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PsicolArgum. 2021 jul./set., 39(105), 657-588
657
doi: http://dx.doi.org/10.7213/psicolargum39.105.AO13
Abandono afetivo parental: uma (re)visão crítica, narrativa-
sistemática da literatura psico-jurídica em Português
‘Parental affective abandonment’: a critical, narrative-systematic review of
psycholegal literature in Portuguese
Josimar Antônio de Alcântara Mendes
Doutorando na University of Sussex – United Kingdom
https://orcid.org/0000-0001-8230-1998 e-mail:
josimards@gmail.com
Marília Pacheco de Almeida
Universidade de Brasília https://orcid.org/0000-0002-9639-3253
Giulia Veiga de Leite Ribeiro Melo
Universidade de Brasília https://orcid.org/0000-0002-4648-6494
Abandono afetivo parental
PsicolArgum. 2021 jul./set., 39(105), 657-588 658
Resumo
Entende-se que o abandono afetivo parental (AAP) é caracterizado pela ausência ou negligência
dos pais em relação a seus/suas filhos/as, privando/as-os do convívio e do cuidado parental. A
discussão desse tema, bem como o ajuizamento de ações para a indenização por abandono afetivo
têm crescido nos últimos anos e implicado a prática dos profissionais do Direito e da Psicologia.
Este estudo objetivou verificar a apropriação psico-jurídica acerca do AAP por meio de
publicações científicas entre os anos de 2012 a 2019, tentando compreender: (1) como as
publicações conceituam o AAP?; e (2) quais consequências psicológicas e jurídicas são atribuídas
ao AAP? O método utilizado foi uma revisão narrativa-sistemática de literatura, a partir de
critérios específicos para inclusão/exclusão dos artigos revisados. Como descritores, utilizou-se:
“abandono afetivo parental”; “abandono afetivo”; “abandono afetivo” and “psicologia”. As bases
de dados foram Google Acadêmico, Oasis, PePsic e Periódicos Capes. Foram encontrados 3215
resultados, sendo que apenas 34 foram selecionados para a fase final de análise qualitativa
temática. Os principais resultados evidenciaram concepções deontológicas e axiológicas acerca
do afeto; processos de judicialização do afeto; compreensões idealizadas e despontencializadas
acerca da família e seus processos interacionais. É discutida criticamente a abordagem do Direito
e da Psicologia a esses temas.
Palavras-chaves: abandono afetivo parental; psicologia forense;
indenização; direito de família; responsabilidade civil.
Abstract
‘Parental affective abandonment’ (PAA) would be the parental affective absence or neglect
regarding their children, depriving them of parental care and contact. This topic’s relevance have
grown in the last years in Brazil as well as the court applications for indemnity due to PAA,
impacting legal and mental health professionals. This study aimed to verify the psycho-legal
approach to PAA through scientific publications, in Portuguese, between 2012 and 2019. The aim
was to understand: (1) how do publications conceptualise PAA?; and (2) what psychological and
legal consequences do publications attribute to the PAA? A narrative and systematic literature
review was carried. It was based on specific criteria for inclusion/exclusion of articles to be
reviewed. As descriptors, we used: “parental affective abandonment”; “affective abandonment”;
“affective abandonment” and “psychology”. The databases accessed were Google Scholar, Oasis,
PePsic and Periódicos Capes. 3215 results were found, of which only 34 were selected for the
final qualitative thematic analysis phase, based on pre-established criteria. The main results
shown deontological and axiological conceptions regarding parental affection; processes of
judicialization of affection; idealized and depotentialised understandings regarding the family and
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its interactional processes. The Law and Psychology approach to these themes is critically
discussed in this study.
Key-Words: parental affective abandonment; forensic psychology; indemnity;
family law; civil liability.
Resumen
El abandono afectivo de los padres (PAA) sería la ausencia o negligencia de los padres con
respecto a sus hijos, privándolos del contacto y el cuidado parentales. La relevancia de este tema
ha crecido en los últimos años, así como las solicitudes judiciales de indemnización por PAA.
Esta también he impactado a los profesionales de la salud legal y mental in su practica profesional.
Este estudio tuvo como objetivo verificar el enfoque psico-legal sobre el tema a través de
publicaciones científicas entre 2012 y 2019. El objetivo era comprender: (1) ¿cómo
conceptualizan las publicaciones PAA ?; y (2) ¿qué consecuencias psicológicas y legales
atribuyen las publicaciones al PAA? Se realizó una revisión narrativa y sistemática de la literatura.
Se basó en criterios específicos para la inclusión / exclusión de artículos para ser revisados. Como
descriptores, utilizamos: "abandono afectivo de los padres"; "Abandono afectivo"; "Abandono
afectivo" y "psicología". Las bases de datos a las que se accedió fueron Google Scholar, Oasis,
PePsic y Periódicos Capes. Se encontraron 3215 resultados, de los cuales solo 34 fueron
seleccionados para la fase final de análisis temático cualitativo, con base en criterios
preestablecidos. Los principales resultados mostraron concepciones deontológicas y axiológicas
sobre el afecto parental; procesos de judicialización del afecto; entendimientos idealizados y
descentralizados con respecto a la familia y sus procesos de interacción. El enfoque de la Ley y
la Psicología de estos temas se analiza críticamente en esta revisión.
Palabras-clave: abandono parental emocional; psicología legal;
indemnización; derecho de familia; responsabilidad civil.
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Introdução
O abandono afetivo parental (AAP), também chamado apenas de ‘abandono
afetivo’, é referido como a ausência, distanciamento ou negligência parentais em relação
aos filhos, privando-os do convívio, cuidado e afeto parentais. Para alguns juristas, tal
situação poderia ensejar a responsabilização civil do suposto genitor abandonante por
meio do pagamento de uma indenização por danos morais ao filho dito abandonado.
Desde meados dos anos 2000, ações são movidas no judiciário brasileiro com tal fulcro e
elas se embasam em aspectos jurídicos e psicossociais.
No campo jurídico, normativas como o Estatuto da Criança e do Adolescente,
Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, 2002) e a Constituição Federal são vistas como
fontes legais que sustentam o reconhecimento e a punição de situações tidas como AAP.
Ao não se atentar aos deveres jurídicos da parentalidade dispostos nessas normativas, o
suposto genitor abandonante incorreria em ‘ato ilícito’, o qual é entendido como “ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, a violação de direitos e o dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral” (Artigo 186º, Lei nº 10.406, 2002). Entretanto, não há
um consenso ou legislação específica para definir, ao certo, o que seria dano moral, apesar
de alguns afirmarem que o “dano moral caracteriza-se como a ofensa ou violação dos
bens de ordem moral de uma pessoa, tais sejam o que se referem à sua liberdade, à sua
honra, à sua saúde (mental ou física), à sua imagem” (Gonçalves, 2003, p. 23). Essa lacuna
jurídica também se estende à aplicação do instituto de dano moral ao AAP, o qual também
não tem previsão jurídica clara.
Para além das consequências jurídicas, os que defendem os pressupostos do AAP,
também atribuem consequências psicológicas significativas para os filhos que teriam sido
abandonados. Segundo Viegas e Poli (2013), o AAP causaria um rompimento do elo de
afetividade, o que poderia comprometer o desenvolvimento dos filhos sujeitos a essa
situação, e fazer com que eles se tornem inseguros e infelizes – contudo, os referidos
autores não apresentam qualquer evidência científica que corrobore tais consequências
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associadas ao AAP, tornando-as, assim, mera suposição. Além disso, de acordo com
Alves (2013), outras consequências psicológicas possíveis do AAP seriam: o estigma de
rejeição, o desvio de caráter, e psicopatologias como depressão e transtornos de
ansiedade, e dificuldades em expressar sentimentos – esses autores também não
apresentam evidências científicas para corroborar tais consequências relacionadas ao
AAP. São essas supostas consequências desenvolvimentais e psicológicas que ensejam o
entendimento de que a dita ‘falta de afeto parental’ possa ser vista como ato ilícito, pois
poderia causar danos morais ao indivíduo abandonado e, por isso, seria passível de
reparação jurídica (Braga & Fuks, 2013).
Para fins de outorga de indenização, o requerente (filho dito abandonado) teria de
comprovar essas consequências psicológicas por meio da constatação de danos em seu
desenvolvimento e/ou saúde psicossociais, necessitando-se, assim, de provas que possam
comprovar o dolo causado pelo genitor dito abandonante (Braga & Fuks, 2013). Tal
comprovação é majoritariamente feia por meio de documento emitido por profissionais
da Saúde Mental, especialmente psicólogos.
Apesar de várias ações no Judiciário e do significativo número de publicações
sobre o assunto, a indenização por AAP ainda divide opiniões no campo jurídico e fora
dele. No geral, há dois grandes argumentos que dividem as opiniões: 1) o afeto
corresponde às obrigações parentais previstas na Constituição e em normas
infraconstitucionais. Ao não atinar à essa obrigação, o genitor em questão incorre em ato
ilícito, sujeito à responsabilização civil e ao pagamento de indenização para o filho que
se sentiu abandonado afetivamente; e 2) o afeto é valor moral imaterial e de foro íntimo
que concerne à individualidade de cada um e que, por isso, não deve ser arbitrado pelo
Judiciário.
Em meio a essas duas posições, em 2007, no Congresso Nacional, deu-se início à
tramitação do Projeto de Lei do Senado 700/2007 (PLS 700/2007), de autoria do então
senador Marcelo Crivella, o qual propunha a alteração de artigos do ECA “para
caracterizar o abandono moral, como ilícito civil e penal, e dá providências” (p. 1). Após
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tramitação no Senado, o PLS 700/2007 chegou à Câmara dos Deputados, onde ainda
tramita, em estágio final, sob o Projeto de Lei 3212/2015. Ao longo da tramitação, o
projeto sofreu algumas mudanças relevantes como a mudança de nomenclatura de
“abandono moral” para “abandono afetivo”. Além disso, a possibilidade do AAP ser um
ilícito também penal (com pena prevista de um a seis meses de prisão) foi suprimida. De
modo geral, a essência do referido PLS foi mantida.
Diante desse cenário, observa-se que a compreensão sobre o AAP (o que é; suas
consequências) e a possibilidade de a indenização (punição; reparação) são temas
recentes, ainda pouco abordados, especialmente pela Psicologia, e que levam a
questionamentos como: (1) o que é abandono afetivo parental? (2) quais são as
consequências psicológicas desse abandono? (3) quais são os embasamentos e
consequências jurídicas para esse abandono? (4) pecúnia pode reparar um ‘abandono
afetivo’ – que é essencialmente subjetivo e imaterial? (5) que implicações o processo de
indenização por AAP pode trazer para a relação entre pais-filhos e a família como um
todo? (6) Como a Psicologia se insere nesse contexto?
Objetivo
Realizar uma revisão crítica, narrativa-sistemática da literatura psico-jurídica
sobre AAP para tentar discutir essas questões e contribuir com o debate sobre o tema.
Método
De modo geral, uma revisão sistemática envolve uma rigorosa e transparente
metodologia de síntese de evidência científica que apresente: (a) perguntas de pesquisa;
(b) pré-definido e estruturado processo de busca (critérios claros de inclusão e exclusão)
e síntese da evidência (passos claros de análise) (Munn, 2018). Diferentes tipos de
perguntas de revisão sistemática têm diferentes implicações nos procedimentos de busca
e síntese das evidências encontradas (Kitchenham, 2004). Ou seja, a revisão sistemática
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de literatura é uma metodologia diversa e varia de acordo com os objetivos de cada
estudo.
Esta revisão de literatura foi realizada por meio do método de revisão narrativa-
sistemática de literatura. Esse tipo de revisão utiliza rigorosos e transparentes critérios
para identificar, avaliar e sintetizar o conteúdo de material científico (McFadden, Taylor,
Campbell, & McQuilkin, 2012). Essa síntese é essencialmente narrativa, pois não se
configura como uma meta-análise e/ou utiliza de métodos estatísticos para analisar e
reportar a evidência encontrada. Ao invés disso, utiliza princípios de análise qualitativa
para reportar a síntese da informação encontrada. De modo geral, uma revisão narrativa-
sistemática de literatura pretende ter como produto final um ‘retrato confiável’ sobre
como a evidência científica atual aborda determinado fenômeno, assunto ou questão
(Best, Manktelow, & Taylor, 2014) – é o que se chama, no mundo acadêmico, de ‘estado
da arte’. O processo de síntese das evidências encontradas (material científico) é
entendido como um processo de extração de dados (informação) do material encontrado
(e.g., artigos científicos) e interpretação e apresentação desses dados em conjunto
(Campbell et al., 2003).
Esta revisão foi realizada em quatro etapas. A primeira etapa consistiu no
estabelecimento das perguntas de pesquisas que nortearam todo o processo de revisão:
(1) como os artigos selecionados compreendem o AAP?; (2) quais são as consequências
psicológicas e jurídicas atribuídas ao AAP?
A segunda etapa constituiu na busca dos artigos por meio de descritores
específicos que pudessem levar à evidência que respondesse às perguntas realizadas na
etapa 1. Estabeleceu-se os seguintes descritores: 1) “abandono afetivo”; 2) “abandono
afetivo” and “psicologia”; e 3) “abandono afetivo parental”. As bases de dados escolhidas
foram: Google Acadêmico, Periódicos CAPES, PePsic e Oasis. Essas bases de dados
foram escolhidas por indexar artigos de Psicologia, Direito e Ciências Sociais. Esse
processo de busca/análise ocorreu durante o ano de 2019 e 2020, e a faixa temporal
estabelecida foi entre 2012 e 2019, visto que as publicações dos últimos cinco anos
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tendem a apresentar as abordagens, discussões e informações mais atuais sobre o
fenômeno a ser investigado pela revisão de literatura (Adams, 2016; Mendes & Ormerod,
2019; Virginia Commonwealth University, 2018).
A terceira etapa consistiu em selecionar os artigos que fariam parte da amostra do
estudo. Essa seleção foi feita por meio do screening dos títulos e resumos dos artigos
encontrados, a partir dos seguintes critérios: (1) apenas artigos indexados em revistas que
tinham classificação no Qualis-CAPES – vide Mendes, Bucher-Maluschke, Vasconcelos,
Fernandes e Costa (2016) para mais informações sobre o funcionamento do Qualis-
CAPES e sua utilização para critérios de inclusão/exclusão em revisões de literatura; e
(2) ‘abandono afetivo’ como tema principal do artigo – para que as perguntas
estabelecidas na primeira etapa pudessem, de fato, ser respondidas. Foram excluídos
resultados em outra Língua que não o Português, trabalhos de conclusão de curso,
dissertações, teses, livros e artigos com resenha/resumo de outras obras. Resultados que
associaram ‘abandono afetivo’ a outros temas (e.g., ‘abandono inverso’, ‘indenização de
pai alienado’, ‘abandono de pessoa idosa’) também foram excluídos.
A quarta etapa envolveu a leitura completa, organização e a análise dos artigos
encontrados e, posteriormente, selecionados. Alguns artigos foram excluídos nesta etapa,
pois o tema principal não era, de fato, o AAP. Essa análise foi feita a partir da leitura de
todo o artigo. Esse processo foi realizado individualmente por dois dos três autores deste
artigo e, em seguida, confrontados e validados em conjunto pelos três.
A última etapa envolveu a construção de categorias qualitativas (síntese), a partir
dos conteúdos presentes nos artigos encontrados e selecionados, tendo como base as
perguntas de pesquisa estabelecidas na etapa 1. Para esta etapa, os autores propõem a
‘Análise Qualitativa por Temas’ (AQT), método inspirado e adaptado por Mendes e
Ormerod (2019) a partir dos métodos de análise temática propostos por Braun e Clarke
(2006), Braun, Clarke, Hayfield, e Terry (2019).
A AQT aqui proposta constitui-se como um método para a análise qualitativa de
conteúdos (conceitos, ideias, concepções, discussões, resultados) presentes em artigos
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científicos que são objetos de estudos de uma revisão sitemática de literatura. O objetivo
da AQT é organizar os conteúdos dos artigos selecionados para a revisão. Essa
organização visa tornar esse conteúdo mais inteligível ao estabelecer ligações e sentidos
em comum, ou seja, ‘temas’, dentro de um único artigo e/ou entre todos os artigos
selecionados. Todo esse processo é guiado por uma análise interpretativa que busca por
padrões de conexões, interações e significados entre os conteúdos pesquisados, os quais
expressam um sentido comum (tema). Essa análise é feita por meio do coding, o qual
pode ter um caráter interpretativo e/ou descritivo, a depender dos objetivos da revisão em
questão – o pesquisador pode escolher um ou outro estilo ou combinar os dois.
De modo geral, os métodos clássicos de análise qualitativa de dados envolvem o
processo de coding, o qual possui concepções convergentes e divergentes entre esses
métodos. De toda forma, em uma análise clássica, o coding tende a começar com um
“open coding”, ou seja, o pesquisador lê e analisa os dados textuais de “forma livre” e
cria codes (rótulos) de forma livre, conforme ele interage e dialoga com os dados sob
análise. Na AQT desta revisão, esse processo foi feito por meio de open coding e também
de dois pré-codes: ‘Definição de AAP’ e ‘Consequências do AAP’ – contemplando as
duas perguntas de pesquisa estabelecidas na primeira etapa da revisão. Ao longo do
processo de análise, outros codes surgiram.
Durante o processo de coding, o pesquisador deve definir qual o nível de segmento
de dados ele irá utilizar para analisar os artigos, antes de iniciar o processo de coding.
Esses níveis de seguimento podem ser: a) linha-por-linha (coding feito com base nos
dados presentes em cada segmento textual presente em uma linha do texto); b) sentença-
por-sentença (coding feito considerando o segmento textual representado por uma
sentença do texto); c) parágrafo-por-parágrafo (coding feito com base em um o parágrafo
inteiro presente no texto); e d) incidente-por-incidente (coding feito de acordo com cada
ocorrência do fenômeno investigado e presente no texto). O nível de segmento para o
coding desta AQT foi o de ‘sentença-por-sentença’.
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O processo de coding da AQT possui três etapas, as quais constituem níveis de
organização, análise e síntese dos conteúdos pesquisados: 1º Nível – organizar, descrever
e sintetizar os conteúdos do texto; 2º Nível – estabelecimento de interconexões entre os
conteúdos do texto ao compreendê-los e interpretá-los; e 3º Nível – estabelecimento de
categorias temáticas qualitativas e seus aspectos descritivos e/ou interpretativos por meio
do processo de síntese. Todo esse processo levou ao estabelecimento de categorias
qualitativas (temas) que ajudaram os pesquisadores a identificar os sentidos, conceitos e
ideias subjacentes, bem como as suposições e concepções presentes nos artigos
selecionados para a revisão. A Figura 1 apresenta um resumo de todo o processo de
revisão realizado:
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Figura 1. Etapas do Processo da Revisão Narrativa e Sistemática da Literatura.
No processo de formação das categorias qualitativas com a síntese das evidências
encontradas, cada um dos autores realizou o coding de 1º Nível (organizar, descrever e
sintetizar os conteúdos) de forma independente. Em seguida, os codes de cada um foram
confrontados para que se pudesse atingir um nível satisfatório de concordância entre eles.
Para os codings de 2º e 3º nível, as contribuições dos três autores foram reunidas e
analisadas em conjunto para que as categorias qualitativas fossem formadas.
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Resultados
Características gerais e frequências dos artigos encontrados
Foram encontrados 3.215 artigos, sendo: 2.898 no Google Acadêmico, 254 na
plataforma Oasis, 54 no Periódicos CAPES e 9 no Pepsic. Após o processo de seleção,
conforme os critérios de inclusão e exclusão, restaram 34 artigos, sendo 25 do Google
Acadêmico e 9 da plataforma Oasis. A Figura 2 apresenta em detalhe as frequências dos
artigos encontrados e selecionados de acordo com cada ano pesquisado:
Figura 2. Número de Artigos Encontrados e Selecionados por Ano e Base de Dados.
Conforme a Tabela 1, a área ‘Direito’ representou 91,2% (n = 31) dos artigos
selecionados, enquanto ‘Psicologia’ obteve 8,8% (n = 3) dos artigos selecionados.
‘Teórico’ foi o tipo de estudo mais encontrado por esta revisão, sendo 88,2% (n = 30) dos
artigos selecionados. O restante dos artigos, isto é, 11,8% (n = 4), foram do tipo empírico
documental, estudo de caso e/ou entrevistas qualitativas. Todos esses estudos pertenciam
à área da Psicologia.
173
301
373
366
333
489
621
559
1
6
4
4
7
4
2
6
0
100
200
300
400
500
600
700
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
Quantidade de Artigos Encontrados e Selecionados por Ano de
Publicação
Encontrados
Incluídos
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Tabela 1 Informações dos Artigos Selecionados
Base de
Dados
Ano
Autores
Revista
Área
Tipo de
Estudo
Qualis
Capes
Hipótese de
Indenização
Código de
Referência
Google
Acadêmico
2013
Viegas &
Poli
Âmbito Jurídico
Direito
Artigo
Teórico
B4
Não
A1
Braga &
Fuks
Tempo
Psicanalítico
Psicanálise /
Psicologia
Artigo
Teórico
A2
Não
A2
Fontinele &
Coêlho
Jus Navigandi
Direito /
Interdisciplinar
Artigo
Teórico
B4
Sim
A3
Sousa,
Carvalho, &
Cruz
Revista
Eletrônica de
Ciências
Jurídicas
Direito
Artigo
Teórico
C
Não
A4
2014
Ferraz
Revista AJURIS
Direito
Artigo
Teórico
B1
Sim
A5
Weishaupt
& Sartori
Revista
Perspectiva
Direito
Artigo
Teórico
B3
Sim
A6
Paiva
Arquivo
Jurídico
Direito
Artigo
Teórico
B2
Sim
A7
2015
Amaral
Biblioteca
Virtual MPMG
Direito
Artigo
Teórico
C
Sim
A8
Neto & Eick
Direito
Econômico e
Socioambiental
Direito
Artigo
Teórico
A2
Não
A9
2016
Dall´Agnol
Revista EMAP
Direito
Artigo
Teórico
C
Sim
A10
Soares &
Moreira
Psicologia em
Estudo
Psicologia
Artigo
Empírico-
Documental
A1
Não
A11
Nigro
Espaço Jurídico
Journal of Law
Direito
Artigo
Teórico
A1
Sim
A12
Barbosa &
Boff
Direito &
Justiça
Direito
Artigo
Teórico
C
Sim
A13
Salman &
Scheleder
Revista Jurídica
da UNI7
Direito
Artigo
Teórico
B1
Não
A14
2017
Oliveira &
Melo
Direito e
Política
Direito
Artigo
Teórico
B1
Sim
A15
Lucas &
Ghisleni
Revista
Brasileira de
Sociologia do
Direito
Direito
Artigo
Teórico
B1
Não
A16
Coltro,
Giacomozzi
& Peixoto
Quaderns de
Psicologia
Psicologia
Artigo
Empírico-
Documental
B3
Não
A17
Graton
Revista
Eletrônica de
Graduação do
UNIVEM
Direito
Artigo
Teórico
C
Sim
A18
2018
Lelis &
Melo
Derecho y
Cambio Social
Direito
Artigo
Teórico
C
Sim
A19
2019
Souza &
Moraes
Editora Fucamp
Direito
Artigo
Teórico
C
Sim
A20
Cardin,
Guimarães,
& Cazelatto
Revista da
Faculdade de
Direito da
FURGS
Direito
Artigo
Teórico
B1
Sim
A21
Zanutto,
Mazzafera,
& Araujo
Revista de
Direito da Unifil
Direito
Artigo
Teórico
C
Sim
A22
Abandono afetivo parental
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Cruz &
Werle
E-civitas
Direito
Artigo
Teórico
B4
Sim
A23
Barbosa
Leopoldinum
Direito
Artigo
Empírico-
Documental
C
Sim
A24
Oasis
2012
Moysés
Biblioteca
Virtual MPMG
Direito
Artigo
Teórico
C
Sim
A25
2013
Rodrigues
Biblioteca
Digital Jurídica
Direito
Artigo
Teórico
C
Não
A26
Alves
Revista Direito
e Dialogicidade
Direito
Artigo
Teórico
C
Não
A27
2014
Heinen &
Trentin
Unoesc &
Ciência
Direito
Artigo
Teórico
B4
Sim
A28
2015
Luca &
Zerbini
Revista
Eletrônica de
Graduação do
UNIVEM
Direito
Artigo
Teórico
C
Sim
A29
Carvalho &
Marques
Vertentes do
Direito
Direito
Artigo
Teórico
B5
Sim
A30
2016
Santos
Biblioteca
Digital Jurídica
Direito
Artigo
Teórico
C
Não
A31
Moraes &
Teixeira
Revista de
Investigações
Constitucionais
Direito
Artigo
Teórico
A1
Sim
A32
2018
Freitas &
Pires
Direito
UNIFACS
Direito
Artigo
Teórico
C
Sim
A33
2019
Fonseca &
Carrieri
Revista Direito
e Justiça
Direito
Artigo
Empírico-
Documental
e Entrevistas
Qualitativas
B1
Sim
A34
Do total de artigos encontrados, 70,6% (n = 24) corroboram a hipótese de
responsabilização civil em função do abandono afetivo. Destes, 62,5% (n = 15)
pertenciam aos três estratos mais baixos do Qualis Capes, sendo que 45,8% (n = 11)
pertencentes aos estrato C. Apenas 8,3% (n = 2) dos artigos que corroboram a indenização
por abandono afetivo pertenciam aos estratos de maior qualidade (A1 e A2). Entre os que
criticam a indenização por AAP, 20% pertenciam à Psicologia (n = 3; a totalidade de
artigos dessa área). No total, dos que criticaram a possibilidade desse tipo de indenização,
30% (n = 3) pertenciam aos estratos mais altos do Qualis Capes (A1 e A2) e 40% (n = 4)
pertenciam ao estrato mais baixo (C).
A Tabela 2 apresenta os assuntos mais associados ao AAP dentre os artigos
selecionados.
Abandono afetivo parental
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Tabela 2. Assuntos mais Associados ao AAP entre os Artigos Selecionados
Assunto
Frequência
%
Responsabilidade Civil
30
88,2
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
24
70,6
Princípio da Afetividade
22
64,7
Dano moral
19
55,9
Direito à Convivência Familiar
17
50
Poder Familiar
15
44,1
Princípio da Solidariedade Familiar
13
38,2
Direito à Personalidade
11
32,4
Negligência
11
32,4
Desenvolvimento
10
29,4
Paternidade Responsável
10
29,4
Obrigações Parentais
10
29,4
Princípio dos Melhores Interesses da Criança/Adolescente
9
26,5
Carácter Pedagógico
7
20,6
Responsabilidade Parental
7
20,6
Alienação Parental & Falsas Memórias
6
17,6
Abandono Paterno
2
5,9
Mediação Familiar
1
2,9
Observa-se que ‘Responsabilidade Civil’, ‘Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana’ e ‘Princípio da Afetividade’ são os temas mais associados ao AAP,
representando 88,2%, 70,6% e 64,7% das ocorrências, respectivamente. Observa-se que
‘Mediação Familiar’ foi o assunto menos relacionado, representando apenas 2,9% de
todas as ocorrências.
Categorias qualitativas: síntese das evidências encontradas sobre o abandono afetivo
parental
Com base na AQT, foram estabelecidas quatro categorias qualitativas. Os
resultados são apresentados em quadros com duas colunas. A primeira apresenta a
sumarização do conteúdo dos artigos por meio dos principais aspectos encontrados
(destacados em itálico), e sua respectiva descrição. A segunda coluna apresenta o código
Abandono afetivo parental
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de referência dos artigos que referendam e ancoram os aspectos e descrições apresentados
na primeira coluna. Cada artigo é representado por um código de referência – ver Tabela
1.
A Tabela 3 apresenta a categoria ‘Afeto: Entre a Deontologia e a Axiologia’ (3.1)
que sintetiza a concepção dos artigos selecionados acerca do afeto. Há duas posições
claramente distintas e, até mesmo, opostas. A primeira, ‘afeto-dever’, sintetiza a ideia de
que o afeto, no âmbito familiar, é sempre positivo e não deriva da volitude idiossincrática
do indivíduo, mas sim das obrigações parentais concernentes ao poder familiar. Nessa
acepção, o afeto figura como dever (deontologia) e, caso não cumprido (como na
suposição de abandono afetivo), pode e deve ser punido. De forma adversa, o ‘afetovalor’
sintetiza a ideia de que o afeto pode pertencer ao campo das expressões positivas e
negativas dentro do núcleo familiar e representa uma extensão da autonomia individual e
subjetiva das pessoas, não podendo estar sujeito às ingerências do Judiciário, pois, em
essência, expressa um valor (axiologia) idiossincrático.
Sessenta e oito por cento (n = 21) dos artigos selecionados e analisados referiram
a concepção de ‘afeto-dever’. Destes, 100% (n = 21) pertenciam ao Direito. A concepção
do ‘afeto-valor’ correspondeu a 29,4% (n = 10) dos artigos selecionados e analisados.
Destes, 70% (n = 7) pertenciam ao Direito e 30% (n = 3) à Psicologia.
Tabela 3. Categorias Qualitativas Criadas a Partir do Conteúdo dos Artigos Selecionados
Afeto: Entre a Deontologia e a Axiologia (3.1)
Referência
Judicialização do Afeto (3.2)
Referência
O afeto-dever1: conotação exclusivamente positiva do ‘afeto’. O afeto é norma que deriva das
obrigações parentais previstas na legislação. Conviver com filhos não é direito, é um dever. Os
genitores não têm direito de visitar os filhos, há, na verdade, a obrigação de conviver com eles.
Assim, o afeto é um princípio jurídico exigível.
O afeto-valor2: ‘afeto’ remete a conotações plurais em torno das interações humanas, tanto
positivas, quanto negativas. Os vínculos afetivo-emocionais têm natureza voluntária e são de foro
exclusivamente íntimo das relações familiares. O afeto não se constitui princípio nem valor
jurídico, portanto, não cabe à Justiça arbitrar nesta seara.
1 – A3, A4, A5, A6, A7, A8,
A10, A13, A15, A18, A19,
A20, A22, A24, A25, A28,
A29, A30, A32, A33, A34.
2 – A1, A2, A9, A11, A12,
A14, A16, A17, A26, A31.
Abandono afetivo1: é o inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade/maternidade
em função do desinteresse em conviver afetivamente com os filhos, caracterizando-se,
assim, a indiferença e a ausência de doação do afeto que se espera dos genitores. Assim, o
genitor abandonante incorre em omissão e negligência na criação dos filhos, para além das
necessidades material-fisiológicas básicas, ao impactar negativamente no desenvolvimento
biopsicossocial, emocional e educacional da sua prole.
Afeto é passível de reparação pecuniária2: o afeto (ou a sua ausência) pode ser reparado por
pecúnia. A pecúnia não traz de volta o amor do genitor, mas é uma forma de minimizar a
dor dos filhos abandonados, ajudando a preencher a lacuna emocional.
Afeto não se repara com pecúnia3: a ausência de afeto parental não pode ser reparada por
indenização, uma vez que o afeto (e suas possibilidades de reparação) é imaterial.
Ilicitude4: abandono afetivo parental é ato ilícito, pois rompe com as obrigações parentais,
com os princípios da afetividade e dignidade humana e, portanto, incorre em
responsabilização parental.
Reparação ou vingança?5: reparação pecuniária como instrumento de retaliação por parte do
ex-cônjuge e/ou do filho abandonado.
A ação judicial é um pedido6: os filhos “abandonados” e as famílias envoltas nesses casos
necessitam de um terceiro para mediar as suas dificuldades relacionais. Eles estão em
sofrimento e veem a Justiça como uma possibilidade de enfrentamento para tal sofrimento.
1 – A1, A2, A3, A4, A5, A7,
A8, A9, A14, A15, A16,
A19, A21, A25, A26, A27,
A29.
2 – A2, A3, A4, A5, A6, A7,
A8, A9, A10, A13, A15,
A19, A20, A22, A24, A25,
A28, A29, A30, A32, A33,
A34.
3 – A1, A2, A9, A11, A12,
A14, A16, A17, A26, A31.
4 – A2, A3 A4, A5, A8, A9,
A15, A20, A21, A22.
5 – A4, A6, A8, A17.
6 – A2, A6, A11, A12.
Aspectos Jurídicos do Abandono Afetivo (3.3)
Referência
Visões Jurídicas Sobre a Família e as Suas Relações: Entre a Idealização e
a Despotencialização (3.4)
Referência
Fundamentos Jurídicos1: ONU (Declaração Universal dos Direitos da Criança/Adolescente, 1959 e
Convenção Sobre os Direitos da Criança/Adolescente, 1989); Constituição Federal Brasileira
(Arts. 226º, 227º e 229º); Estatuto da Criança e do Adolescente (Arts. 3º, 4º, 5º e 22º); Código
Civil (Arts. 186º, 187º, 927º, 1556, inciso IV e 1593º). Os princípios legais: Dignidade Humana,
Afetividade, Convivência Familiar, Solidariedade Familiar e Melhores Interesses da
Criança/Adolescente.
Falta de Definição Operacional2: não há conceito operacional positivado. Como tipificar o caráter
culposo ou doloso da conduta danosa?
Falta de Previsão Legal3: não está normatizado o instituto do ‘abandono afetivo’ na legislação
brasileira, sendo a sua referência feita de forma indireta por meio de princípios constitucionais e
artigos infraconstitucionais. Em adição, ‘afeto’ não constituiria como uma ‘conduta humana
exteriorizada’, tendo caráter intrinsecamente interno ao sujeito, portanto, não podendo ser objeto
do Direito.
Persecução Judicial4: há uma dificuldade de se estabelecer o circuito básico da responsabilidade
civil: conduta/ação dano nexo causal culpa. Neste circuito, a verificação da
‘conduta/ação’ (ato de abandonar) pode ser mais objetiva em alguns casos (abandono do lar,
afastamento físico do filho, recusa de contatos), mas mais abstrusa em outros (“abandono” de
pai/mãe presente – distanciamento afetivo). Em adição, a aferição do ‘dano’ é complexa, uma vez
que a sua percepção pode ser demasiadamente subjetiva (por parte do requerente e também de
quem avalia tal dano). Já a determinação da ‘culpa’ é igualmente capciosa em função de
aspectos/fatores contextuais (desconhecimento da prole, conflito parental severo, aspectos de saúde
mental). Todos esses fatores comprometem o restabelecimento do ‘nexo causal’, a partir da relação
entre ‘conduta/ação’ e ‘dano’.
1 – A1, A3, A4, A5, A6, A8,
A9, A10, A13, A15, A16,
A19, A20, A21, A22, A25,
A26, A27, A29, A30, A31,
A32, A33, A34.
2 – A4, A5, A17, A26.
3 – A4, A5, A8, A9, A28.
4 – A1, A4, A5, A8, A9,
A12, A17, A23, A31, A33,
A34.
A Família Eudemonista1: a família é um sistema de relações baseadas somente no ‘afeto
positivo’, cujo produto final deve ser o fomento à felicidade, realização e gratificação
individuais de seus membros.
“Obrigações parentais não envolvem sentimentos e emoções”2: as obrigações parentais de
cuidado, atenção e provimento podem ser exercidas sem a aplicação e/ou interferência de
sentimentos e emoções, por isso, podem ser passíveis de responsabilidade civil.
Compreensão linear do desenvolvimento humano3: o que determina o desenvolvimento
global da criança/adolescente é a relação parento-filial. Sem ela, o desenvolvimento
fracassa. As essenciais funções paternas e maternas só podem ser exercidas por pais
(homem; paterna) e mães (mulher; materna).
Consequências Psicológicas4: o abandono afetivo macula a personalidade e a autoestima do
filho abandonado, causando vivências de rejeição, abandono, medo e inadequação que
levam a profundas marcas psíquicas e emocionais, as quais deixam sequelas psicológicas
permanentes que comprometerão o desenvolvimento psicoemocional da pessoa abandonada
afetivamente. O indivíduo que sofre abandono afetivo tornar-se-á inseguro, ansioso,
depressivo, agressivo, infeliz, com sentimento de inferioridade e propenso ao abuso de
substâncias psicoativas e com tendência para o crime, além de inabilidade para
relacionamentos sociais, amorosos e profissionais e medo de constituir família.
1 – A1, A4, A5, A7, A8,
A10, A13, A15, A25, A30.
2 – A3, A4, A5, A15, A20,
A24, A27, A29, A30, A32,
A33.
3 – A1, A4, A5, A7, A8, A9,
A10, A15, A13, A18, A19,
A21, A29, A30, A34.
4 – A1, A4, A5, A8, A9,
A10, A19, A21, A23, A27,
A34.
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A categoria ‘Judicialização do Afeto’ (3.2) apresenta aspectos que sintetizam a
forma como o Judiciário se apropria (e significa) o afeto no âmbito das alegações de AAP.
O aspecto ‘Abandono Afetivo’ sintetiza a compreensão dos artigos acerca do AAP,
entendendo-o como a ausência dos deveres parentais, em especial a convivência com a
prole e o provimento de afeto. Tal situação geraria, então, danos ao bem-estar
biopsicossocial dos filhos abandonados. Esse aspecto foi referido em 50% (n = 17) dos
artigos selecionados, sendo 94,1% (n = 15) deles da área do Direito. O aspecto ‘Afeto é
passível de reparação pecuniária’, em complemento ao anterior, sintetiza a ideia de que
a falta de afeto parental poder ser passível de responsabilização civil e reparação
pecuniária. Esse aspecto foi referido por 64,7% (n = 22) dos artigos selecionados, a
maioria pertencente ao Direito (77,3%, n = 21). Em contraponto a essa perspectiva, tem-
se o aspecto ‘Afeto não se repara com pecúnia’, o qual sintetiza a compreensão de que o
afeto é algo essencialmente imaterial e, por isso, incapaz de ser ponderado juridicamente.
Esse aspecto foi referido por 29,4% (n = 10) dos artigos selecionados, destes, 3/4 (n = 7)
eram do Direito. O aspecto ‘Ilicitude’ sintetiza a compreensão de que o abandono afetivo
parental constitui-se como ato ilícito vez que incorre no não cumprimento dos deveres
parentais, além de violar princípios jurídicos do Direito de Família. Esse aspecto foi
referido em 29,4% (n = 10) dos artigos, destes, 9 eram do Direito.
Nessa categoria há também os aspectos ‘Reparação ou vingança?’ e ‘A ação
judicial é um pedido’, ambos foram referidos por 11,7% (n = 4) dos artigos selecionados.
‘Reparação ou vingança’ sintetiza a compreensão de que as possibilidades de
responsabilização civil e reparação pecuniária serviriam apenas para o fomento de
retaliação entre os membros familiares. Esse aspecto teve 75% (n = 3) dos seus artigos
pertencentes ao Direito. O aspecto ‘A ação judicial é um pedido’ sintetiza a ideia de que
os processos de AAP são, na verdade, uma forma dos requerentes (e por que não a família
como um todo?) expressarem seu sofrimento psíquico e que a busca pelo Judiciário nada
mais é do que um pedido de ajuda para mediar os conflitos e lidar com esse sofrimento,
muitas vezes, latente. Metade dos artigos (n = 2) que fundamentaram esse aspecto
pertencia à Psicologia.
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A categoria ‘Aspectos Jurídicos do Abandono Afetivo’ (3.3) sintetiza os
fundamentos, requisitos e ritos legais relacionados ao AAP. Nesta categoria, há quatro
aspectos-síntese. ‘Fundamentos Jurídicos’, referido em 70,6% (n = 24) dos artigos
selecionados, todos do Direito, sintetiza os documentos jurídicos nacionais e
internacionais, além de princípios legais que fundamentam juridicamente a conceituação
do abandono afetivo parental. Porém, nem todos os artigos analisados endossaram a
existência de embasamento jurídico para o AAP. Os aspectos ‘Falta de Previsão Legal’
e ‘Falta de Definição Operacional’ sintetizam as compreensões e argumentações
contrários à validade legal do AAP, sendo referidos em 14,7% (n = 5) e 11,7% (n = 4),
respectivamente, dos artigos selecionados, majoritariamente pertencentes ao Direito.
Complementar a isso, o aspecto ‘Persecução Judicial’ sintetiza compreensões dos artigos
que problematizam a fragilidade da adoção do AAP, considerando-se os ritos da
responsabilização civil. Esse aspecto foi referido por 1/3 (n = 11) dos artigos
selecionados, destes, 10 eram do Direito.
A categoria ‘Visões Jurídicas Sobre a Família e as suas Relações: Entre a
Idealização e a Despotencialização’ (3.4) sintetiza as visões jurídicas sobre a família e as
suas relações, a partir dos artigos selecionados e analisados. O aspecto ‘Família
Eudemonista’ sintetiza as compreensões dos artigos acerca da concepção de família,
apresentando a noção de uma família idealizada, parcimoniosa e essencialmente
promotora de satisfação e bem-estar. Esse aspecto foi referido por 29,4% (n = 10) dos
artigos selecionados, todos em revistas de Direito. O aspecto ‘Obrigações parentais não
envolvem sentimentos e emoções’ apresenta a síntese de compreensões acerca da cisão
entre obrigações parentais e sentimentos e emoções (afeto). Ou seja, seria possível exercer
a parentalidade (obrigações jurídicas, em especial) sem que haja, necessariamente, o
emprego de afetos, sentimentos e emoções. Assim, a responsabilidade civil e a
indenização por abandono parental seriam possíveis, vez que a premissa é de que o
esperado (e obrigatório) é o cumprimento das obrigações parentais e não do afeto parental.
Esse aspecto foi referido por 32,4% (n = 11) dos artigos, sendo todos do Direito.
Ainda sobre essa categoria, tem-se também o aspecto ‘Compreensão linear do
desenvolvimento humano’, que sintetiza a visão dos artigos acerca do desenvolvimento
humano, em particular no âmbito familiar. A perspectiva apresentada, parece limitada,
Abandono afetivo parental
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vez que compreende o sucesso do desenvolvimento global da prole atrelado
exclusivamente à relação parento-filial. Esse aspecto foi referido por 44,1% (n = 15) dos
artigos, todos expostos em revistas do Direito. O último aspecto, ‘Consequências
Psicológicas’, sintetiza a compreensão dos artigos sobre as possíveis as consequências
psicossociais do AAP para o filho abandonado. Esse aspecto foi referido por 32,4% (n =
11) dos artigos selecionados, todos da área do Direito.
Discussão
Com base nos resultados obtidos, observou-se que nos últimos anos (i.e., 2012 a
2019) houve um aumento no número de publicações sobre abandono afetivo parental no
Brasil. Entre 2012 (173 resultados encontrados) e 2019 (559 resultados encontrados), esse
aumento foi de 323%. Acredita-se que esse crescimento seja em razão do igual aumento
no número de ajuizamento de ações requerendo indenização por AAP e também por
alterações na jurisprudência sobre o tema, em especial o julgamento do RESP 1.159.242
– SP pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em 2012 – que reconheceu a
possibilidade indenização por abandono afetivo.
Em relação ao volume das publicações, observa-se que, embora o AAP (e os
argumentos que o sustentam) centre-se em aspectos intimamente ligados à Psicologia, a
predominância das publicações tem sido na área e por profissionais do Direito – esse
mesmo padrão também foi observado em publicações psico-jurídicas sobre alienação
parental (Mendes et al., 2016). Em contrapartida, os artigos da Psicologia referiram
aspectos-síntese com uma abordagem mais crítica aos pressupostos de AAP. Talvez, isso
se deva ao fato de que, a exemplo dos pressupostos de AAP, os construtos jurídicos que
se debruçam sobre fenômenos psicossociais tendem a se apoiar fragilmente em conceitos
e teorias da Psicologia (Coltro, Giacomozzi, & Peixoto, 2017).
Os artigos selecionados indicaram diferentes perspectivas e apropriações sobre o
afeto. 68% deles (todos do Direito) referiram a ideia de um afeto-dever, ou seja, de que a
convivência afetiva com os filhos é uma obrigação jurídica e que o seu não cumprimento
incorre em ilícito civil passível de reparação pecuniária. Em contrapartida, 10% dos
artigos referiram a ideia de um afeto-valor, calcado na complexidade das interações
humanas, sendo essencialmente voluntário e imaterial. Essa ideia é apoiada na concepção
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de que “o Estado deve tutelar a liberdade do afeto e não o aprisionar” (Braga & Fuks,
2013, p. 318), ou seja, não cabe às instâncias jurídicas obrigar o genitor a nutrir afetos
pela prole. Essa concepção de afeto, parece se alinhar ao entendimento de que o afeto é
um fenômeno intrapsíquico – todos os artigos da Psicologia endossaram esse
entendimento.
A palavra ‘afeto’ deriva do Latim affectus, o qual se refere a “tocar, comover o
espírito” (Thompson, 2017, p. 1). Denotativamente, ‘afeto’ quer dizer “1. Sentimento de
afeição ou inclinação por alguém; amizade, paixão, simpatia; 2. Ligação carinhosa em
relação a alguém ou a algo; querença; 3. [Psicol] Expressão de sentimento ou emoção
como, por exemplo, amizade, amor, ódio, paixão, etc.” (Dicionário Michaelis, 2019). Na
psicologia cognitiva, o afeto compreende um dos três tipos de função mental (i.e., a grosso
modo, o “funcionamento do cérebro”), ao lado da volição e da cognição, estando ligado
a sentimentos e emoções (Shouse, 2005). Ainda dentro da Psicologia, o afeto é objeto de
estudo da Psicopatologia, a qual o compreende “como a qualidade e tônus emocional que
acompanham uma ideia ou representação mental (...), usa-se o termo afeto para designar
qualquer estado de humor, sentimento ou emoção” (Baldaçara, Bueno, Lima, Nóbrega, &
Sanches, 2018, p. 110). Como visto, o afeto é um fenômeno intrapsíquico, desde sua
origem (etimologia), definição formal (denotação) até a sua apropriação científica
(psicologia cognitiva e psicopatologia). Assim, qualquer aspecto associado ao afeto,
incluso o que se denomina como ‘abandono afetivo’ não pode perder de vista a sua
qualidade essencialmente intrapsíquica. Quando o Direito e seus operadores decidem
interpretar e regular o afeto, parece haver um problema de apropriação de um objeto não-
jurídico, mas sim essencialmente psicológico. Mais do que isso, o Judiciário parece
“transforma[r] dados subjetivos em questões objetivas e situa o abandono afetivo como
um fato a ser julgado, e não como realmente o é, um processo dinâmico, multicausal e
não-polarizado” (Coltro et al., 2017, p. 295).
Ainda sobre as perspectivas e apropriações sobre o afeto, 1/3 dos artigos
selecionados vislumbraram a possibilidade de uma cisão entre afeto e parentalidade. Nas
palavras da ministra do STJ, Dra. Nancy Andrighi, “amar é faculdade, cuidar é dever”
(Recurso Especial Nº 1.159.242 – SP, 2012, p. 9). A concepção por trás desse
entendimento é de que seja possível exercer a parentalidade (incluídos aí os deveres
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jurídicos) sem que haja a disposição de afeto por parte dos genitores. Nesse sentido, a
referida ministra assevera: “aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição
biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de
gerarem ou adotarem filhos” (Recurso Especial Nº 1.159.242 – SP, 2012, p. 9).
Do ponto de vista psicológico, é impossível pensar qualquer ação humana que não
seja imbuída de afeto, desde uma perspectiva cognitiva, passando pelo social e
intrapsíquico. O afeto é uma contingência sempre presente nas interações humanas. Mais
do que isso, o afeto é essencial para a sobrevivência humana. Estudos científicos
investigaram o comportamento de adultos para cuidar de bebês. Observou-se que o ato de
cuidar não era natural (ou seja, não há imposição biológica), mas sim contingenciado por
vários fatores como a aparência do rosto do bebê. Ao longo da evolução da nossa espécie,
os bebês passaram a apresentar cabeça proporcionalmente maior do que o corpo, rosto
redondo e olhos grandes – os olhos humanos não crescem mais depois do nascimento; já
nascemos com eles no tamanho definitivo. Ao olhar para os bebês, os adultos percebem
essas características físicas dos bebês e elas levam ao efeito chamado baby schema ou
baby cuteness (ou “fofura do bebê”), o qual é fruto de estimulação de áreas do nosso
cérebro responsáveis pela sensação de recompensa, emoções e prazer, além das áreas
responsáveis por atenção e tomada de decisão (Almanza-Sepúlveda et al., 2018). O
conjunto dessas estimulações causadas pelo rosto típico do bebê leva ao comportamento
de cuidado e proteção por parte dos genitores e outros adultos, evidenciando uma
estratégia evolutiva dos bebês para produzir afeto nos adultos e, assim, garantirem a sua
sobrevivência e cuidados (Kringelbach, Stark, Alexander, Bornstein, & Stein, 2016).
Desta forma, é impossível afirmar que não existe afeto na promoção de cuidado parental.
Os resultados encontrados após a análise dos artigos selecionados também
indicam perspectivas e concepções lineares e despontencializadas sobre o
desenvolvimento do indivíduo e também sobre a família. Essas perspectivas e concepções
não se alinham com a prática clínica, acadêmica e científica da Psicologia acumuladas
nos últimos 50 anos, pelo menos.
A concepção de família encontrada nos artigos selecionados indica uma visão de
família idealizada, como aquelas de “comercial de margarina”. É uma visão que ora
apresenta uma concepção de uma família mitológica, ou seja, com uma representação
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não-realística das relações familiares e com base na idealização e engessamento dos
papeis e funções familiares. Isso também despotencializa as relações familiares ao fixar
e enrijecer as funções maternas e paternas.
A compreensão eudemonista da família a vê baseada apenas no afeto positivo e
com constante promoção de felicidade e gratificação. Porém, a família é um sistema vivo
e em constante desenvolvimento, possuindo dinâmicas interacionais complexas capazes
de produzir todo o tipo de afeto, não apenas o positivo. É sabido que a família possui
papel central na proteção e no desenvolvimento de crianças/adolescentes, mas incorre em
imprecisão aquele/a que afirma que ela sempre protege e sempre favorece o
desenvolvimento dos seus membros. Às vezes, a família oferece mais risco do que
proteção à criança/adolescente (Mendes, Lordello, & Ormerod, 2020).
A concepção de desenvolvimento encontrada nos artigos que defendem a
responsabilização civil e pecuniária em razão do AAP parece compreender a relação
parento-filial como elemento sine qua non para o desenvolvimento congruente da
criança/adolescente. Não se pode negar que tal relação desempenhe papel importante no
desenvolvimento do indivíduo, mas os pressupostos de AAP parecem conferir peso
excessivo a ela, pois o desenvolvimento de uma pessoa é complexo e multideterminado.
Uma abordagem que explica bem isso é a teoria bioecológica do desenvolvimento
humano (TBDH).
A TBDH foi criada pelo psicólogo Urie Bronfenbrenner (1917-2005), nascido
russo e radicado nos Estados Unidos. Ele afirmou que a compreensão do desenvolvimento
humano exige que se leve em conta todo o sistema bioecológico no qual a pessoa está
inserida durante o seu desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1979, 2005; Bronfenbrenner &
Morris, 1998). Essa abordagem entende que o desenvolvimento do indivíduo perpassa e
integra quatro dimensões: pessoa, processo, contexto e tempo. A dimensão ‘pessoa’
compreende todas as características biopsicológicas do indivíduo – i.e., a compleição
biofisiológica da pessoa, aprendizados, experiências, habilidades e conhecimentos que
compõem o repertório do indivíduo. O ‘processo’ compreende as interações recíprocas,
complexas e ativas que a pessoa mantém com outras pessoas, objetos e símbolos. O
‘processo’ nessa teoria é considerado como proximal e entendido como a principal fonte
de desenvolvimento, pois é a partir dele que o indivíduo significa e se apropria dos
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produtos advindos das interações que mantém com o meio. O ‘contexto’ é composto por
quatro sistemas: microssistema (contexto mais imediato de relações interpessoais
experienciadas face-a-face; e.g., família), mesossistema (intersecção entre, pelo menos,
dois microssistemas; e.g., família-escola), exossistema (contexto de relações
interpessoais no qual a pessoa não se insere diretamente, mas que, direta ou indiretamente
impactam o desenvolvimento dela; e.g., trabalho dos pais) e macrossistema (conjunto de
ideias, valores, ideologias, leis, normas, costumes, cultura). Por fim, pessoa, processo e
contexto são atravessados pelo ‘tempo’ o qual sinaliza a dinâmica de mudanças e
permanências ao longo do processo de desenvolvimento do indivíduo.
A TBDH evidencia que o desenvolvimento humano é um processo complexo e
sistêmico, resultante das interações circulares que o indivíduo mantém com o seu meio
(social, histórico, cultural e material) mais imediato, intermediário e mais distante. Essa
ideia está em consonância com o Art. 227º da Constituição Federal, o qual elenca todas
as instâncias desse meio.
O desenvolvimento está em constante devir, vez que nós estamos sempre em
interação com os meios nos quais estamos inseridos. Nesse sentido, parece ser equivocada
a compreensão de que o processo de desenvolvimento de uma criança/adolescente é algo
que pode estar fadado ao insucesso ou necessariamente a falhas e perdas diante de apenas
um único evento como a ausência parental. Como exposto pela TBDH, o elemento mais
determinante para o desenvolvimento do indivíduo é o ‘processo proximal’, pois é por
meio dele que o indivíduo significa e internaliza o mundo ao redor e, assim, torna-se,
existe, vive. Cabe esclarecer que o ‘processo’ é essencialmente singular e subjetivo,
variando de pessoa para pessoa. É por isso que as pessoas se desenvolvem de forma única
e singular, mesmo diante das mesmas condições biofisiológicas e externas – por exemplo,
irmãos gêmeos idênticos criados na mesma família e sob as mesmas condições, mas que
têm personalidades e subjetividades distintas.
Ainda sobre concepções limitadas acerca do desenvolvimento humano, tem-se a
alegação de que as funções maternas e paternas, importantes para o desenvolvimento da
criança/adolescente, só podem ser exercidas por pais (homens) e mães (mulheres). Assim,
a ausência do pai ou da mãe implicaria, necessariamente, em prejuízo no exercício dessas
funções e, por isso, o AAP deveria ser considerado ilícito civil, passível punição e
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reparação. As concepções de papéis materno (cuidado, carinho, acalento) e paterno
(limites, interdito, lei, norma) foram apresentadas pelos estudos do psicanalista Sigmund
Freud (1856 – 1939). Na sua origem, de fato, tais papéis eram associados exclusivamente
à mãe (mulher) e ao pai (homem). Contudo, os estudos de Freud foram realizados e
publicados no começo do século passado, quando havia características sociais, culturais
e históricas, em especial aquelas acerca da organização familiar e dos papéis de gênero,
típicos da época. Assim, apenas essa associação pareceria ser possível. Entretanto, com a
evolução dessas características sócio-históricas e culturais, passou-se a falar em
‘funções’, ao invés de papéis, e a se entender que tais funções podem ser exercidas por
qualquer pessoa significativa para a criança/adolescente, independente de gênero e
inclusive do tipo de relação com a criança/adolescente. Por exemplo, em uma família, o
pai pode ser aquele que exerce a função materna e a mãe a função paterna; ou ainda, a
função paterna de uma determinada criança/adolescente por ser exercida por um avô, um
tio, um irmão, um líder comunitário, um professor (Fernandes & Silva, 2019).
Uma característica relevante dos artigos selecionados foi o fato de apenas 2,9% (n
= 1) deles associarem AAP à mediação familiar. Ou seja, a maioria dos artigos foca nos
processos de punição e não de apoio e suporte, os quais poderiam ser providos com a
mediação familiar. Isso seria importante, visto que 16% dos artigos indicaram que as
ações de reparação por AAP são, na verdade, pedidos de ajuda vindos de pessoas que
estão com dificuldades relacionais e em processo de adoecimento psíquico. Nesse sentido,
o que pedem os filhos “abandonados”? Uma reparação simbólica (intrapsíquica) e não
material (extrapsíquica). E o que pedem as famílias envoltas nesses casos? Ajuda para
lidar com as suas dificuldades relacionais e, assim, seguir o seu desenvolvimento.
Esse paradigma punitivista juntamente com os pressupostos por trás do
reconhecimento jurídico do AAP e da reparação pecuniária não apenas trazem prejuízos
ao sistema judiciário, ao injetar mais ações em um sistema já saturado, mas também, e
principalmente, às famílias ao incentivar a litigância e torná-las, cada vez mais,
dependentes de elementos extrafamiliares para resolver problemas domésticos que
deveriam ser resolvidos dentro da própria família e a partir das acomodações e recursos
que a própria família dispõe. No caso daquelas famílias mais enfraquecidas e com poucos
recursos psicossociais para lidar com seus problemas familiares, o papel do Judiciário
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deveria ser de fomentador das capacidades e competências dessas famílias, intervindo de
forma conciliadora, mediadora, devolvendo o poder e a responsabilidade para a família,
ao invés de acirrar os conflitos e promover mais incompreensão.
Nesse sentido, a boa prática no Direito de Família deveria envolver, nesses casos
e necessariamente, a primazia pela autonomia das famílias para a compreensão dos seus
próprios problemas por meio de ações/intervenções que fomentem as potencialidades
dessas famílias, que as reconheça enquanto capazes e potentes. Assim, quanto menos
intervenções do Estado nas transações interpessoais dentro da família, melhor – exceção
feita às famílias em meio a populações vulneráveis as quais podem necessitar de um papel
mais interventivo do Estado para recuperar as suas capacidades.
Ao se observar o processo de entendimento e apropriação jurídicos das dinâmicas
familiares entendidas como “abandono afetivo parental”, é possível constatar que parece
haver um afã, dentro do Direito de Família, para legalmente interpretar, regular, intervir
e punir fenômenos que, apesar de emergirem no contexto das relações familiares (objeto
passível de regulação do Direito), são essencialmente intrapsíquicos e/ou que, devido à
sua natureza complexa e caráter sistêmico não se vergam à compreensão positivista do
mundo e seus fenômenos e realidade. Nesse sentido, pode haver, no contexto da atuação
dos(as) psicólogos(as) na Justiça, movimentos e processos com vocação para colocar
esses profissionais em práticas de vigilância e controle (Moreira & Soares, 2019, p. 128).
Assim, é fundamental que a prática psi no contexto da Justiça se fortaleça enquanto uma
prática baseada em evidências e nos preceitos éticos da profissão, portanto, crítica, para
não prover práticas reducionistas, descontextualizadas e/ou apenas replicadoras ou como
extensão de práticas típicas da operação do Direito.
A atuação dos profissionais da Psicologia em casos de alegação de AAP não pode
ser outra senão uma atuação baseada em evidências e calcada nos princípios éticos do
Código de Ética Profissional do Psicólogo (1989), especialmente: Princípio III. “O
psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a
realidade política, econômica, social e cultural.” – é dever do profissional da Psicologia
ter uma visão crítica, histórica e complexa acerca das relações intrafamiliares e seus
processos, além de compreender e intervir junto às questões do desenvolvimento (da
família e de seus membros) como um fenômeno multideterminado e complexo, não se
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reduzindo, exclusivamente, a um único evento, ainda que se valide a força e o peso deste;
Princípio: IV. “O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo
aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como
campo científico de conhecimento e de prática.” e Art. 2º, o qual veda ao psicólogo a “g)
Emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica” – consideramos
problemática qualquer prática psicológica que se proponha a aferir e atestar a ocorrência
de abandono afetivo parental (e suas consequências psicológicas), em função de todas as
discussões já feitas aqui. Qualquer prática nesse sentido, além da falta de lastro técnico-
científico também poderia significar falta ética, possivelmente passível de representação
junto ao Conselho Regional de Psicologia.
Considerações finais
Parte da literatura pesquisada ofereceu um olhar crítico sobre o AAP e a
possibilidade indenização por danos morais. Para alguns atores, a definição de AAP não
faz sentido, pois o afeto constitui-se como valor e não como dever. Além disso, também
foram apontadas fragilidades para o processo de persecução legal, como a ausência de
uma definição operacional, consistente previsão legal e falta de elementos para a
comprovação da relação entre a ação julgada e o dolo alegado.
É preciso pensar na multideterminação dos diversos e interdependentes fatores
envoltos nas dinâmicas familiares que chegam até à Justiça, especialmente em casos que
envolvem o bem-estar de famílias e crianças/adolescentes. O Direito de Família, diante
dos desafios que a sua complexidade impõe, exige uma atuação multidisciplinar e,
necessariamente, baseada em evidências. Ou seja, uma prática baseada em dados e
construtos investigados e estabelecidos por meio de um processo de produção científica
que preze pelos critérios mínimos e universais de validade e confiabilidade científicas.
Nesse sentido, acreditamos que os resultados e discussão desta revisão contribuem
para uma visão crítica e qualificada sobre abordagem psico-jurídica do ‘abandono afetivo
parental’. Compreendemos que o sofrimento, advindo ou não da frustração, não é, de fato,
desejável, mas é, inexoravelmente, parte contingente e inafastável da vivência de cada ser
humano. Há, inclusive, algumas correntes do Pensamento Psicológico, tal como a
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Psicanálise, que sustentam a ideia de que a ausência, a falta e a frustração e os sentimentos
que elas provocam (especialmente a angústia) são estruturantes para a psychè do
indivíduo. Contudo, na contemporaneidade, a vivência da falta (e seus cognatos
simbólicos: ausência, frustração) parece ser inadmissível, vez que a cultura que enseja o
ethos dos dias atuais guia-se “pelo empuxo ao gozo e pela expectativa de completude,
diante daquilo que falta, cada escolha porta a idealização de um encontro pleno,
irretocável, baseado na crença de uma conjunção absoluta” (Braga & Fuks, 2013, p. 311).
Neste cenário, o Judiciário, por meio das suas vias de reparação e punição, parece ser o
último recurso para aplacar o inerente sentimento de desamparo da condição humana,
produto comum das interações sociais, incluindo-se aquelas compreendidas como
‘abandono afetivo’.
Esse é um caminho perigoso para o Judiciário, pois o excesso de interferência
estatal não só traz prejuízos para o próprio Estado e para a família, como também poder
gerar resultados contrários ao que se esperava diante da propositura da intervenção
judicial (responsabilização civil), a qual pode gerar mais distanciamento, animosidade,
incompreensão e conflitos no subsistema parento-filial e na família como um todo. É
preciso entender que exercício não-suficientemente bom de cuidados parentais pode ser
tão prejudicial para o desenvolvimento da criança quando a ausência de qualquer cuidado
parental em si. A parentalidade suficientemente boa (a partir de uma compreensão
Winnicottiana), assim, aquela que deve ser esperada e fomentada pelo Estado e pela
sociedade, é aquela que, necessariamente, envolve afeto (trocas e validação emocionais
(carinho, amor), atenção, positivação, fomento à independência); e o afeto não pode e
nem deveria ser regulado pelo Judiciário.
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