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Abstract and Figures

The agrarian issue in Brazil is marked by the subordination of agriculture to the logic of capital accumulation, with its tendency to concentrate the ownership of land and means of production. Even though in more recent decades the hegemony of agribusiness in the Brazilian countryside has altered the former patterns of capital accumulation, our hypothesis is that economic and extra-economic power of large estate agricultural production is a structural and structuring element of (and in) the Brazilian agrarian issue, more notably for the connections established, peacefully or forcedly, between economy and politics. That said, this paper aims to bring to light the fact that, even if capable of change in its appearance, the large estate agricultural production in Brazil remains essentially an amplified process of capital accumulation, given its capacity-legal or otherwise-of private and concentrated appropriation of land and public funds. Therefore, we demonstrate in our work the shaping up of a trend that even when presented as a badge of modernity is sustained by the economic, political and coercitive force that land ownership gives a certain fraction of the dominating class.
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Revista Retratos de Assentamentos
Vol. 24 N.1 de 2021 ISSN: 1516-8182
Recebimento: 09/11/2020
Aceite: 04/01/2021
DOI: 10.25059/2527-2594/retratosdeassentamentos/2021.v24i1.467
Poder econômico e extraeconômico do agro latifundiário
no Brasil
Joelson Gonçalves de Carvalho1
Wagner de Souza Leite Molina2
Sebastião Ferreira da Cunha3
R: A questão agrária brasileira é marcada pela subordinação da agricultura à lógica do capital, com
sua tendência à concentração da propriedade da terra e dos meios de produção. Nas décadas mais recentes, a
hegemonia do agronegócio no rural brasileiro alterou padrões anteriores de acumulação de capital, todavia,
nossa hipótese é que o poder econômico e extraeconômico do agro latifundiário no país é um elemento estrutural
e estruturante da (e na) questão agrária brasileira, notadamente pelas imbricações que se estabelecem, pacíca
ou coercitivamente, entre economia e política. Dito isso, o objetivo desse artigo é evidenciar que, mesmo
passível de alterações na aparência, o agro latifundiário brasileiro mantém, dialeticamente sua essência no
processo de acumulação ampliada de capital, por meio de sua capacidade – legal ou não – de apropriação
privada e concentrada da terra e de fundos públicos. Congura-se assim, como buscamos demonstrar ao
longo do trabalho, uma dinâmica que, mesmo apresentada como síntese da modernidade, se sustenta pela
força econômica, política e coercitiva que a propriedade da terra confere a uma determinada fração da classe
dominante.
P-: Questão Agrária. Agronegócio. Poder Econômico. Poder Extraeconômico. Conitos no
Campo.
E  -      B
A: e agrarian issue in Brazil is marked by the subordination of agriculture to the logic of capital
accumulation, with its tendency to concentrate the ownership of land and means of production. Even though
in more recent decades the hegemony of agribusiness in the Brazilian countryside has altered the former
patterns of capital accumulation, our hypothesis is that economic and extra-economic power of large estate
agricultural production is a structural and structuring element of (and in) the Brazilian agrarian issue, more
notably for the connections established, peacefully or forcedly, between economy and politics. at said, this
paper aims to bring to light the fact that, even if capable of change in its appearance, the large estate agricultural
production in Brazil remains essentially an amplied process of capital accumulation, given its capacity - legal
or otherwise - of private and concentrated appropriation of land and public funds. erefore, we demonstrate
1Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor associado
do Departamento de Ciências Sociais (DCSo/UFSCar) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente da UNIARA. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Extensão Rural (NuPER/
UFSCar) e coordenador do Núcleo de Estudos em Agroecologia (NEA/UFSCar). E-mail: joelsonjoe@yahoo.com.br
2Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor associado do Departamento
de Ciências Sociais (DCSo/UFSCar) e do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Organizações e Sistemas Públicos
(PPGGOSP/UFSCar). É pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Extensão Rural (NuPER/UFSCar). E-mail: molinawsl@
gmail.com
3Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor adjunto do
Departamento de Ciências Econômicas e Exatas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (DCCEx/UFRRJ). E-mail:
sebacunha@yahoo.com.br.
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in our work the shaping up of a trend that even when presented as a badge of
modernity is sustained by the economic, political and coercitive force that land
ownership gives a certain fraction of the dominating class.
K: Agrarian Issue. Agribusiness. Economic Power. Extra Economic Power.
Rural Conicts.
I
Esse trabalho problematiza, de maneira geral, o que se convencionou chamar de
Questão Agrária, buscando apresentar uma leitura alternativa àquela construída
pelo pensamento conservador, segundo a qual o agronegócio seria a solução dos
problemas agrícolas e agrários no país. A proposta também contribui para reforçar
a existência e a atualidade da aparente irresolvível questão agrária nacional. Assim,
partimos do pressuposto que o debate aqui proposto está intimamente ligado ao
processo histórico de desenvolvimento do país, uma vez que a posse e apropriação
privada da terra sempre foi um tema, além de relevante, extremamente atual para
se entender a dependência nacional desde nossa inserção, mesmo como colônia, no
capitalismo internacional. Soma-se a isso a manutenção da concentração da terra e
da perpetuação de relações sociais calcadas no patriarcalismo e patrimonialismo,
que passaram incólume a diversas crises e mudanças políticas pelas quais o Brasil
passou. Visto em retrospectiva, em que pese o expressivo crescimento da economia
nacional, ele não foi suciente para arrefecer as históricas pendências nas relações
sociais e produtivas do campo.
A agricultura tradicional, baseada em pequenas propriedades alicerçadas na
diversicação da lavoura, cedeu rapidamente espaço para uma agricultura capitalista
que, por meio da modernização da agricultura, estabeleceu relações intersetoriais
com a indústria, dando sentido, primeiro, aos Complexos Agroindustriais (CAIs)
e, posteriormente, ao agronegócio. Em outras palavras, no Brasil, o modelo de
desenvolvimento da agricultura superou a fase dos complexos agroindustriais,
avançando para uma fase na qual o capital nanceiro passa a ser decisivo no processo
de acumulação de capital na agricultura, destacado aqui como agronegócio e
entendido como o resultado de uma associação entre o grande capital agroindustrial,
a grande propriedade e o capital financeiro que ao se fortalecer, aumenta a
vulnerabilidade da produção agropecuária nacional às determinações externas,
colocando o Brasil, como exportador de commodities de baixo valor agregado,
especialmente grãos, carnes e minérios.
Com o objetivo de mostrar que, em meio a transformações de forma, a essência
do agro latifundiário brasileiro é pautada por uma dinâmica que culmina na captura
de fundos públicos, garantida pela cumplicidade de agentes políticos e ajudada pela
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ação coercitiva que a apropriação privada da terra lhe garante, esse artigo está
estruturado em três seções, além dessa introdução e das considerações nais. A
primeira é destinada a explorar uma trajetória histórica, com a nalidade de mostrar
as transformações conjunturais e o caráter estrutural presente nas relações sociais
de produção no campo. A segunda seção foca o histórico processo de captura de
fundos públicos para, em seguida, na terceira seção, tratar dos transbordamentos
que o poder do dinheiro confere ao agro latifundiário no país, a saber: o poder
político e coercitivo que ele exerce.
T       

A apropriação privada e concentrada da terra no Brasil é uma variável de
extrema importância para se entender a trajetória histórica do desenvolvimento
brasileiro. O sistema de plantation foi muito conveniente à lógica de colonização
estabelecida no país. Esse sistema tem sido raticado, mesmo com alterações, ao
longo da história do Brasil. Se antes tínhamos a produção de monoculturas, em
grandes extensões de terras, com trabalho escravo e produção destinada, quase
exclusivamente, ao mercado internacional, agora temos a produção de commodities
por meio de relações de trabalho caracterizadas comumente pelo elevado grau de
superexploração dos trabalhadores rurais.
Sabe-se que da colonização até 1930, o modelo de desenvolvimento brasileiro
foi pautado na agroexportação e só a partir de 1930, com a paulatina alteração
do eixo dinâmico da economia brasileira para a lógica urbano industrial, houve
a suplantação do setor agroexportador pelo industrial, que, notoriamente, só de
deu, efetivamente, a partir de 1950, quando se rompem os constrangimentos à
industrialização nacional em bases mais capitalistas (CARDOSO DE MELLO,
1975). O período que se inaugura – o da industrialização pesada – a partir de 1956,
trouxe mudanças extremamente relevantes para a dinâmica econômica e para o
processo de urbanização, com alterações signicativas no desenho agrícola e o
agravamento da questão agrária.
Observados os dados dos censos agropecuários do IBGE, pode-se concluir
que houve aumento na concentração na distribuição da posse da terra no mesmo
período no qual o país avançava na sua industrialização4. Já as décadas seguintes,
notadamente os anos de 1960 e 1970, foram marcadas pelo aumento vertiginoso da
utilização de máquinas pesadas, insumos especícos, adubação química e consequente
aumento da produtividade. Este conjunto de alterações caracterizados pela pecha de
“modernização agrícola” foi de grande valia para a consolidação dos grandes complexos
4 Observado o índice de Gini calculado estimando desigualdades intraestratos em metodologia proposta por Homann (1979),
tem-se o seguinte: 1960: 0,842; 1970: 0,844 e 1975: 0,855.
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agroindustriais (CAIs), incapazes, diga-se, de amenizar a pobreza rural, agravando
sobremodo as discrepâncias da estrutura agrária nacional.
Desde o surgimento e consolidação dos CAIs, o processo de modernização
foi altamente excludente de determinados grupos sociais e regiões econômicas.
Portanto, as políticas públicas voltadas para um modelo produtivista que privilegiou
a formação de cadeias complexas tiveram como consequência três características
complementares entre si: a primeira foi a verticalização da produção agrícola, voltada
à consolidação de complexos agroindustriais internacionalizados; a segunda foi a
formação de nichos regionais de especialização produtiva; e a terceira foi o elevado
grau de concentração tanto da terra como do capital (DELGADO, 1985).
Esse modelo foi incentivado pelo governo federal até o nal da década de 1980,
quando os CAIs estavam bastante estruturados. Este modelo, que raticou o
avanço das forças capitalistas na agricultura brasileira, desconsiderou o fato de ser a
questão agrária brasileira, marcada pela desigualdade de acesso à terra e ao trabalho.
Já na década de 1990, a adoção das políticas neoliberais trouxe à realidade brasileira o
agravamento dos problemas sociais no campo. Este quadro de agravamento ocorreu
pari passu com a redução das possibilidades de ação estatal concreta e coordenada
para a efetiva superação do atraso social e econômico nacional.
A dinâmica agropecuária brasileira apresenta tendências que são comprovadas
a cada censo, todavia, uma das manifestações principais do censo agropecuário
de 2017 foi, uma vez mais, a constatação da elevada e persistente concentração
fundiária no Brasil. Segundo os números, os estabelecimentos rurais com menos de
10 hectares ocupavam, na data do censo, aproximadamente 2,0% da área total, mas
comparativamente representavam 51% de todos os estabelecimentos rurais no país.
Por outro lado, os estabelecimentos maiores que 1000 hectares concentravam 48% do
total de área, mas representavam apenas 1% dos estabelecimentos rurais brasileiros
(Tabela 1).
No que se refere ao uso e à ocupação do solo, observados os dados estruturais
do Censo Agropecuário, pode-se perceber que a área dos estabelecimentos rurais
que tinha diminuído entre os dois últimos censos antes do de 2017, voltou a crescer,
mesmo com a redução de 102.312 estabelecimentos e com a redução de área ocupada
com lavouras permanentes e pastagens naturais.
É expressivo o montante, em hectares, das áreas destinadas a pastagens plantadas,
que ocupam 32% da área recenseada e isso se deve à expressiva participação da
criação de bovinos no país, com um total de 172.719.164 cabeças, segundo o Censo
Agropecuário de 2017, representando 73% de todo o efetivo animal, exclusive
aves, no Brasil. Por suposto, isto tem impactos na (sub)utilização do uso do solo
no Brasil, dado o caráter extensivo da pecuária nacional.
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No que se refere ao pessoal ocupado, a redução é expressiva, ao longo do tempo.
Comparando os dois últimos censos, mais de 1,4 milhão de pessoas foram expulsas
das atividades rurais. Analisando-se os números do último censo com o censo de
1985, tem-se um número mais expressivo ainda: 8,2 milhões de trabalhadores ou
uma redução de aproximadamente 35% do pessoal ocupado, que é acompanhada
pelo aumento da mecanização, observada pelo número crescente de tratores durante
todo o período coberto pelos censos. Todavia, é necessário ressaltar que não é
apenas a terra que é concentrada, a tecnologia também: comparados o número de
tratores e o de estabelecimentos rurais no Brasil, teríamos um resultado de 0,25
trator por estabelecimento, indicando que o alcance da aludida revolução verde é
menos extenso do que se supõe. Em síntese, enquanto características mais gerais
de um longo processo de industrialização da agricultura, pode-se dizer que a
questão agrária no Brasil está marcada pela permanência do êxodo rural e redução
do número absoluto de trabalhadores no campo e pelo crescente, mas seletivo,
aumento na produtividade do trabalho no meio rural (CARVALHO, 2010; 2011).
Em outras palavras, uma análise da dinâmica agropecuária no Brasil deixa
evidente que o desenvolvimento do capitalismo no campo, com os signicativos
aumentos da produtividade do trabalho e aumento da maquinização da produção,
ocorreu de maneira concentrada e concentradora e à revelia do aumento de
oportunidades de trabalho na agropecuária. Ademais, ao passo que se rearma
a concentração fundiária e tecnológica, também se evidência a concentração de
crédito, o aumento da inuência política dos representantes do agro latifundiário,
além do recrudescimento da violência no campo.
Adiantamos que, em termos estruturais, podem ser observadas algumas
características merecedoras de comentários. Primeiro é a apropriação privada
e concentrada da terra que se materializa como uma das formas concretas de
acumulação patrimonial da riqueza capitalista. Uma outra característica marcante
está presente nas relações patrimonialistas entre as oligarquias regionais e o poder
central na distribuição e apropriação dos fundos públicos (TAVARES, 2000). Essa
última característica abre uma chave analítica bastante profícua para se pensar,
por exemplo, a lógica de oferta e demanda de créditos, subsídios e nanciamentos
diversos e, também, a forma como se dão as articulações políticas na defesa de
interesses desse agro latifundiário brasileiro, como veremos nos próximos tópicos.
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Tabela 1 Área e número de estabelecimentos rurais no Brasil por estratos de área
no Brasil (2017).
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (2019).
Tabela 2 – Dados estruturais e área dos estabelecimentos agropecuários por gru-
pos de atividade econômica no Brasil (1980 a 2017).
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (1980/2017).
O   :    
Sob o manto (e o mantra!) do discurso do aumento da produtividade, da liberdade
de mercado, da chamada modernidade e do crescimento das exportações (CUNHA;
SOUZA; CORRÊA, 2016), os sistemas de crédito e de nanciamento brasileiros
privilegiaram, ao longo de sua história, o caráter seletivo, concentrador e desigual
das estruturas produtiva, distributiva, agrícola e agrária. As decisões políticas e
econômicas a envolver esses sistemas na conjuntura atual são reexo e correlatas à
consecução de iniciativas que privilegiam saídas concentradoras e centralizadoras
da produção, da propriedade e, como causa e consequência, do capital.
As alterações pelas quais passou esse sistema no Brasil são resultado de inuências
do poder do dinheiro sobre as decisões do Estado. Como será visto adiante, o
poder do dinheiro direcionou as ações em vários momentos, dentre eles: a) na
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política de crédito agrícola inaugurada no pós-crise de 1929 e início do processo
de industrialização brasileira; b) nas diretrizes contidas no Sistema Nacional de
Crédito Rural (SNCR), notadamente observada em sua seletividade e concentração,
em que o Estado era praticamente o único fomentador de crédito, praticando
taxas de juros reais negativas, sob o argumento do aumento da produtividade; c)
na consolidação dos CAIs, que verticalizaram a produção, ainda que sustentada,
em grande parte, por capital público, e que ampliaram a utilização de máquinas,
insumos, defensivos, adubação química, sob o guarda-chuva do discurso da
modernização e, d) na consolidação do agronegócio, solidamente ancorado nas
chamadas políticas neoliberais, que reestruturou o padrão de acumulação no setor
e que aprofundaram o histórico elevado grau de concentração da terra e do capital.
O caminhar dessas políticas raticaram e reforçaram, assim, o modelo de
desenvolvimento rural baseado na produção monocultora de commodities,
notadamente destinada ao mercado internacional, que se transmutou, primeiro,
de apoio a um setor exportador, específico, para um sistema organizado de
nanciamento centralizado de atividades concentradoras (fundiária e de capital)
e, ao nal e ao cabo, de um genérico Complexo Agroindustrial a um modelo
denominado de Agronegócio, fortemente ancorado nos interesses privados
associados à valorização nanceira.
O crédito ocial rural passou a ser institucionalizado no Brasil a partir de meados
da década 1940 e, pelo menos até ns dos anos 1950, deu origem ao que viria a ser a
estrutura de nanciamento para o setor até os anos 1980. Pode-se dizer que o marco
temporal para esse período se dá em 1937, com a criação da Carteira de Crédito
Agrícola e Industrial (CREAI), do Banco do Brasil, substituído apenas na metade
dos anos 1960, quando da criação do SNCR. A partir da criação da Carteira tem-
se a primeira iniciativa de institucionalização do crédito agrícola, e é a partir dela
que o Estado passa a ser o principal agente nessa modalidade de crédito. A CREAI
apareceu como tentativa de pôr em prática as determinações da Lei 454, criada
no segundo governo Vargas, e que tinha como objetivo gerar estímulos para dar
condições aos produtores de comprarem máquinas, equipamentos e insumos, num
intuito maior de modernização da agricultura. Segundo Munhoz (1982), a criação
da CREAI teria “constituído o passo decisivo para a formulação e consolidação de
uma política de assistência creditícia ao setor rural na qual se lastrearia no futuro
a política agrícola do país” (MUNHOZ, 1982, p. 20).
O Banco do Brasil, através da CREAI, tornou-se a principal instituição nanceira
a operar com crédito agrícola. Alguns bancos estaduais também operavam, mas sem
ter a mesma importância do primeiro. Os bancos privados não se interessaram em
operar com este tipo de crédito. Apesar da CREAI ter criado condições de plantio,
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investimento e, enm, “modernidade” para alguns agricultores, ela não atingiu
grande parcela dos produtores agrícolas nacionais5. Essa modernização pretendida
no discurso se deu de forma seletiva e restrita a poucos produtores6.
Paralelamente à Carteira, foi lançado em 1943, com a criação da Comissão de
Financiamento da Produção (CFP), o Programa de Preços Mínimos, em que os agri-
cultores podiam vender seus produtos ao mercado ou então negociar com o governo
pelo preço mínimo, que realiza, então, uma Aquisição do Governo Federal (AGF).
Os primeiros preços mínimos foram xados dois anos depois para serem aplicados
na colheita seguinte de arroz, feijão, milho, amendoim, soja e semente de girassol.
Se a CREAI representou a institucionalização do crédito rural e a introdução do
Estado como seu principal fomentador, com a criação do SNCR7, o Estado passou
a ser o único fomentador de recursos para a agricultura e para o setor rural como
um todo, por um longo período. Período esse caracterizado por um grande volume
de crédito e por altas taxas de subsídios, particularmente na década de 1970.
O SNCR foi criado como parte das reformas implementadas pelo Plano de Ação
Econômica do Governo (PAEG), de 1964 a 1966. O uso de insumos e implementos
avançados traria, como pretendido, aumento do produto e da produtividade para
o setor e para o País. Mas isto só ocorreu com incentivos nanceiros para o setor
agrícola e com apoio à importação e/ou entrada de grandes produtoras de máquinas,
equipamentos, insumos etc., através de uma forte intervenção no setor com vistas
a alterar a estrutura de produção, e consolidando a expansão da fronteira agrícola
com reprodução da concentração fundiária (CUNHA, 1999).
Até 1979, a taxa de juros no crédito agrícola era xada, em termos nominais, em
15% ao ano para o crédito de custeio, com valores mais baixos ainda para compras
de fertilizantes e alguns outros insumos. O crédito de investimento era concedido
à taxa de juros em torno de 17%, no entanto, cerca de ¼ desses empréstimos
para investimento era distribuído a taxas mais baixas em programas especiais,
dirigidos a regiões ou atividades especícas. O crédito de comercialização, usado
principalmente para estocagem da safra no Programa de Preços Mínimos, era
concedido à taxa de juros de cerca de 16%.
Após 1979, a taxa de juros passou a ser parcialmente ajustada de acordo com um
5 “Em 1952, 546 municípios brasileiros desconheciam qualquer modalidade de crédito agrícola. Não dispunham de recursos
de crédito agrícola 80% dos municípios paraenses, 18,7% dos paulistas, 40% dos paranaenses, 43% dos catarinenses. Somente
em 168 municípios brasileiros funcionavam naquele ano cooperativas de crédito. O Banco do Brasil só aparecia como principal
entidade nanciadora em 45% do total de 1874 municípios existentes naquele ano” (PAIM, 1957, p. 85).
6 Falando sobre a realidade brasileira em 1952, segundo Paim (1957) observou que: “A enxada é o instrumento de trabalho
predominante na quase totalidade dos municípios e somente em 222 deles a Comissão Nacional de Política Agrária encontrou
o arado como o instrumento básico, embora, na maioria dos casos, de tração animal. Quanto à meação, é a modalidade de
parceria mais comum em 1.280 municípios, enquanto em 1.294 o arrendamento da terra se faz por contratos verbais e por
prazos raramente superiores a dois anos” (PAIM, 1957, p. 56).
7 Lei nº 4.829, de 05.11.65.
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coeciente aplicado à correção monetária. A fórmula foi concebida para fornecer
um mecanismo para a redução gradual dos subsídios, mas, na prática, o coeciente
aplicado à correção monetária permaneceu xo em 0,4. Além do mais, muitos dos
programas especiais caram isentos dessa indexação. O efeito global em 1980,
quando a inação ultrapassou 100%, foi que o teto da taxa de juros para o crédito
agrícola cou em 36% e a taxa de subsídio aumentou8.
Como se observa na gura 1, apesar de o governo cobrar juros dos produtores,
o que se verica é que essas taxas de juros cavam abaixo do patamar inacionário.
O período em que houve maior diferença entre a taxa nominal de juros e a inação
vai de 1974 a 1981, chegando à incrível taxa real de juros, negativa, de 37,7% em
1980. Até 1973, devido à baixa taxa de inação (abaixo de 21%), a subvenção aos
produtores era pequena quando observamos a taxa real de juros. Mas, a partir de
1974, quando ocorre um aumento na taxa inacionária, e mantendo-se a mesma
taxa de juros para os nanciamentos, verica-se um incremento nas transferências
para os agricultores beneciários do crédito rural ocial.
Figura 1 – Comparativo entre taxas de juros de créditos agrícolas e taxa de inação
(1969 a 1981).
Fonte: Delgado (1985), apud Carvalho (2011, p. 24).
8 Nas palavras de Delgado (1985, p. 80): “os limites concedidos por nalidade e as taxas reais negativas, além de outras
condições favoráveis de nanciamento (prazos e carências elásticas), constituem-se no principal mecanismo de articulação
pelo Estado dos interesses agroindustriais. Por meio dessa política expansionista, cresceu rapidamente a demanda por
insumos modernos, criando-se, assim, o espaço de mercado para consolidação do chamado Complexo Agroindustrial”.
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Não bastasse a transferência real de recursos públicos para o setor agrícola,
grande parte do crédito foi concedida a produtores que possuíam grandes áreas.
Os pequenos produtores, que demonstraram uma maior relação entre participação
no produto nal e participação nos empréstimos ociais, detiveram uma pequena
atenção e parcela dos empréstimos totais (GUEDES PINTO, 1981).
Como resultado desses dados, percebe-se que os grandes produtores, seja pela
relação entre valores monetários do nanciamento por hectare, seja pelo produto
obtido em relação ao nanciamento contratado, foram mais contemplados, ou
zeram mais uso dos incentivos oferecidos pelo governo através dos subsídios em
forma de transferências indiretas (taxa real de juros). Poderíamos dizer que os
ganhos obtidos com as transferências para o setor agrícola e, mais precisamente, para
os grandes produtores, produziriam uma maior oferta de produtos e que acabariam
trazendo uma redução dos preços, ou que estes ganhos acima do nível de ganhos
da economia atrairiam novos produtores, o que viria a trazer uma equiparação ou
redução no nível dos ganhos, o que notoriamente não ocorreu.
Tabela 3 – Comparações entre o valor do nanciamento com o valor da produção
e com a área, em diferentes estratos de área (1970 e 1975).
Fonte: Fundação IBGE apud Guedes Pinto (1981, p. 22).
Fica evidente pelos dados e argumentos apresentados o papel do nanciamento
enquanto estratégia pública na consolidação dos complexos agroindustriais. As
consequências dos CAIs foram óbvias: a primeira foi a verticalização da produção
agrícola, a segunda foi a formação de nichos regionais de especialização produtiva
e a terceira foi o elevado grau de concentração tanto da terra quanto do capital
(CARVALHO, 2015). O crédito de custeio era centrado em recursos para insumos
modernos, tais como fertilizantes, defensivos, sementes, entre outros componentes
da agricultura e da pecuária. Além destes, também medicamentos, mudas, rações
e concentrados. No período analisado, o crédito de custeio sempre foi o maior
destino dos recursos, representando, em alguns anos, mais de 50% do total do
volume destinado ao crédito rural. Pela característica moderna e seu elevado grau
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de industrialização, estes insumos foram fundamentais para a consolidação das
relações intersetoriais entre agricultura e indústria, com clara predominância da
indústria sobre a agricultura9. O modelo agrícola baseado na elevada
produtividade foi incentivado pelo governo federal durante a década de 1980.
E foi no modelo de nanciamento que o governo raticou essa matriz agrícola,
desconsiderando, portanto, o fato de ser a questão agrária brasileira marcada pela
desigualdade de acesso à terra e, por consequência, a nanciamentos.
A modernização conservadora não alterou o padrão de crescimento da agricultu-
ra brasileira, marcado pela expansão extensiva. O crédito rural subsidiado permitiu
uma expansão desproporcional da produção agropecuária, além de infraestrutura
de suporte e apoio, expansão esta que se adequou convenientemente aos interesses
mais imediatos, tanto do governo quanto dos grandes produtores, e que, contudo,
gerou um crescimento de fôlego curto que, a partir dos anos 1980, mostrou seus
limites e explicitou seus impasses (SZMRECSÁMYI; RAMOS, 1997).
É interessante ressaltar, ademais, que houve uma notória transferência de
responsabilidade dos empréstimos agrícolas, do estado para a iniciativa privada,
refere à inserção mais ativa das agroindústrias como ofertadoras de crédito. Com a
queda do volume de recursos ociais diante de um contexto de crise com redução
da importância do SNCR, as agroindústrias foram assumindo papel importante na
concessão de crédito. Sejam elas empresas de fertilizantes, defensivos, sementes,
máquinas, tratores ou de processamento de commodities, o que interessava era
dar condições aos produtores de comprarem seus produtos. Alguns empréstimos
eram (e ainda são) realizados através de convênios com os bancos, em que algumas
indústrias correm atrás do funding da operação, recorrendo às suas matrizes no
exterior10.
A partir do final dos anos 1980 e início da década de 1990, a adoção de
políticas neoliberais trouxe à realidade brasileira um duro golpe: o agravamento
dos problemas estruturais nacionais, a exemplo da concentração de renda e da
propriedade. Este quadro de agravamento se deu concomitante com a redução das
possibilidades de ação estatal concreta e coordenada para a efetiva superação do
atraso social e econômico nacional (CUNHA, 2013; CUNHA, 2018). Em outras
palavras, com a opção pelo neoliberalismo, ocorreram alterações na capacidade de
ação estatal e isto, por seu turno, acarretou rebatimentos sociais signicativos que,
9 Segundo Delgado (1985), a priorização para a agroindústria era tão patente que a participação dela nos nanciamentos
concedidos foi 64,8% nas safras de 1977/78, aumentando para 72,7%, em 1978/79, reduzindo-se para 69,2% na safra seguinte
(1979/80), queda essa pouco representativa no período como um todo. As cooperativas de produtores rurais, por exemplo,
não foram superiores a 23% no período.
10 Esta estrutura de crédito é frágil por conta de sua instabilidade. A fragilidade dessa forma de crédito está na dependência em
relação ao capital externo e sua relação direta com a política cambial, controlada sobremaneira pelas forças de mercado não apenas
no Brasil, mas também em boa parte da América Latina.
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Poder econômico e extraeconômico do agro...
para o que nos interessa, podem ser expressos no agravamento da realidade agrária,
no aumento de ocupações de áreas rurais por famílias sem-terra e, infelizmente,
no aumento da violência no campo (POMPEIA, 2020).
Aqui cabe algumas considerações sobre o PRONAF, em função de ser apontado
como uma resposta dada em meados da década de 1990 para, como o próprio
nome diz, o fortalecimento da agricultura familiar. É inegável que ele se constituiu
como uma importante política pública voltada à agricultura familiar, entretanto, os
valores recebidos pelo programa a partir de meados dos anos 2000 foram resultados
de um longo processo de tensionamentos por parte dos agricultores e movimentos
sociais. No ano de sua implantação, em 1995, a taxa de juros era demasiadamente
elevada, atingindo 16% ao ano. No ano seguinte, mesmo com a inação já estável em
níveis baixos, os juros foram reduzidos, mas a 12% ao ano, continuaram elevados,
levando-se em consideração o público-alvo. Outro ponto a se destacar é o volume
de recursos efetivamente liberados: sobre isso, Graziano da Silva (1998, p. 251)
escreveu que, em 1997, o valor liberado, dividido pelo público potencial naquele
ano, daria menos de R$ 120,00 por ano para cada família de agricultores rurais.
Dito isso, cabe ressaltar que mesmo nos anos em que o PRONAF recebeu
mais recursos, esses foram demasiadamente aquém dos créditos concedidos ao
agronegócio por meio do Plano Safra. Apenas como ilustração:
Em junho de 2015, em plena crise de recessão pela qual passa a economia
brasileira, o MDA e o MAPA divulgaram os planos-safra para a agricultura
camponesa e para o agronegócio, respectivamente. Para a agricultura
camponesa, o MDA (2015) previu o investimento de R$ 28,9 bilhões, um
aumento de 29% em relação ao plano-safra anterior (2014-2015). Já no que
se refere ao agronegócio, o MAPA (2015) trouxe uma previsão de orçamento
de R$ 187,7 bilhões, um aumento de 20% com relação à safra anterior. Nesses
termos, percebe-se que em números absolutos, os recursos do MAPA são
cerca de 6,5 vezes maiores do que os que serão destinados ao MDA, por
mais que o segundo tenha tido um crescimento percentual maior do que o
primeiro se comparado à última safra (BARBOSA JUNIOR; COCA, 2015,
p. 20).
Não nos cabe aqui fazer um aprofundamento sobre o Plano Safra, mas é
necessário apontar ele como o principal programa de nanciamento público do
agronegócio na contemporaneidade e tem valores crescentes ao longo de sua
trajetória, a exemplo dos R$ 236,30 bilhões – incluídos nesse valor R$ 33 bilhões
para o PRONAF – que foram liberados em julho de 2020 para a safra 2020/2021,
período em que as receitas públicas foram bastante comprometidas em função dos
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Carvalho et al.
efeitos diretos e indiretos da pandemia de coronavírus11.
Em resumo, a contribuição do governo para a estruturação do agronegócio no
Brasil foi e é notória. A sustentação do paradigma produtivista brasileiro pôde
contar, diferentemente da agricultura familiar, com o tripé pesquisa, extensão e
crédito, que deu gênese aos complexos agroindustriais e foi o berço do agronegócio.
Para tanto, para além do crédito, dos juros subsidiados e de outras benesses, o
governo também direcionou instituições públicas, como a EMBRAPA, a operar em
perfeita sincronia com empresas multinacionais do agronegócio. Além disso, ainda
diminuiu o controle sobre áreas devolutas e trabalhou com políticas cambiais de
modo funcional ao interesse do setor. O resultado foi uma economia rural baseada
na reiteração do latifúndio monocultor produtor de commodities destinadas ao
mercado externo sob a égide do capital nanceiro, valendo-se da superexploração
da força de trabalho, gerando desemprego estrutural e deixando elevados custos
ambientais e sociais: eis a caracterização mais assertiva de agronegócio no Brasil.
P   :      -
  B
O imenso segmento econômico identicado, em linhas gerais, pelo termo
agronegócio, embora inquestionavelmente poderoso em termos estritamente
econômicos, não tenha sido inteiramente capaz, pelo menos até a década de 2000,
de gerar um equivalente político, na medida em que não há um amplo consenso
em torno do agronegócio como portador de um modelo social, um projeto político
que inclua os interesses de amplos setores da sociedade (MORAES; ÁRABE; SILVA,
2008). Em grande medida, tal limitação pode ser explicada por ao menos dois fatores
i) Boa parte da atuação política da assim chamada “bancada ruralista” no
Congresso Nacional, assim como da atuação das associações representativas do setor
(CNA, OCB, associações por produto e intersetoriais) por meio de lobbies junto ao
governo, não se propunha – ao menos até ns da primeira década dos anos 2000 –
a constituir uma concertação política que garantisse ampla legitimidade ao setor.
Ao contrário, os esforços até então sempre eram mais focados na garantia de seus
interesses diretos, como a manutenção de recursos junto ao SNCR, aprovação de
leis ambientais mais favoráveis ao setor, etc. (DELGADO, 2012). Este pragmatismo
político, apesar de bem-sucedido no atendimento a seus objetivos imediatos, não
ajudou o agronegócio em termos de imagem pública e;
ii) Como resultado do sucesso das ações elencadas no item anterior, houve,
principalmente nas últimas duas décadas, um enorme avanço do setor rumo a terras
11Conforme publicação do Ministério da Agricultura, pecuária e abastecimento em 01/07/2020. Disponível em: https://
www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/plano-safra-2020-2021-entra-em-vigor-nesta-quarta-feira. Acesso em:
03. nov. 2020.
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indígenas, de populações tradicionais, de camponeses, etc. (ALMEIDA, 2010), o
que intensicou os conitos fundiários junto a estes grupos, além de colocar em
evidência outros efeitos colaterais da “expansão agro, como o aumento no ritmo
do desmatamento. Como consequência, as resistências – e as denúncias – contra
o setor se multiplicaram, afetando sua imagem pública e assim, sua capacidade de
articulação de amplos consensos políticos.
Não obstante a supostamente baixa capacidade de articulação política em torno
de amplos consensos, não se pode negar a ecácia do agronegócio em consolidar e
manter condições privilegiadas no âmbito das políticas públicas, inclusive logrando
bloquear pautas históricas, como a reforma agrária. Em parte, isso se explica pela
relação de dominação e cumplicidade entre os agentes de Estado, as modernas
frações de capital e o lado arcaico do agro latifundiário no Brasil que alimentam
os conitos que se materializam no território. Neste ínterim, para exemplicar,
quando observado o trabalho de Carvalho (2017), ao analisar todas as Mensagens
ao Congresso, Discursos Presidências, Decretos, Medidas Provisórias dos dois
mandatos do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e do primeiro
governo Lula (2003-2006), chega-se à conclusão que: “Se na era FHC, os movimentos
sociais de luta pela terra não conseguiram implantar uma política de reforma
agrária, no governo Lula, por sua vez, as pressões dos proprietários de terra não
conseguiram extinguir a reforma agrária da pauta” (CARVALHO, 20017, p. 78). O
fato a se destacar é que, mesmo na pauta, o país não avançou na reforma agrária,
mesmo considerando os 14 anos de gestões petistas no executivo federal.
Compreender a origem desta ecácia política, por parte desses agentes agremia-
dos em torno do agronegócio, não é algo tão difícil, numa primeira análise: o poder
econômico que nancia lobbies e candidaturas explicaria boa parte deste sucesso12.
Mas a força do dinheiro, por si só, não seria suciente, se for levado em conta a
existência de outros (poderosos) segmentos econômicos não necessariamente
identicados com o agro, como a indústria, o setor nanceiro, para car no óbvio.
A questão que se coloca é como os interesses do agronegócio passam a ser
defendidos por outros segmentos não diretamente ligados a atividades agro-
pecuárias, ao meio rural. E isso implica admitir que nem todos os parlamentares
da bancada ruralista ou agropecuarista (FPA) são “fazendeiros, ainda que grande
parte dos parlamentares em geral seja proprietário rural, como pode ser vericado
na gura 2.
Sabe-se que o Congresso brasileiro é composto por duas Casas, a saber, a Câmara
12 A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), grupo de parlamentares dedicado à defesa dos interesses do setor, existe desde
a Assembleia Constituinte - seu surgimento se deu entre 1987 e 1988 - e tem sido uma das principais frentes temáticas no
Congresso. Segundo o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), trata-se da maior frente parlamentar mista atualmente
existente, reunindo quase 50% dos membros de cada casa – 246 deputados e 39 senadores. Ver https://olb.org.br/.
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e o Senado com, respectivamente, 513 deputados e 81 senadores. Observados os
números apresentados no trabalho de Gershon, Meireles e Barbosa (2020), ca
evidente que a bancada ruralista é composta por parlamentares proprietários e não
proprietários de terras, agremiados a partir de interesses difusos que juntos detém
quase 50% das cadeiras nas duas casas, conforme demonstra a gura 3.
Figura 2 – Proprietários rurais por partido no Congresso brasileiro em 2020.
Fonte: Adaptado de Gershon, Meireles e Barbosa (2020).
Sabe-se que o Congresso brasileiro é composto por duas Casas, a saber, a Câmara
e o Senado com, respectivamente, 513 deputados e 81 senadores. Observados os
números apresentados no trabalho de Gershon, Meireles e Barbosa (2020), ca
evidente que a bancada ruralista é composta por parlamentares proprietários e não
proprietários de terras, agremiados a partir de interesses difusos que juntos detém
quase 50% das cadeiras nas duas casas, conforme demonstra a gura 3.
Como possível explicação da grande aderência dos temas de interesse do
agronegócio junto a parlamentares não necessariamente vinculados ao meio rural,
pode ser destacado o grande leque de atividades que pode ser incluído dentro da
cadeia produtiva do mundo “agro” (BELIK, 2007), e a própria presença de setores
empresariais urbanos (mineração, indústria alimentícia, energia elétrica, bancos,
etc.) como proprietários de terras em diversas áreas do país (FLEXOR; LEITE
2017), além do fenômeno do contract farming adaptado ao contexto brasileiro
(GUANZIROLLI; DI SABBATO, 2014). A convergência desses fatores faz com
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que a teia de interesses em torno da manutenção de políticas voltadas aos grandes
negócios agropecuários se estenda para muito além do campo e dos interesses
diretos dos latifundiários do país.
Por outro lado, essa multiplicidade de interesses associados à cadeia do agro, mais
do que ampliar as leiras em defesa de políticas como os subsídios agrícolas, linhas
do SNCR, entre outras, pode esclarecer muito sobre o viés antirreforma agrária
que caracteriza coalizões políticas entre setores produtivos e segmentos sociais
muito distintos. Mais que isso, a teia de interesses em torno da complexa rede de
contratos e contatos por trás do aludido agribusiness brasileiro pode inverter a lógica
de políticas públicas pensadas para a agricultura familiar (como o PRONAF), na
medida em que seu público-alvo passa a gurar como uma mera rede de captação
de crédito que ui para contratos rmados junto a grandes grupos negociadores
de commodities (SARON; HESPANHOL, 2012).
Figura 3 – Distribuição de congressistas membros e não membros da FPA (2020).
Fonte: Adaptado de Gershon, Meireles e Barbosa (2020).
Não obstante as coalizões políticas em defesa do agronegócio – e contrárias as
teses como a da necessidade de reforma agrária – possam ser compreendidas e
delineadas a partir da explanação feita até aqui, uma questão emerge a partir da
armação inicial de que o agronegócio não teria sido capaz de criar um projeto
com pretensões hegemônicas, no sentido político gramsciano13.
13 A noção de hegemonia, presente na obra do pensador marxista Antonio Gramsci, diz respeito à capacidade de um
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Uma questão que merece atenção futura é saber se os fatores que teriam impedido
este segmento econômico de se lançar a tal empreitada até o presente momento
– apresentados no início do tópico – continuam (e continuarão) valendo. Na
tentativa de avançar nessa questão, alguns elementos de análise são inescapáveis, a
começar pelos efeitos deletérios (ambientais, sociais) da expansão do agronegócio,
que tendem a se acumular, gerando resistências e minando as bases de qualquer
consenso, ao ponto em que campanhas midiáticas não seriam sucientes para salvar
a imagem do agronegócio junto à opinião pública. Ou seriam sucientes apenas
para isso, mas não na construção de amplos consensos políticos?
De outro lado, análises como a de Caio Pompeia (2020) indicam que estaríamos
hoje vivenciando uma terceira fase da representação política do agronegócio, não
mais apoiada em grandes complexos agroindustriais e sindicatos patronais (fase
da “revolução verde”) ou cooperativas e associações de produtores por produto
(segunda fase, a partir dos anos 1990), mas agora assumindo uma conguração
híbrida entre os padrões de representação política anteriores e acrescida de uma
maior participação de entidades intersetoriais – mais condizente com a realidade
constatada em termos de coalizões políticas engendradas pela crescente capilaridade
das cadeias do agro – e com uma inédita capacidade de articulação em torno de
narrativas capazes de se contrapor a visões antagônicas que tendem a se avolumar
a partir de temas ambientais, sociais e econômicos.
A real dimensão dos efeitos da agressiva e frouxamente regulada expansão
agropecuária e a efetiva capacidade das novas formas políticas do agronegócio para
promover acordos que conduzam a uma concertação política parecem concorrer
entre si na determinação do alcance do poder político do agronegócio. Mas, no
curto prazo, nada indica que este poder apresenta sinais de debilidade.
Independentemente da debilidade ou não do poder político do agro latifundiário
no Brasil, uma breve análise dos dados organizados pela Comissão Pastoral da Terra
(CPT) e sistematizados nos Cadernos de Conito no Campo nos ajuda a perceber
que houve um evidente recrudescimento da ação da burguesia agrária expressa no
uso da violência, notadamente contra pessoas ligadas a movimentos sociais de luta
pela terra, conforme ilustra a gura 4.
Importante ressaltar que a gura 4 apresenta apenas a violência expressa em
assassinatos. Sabe-se que além dela, ainda existem tanto as ameaças de morte,
tentativas de assassinato e agressões físicas como aquelas que não se expressam
sicamente, como as expulsões realizadas por grileiros, fazendeiros ou mesmo o
Estado. Outro dado importante alertado é que a redução dos assassinatos nos dois
segmento ou conjunto de segmentos sociais (articulados em um “bloco histórico”) de cooptar outros segmentos da sociedade
civil em torno de um mesmo projeto de poder e permeado por uma ideologia especíca. Para uma introdução ao debate
em torno do conceito, ver Alves (2010).
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últimos anos da série não signica a redução da violência, pois, segundo a CPT
(2020), o que ocorreu foi a ação direcionada a lideranças de movimentos sociais,
denotando uma ação especializada de criminosos prossionais14.
Figura 4 – Número de assassinatos em conflitos de luta pela terra no Brasil
(1980/2019).
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CEDOC da CPT (2020).
C F
Esperamos ter deixado claro que mesmo com a forte integração agricultura e
indústria, o processo de desenvolvimento da agricultura brasileira ainda foi marcado
pela convivência conituosa e a reprodução de relações sociais que rearmam
relações de dependência economia e social que recolocam a desigualdade de acesso
à propriedade no centro da questão agrária brasileira.
Sobre essa desigualdade, ela tem se mostrado tanto social quanto territorialmente,
marginalizando uma imensa massa de despossuídos do meio rural, inexoravelmente
migrantes para cidades, geralmente médias ou de grande porte ou ainda para regiões
de fronteiras agrícolas, constantemente em movimento. Este quadro de agravamento
ocorreu com a redução das possibilidades de ação estatal concreta e coordenada
para a efetiva superação do atraso social e econômico nacional no bojo das políticas
neoliberais pari passu à consolidação do agronegócio como modelo hegemônico
14 Reforça essa tese o assassinato de Ênio Pasqualin, líder do MST no Paraná. Ele foi retirado de sua casa por sequestradores
na noite de 24 de outubro de 2020. Seu corpo foi encontrado no dia seguinte com sinais de execução, conforme reportagem
do Jornal Brasil de Fato, disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/10/26/lider-do-mst-no-parana-e-encontrado-
morto-com-sinais-de-execucao. Acesso em: 03. nov.2020.
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de produção agrícola no país.
O avanço do agronegócio sobre antigas áreas gerenciadas pela ótica patriarcal-
patrimonialista é ambíguo, o que diculta pensarmos sobre um bloco. Todavia,
os antagonismos são superados pelos arranjos tácitos e formais que transcendem
a lógica econômica, expresso pelo poder do dinheiro, transbordando em poder
político e coercitivo, na medida em que se seculariza e se ratica a terra muito
mais que um fator de produção e sua apropriação privada como um signo de poder
extraeconômico.
Tornou-se perene a expropriação, a expulsão e o desemprego, que continuam
se configurando como elementos centrais da questão agrária nacional com
rebatimentos sociais significativos, assim como o favorecimento ao capital
tipicamente especulativo e essa é uma questão que precisa ser mais bem observada
academicamente.
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TAVARES, M. C. (Org.). Celso Furtado e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2000.
... In Brazil, the exploitation of land and nature has been shaped by a process of reaffirming the plantation. If formerly, the dynamic focus of the country's economy was the production of monocultures on vast expanses of land with slave labor and production destined almost exclusively for the international market, currently we are witnessing commodity production with the prominent exploitation of land, natural resources and workers, characteristics that are inseparable from agribusiness in Brazil (Carvalho;Molina;Cunha, 2021). ...
... In Brazil, the exploitation of land and nature has been shaped by a process of reaffirming the plantation. If formerly, the dynamic focus of the country's economy was the production of monocultures on vast expanses of land with slave labor and production destined almost exclusively for the international market, currently we are witnessing commodity production with the prominent exploitation of land, natural resources and workers, characteristics that are inseparable from agribusiness in Brazil (Carvalho;Molina;Cunha, 2021). ...
Article
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This research has investigated the productive dynamics of the sugarcane agribusiness and its effects on the social reproduction of peasant groups in the administrative region of Ribeirão Preto, in the interior of São Paulo, an important territory hegemonized by sugarcane, which has been the stage of several agrarian conflicts in the state. To pursue this, semi-structured interviews were conducted with representative agents for the topic at hand, as well as field visits and analysis of secondary data. Using a historical-dialectical paradigm, the aim of this article is to demonstrate that in the region in question, an intensive, predatory neoextractivist activity is located, led by the sugarcane sector which, in its production logic, disrupts and hinders peasant production and social reproduction. The conclusions indicate that, even outside frontier zones, there have been severe impacts on local peasant groups, resulting in dispossession, land concentration, and conflicts of various kinds.
Article
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Esta pesquisa investigou a dinâmica produtiva do agronegócio canavieiro e seus efeitos na reprodução social de grupos camponeses na Região Administrativa de Ribeirão Preto, interior do estado de São Paulo, importante território hegemonizado pela cana-de-açúcar e palco de diversos conflitos agrários do estado. Para tanto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com agentes representativos para o tema em questão, além de visitas de campo e análise de dados secundários. A partir de um paradigma histórico-dialético, o objetivo deste artigo é demonstrar que, na região em questão, se localiza uma intensiva e predatória atividade neoextrativista protagonizada pelo setor sucroenergético que, em sua lógica de produção, desorganiza e dificulta a produção e reprodução social camponesa. As conclusões indicam que, ainda que fora de zonas de fronteira, há severos impactos sobre grupos camponeses locais, resultando em despossessões, concentração fundiária e conflitos de diversas ordens.
Article
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Há inegável potencialidade da agroecologia como forma de produção agrícola e reprodução social camponesa, de caráter contra-hegemônico, pautada em valores comunitários e solidários. Partindo do pressuposto de que o método da educação popular pode ser combinado coma prática agroecológica, o presente trabalho tem por objetivo oferecer um aporte metodológico para a formação de agentes populares de agroecologia, desenvolvido através de uma experiência de extensão universitária realizada pelo Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica (NEA) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Campus São Carlos. Metodologicamente, o artigo é fruto de uma pesquisa qualitativa aplicada, com observação participante e pesquisa-ação. Para cumprir o objetivo proposto, o tema é
Chapter
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Esse trabalho tem como objetivo levantar reflexões que contribuam para o debate sobre a questão agrária brasileira por meio da problematização do agronegócio. Para cumprir o objetivo proposto o capítulo está dividido em duas seções, além dessa introdução e das considerações finais. Na primeira, busca-se traçar a trajetória histórica da modernização do rural brasileiro, lançando luz às contradições desse processo para, na sessão seguinte, discorrer sobre a economia política do agronegócio, lançando luz a algumas contradições geralmente invisibilizadas. Com esse trabalho, espera-se contribuir com a crítica ao modelo hegemônico que vigora no rural brasileiro e que captura políticas e recursos públicos, criando obstáculos à reforma agrária, à agroecologia e, em sentido mais amplo, ao desenvolvimento socioterritorial no país.
Conference Paper
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Este artigo, apresentado no VI Colóquio da SEPLA, em setembro de 2010, na cidade de Montevidéu, Uruguai parte da ideia que a partir dos anos 1980, a questão agrária brasileira, após o “esquecimento” a que foi relegada durante todo o período militar, ganhou maior dimensão em estudos e debates acadêmicos. Desde então, ela ressurge, ainda que apenas no debate, como estratégia de desenvolvimento nacional que, em tese, associar-se-ia à geração de renda, desenvolvimento regional e local, empregos, melhoria das condições de vida da população rural e no entorno de assentamentos, entre outros. Em grande parte, isto se deve à articulações de movimentos sociais rurais que, por suas ações em diversas escalas territoriais, obrigaram tanto a academia como o governo a se voltarem aos problemas fundiários nacionais e suas consequências tanto econômicas quanto sociais. Os estudos mais recentes estão alicerçados na criação de projetos de assentamentos rurais em um contexto marcado pelos caminhos desenhados pela modernização agrícola. Sendo assim, o foco deste artigo é tecer considerações que demonstrem as interligações entre a economia rural e a questão agrária nacional, a partir de uma visão histórica do processo que, como se verá, foi marcado pelo conservadorismo social e político. O argumento central deste trabalho é o de que, mesmo com o desenvolvimento de modernas forças capitalistas no meio rural brasileiro e de suas fortes ligações com a indústria nacional e internacional, isso não só não resolveu como também contribuiu para agravar as contradições socioeconômicas no meio rural brasileiro. O intuito é demonstrar que o desenvolvimento da agropecuária no Brasil e as políticas públicas voltadas para ele não foram capazes de enfrentar os principais desafios impostos pela secular estrutura agrária nacional, a saber: aumento de emprego e renda e desconcentração fundiária.
Thesis
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This research has as general objective to analyze the trajectory and the movement of the agrarian question in the governmental agenda, from 1995 to 2006, based on the application of instruments that show the change in the priorities of this policy, specifically observing the Presidential Discourses, Decrees, Provisional Measures and Messages forwarded by the President of the Republic to the National Congress, based on a multidisciplinary view of public policies, notably the formation studies in the agenda-setting. The analysis used here, therefore, focuses on the process of changes in public policies focused on the governments FHC I and II and Lula I. So, that the objectives are achieved, this dissertation is based on the model of punctuated equilibrium (Punctuated Equilibrium Framework) Baumgartner and Jones (1993) which seeks, through temporal mapping of care indicators, analyze the rise and the changes of an issue on the government agenda over time. From the above model, will seek to clarify, explain and discuss the movement of land reform policies over twelve years of administrations. Thus, is expected to contribute to the studies in the field of public policies on the agenda of training in Brazil.
Thesis
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This thesis analyzes the structural conditions and the cyclical components of the brazilian agrarian issues, in the state of São Paulo, and around Ribeirão Preto region. It also approaches, in this work, one of the central elements of the national inequality, namely: the high concentration of land ownership structure and its more general social-economic repercussions. The path traversed, in this analysis, comes from the recovery of the historial patterns of the inequality of access to rural property to the more recent actions, present in the struggle for land in this region. the central points faced here goes, beyond finding the secular national land concentration, to upgrades of debate on the agrarian matters in São Paulo, most industrialized state, and with the most diversified agriculture of the country. The issue of study, brought in this thesis, becomes important when it shows an alternative to the conservative thinking, in which the agribusiness becomes the solution of agricultural problems and land in the country. The ultimate objective is to qualify the agrarian matter in Ribeirão Preto, where the agribusiness is historically consolidated, from the investigation of five rural settlements, demonstrating that besides not being surpessed, the agrarian reform can still be a valid public policy for the improvement of living conditions of workers and deal with poverty.
Article
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doi: 10.12957/geouerj.2012.4823 Resumo: No presente artigosão analisados os efeitos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) sobre a agricultura familiar no Brasil, com base no estudo da trajetóriado programa,desde a sua instituição em meados dos anos 1990até o início da segunda década do século XXI. O objetivo da investigação que dá suporte a este artigo é contextualizar o PRONAF no âmbito das políticas de desenvolvimento rural e de apoio a agricultura familiar,com base na análise das mudanças normativas feitas no programa desde a sua criação. Constatou-se que apesar das mudanças e aprimoramentos feitos no PRONAF ao longo do tempo não foi revertida à tendência de que os recursos sejam destinados aos segmentos mais capitalizados da agricultura familiar e as regiões que possuem agricultura com maior dinamismo. Para a consecução dos objetivos da pesquisa foram realizados: revisão bibliográfica sobre agricultura familiar, desenvolvimento rural, políticas públicas e modernização da agricultura, consultados documentos e dados oficiais nos sites do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Palavras chave: PRONAF. Políticas Públicas. Agricultura Familiar. Desenvolvimento Rural. Modernização Agrícola. Abstract: This paper assesses the effects of the National Program for Strengthening Family Farming (PRONAF) on family farming in Brazil, based on the study of the trajectory of the program from its inception in the mid-1990s to the beginning of the second decade of the 21stcentury. The goal of the research that supports this article is to contextualize PRONAF under the policies for rural development and family farming support, basedon analysis of normative changes made to the program since its creation. It was foundthat, despite the changes and enhancements made to PRONAF over time, the trend forallocation of resources to more capitalized segments of family farming nd agricultureregions with more dynamism has not been reversed. To achieve the objectives of theresearch, the following were conducted: literature review on family farming, ruraldevelopment, public policies, and agriculture modernization; and review of documentsand official data on the websites of the Brazilian Institute of Geography and Statistics(IBGE) and the Ministry of Agrarian Development (MDA). Keyword: PRONAF. Public Policies. Family Farming. Rural Development. AgriculturalModernization.
Chapter
Celso Furtado (1920-2004) foi um dos mais importantes economistas e cientistas sociais brasileiros. Demonstrou, em sua obra, o que significa a relação inseparável entre o pensar e o agir, entre o rigor acadêmico e o engajamento político. Esta Coletânea, volume 1 de um uma trilogia sobre aspectos da vida e obra deste paraibano de Pombal, reúne textos produzidos nos últimos 30 anos por intérpretes atentos e privilegiados. Atentos, porque pesquisadores, estudiosos dos problemas brasileiros, vinculados a instituições de prestígio nacional e internacional (USP, UNICAMP, UFRJ, FGV, UFMG, UFPE) e que têm a crítica como natureza de ofício; privilegiados, porque conviveram em algum momento da vida pessoal, profissional ou acadêmica com Celso Furtado. Tentamos nos guiar pela incômoda pergunta: O que deveria ser retido como última lição do mestre? O próprio Furtado responde: “Equivoca-se quem pretende que já não existe espaço para a utopia. Esse é o desafio maior que enfrenta a nova geração: convido-a a assumi-lo sem temores”
Agroindústria e política agroindustrial no Brasil
  • Walter Belik
BELIK, Walter. Agroindústria e política agroindustrial no Brasil. In: RAMOS, Pedro (org.). Dimensões do Agronegócio Brasileiro Políticas, Instituições e Perspectivas. Brasília: NEAD, p. 141-170, 2007.
Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. 5. ed. Campinas: Unicamp
  • Wilson Cano
CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. 5. ed. Campinas: Unicamp, 2007.
Reflexões sobre o papel do capital mercantil na questão regional v
  • Wilson Cano
CANO, Wilson. Reflexões sobre o papel do capital mercantil na questão regional v.24, n.1, 2021
Economia Agrária. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj
  • J G Carvalho
CARVALHO, J. G. Economia Agrária. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2015. 246 p.