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Frações unitárias: contribuições da História da Matemática para o ensino dos números racionais

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A História da Matemática é um campo que pode trazer contribuições ao ensino de Matemática da escolaridade básica. O objetivo deste trabalho foi realizar um levantamento histórico-epistemológico sobre as frações unitárias em livros da História da Matemática e analisar as possibilidades de contribuição deste tema para os anos finais do Ensino Fundamental. As pesquisas de Lopes (2008) e Pommer (2020) apontam que o ensino dos números racionais ainda é um assunto aberto para debates acadêmicos. Para essa discussão foi levantado o quadro sobre o ensino de frações assim como da relevância e possíveis contribuições do campo da História da Matemática. Na parte metodológica foi desenvolvida uma pesquisa documental em quatro livros de História da Matemática: Karlson (1961), Boyer (1974), Ifrah (1997) e Roque 2012. Os livros revelaram momentos do desenvolvimento das frações unitárias pelos antigos egípcios que permitem uma conexão com as pesquisas envolvendo números racionais em Educação Matemática. Também foi observado que os contextos culturais envoltos no desenvolvimento das frações unitárias pelo antigo povo egípcio poderiam ser inseridos em situações problematizadoras para fomentar o ensino interdisciplinar, o que contribui para o aprendizado das próprias frações.
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POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
Frações unitárias: contribuições da História da Matemática para o ensino dos
números racionais
Unit fractions: contributions from the History of Mathematics to rational numbers teaching
Wagner Marcelo Pommer1
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Departamento de Ciências Exatas e da Terra,
Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECMA), Diadema, SP, Brasil
http://orcid.org/0000-0002-6138-1279,http://lattes.cnpq.br/4262149292744127
Franco Vinicius Pinto de Moraes2
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Diadema, SP, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-6125-7721,http://lattes.cnpq.br/4246001133662262
Resumo: A História da Matemática é um campo que pode trazer contribuições ao ensino de Matemática da
escolaridade básica. O objetivo deste trabalho foi realizar um levantamento histórico-epistemológico sobre
as frações unitárias em livros da História da Matemática e analisar as possibilidades de contribuição deste
tema para os anos finais do Ensino Fundamental. As pesquisas de Lopes (2008) e Pommer (2020) apontam
que o ensino dos números racionais ainda é um assunto aberto para debates acadêmicos. Para essa
discussão foi levantado o quadro sobre o ensino de frações assim como da relevância e possíveis
contribuições do campo da História da Matemática. Na parte metodológica foi desenvolvida uma pesquisa
documental em quatro livros de História da Matemática: Karlson (1961), Boyer (1974), Ifrah (1997) e Roque
(2012). Os livros revelaram momentos do desenvolvimento das frações unitárias pelos antigos egípcios que
permitem uma conexão com as pesquisas envolvendo números racionais em Educação Matemática.
Também foi observado que os contextos culturais envoltos no desenvolvimento das frações unitárias pelo
antigo povo egípcio poderiam ser inseridos em situações problematizadoras para fomentar o ensino
interdisciplinar, o que contribui para o aprendizado das próprias frações.
Palavras-chave: frações unitárias; História da Matemática; ensino; antigos egípcios.
Abstract: The History of Mathematics is a field that can bring contributions to Mathematics teaching at basic
education. The objective of this work was to carry out a historical-epistemological survey on the unit fractions
in History of Mathematics books and to analyze the possibilities of contribution of this theme to the final
years of Elementary School. Research by Lopes (2008) and Pommer (2020) show that the teaching of
rational numbers is still an open subject for academic debates. For this discussion we raised the framework
on fractions teaching, as well as the relevance and possible contributions of the field of the History of
Mathematics. In the methodological part, a documentary research was developed in four History of
Mathematics books: Karlson (1961), Boyer (1974), Ifrah (1997) and Roque (2012). The books revealed
moments of the development of unit fractions by the ancient Egyptians that allow a connection with research
involving rational numbers in Mathematics Education. Still, it was observed that the cultural contexts involved
in the development of unitary fractions by the ancient Egyptian people could be inserted in problematic
situations to foster interdisciplinary teaching, which contributes to the learning of the fractions themselves.
Keywords: unit fractions; History of Mathematics; teaching; ancient egiptians.
Data de submissão: 25 de dezembro de 2020.
Data de aprovação: 7 de maio de 2021.
1Currículo sucinto: Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo. Contribuição de autoria: Escrita, Investigação. Contato:
wagner.pommer@unifesp.br.
2Currículo sucinto: Licenciado em Ciências (ênfase em Matemática) pela Universidade Federal de São Paulo. Contribuição de
autoria: Escrita, Investigação. Contato:franco_vini01@hotmail.com.
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 2
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
1. Introdução
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) e na Base Nacional Comum
Curricular, descrita em Brasil (2017), o ensino dos números racionais se situa a partir do 4º ano e
são trabalhados de modo explícito até o 7º ano do atual Ensino Fundamental de nove anos,
momento onde as principais representações significativas de frações estariam presentes.
Na Base Nacional Comum Curricular encontramos menção que o primeiro momento
didático de apresentação do tema propõe que os alunos deveriam “[...] reconhecer as frações
unitárias mais usuais ( e) como unidades de medida menores do
que uma unidade, utilizando a reta numérica como recurso” (BRASIL, 2017, p. 288-289).
Apesar da inserção no currículo de diversas séries do Ensino Fundamental, Nunes e
Bryant (1997), Pereira e Zúñiga (2015) e Brito Jr. (2020), dentre outros, indicam que os números
racionais representam um tema que os alunos apresentam dificuldades.
Estas dificuldades se estendem até alunos do Ensino Médio, mesmo apesar das intensas
pesquisas voltadas para a escolaridade básica. Lopes (2008) acrescenta que diversos aspectos
cruciais das frações ainda escapam a aprendizagem e muitos alunos saem da escola sem uma
compreensão adequada das frações.
Acreditamos que o enfoque histórico-cultural pode adentrar o espaço da sala de aula e
contribuir para o ensino de números racionais. Esta consideração encontra ressonância em Wilder
(1968), D’Ambrosio (1999) e Brousseau (2009), autores que consideram a relevância de envolver
o aspecto sócio-cultural nas aulas de Matemática.
Em particular, os aspectos culturais poderiam estar mais entrelaçados ao desenvolvimento
dos números racionais na escolaridade básica, como nos estudos desenvolvidos por Guerreiro,
Serrazina e Ponte (2018) e Miola e Lima (2020). Neste mote, consideramos que o tema dos
números racionais ganharia incremento se explorado em atividades inseridas nas interações inter
e intradisciplinares, descritas nos mais recentes documentos oficiais brasileiros.
A pesquisa de Bertoni (2004) aponta que algumas características das frações unitárias
(aquelas de numerador unitário) poderiam favorecer o trabalho didático com os números racionais
nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Lopes (2008) acrescenta a possibilidade de lidar com os
números racionais nos anos finais do Ensino Fundamental por meio de questões vinculadas aos
aspectos culturais. Para o autor, as frações unitárias beneficiam o aluno na descoberta de
regularidades, no desenvolvimento de distintas estratégias e na exploração de vários modos de
representação.
O Estado da Arte desenvolvido em Pommer (2020) destacou que cerca de sessenta por
cento das pesquisas envolvendo frações unitárias utilizam como referencial teórico os significados
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 3
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
das frações (parte-todo, quociente, razão, operador, medida, probabilidade e reta numérica),
inicialmente desenvolvidos em Kieran (1976) e Behr et al. (1983).
Porém, Pommer (2020) realça que os aspectos sociais ou históricos das frações unitárias
foram considerados em somente cerca de quinze por cento das monografias analisadas. Ainda, o
autor relata que estes acabaram sendo tratados por um viés mais ligado ao aspecto informativo,
sem maiores desdobramentos no campo da Educação.
Situados neste mote, o objetivo deste trabalho foi realizar um levantamento histórico-
epistemológico sobre o tema das frações unitárias em livros da História da Matemática e analisar
as possibilidades de contribuição deste tema nos anos finais do Ensino Fundamental.
2. Os referenciais teóricos
O aprendizado de frações na educação básica ainda revela dificuldades de alunos,
conforme apontam Bertoni (2004) e Lopes (2008). Esses autores levantam a importância de se
ensinar frações no ensino básico com base na perspectiva sócio-histórico-cultural, como nas
representações decimais do sistema monetário, nas receitas culinárias e em escalas de medidas.
A pesquisa de Behr et al. (1983) revela que o conceito de número racional perpassa seis
subconstructos: a relação parte-todo, um número decimal, uma razão, uma divisão (quociente),
um operador e uma medida de partes contínuas ou discretas. Os autores afirmam que o
entendimento dos números racionais requer uma compreensão do papel de cada um destes
subconstructos, assim como pelos modos de inter-relacioná-los.
Em acréscimo, a História da Matemática poderia contribuir ao buscar fontes para situar
problematizações e contextos situados na cultura de nossos ancestrais mais antigos. Ainda, esta
área revela diferenças e também possíveis conexões com o ensino de Matemática atual.
As práticas educativas se fundam na cultura, em estilos de aprendizagem e nas
tradições e a história compreende o registro desses fundamentos. Portanto, é
praticamente impossível discutir educação sem recorrer a esses registros e a
interpretações dos mesmos (D’AMBROSIO, 1999, p. 97).
Assim, apontamos para a História da Matemática para a busca de subsídios sobre as
frações unitárias frente ao ensino de números racionais. Com base nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1997), é possível fazer um movimento presente-passado para situar
mudanças, evoluções e contribuições dos conhecimentos em tempos diferentes.
Em se considerando que o homem é um ser histórico permeado pelas interações sociais e
o contexto cultural, este é dialeticamente moldado pela cultura que ele próprio cria, conforme
expressou Vygotsky1(1996).
1Segundo Oliveira (1993), Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), bacharel em Direito em 1917 pela
Universidade de Moscou, estudava história da arte, filosofia e psicologia na Universidade Popular de
Shanyavskii. Oliveira (1993) relata que Vygotsky trabalhou e pesquisou no Instituto de Psicologia de
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 4
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
Deste modo, o estudo dos contextos históricos poderia acrescentar contribuições para o
ensino da Matemática na escolaridade básica, pois o trajeto das ideias pelo tempo permite
emergir dúvidas, dificuldades e escolhas inerentes a busca do conhecimento por alguns
personagens das civilizações antigas.
Considerações de Panasuk e Horton (2013, p. 37, tradução nossa) apontam que “[…] a
História da Matemática oferece inúmeras oportunidades para rastrear as raízes e o
desenvolvimento da humanidade, o desenvolvimento das civilizações e provavelmente afetará a
percepção dos alunos sobre o poder da matemática”2.
Miguel (1997) e Schubring (2005) salientam que uma das funções da área da Historiografia
é contribuir para se observar e analisar como ocorreu o desenvolvimento de temas matemáticos.
Os autores consideram que a História da Matemática favorece a contextualização por meio de
fatos que realmente se sucederam, o que permite motivar e enriquecer a compreensão conceitual
dos alunos, antecipar ou diagnosticar concepções e obstáculos para o preparo de material para os
alunos da escolaridade básica.
Pessoa Jr. (1996) aponta que o estudo da metodologia da Historiografia pode aguçar o
olhar do professor ou pesquisador para que a apresentação de alguns temas possam ocorrer de
diferentes modos na escolaridade básica.
Por último, relembramos Ginzburg (2001) que sugere o ‘estranhamento’ como uma
possível estratégia para se promover compreensão sobre certas realidades, pois abre
oportunidade para se enxergar outras possibilidades para se conhecer certo objeto. Nesse sentido,
a nossa opção foi realizar um levantamento em livros de História da Matemática para buscar,
descrever e analisar como as frações unitárias poderiam contribuir para o ensino dos números
racionais nos anos finais do Ensino Fundamental.
3. Os referenciais metodológicos
Corsetti (2006) coloca que a Educação e a investigação histórica caminham lado a lado.
Com o alargamento das pesquisas na confluência entre História e Educação torna-se necessário
problematizar as fontes, de modo que a História “[...] se faz a partir de qualquer traço ou vestígio
deixado pelas sociedades passadas e presentes e que, em muitos casos, as fontes oficiais são
insuficientes para compreender aspectos fundamentais” (CORSETTI, 2006, p. 35-36).
Moscou, tendo como foco de estudo as funções psicológicas superiores, que têm suporte biológico, pois
são produtos da atividade cerebral, mas se fundamentam nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo
exterior, as quais se desenvolvem imersas em um processo histórico.
2“[…] the History of Mathematics supplies endless opportunities to trace the roots and development of
humanity, development of civilizations, and is likely to make an effect on students' perception of the power of
mathematics”.
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 5
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
Um tipo de pesquisa importante na Historiografia é a pesquisa documental. Segundo Sá-
Silva, Almeida e Guindani (2009, p. 5), a pesquisa documental “[...] é um procedimento que se
utiliza de métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais
variados tipos.
Pimentel (2001) coloca que esta metodologia requer a organização do material para
processar a leitura segundo algumas técnicas, tais como fichamento e levantamento de dados
quantitativo ou qualitativo, de modo a facilitar o controle e manuseio das informações para o
estabelecimento das categorias ao final das análises.
Ressaltamos a relevância de utilização de livros da História da Matemática como fonte
primária de dados, pois há diversos fatores que podem influenciar a apresentação e as temáticas
envoltas no tema das frações unitárias. Nesse sentido, acrescentamos que um olhar aguçado
sobre o processo histórico das frações unitárias poderia estimular novas percepções envolvendo o
uso didático das frações em sala de aula.
Smith (1923) aponta que os livros de História da Matemática seguem uma tipologia básica:
cronologia, assuntos, biografia e diversos. Neste texto, a opção foi escolher o material de
pesquisa na ordem cronológica e por assunto para efetivar a pesquisa documental.
A classificação cronológica é a mais comum nos livros de História de Matemática. Segundo
Pommer (2018), este material é voltado para descrever as ações feitas por cada povo em uma
linha sucessiva de tempo baseando-se em documentos disponíveis sobre aqueles povos. Ainda,
os livros de História da Matemática voltados a exposição por assunto possibilitam um olhar mais
direto e abrangente sobre certo tema, o que pode apresentar correlação com um possível trabalho
didático em sala de aula, já que o currículo de Matemática é moldado por conteúdos.
Inseridos nesta perspectiva, os crivos utilizados para a escolha do material analisado foram:
(i) O livro tem como tema a História da Matemática (como um todo ou em parte dela); (ii) Os livros
de História da Matemática são fontes primárias; (iii) O livro deveria conter a história do Antigo
Egito e abordar as frações egípcias.
Dentre o acervo próprio, escolhemos uma amostra de quatro livros , conforme apresentado
no Quadro 1.
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 6
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
Quadro 1 – Escolhas dos livros de História de Matemática para análise das frações unitárias.
Livros
Cronologia
Assunto
A Magia dos Números, de Paul Karlson, edição (esgotada) de 1961.
X
História da Matemática, de Carl Benjamin Boyer, publicado no Brasil em 1974.
X
Os Números: A História de uma grande invenção, de Georges Ifrah, edição de
1997.
X
História da Matemática: Uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas, de Tatiana
Roque, edição de 2012.
X
Fonte: Elaboração dos autores (2021).
Dos quatro livros, dois se situam na perspectiva ‘cronológica’ da História da Matemática e
outros dois no viés ‘assunto’ (Os números). Os livros de ordem cronológica escolhidos assinalam
um livro clássico da literatura de destaque internacional (BOYER, 1974) contrapondo com uma
publicação de uma pesquisadora brasileira atuante na área da Historiografia (ROQUE, 2012).
Na categoria assunto foram considerados dois livros, um de autoria de grande abrangência
publicitária internacional atual (IFRAH, 1997) e outro de uma edição esgotada de divulgação
científica que se utiliza de uma linguagem mais informal (KARLSON, 1961).
A seguir, apresenta-se o levantamento de dados e análise em cada um dos livros de
História da Matemática escolhidos.
4. Resultados e discussão
4.1. Frações unitárias no livro de Paul Karlson
O livro de Paul Karlson, de edição de 1961 (esgotada), é conhecido como um clássico da
literatura de divulgação científica. O autor utiliza uma linguagem informal e pormenorizada para
discorrer sobre o tema dos números, algo bastante raro em obras de divulgação científica.
Karlson (1961) destaca que a linguagem presente no Papiro de Rhind3foi decifrada pelo
egiptólogo alemão August Eisenlohr no ano de 1877, sendo “[...] uma das mais antigas cartilhas
de cálculo do mundo” (p. 52), desenvolvida na civilização egípcia4. Este Papiro foi creditado ao
escriba Ahmes e pretendia expor as “[...] regras para se chegar ao conhecimento de todas as
coisas [...] de todos os segredos que as coisas encerram” (p. 53).
3O Papiro Rhind é assim denominado por ter sido copiado pelo escriba Ahmes ou Ahmoses, em cerca de
1650 a.C, a partir de um manuscrito de um período pelo menos 200 anos anterior. Boyer (1974) destaca
que o Papiro – um rolo de 0,30m por 5m – foi adquirido em 1958 pelo antiquário Henry Rhind perto das
margens do rio Nilo. O Papiro de Rhind ou Papiro de Ahmes fica guardado no Museu Britânico, apesar da
reinvindicação de posse pelo governo atual do Egito.
4Oficialmente, é assumido que a civilização egípcia antiga desenvolveu-se no nordeste africano a partir de
3.200 a.C., quando ocorreu a unificação das porções norte e sul as margens do rio Nilo.
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 7
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
Quando ensina o cálculo de frações a seus alunos, futuros escribas, Ahmes as reduz ao
que ele denomina de frações fundamentais:
[...] isto é, frações cujo numerador são iguais a 1, tais como    .
Fornece uma grande tabela, possivelmente coligida as apalpadelas e por
tentativas durante muitos séculos, com cujo auxílio se pode representar uma
fração qualquer como soma dessas frações fundamentais. [...] Com auxílio destas
frações fundamentais efetua-se, então, a divisão passo a passo e, muitas, vezes,
apenas aproximada (KARLSON, 1961, p. 53).
Karlson (1961) relata que os cálculos dos antigos egípcios são ‘algo complicado’ frente à
concepção atual dos números racionais na escolaridade básica. De fato, uma leitura e análise dos
problemas apresentados no Papiro de Rhind confirmam a percepção que até mesmo os “[...]
discípulos de Ahmes só conseguiam aprender os casos particulares repetindo-os sempre de novo,
a duras penas e com inúmeros esforços. Não se deparavam com leis generalizadas; parece
mesmo duvidoso que os egípcios chegassem a tê-las possuído” (KARLSON, 1961, p. 53).
4.2. Frações unitárias no livro de Carl Benjamin Boyer
No que se refere às frações unitárias5, Boyer (1974) descreve que os primeiros registros
são oriundos do antigo povo egípcio. No livro, as frações unitárias são abordadas no Capítulo 2,
que trata do Antigo Egito. Em particular, no referido capítulo o tema se encontra em um subitem
exclusivo: o quarto. Além disso, os dois subtópicos subsequentes (‘Operações Aritméticas’ e
‘Problemas Algébricos’) têm como finalidade dar continuidade às frações unitárias, visto que
buscam apresentar como esse povo tratava as operações aritméticas usuais, imersas em
resoluções de problemas no contexto das necessidades utilitárias do referido povo.
No capítulo dedicado ao Antigo Egito, Boyer (1974) afirma que nas inscrições hieroglíficas6
este povo fez uso de uma “[...] notação especial para as frações unitárias – isto é, com
denominador um. O recíproco de qualquer inteiro [positivo] era indicado simplesmente colocando
sobre a notação para o inteiro [positivo] um sinal oval7alongado” (p. 9-10, inserção nossa).
Atualmente, as frações unitárias são designadas como aquelas escritas da forma
e que
conceitualmente denotam o inverso de um número.
A seguir, o autor cita a fração , que na escrita hieroglífica tinha como notação . Boyer
(1974, p. 10) destaca que na “[...] notação hierática o oval alongado é substituído por um ponto,
5A denominação fração unitária não era utilizada pelos antigos egípcios.
6Existiam duas formas de escrita: a demótica (mais simplificada) e a hieroglífica (mais complexa e formada
por desenhos e símbolos).
7Perlim e Lopes (2013) citam que o símbolo não era uma elipse, mas uma boca que ficava na parte de cima,
era lido como ‘éR’ e tinha um sentido de parte.
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 8
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
colocado sobre a cifra para o inteiro [positivo] correspondente. [...] No Papiro Ahmes, por exemplo,
a fraçãoaparece como ”.
Boyer (1974) aponta que os antigos egípcios atribuíam um papel especial a fração nos
cálculos aritméticos8, pois estes não faziam a conversão desta para uma soma de frações
unitárias. Assim, para encontrar “[...] o terço de um número primeiramente achavam os dois terços
e depois tomavam a metade disso” (BOYER, 1974, p. 10).
O autor considera que os antigos egípcios não concebiam as frações da forma como
algo elementar, mas como parte de um processo expresso como uma soma de frações unitárias.
Para facilitar a redução das frações da forma Boyer (1974) relata que os antigos egípcios
consultavam tabelas9, que no Papiro Rhind possibilitavam escrever frações do tipo como a
soma de frações unitárias, para todos os números ímpares positivos (
n
) de 5 a 101.
Neste mote, o supra citado autor elucida alguns exemplos que se encontram no Papiro
Rhind. Assim, Boyer (1974) destaca que a fração era escrita como
 enquanto que a
fração era escrita como sendo
 .
Boyer (1974, p. 10) ainda cita mais cinco outras decomposições e discute que não há
explicação ou referência “[...] por que uma decomposição era preferida a outra, dentre a infinidade
possível”, com relação à escolha efetivada pelo escriba no referido Papiro10.
Como decorrência do fato que a decomposição de frações unitárias como as descritas
acima não ser necessariamente única, no início do século XX houve muita especulação em torno
da questão: haveria uma fórmula geral que indicasse algum critério para as decomposições
propostas na tabela do Papiro Rhind? No bojo dessa argumentação, Boyer (1974) apresenta
e discute dois algoritmos, dentro os vários sugeridos por matemáticos ao longo das pesquisas do
século XX por estudiosos frente aos papiros do Antigo Egito11.
Boyer (1974) ainda cita que o Papiro Rhind também possui uma pequena tabela para
expressar números da forma , onde ‘
n
’ pode ser um valor de 1 a 9, em que as frações eram
expressas das frações unitárias e da fração .“A fração , por exemplo, é decomposta como
 mais mais (BOYER, 1974, p. 11). A essa tabela da forma  estão associadas
problemas que envolvem a divisão de:
8A fração era representada por ’ em escrita hierática.
9Esta tabela não se encontra no livro de Boyer (1974).
10 Não acreditamos que tais discussões matemáticas sejam foco do currículo da escolaridade básica, devido
à forte presença de cálculos operatórios e da escrita axiomática.
11 Um dos algoritmos é

쁄

í
th  쁄 que não fornece a fração
 da tabela egípcia.
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 9
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
[...] um ou dois ou seis ou sete ou oito ou nove es entre dez homens, e o
escriba usa a tabela para  que acabou de dar. No primeiro problema o escriba
tem um trabalho considerável para mostrar que está correto dar a cada homem
um décimo de um pão [que deveria ser conceitualmente óbvio para um estudante
atual]. Se um homem recebe  de um pão, dois homens receberão  ou
e quatro receberão , ou seja,  de um pão. Portanto, oito homens
receberão , ou  de um pão (BOYER, 1974, p. 11).
Ressaltamos que os problemas acima denotam uma situação real e diária que os egípcios
faziam. Isto difere dos problemas fictícios evocados em sala de aula na atualidade, onde não se
efetiva a divisão. Boyer (1974) comenta sobre a solução apresentada pelo escriba no problema
‘Dividir sete pães para dez homens’, onde fez uso de

 ,ao invés de

,o que
marca a preferência dos antigos egípcios pela fração .
Os antigos egípcios também efetuavam multiplicações com frações unitárias, pelo método
das dublações. “O problema 13 no papiro de Ahmes, por exemplo, pede o produto de 䀀
 por   ; o resultado é achado corretamente” (BOYER, 1974, p. 11). Mas não
há explicação desse processo12.
4.3. Frações unitárias no livro no livro de Ifrah
O livro “História Universal dos Algarismos – Tomo 1” foi escrito por Georges Ifrah em 1985
e em 1995 recebeu uma 2ª impressão, tendo sido traduzido para o português em 1997. Aqui foi
analisado o Tomo 1, onde se encontra o tema “História de uma Grande Invenção”.
No livro, o tema do Antigo Egito tem um capítulo reservado para o mesmo. Trata-se do
Capítulo 14 (Os algarismos da civilização dos faraós), apresentado a partir da página 331. O início
do desenvolvimento do tema ocorre no tópico “As frações do número e o deus esquartejado”
(p. 348). Nesta seção, Ifrah (1997) começa a mencionar a representação da fração do número e o
símbolo da boca, conforme vemos na Figura 1.
Figura 1 – Representação de frações unitárias
Fonte: Ifrah (1997, p. 349)
Ifrah (1997) descreve que quando o número era de ordem maior (do que conhecemos
atualmente por denominador), o número era descrito da direita para a esquerda com a sua
representação de casas maiores abaixo da boca como evidenciado na Figura 2.
12 Boyer (1974) também menciona que no Papiro há problemas de divisão que envolvem frações unitárias.
“O problema 70 requer o quociente da divisão de 100 por 7 + ½ + ¼ + 1/126” (p. 11). Acreditamos que tais
problemas não se enquadrem no cenário das discussões educacionais atuais.
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 10
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
Figura 2 – Representação de 1/249
Fonte: Ifrah (1997, p. 349)
Na Figura 2 podemos perceber que o denominador começa exatamente em baixo da boca
e se prolonga com os símbolos para simbolizar cada ordem da direita para a esquerda.
A seguir, Ifrah (1997) comenta sobre a relação entre os signos utilizados pelos antigos
egípcios e as frações em notação atual, destacado na Figura 3.
Figura 3 – Representações das frações pelos antigos egípcios
Fonte: Ifrah (1997, p. 348)
Ifrah (1997) retoma o exemplo
 apontado anteriormente em Boyer (1974). O
autor comenta sobre os problemas do Papiro de Rhind que colocam as medidas de capacidade
volumétrica, conhecidas como frações de héqat.
Estas frações remetiam ao ‘oudjat’, que “[...] era ao mesmo tempo o olho de um ser
humano e o de um falcão” (p. 350). Destacamos na Figura 4 o ‘oudjat’ e as frações do ‘héqat’.
Figura 4 – Representações icônicas do oudjat das frações do héqat
Fonte: Ifrah (1997, p. 350)
Por último, Ifrah (1997) faz uma oportuna observação.
Quando um aluno-escriba observou um dia a seu mestre que o total das frações
obtidas a partir do oudjat dava por valor apenas:
½+1/4+1/8+1/16+1/32+1/64=63/64, foi-lhe respondido que o 1/64 que faltava para
perfazer a unidade seria sempre fornecido por Thot ao calculador que colocava
sob sua proteção (p. 354).
4.4. Frações unitárias no livro de Tatiana Roque
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 11
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
No livro “História da Matemática: Uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas” de Roque
(2012), encontramos o desenvolvimento das frações unitárias no tópico ‘Matemáticas na
Mesopotâmia e no Antigo Egito’.
No referido livro as frações no antigo povo egípcio se inserem nos subitens: ‘Números e
operações no Antigo Egito’ e ‘Operações e problemas’, expostos no item ‘Matemática na
Mesopotâmia e no Antigo Egito’.
No primeiro item, o foco do livro de Roque (2012) é estabelecer como os antigos egípcios
realizavam as representações numéricas pelos signos daquele aquele povo e as operações
realizadas. Na Figura 5 há a indicação da representação de algumas frações unitárias.
Figura 5 – As representações de frações unitárias
Fonte: Roque (2012, p. 55)
Roque (2012) retoma que as frações unitárias corresponderiam aquelas que atualmente
escrevemos pela forma , ou seja, frações que diríamos ter ‘numerador unitário’. Os antigos
egípcios possuíam a divisão em frações comuns e as frações que possuíam o símbolo oval em
cima. Ambas apresentavam um simbolismo diferente do que conhecemos atualmente.
As frações comuns eram representadas por símbolos próprios, escritos em
hierático e hieróglifo, como (fração representada por , em hieróglifo);
(representada por ); além de e. As outras eram escritas colocando-se um
marcador em forma oval (em hieróglifo) em cima do que constituiria, hoje, o
denominador. Ou seja, eram obtidas escrevendo os números inteiros com uma
oval em cima. Por exemplo, 1/7 seria escrita com a oval sobre sete barras
verticais: (ROQUE, 2012, p. 58).
Roque (2012) descreve que o símbolo oval indica a origem do conceito de ordinal de um
número, fato que diferente do atual conceito de numerador na Matemática, que representa um
número cardinal. A autora considera que as frações unitárias representariam hoje os inversos de
números inteiros. Roque (2012, p. 58) ilustra essa ideia através de uma situação onde “[...] uma
pessoa deseja repartir a quantidade de grãos contida em cinco sacos para oito pessoas”. Cada
uma das cinco pessoas receberá, obrigatoriamente, a quinta parte do objeto.
Roque (2012) explica que na concepção do antigo povo egípcio a primeira repartição seria
com quatro sacos de feijão. Assim, na primeira repartição cada uma das oito pessoas receberia a
metade () dos grãos. Após isso, em uma segunda repartição, o saco de feijão restante teria
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 12
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
que ser dividido para as oito pessoas, ficando mais para cada um. Dessa forma, cada pessoa
receberia
, em notação atual.
Roque (2012) abre um adendo para mostrar como transformar o registro de fração atual,
na forma como uma soma de frações unitárias. A autora utiliza como exemplo de exposição a
fração própria Figura 6.
Figura 6 – Registro de fração na forma como uma soma de frações unitárias
Fonte: Roque (2012, p. 60)
Uma utilização das frações unitárias decorre da operação de divisão. Roque (2012) aponta
um exemplo inicial (184:8) para explicar o processo de divisão egípcia. Inicialmente, elabora-se
uma tabela de dupla entrada, contendo na 1ª linha da coluna da esquerda o número ‘1’ e na 1ª
linha da coluna da direita o divisor ‘8’. A seguir fazem-se dublações conforme Quadro 2a.
Quadro 2 – Sequência de dublações de 184:8
a
b
1
\8
1
\8
2
\16
2
\16
4
\32
4
\32
8
64
8
64
16
\128
16
\128
Fonte: Adaptado de Roque (2012, p. 62)
A autora observa que se escrevem linhas um passo antes até que não se exceda o nosso
atual ‘numerador’. No caso, o dobro de 128 é 256, que não foi escrito. Daí, busca-se na coluna da
direita números que somados resultam 184, que no caso seria: 184 = 128 + 32 + 16 + 8. A estas
números na coluna da direita correspondem os números 1+ 2 + 4 + 16 = 23, destacados em cor
cinza no Quadro 2b. Pelo processo egípcio, o resultado de 184:8 é 23.
Roque (2012) deixa a divisão de 185 por 8 a cargo do leitor. Passamos a analisar tal
divisão no Quadro 3a. Na expressão 184 = 128 + 32 + 16 + 8 adicionamos uma unidade a cada
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 13
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
membro, para se obter 185 = 128 + 32 + 16 + 8 + 1. Como na coluna da direita não há valor
unitário entramos com a fração unitária, conforme Quadro 3.
Quadro 3 – Sequência de dublações da divisão 185 por 8
a
b
1
\8
1/8
1
2
\16
1
\8
4
\32
2
\16
8
64
4
\32
16
\128
8
64
16
\128
Fonte: Elaboração dos autores (2021)
Assim, a divisão de 185 por 8 resulta em 1/8 + 1+ 2+ 4 + 8 = 23 + 1/8.
Uma última situação onde Roque (2012) aborda as frações unitárias no enfoque dos
antigos egípcios é no método da falsa posição, que em alguns lugares é conhecido como Método
A-há13. Roque (2012, p. 63) coloca o problema 25 do Papiro de Rhind: “Uma quantidade e sua
metade somadas perfazem 16. Qual é a quantidade”.
Como solução, Ahmes inicia com ‘2’ (uma quantidade inicial convenientemente adotada
para facilitar o cálculo da metade) e, assim, adiciona ‘1’ (a metade), resultando ‘3’. No Quadro 4
expusemos a tabela da dublação.
Quadro 4 – Sequência de dublações do Problema 25
Fonte: Adaptado de Roque (2012, p. 63)
Daí, efetivam-se as dublações até a linha anterior em que o resultado supere 16. Para
obter 16 faz-se 16 = 1 + 3 + 12 na coluna da direita, a que corresponde 1/3 + 1 + 4 = 5 + 1/3. A
boa escolha do problema 25 acarreta em uma solução onde se sobressai o processo e a ideia da
correspondência funcional da tabela de dupla entrada. Daí, poderíamos colocar este processo do
A-há como um momento pré-funcional da matemática egípcia.
5. Conclusões
13 Boyer (1974) também menciona o método da falsa posição. Mas preferimos o exemplo escolhido por
Roque (2012), pois os cálculos envolvidos são mais reduzidos, o que favorece o entendimento para alunos
do Ensino Fundamental.
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 14
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
Com base nas análises feitas até aqui, além das discussões acerca de História da
Matemática, podemos sintetizar algumas ideias envolvendo as frações unitárias que podem
contribuir para o ensino da Matemática na escolaridade básica.
Nos quatro livros analisados encontramos elementos em que as frações unitárias podem
beneficiar o aluno na descoberta de regularidades, no desenvolvimento de distintas estratégias e
na exploração de vários modos de representação, conforme observação inicial de Lopes (2008).
Ainda, percebemos que os livros por assunto acabaram discutindo o tema das frações
unitárias de modo mais informal e contextualizado com o modo social das civilizações antigas, o
que permitiu abrir uma janela para conversar com outras áreas, em um mote inter ou
transdisciplinar.
Por outro lado, os dois livros de abordagem cronológica se preocuparam de modo mais
específico com o tema de um ponto de vista matemático dos antigos egípcios, o que permitiu um
olhar comparativo com o ensino atual do tema dos números racionais.
Em consonância, uma característica em comum nos quatro livros quanto ao estudo das
frações unitárias pelos antigos egípcios é o aspecto histórico, que pode ser um fator motivador, já
que se buscaria entender como os egípcios resolviam seus problemas a cerca de 4000 anos atrás.
Dessa forma, os estudantes podem tentar associar os aspectos da sociedade antiga com a
realidade atual, buscando entender as relações que poderiam estar conectadas para fazer sentido
o conceito de fração, conforme aponta Roque (2012).
Outro fator de destaque das frações unitárias nas coleções é a problematização presente
no Papiro de Rhind. Observamos que os dois livros de História da Matemática da abordagem
cronológica trazem problemas que se configuram como mais próximos da realidade dos
habitantes das civilizações antigas, que envolviam salários e a aquisição de mercadorias. Há uma
diferença de costumes que pode ser coloca em relevo e discutidas durante a retomada das
problematizações indicadas pelos autores dos livros de História da Matemática analisados.
Ainda, do ponto de vista conceitual, o uso da tabela
n/2
permite que os alunos entendam
as frações unitárias como um processo. O exemplo dado em Roque (2012) é bem expressivo
dessa situação, ao discutir o resultado
, em que o sentido do cálculo aritmético se
transfere para a problematização ao se dividir ‘cinco pães entre oito homens’. Nada mais natural
que o processo de dividir todos os pães na metade () – uma operação fácil de concretizar no
mundo real – e depois pegar o que sobrou e subdividir em oito partes, ficando cada homem, ao
final, com mais . O processo coincide com os números indicados no registro numérico, o
que contribui para significar os cálculos operatórios, algo desejável para a formação de alunos do
Ensino Fundamental.
REMAT: Revista Eletrônica da Matemática 15
POMMER, Wagner Marcelo; MORAES, Franco Vinicius Pinto de. Frações unitárias: contribuições da História da
Matemática para o ensino dos números racionais. REMAT: Revista Eletrônica da Matemática, Bento Gonçalves,
RS, v. 7, n. 2, p. e2003, 10 ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.35819/remat2021v7i2id4816.
A concepção de Boyer (1974) e Roque (2012) da fração unitária como inverso de um
número é fator que não consta explicitamente nos substratos apontados em Behr et al. (1983) –
parte-todo, quociente, razão, operador, medida, probabilidade e reta numérica – o que incrementa
o rol de significações que uma fração pode ter na escolaridade básica atual.
Outra contribuição dos quatro livros se faz com a transformação de um número em soma
de frações unitárias, em que várias propriedades de frações podem ser exploradas nesse
procedimento (equivalência de frações, processo de soma/subtração de frações), em um mote de
contrapor um processo antigo com o atual, de modo a se estabelecer semelhanças e diferenças.
Assim, se instiga no ambiente escolar quais seriam boas formas de escrever frações em cálculos
e em problemas, o que permite aflorar diferentes estratégias de resolução.
Vale ressaltar que este trabalho dos antigos egípcios com as tabelas remonta a um
momento ou fase pré-funcionalista, pois no seu bojo faz uma conexão com o tema funções.
Pommer (2020) não observou esta conexão pré-funcional nas pesquisas mapeadas no Estado da
Arte, o que deixa em aberto outra janela para exploração neste viés.
O manuseio de uma fração na forma pelos antigos egípcios iniciou pesquisas de
diversos historiadores desde o início do século XX. No campo do ensino, as diferentes formas de
escrita das frações do tipo podem gerar discussões importantes no que tange aos aspectos
culturais daquele povo, principalmente relacionados ao fato que as frações unitárias eram
utilizadas para fins de partilhas concretas em situações diárias dos antigos egípcios.
Em suma, as frações unitárias podem auxiliar na compreensão da história da criação das
frações, além de se relacionar com a formação social egípcia e na constituição histórica, na
solução de problemas daquele povo, mas também pode ser instaurada como um elemento
desafiador e que visa à compreensão da origem da formação e constituição de toda e qualquer
fração, a partir de suas operações.
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Este trabalho teve como objetivo investigar os conhecimentos de professores que ensinam Matemática sobre os números racionais. Focamos nesse tipo de números por se tratar de um conteúdo presente nos 5º e 6º anos do Ensino Fundamental. Tomamos como base teórica o Conhecimento Matemático para o Ensino (Mathematical Knowledge for Teaching — MKT). Para a produção de dados utilizamos questionários e tivemos como participantes professores de Pedagogia e Matemática. Categorizamos as produções de acordo com o nosso referencial teórico: Conhecimento do Conteúdo e do Currículo (CCK), Conhecimento do Conteúdo e Estudantes (KCS), Conhecimento Horizontal do Conteúdo (HCK), Conhecimento do Conteúdo e Ensino (KCT), Conhecimento Comum do Conteúdo (CCK) e Conhecimento Especializado do Conteúdo (SCK). Concluímos que há lacunas nos conhecimentos matemáticos dos professores participantes. Apontamos, assim, a necessidade de formação continuada que contemple os números racionais.
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Neste artigo discutimos a construção do conhecimento conceptual dos números racionais, por alunos do 3.º e 4.º ano do ensino básico, como processo integrado em que se privilegia a percentagem. Pretendemos perceber, numa etapa inicial da aprendizagem dos números racionais, que compreensão constroem os alunos da natureza relacional da percentagem e de que modo a percentagem contribui para essa aprendizagem, considerando uma compreensão das relações entre as diferentes representações os números racionais. Este estudo tem por base uma experiência de ensino, seguindo uma metodologia de Investigação Baseada em Design. Os dados foram recolhidos através da observação participante, apoiada num diário de bordo, e de gravações áudio e vídeo das aulas, sendo analisados os diálogos e as produções dos alunos de uma turma. Os resultados evidenciam que os alunos mostram compreender a natureza relacional da percentagem e que a compreensão das relações e conceitos envolvidos na noção de percentagem contribuem para a construção de um entendimento da natureza multiplicativa dos números racionais.
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This article describes a part of a large scale study which helped to gain understanding of the high school mathematicsteachers' perceptions related to the integration of history of mathematics into instruction. There is obvious lack ofcorrespondence between general perception about possible benefits of students learning the history of mathematics andteachers’ perceptions of the integration of the history of mathematics in curriculum. A total of 367 mathematicsteachers from one of the New England states, USA, participated in an on-line comprehensive survey, which wasdesigned by the researchers.We report on several factors that affect teachers' decision whether include history of mathematics into curriculum,offer some recommendations for teacher professional development and suggestions for further research.
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Onde e quando esta fantástica aventura da inteligência humana começou? Na Ásia, na Europa ou em algum lugar na África? Na época do homem de Cro-Magnon, há trinta mil anos? Ou no tempo do homem de Neandertal, há quase cinquenta milênios? Ou ainda há cem mil anos, talvez quinhentos mil, ou até, por que não, háum milhão de anos? Não sabemos de nada. O acontecimento se perde na noite dos tempos pré-históricos, e dele não resta hoje traço algum. Erigida sem dúvida sobre bases empíricas, a invenção dos números deve ter correspondido a preocupações de ordem prática e utilitária. Aqueles que guardavam rebanhos de carneiros ou de cabras, por exemplo, precisavam ter certeza de que, ao voltar do pasto, todos os animais tinham entrado no curral. Os que estocavam ferramentas, ou armas, ou que mantinham reservas alimentares para atender a uma vida comunitária, deviam estar aptos a verificar se a disposição dos víveres, armas ou instrumentos era idêntica à que eles haviam deixado anteriormente. Tudo começou com este artifício conhecido como correspondência um a um, que confere, mesmo aos espíritos mais desprovidos, a possibilidade de comparar com facilidade duas coleções de seres ou de objetos, da mesma natureza ou não, sem ter de recorrer à contagem abstrata. Mas este artifício do espírito não oferece apenas um meio de estabelecer uma comparação entre dois grupos: ele permite também abarcar vários números sem contar nem mesmo nomear ou conhecer as quantidades envolvidas.
Acquisition of mathematics concepts and processes
  • M Behr
  • R Lesh
  • T Post
  • E Silver
BEHR, M. J; LESH, R.; POST, T.; SILVER, E. Rational number concepts.In: LESH, R.; LANDAU, M. (ed.). Acquisition of mathematics concepts and processes. New York: Academic Press, p. 91-126, 1983.
Um novo paradigma no ensino e aprendizagem das frações
  • N E Bertoni
BERTONI, N. E. Um novo paradigma no ensino e aprendizagem das frações. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 8., 2004, Recife. Anais [...]. Recife: Universidade Federal de Pernanbuco, 2004.
Base Nacional Comum Curricular
  • Brasil
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2017.