desse texto na apresentação de peças curtas.
O texto da turma A, com o título Lições de Vida, foi cons-
truído em 5 cenas que ocorrem intercaladas com uma cena
em um grupo de apoio moral, em que cada personagem conta
sua história e logo a interpreta, utilizando o palco como espaço
cênico. Na cena 1, há um casal negro em um restaurante e que
sofre com uma atitude racista. Essa cena foi escrita tendo como
referência a história verídica contada por um dos/as alunos/as
durante nossas discussões juntamente com uma notícia sobre
o mesmo assunto.
A cena 2 fala sobre o respeito à diversidade de gênero e à
sexualidade de cada indivíduo, e duas alunas interpretam o diálo-
go – O que você tem a ver com a sexualidade dos outros? e que
foi amplamente divulgado e compartilhado em redes sociais. A
cena 3 fez referência à notícia que falava sobre assédio no trans-
porte coletivo e teve grande repercussão. A quarta cena foi relacio-
nada ao tema violência doméstica, baseada em uma notícia que
não havia sido escolhida no primeiro momento. A cena ocorre no
cenário de uma casa em que uma mulher está deitada no sofá, o
companheiro chega embriagado e agride verbalmente ela e a lha.
Ao nal a cena retoma para o grupo de apoio moral e naliza com
uma reexão da mulher que estava desabafando.
Na quinta e última cena, todas as personagens assumem
papéis de estudantes em uma sala de aula. Esta última tem tom
cômico e faz referência à notícia que dizia que a justiça permitiu
tratar a homossexualidade como doença e cou conhecida como
cura gay. Nessa cena as personagens tratam a palavra gay como
se fosse o nome de uma doença, fazendo uma metáfora com gripe
ou outras viroses comuns, e fazem referência metafórica a medica-
mentos, criando nomes como por paradecegay, por exemplo.
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
180
O que chamou a atenção na criação dos/as estudantes
nesta montagem foi a disposição dos espaços cênicos e do
público. O espaço principal que fazia conexão entre as cenas e
as histórias foi pensado pelos/as alunos/as a partir de algumas
referências indianas, ou de Ioga. As personagens sentam-se ao
chão, fazendo um círculo em torno de um tecido com estam-
pas orientais, o aroma de um incenso toma conta do ambiente
assim como sua fumaça complementa a visualidade do cenário,
montado no centro do auditório, enquanto a plateia se coloca
em círculo em torno dessa cena. As histórias são contadas e
interpretadas no palco e assim as cenas sobem e descem desse
espaço, aproximando-se e se afastando do público, exceto pela
última cena, que ocorre como uma história à parte, trazendo
uma comédia, um cenário completamente diferente e novas
personagens. Com a última cena, há uma quebra na dramatici-
dade mais séria das anteriores.
Figura 1: Cena principal da peça Lições de Vida da turma 9º
A ocorrendo no centro da plateia
Fonte: Fotograa de Marcos Adric (2017)
A produção escrita pela segunda turma, o 9º ano B, levou
o título de A vida não é um conto de fadas. O roteiro foi estrutu-
rado em 9 cenas. Durante o processo de escrita do texto, após a
escolha das notícias de jornal e demais informações midiáticas,
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
181
uma aluna propôs a ideia de fazer uma relação de uma notícia
com a história de uma das princesas da Disney, de forma meta-
fórica, e assim outros/as alunos/as foram relacionando outras
personagens da Disney com outras notícias.
A história inicia em um tribunal, onde uma mulher está
sendo julgada por assassinar um homem, em seguida as outras
cenas ocorrem, cada uma traz a relação entre uma personagem
da Disney com suas características e uma das notícias.
A cena de Alyssa inspirada em Alice no País das Maravilhas
chamou muito a atenção. Esta foi a personagem que mais
lembrou a personagem original pelo gurino e algumas falas
relacionadas, no entanto a personagem foi totalmente desarti-
culada, trazendo um novo signicado às imaginações e/ou para-
nóias da menina. A aluna que escreveu sua própria personagem
se fundamentou muito na perfopalestra de Ternurinha. Além
dessa referência metafórica, Alyssa tenta transmitir sua para-
noia também por meio da dança, em uma composição própria,
realizada a partir das experimentações corporais e danças das
aulas e ressignicadas para a personagem.
Figura 2 e 3: Cena da personagem Alyssa da peça A vida não é
um conto de fadas da turma 9º B
Fonte: Fotograa de Marcos Adric (2017)
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
182
Paralelamente ao trabalho que estava sendo desenvolvi-
do com as turmas A e B, alguns/mas alunos/as demonstraram
interesse em se aprofundar. Então, foi criado um horário extra
curricular uma vez por semana, onde eram realizados trabalhos
práticos de encenação e interpretação. Trabalhei mais com esses
estudantes detalhes de interpretação, gurino, cenário, expres-
são facial, gestual, verbal. Devido ao tempo extremamente curto,
senti que faltou esse acompanhamento nas turmas regulares.
Com esse pequeno grupo, composto de 6 a 10 alunos/as, tivemos
um pequeno processo criativo intitulado Ninguém = Ninguém,
tendo como referências de criação a música de mesmo nome
do cantor e compositor Humberto Gessinger. A peça inicia, com
falas das personagens vindo da plateia, a partir da denição de
bullying e em coro, com clara inuência do teatro grego, o grupo
se dirige ao palco, recitando um trecho da música.
tanta gente pelas ruas, tantas ruas, tantos
quadros na parede, há tantas formas de se ver, me assus-
ta que justamente agora, todo mundo, tanta gente, tenha
ido embora. (Trecho da música Ninguém = Ninguém de
Humberto Gessinger, adaptado para fala em coro)
As alunas interpretaram, em forma de pequenos monólo-
gos, personagens a partir de depoimentos pesquisados e estu-
dados, contando histórias de pessoas que sofreram algum tipo
de preconceito, de gênero, religioso, e outros que fazem parte
da realidade dos/as adolescentes. As expressões de voz, gestu-
ais e faciais apareceram de forma mais enfática nesta produção,
como resultado do trabalho mais elaborado, com um tempo
maior dedicado à prática e as experimentações teatrais, além do
número menor de alunos/as nesse grupo. No entanto, o enredo
foi menor e com menor aprofundamento das temáticas.
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
183
Figura 4: Cena nal da peça Ninguém = Ninguém do processo
criativo extracurricular
Fonte: Fotograa de Marcos Adric (2017)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para a realização desse processo criativo em teatro, utili-
zando a metodologia do Teatro do Oprimido, de Boal, foram
realizadas diversas pesquisas e debates acerca de temáticas
que despertaram o interesse dos/as participantes e as produ-
ções práticas nas diferentes linguagens artísticas, com o intuito
de construir uma bagagem conceitual e de sensibilização artís-
tica, culminando na construção de um texto teatral coletivo em
cada uma das turmas e nas apresentações destes.
Uma grande preocupação foi a de não impor as temáti-
cas que seriam trabalhadas. A partir das discussões sobre a arte
como expressão de problemas sociais, políticos e culturais e as
discussões em sala de aula com os/as participantes, os temas
especícos foram trazidos por eles/elas mesmos. Este foi um
ponto importante, visto que essas temáticas, principalmente
as relacionadas a gênero, têm despertado muita indignação
de alguns pais que trazem muitos questionamentos à escola e
acabam por dicultar abordagens como essas em sala de aula.
Uma vez que a denição dos temas partiu dos/as alunos/as,
pudemos argumentar sobre a necessidade desses/as adoles-
centes discutirem tais temáticas.
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
184
O processo criativo em teatro revelou grande motivação
por parte dos/as participantes, alguns/mas demonstraram inte-
resse em escrever, outros/as em atuar e algumas pessoas em
trabalhar com cenário, gurino e demais funções. O que chamou
a atenção nesta etapa foram as pesquisas das notícias de jornal,
que desencadearam discussões e debates importantes em sala
e serviram como base para as ideias de criação do texto drama-
túrgico que foi escrito coletivamente pelas turmas.
É notório que a qualidade dos textos produzidos foi mais
expressiva do que a apresentação em si. Isso se deu por termos
feito um trabalho mais longo na criação do repertório para a produ-
ção. Em contrapartida, tivemos pouco tempo para a realização de
exercícios práticos de interpretação, jogos teatrais e ensaios, visto
o número reduzido de horas/aula na disciplina de Arte na escola,
e a grande quantidade de feriados, recessos e eventos escolares
que caíram em nosso dia de aula. Ainda assim, pude contar com
a ajuda de outros professores que, já tendo nalizado seus conte-
údos, puderam ceder algumas aulas para os ensaios. No entan-
to, houve uma preocupação minha desde o início do processo na
construção dessa bagagem conceitual e referencial para a cons-
trução do texto, apostando na importância de textos bem escritos
e fundamentados, saindo das opiniões de senso comum e dessa
forma, como consequência, buscar uma poética para a produção
do processo criativo como um todo.
Por m, tendo em vista que a disciplina de arte na esco-
la, geralmente, ca em torno das artes visuais apenas, os/as
alunos/as souberam aproveitar a oportunidade de aprofundar
a linguagem do teatro, além de poderem expressar, falar, argu-
mentar, discutir e debater sobre as questões que lhes são caras,
que trazem dilemas e inquietações próprias da idade, principal-
mente no contexto social e cultural da atualidade. Foi notória a
ansiedade demonstrada por eles/as para tratar desses temas e,
além disso, a possibilidade de experimentar a expressão dessas
angústias e inquietações por meio da arte, especialmente do
teatro, visto que a maioria deles nunca havia realizado um traba-
lho parecido. Inclui-se, também, a oportunidade que tiveram de
Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
185
assistir uma performance/teatro/palestra com uma atriz de um
trabalho maduro, que os/as deixou muito entusiasmados/as e
principalmente os/as fez reetir de forma contundente. Todas
essas reexões apareceram nitidamente na construção do
texto, nas ideias, e na apresentação das personagens, enm, no
processo criativo como um todo.
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
186 Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
REFERÊNCIAS
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não-atores. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.
________. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. São
Paulo: Cosac Naify, 2013.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subver-
são da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
CANOTILHO, Ana Paula. Arte e violência de género: Educação e
performatividades para a mudança social. Tese de doutorado.
Portugal, 2015.
GESSER, Marivete. A organização escolar e o processo de homo-
geneização e exclusão das diferenças. Especialização EaD em
gênero e diversidade na escola: Livro 1, Módulo I / Miriam
Pillar Grossi [et al.] UFSC, 2015.
GRAUPE, Mareli E.; SOUZA, Lúcia A. B. de. Gênero e educação.
Especialização EaD em gênero e diversidade na escola: Livro
II, Módulo II / p. 111-120. Miriam Pillar Grossi [et al.], UFSC, 2015.
LOURO, Guacira Lopes (org.). O corpo educado: pedagogias da
sexualidade. 2 ed. Autêntica: Belo Horizonte, 2000.
MEDEIROS, Cristina Carta Cardoso de. A formação de professo-
res e a teoria sociológica de Pierre Bourdieu: interface possível
para pesquisas em Educação. CONTRAPONTOS, v. 9, n. 2, p. 3
- 16, Itajaí, mai/ago, 2009. Disponível em: http://www6.univali.br/seer/
index.php/rc/article/viewFile/1016/1136
NOGUEIRA, Marcia Pompeo. Boal e o teatro em comunidades:
contribuições da experiência africana. Teatro: revista de estu-
dios culturales / A Journal of Cultural Studies: Número 26, p.
181-197, 2013.
REVISTA NUPEART • VOLUME 25 • 2021
187 Encontros entre teatro, cotidiano e escola: diferentes olhares do sujeito
escolar sobre gênero por meio do Teatro do Oprimido
PEREIRA, Bruno Cordeiro. Masculinidades e feminilidades.
Materiais de apoio ao trabalho sobre sexualidades em sala de
aula. In: SALA, Arianna; GROSSI, Miriam Pillar (Coord.). Materiais
de Apoio ao Trabalho sobre sexualidades em sala de aula,
NIGS/UFSC, Florianópolis, 2014.
POLIDORO, Tefa. Ternurinha em “Nem 1 a -”, em e-mail recebi-
do no dia 20 de outubro de 2017.
ResearchGate has not been able to resolve any citations for this publication.
Arte e violência de género: Educação e performatividades para a mudança social
  • Ana Canotilho
  • Paula
CANOTILHO, Ana Paula. Arte e violência de género: Educação e performatividades para a mudança social. Tese de doutorado. Portugal, 2015.
A organização escolar e o processo de homogeneização e exclusão das diferenças. Especialização EaD em gênero e diversidade na escola: Livro 1, Módulo I / Miriam Pillar Grossi
  • Marivete Gesser
GESSER, Marivete. A organização escolar e o processo de homogeneização e exclusão das diferenças. Especialização EaD em gênero e diversidade na escola: Livro 1, Módulo I / Miriam Pillar Grossi [et al.] UFSC, 2015.
Boal e o teatro em comunidades: contribuições da experiência africana. Teatro: revista de estudios culturales / A
  • Marcia Nogueira
  • Pompeo
NOGUEIRA, Marcia Pompeo. Boal e o teatro em comunidades: contribuições da experiência africana. Teatro: revista de estudios culturales / A Journal of Cultural Studies: Número 26, p. 181-197, 2013.
Materiais de apoio ao trabalho sobre sexualidades em sala de aula
  • Bruno Pereira
  • Cordeiro
Materiais de apoio ao trabalho sobre sexualidades em sala de aula. In: SALA, Arianna; GROSSI, Miriam Pillar (Coord.). Materiais de Apoio ao Trabalho sobre sexualidades em sala de aula, NIGS/UFSC, Florianópolis, 2014.
Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade
  • Judith Butler
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
Ternurinha - Nem 1 a -, em email recebido no dia 20 de out de
  • Tefa Polidoro
Jogos para atores e não-atores
  • Augusto Boal
O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2 ed. Autêntica: Belo Horizonte
  • Guacira Louro
  • Lopes
LOURO, Guacira Lopes (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2 ed. Autêntica: Belo Horizonte, 2000.
Nem 1 a -", em e-mail recebido no dia 20 de outubro de
  • Tefa Polidoro
  • Ternurinha
  • Em
POLIDORO, Tefa. Ternurinha em "Nem 1 a -", em e-mail recebido no dia 20 de outubro de 2017.