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v.24, n.1, 2021
RetRatos de assentamentos
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Revista Retratos de Assentamentos
Vol. 24 N.1 de 2021 ISSN: 1516-8182
Recebimento: 09/11/2020
Aceite: 04/01/2021
DOI: 10.25059/2527-2594/retratosdeassentamentos/2021.v24i1.467
Poder econômico e extraeconômico do agro latifundiário
no Brasil
Joelson Gonçalves de Carvalho1
Wagner de Souza Leite Molina2
Sebastião Ferreira da Cunha3
R: A questão agrária brasileira é marcada pela subordinação da agricultura à lógica do capital, com
sua tendência à concentração da propriedade da terra e dos meios de produção. Nas décadas mais recentes, a
hegemonia do agronegócio no rural brasileiro alterou padrões anteriores de acumulação de capital, todavia,
nossa hipótese é que o poder econômico e extraeconômico do agro latifundiário no país é um elemento estrutural
e estruturante da (e na) questão agrária brasileira, notadamente pelas imbricações que se estabelecem, pacíca
ou coercitivamente, entre economia e política. Dito isso, o objetivo desse artigo é evidenciar que, mesmo
passível de alterações na aparência, o agro latifundiário brasileiro mantém, dialeticamente sua essência no
processo de acumulação ampliada de capital, por meio de sua capacidade – legal ou não – de apropriação
privada e concentrada da terra e de fundos públicos. Congura-se assim, como buscamos demonstrar ao
longo do trabalho, uma dinâmica que, mesmo apresentada como síntese da modernidade, se sustenta pela
força econômica, política e coercitiva que a propriedade da terra confere a uma determinada fração da classe
dominante.
P-: Questão Agrária. Agronegócio. Poder Econômico. Poder Extraeconômico. Conitos no
Campo.
E - B
A: e agrarian issue in Brazil is marked by the subordination of agriculture to the logic of capital
accumulation, with its tendency to concentrate the ownership of land and means of production. Even though
in more recent decades the hegemony of agribusiness in the Brazilian countryside has altered the former
patterns of capital accumulation, our hypothesis is that economic and extra-economic power of large estate
agricultural production is a structural and structuring element of (and in) the Brazilian agrarian issue, more
notably for the connections established, peacefully or forcedly, between economy and politics. at said, this
paper aims to bring to light the fact that, even if capable of change in its appearance, the large estate agricultural
production in Brazil remains essentially an amplied process of capital accumulation, given its capacity - legal
or otherwise - of private and concentrated appropriation of land and public funds. erefore, we demonstrate
1Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor associado
do Departamento de Ciências Sociais (DCSo/UFSCar) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente da UNIARA. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Extensão Rural (NuPER/
UFSCar) e coordenador do Núcleo de Estudos em Agroecologia (NEA/UFSCar). E-mail: joelsonjoe@yahoo.com.br
2Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor associado do Departamento
de Ciências Sociais (DCSo/UFSCar) e do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Organizações e Sistemas Públicos
(PPGGOSP/UFSCar). É pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Extensão Rural (NuPER/UFSCar). E-mail: molinawsl@
gmail.com
3Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor adjunto do
Departamento de Ciências Econômicas e Exatas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (DCCEx/UFRRJ). E-mail:
sebacunha@yahoo.com.br.
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in our work the shaping up of a trend that even when presented as a badge of
modernity is sustained by the economic, political and coercitive force that land
ownership gives a certain fraction of the dominating class.
K: Agrarian Issue. Agribusiness. Economic Power. Extra Economic Power.
Rural Conicts.
I
Esse trabalho problematiza, de maneira geral, o que se convencionou chamar de
Questão Agrária, buscando apresentar uma leitura alternativa àquela construída
pelo pensamento conservador, segundo a qual o agronegócio seria a solução dos
problemas agrícolas e agrários no país. A proposta também contribui para reforçar
a existência e a atualidade da aparente irresolvível questão agrária nacional. Assim,
partimos do pressuposto que o debate aqui proposto está intimamente ligado ao
processo histórico de desenvolvimento do país, uma vez que a posse e apropriação
privada da terra sempre foi um tema, além de relevante, extremamente atual para
se entender a dependência nacional desde nossa inserção, mesmo como colônia, no
capitalismo internacional. Soma-se a isso a manutenção da concentração da terra e
da perpetuação de relações sociais calcadas no patriarcalismo e patrimonialismo,
que passaram incólume a diversas crises e mudanças políticas pelas quais o Brasil
passou. Visto em retrospectiva, em que pese o expressivo crescimento da economia
nacional, ele não foi suciente para arrefecer as históricas pendências nas relações
sociais e produtivas do campo.
A agricultura tradicional, baseada em pequenas propriedades alicerçadas na
diversicação da lavoura, cedeu rapidamente espaço para uma agricultura capitalista
que, por meio da modernização da agricultura, estabeleceu relações intersetoriais
com a indústria, dando sentido, primeiro, aos Complexos Agroindustriais (CAIs)
e, posteriormente, ao agronegócio. Em outras palavras, no Brasil, o modelo de
desenvolvimento da agricultura superou a fase dos complexos agroindustriais,
avançando para uma fase na qual o capital nanceiro passa a ser decisivo no processo
de acumulação de capital na agricultura, destacado aqui como agronegócio e
entendido como o resultado de uma associação entre o grande capital agroindustrial,
a grande propriedade e o capital financeiro que ao se fortalecer, aumenta a
vulnerabilidade da produção agropecuária nacional às determinações externas,
colocando o Brasil, como exportador de commodities de baixo valor agregado,
especialmente grãos, carnes e minérios.
Com o objetivo de mostrar que, em meio a transformações de forma, a essência
do agro latifundiário brasileiro é pautada por uma dinâmica que culmina na captura
de fundos públicos, garantida pela cumplicidade de agentes políticos e ajudada pela
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ação coercitiva que a apropriação privada da terra lhe garante, esse artigo está
estruturado em três seções, além dessa introdução e das considerações nais. A
primeira é destinada a explorar uma trajetória histórica, com a nalidade de mostrar
as transformações conjunturais e o caráter estrutural presente nas relações sociais
de produção no campo. A segunda seção foca o histórico processo de captura de
fundos públicos para, em seguida, na terceira seção, tratar dos transbordamentos
que o poder do dinheiro confere ao agro latifundiário no país, a saber: o poder
político e coercitivo que ele exerce.
T
A apropriação privada e concentrada da terra no Brasil é uma variável de
extrema importância para se entender a trajetória histórica do desenvolvimento
brasileiro. O sistema de plantation foi muito conveniente à lógica de colonização
estabelecida no país. Esse sistema tem sido raticado, mesmo com alterações, ao
longo da história do Brasil. Se antes tínhamos a produção de monoculturas, em
grandes extensões de terras, com trabalho escravo e produção destinada, quase
exclusivamente, ao mercado internacional, agora temos a produção de commodities
por meio de relações de trabalho caracterizadas comumente pelo elevado grau de
superexploração dos trabalhadores rurais.
Sabe-se que da colonização até 1930, o modelo de desenvolvimento brasileiro
foi pautado na agroexportação e só a partir de 1930, com a paulatina alteração
do eixo dinâmico da economia brasileira para a lógica urbano industrial, houve
a suplantação do setor agroexportador pelo industrial, que, notoriamente, só de
deu, efetivamente, a partir de 1950, quando se rompem os constrangimentos à
industrialização nacional em bases mais capitalistas (CARDOSO DE MELLO,
1975). O período que se inaugura – o da industrialização pesada – a partir de 1956,
trouxe mudanças extremamente relevantes para a dinâmica econômica e para o
processo de urbanização, com alterações signicativas no desenho agrícola e o
agravamento da questão agrária.
Observados os dados dos censos agropecuários do IBGE, pode-se concluir
que houve aumento na concentração na distribuição da posse da terra no mesmo
período no qual o país avançava na sua industrialização4. Já as décadas seguintes,
notadamente os anos de 1960 e 1970, foram marcadas pelo aumento vertiginoso da
utilização de máquinas pesadas, insumos especícos, adubação química e consequente
aumento da produtividade. Este conjunto de alterações caracterizados pela pecha de
“modernização agrícola” foi de grande valia para a consolidação dos grandes complexos
4 Observado o índice de Gini calculado estimando desigualdades intraestratos em metodologia proposta por Homann (1979),
tem-se o seguinte: 1960: 0,842; 1970: 0,844 e 1975: 0,855.
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agroindustriais (CAIs), incapazes, diga-se, de amenizar a pobreza rural, agravando
sobremodo as discrepâncias da estrutura agrária nacional.
Desde o surgimento e consolidação dos CAIs, o processo de modernização
foi altamente excludente de determinados grupos sociais e regiões econômicas.
Portanto, as políticas públicas voltadas para um modelo produtivista que privilegiou
a formação de cadeias complexas tiveram como consequência três características
complementares entre si: a primeira foi a verticalização da produção agrícola, voltada
à consolidação de complexos agroindustriais internacionalizados; a segunda foi a
formação de nichos regionais de especialização produtiva; e a terceira foi o elevado
grau de concentração tanto da terra como do capital (DELGADO, 1985).
Esse modelo foi incentivado pelo governo federal até o nal da década de 1980,
quando os CAIs já estavam bastante estruturados. Este modelo, que raticou o
avanço das forças capitalistas na agricultura brasileira, desconsiderou o fato de ser a
questão agrária brasileira, marcada pela desigualdade de acesso à terra e ao trabalho.
Já na década de 1990, a adoção das políticas neoliberais trouxe à realidade brasileira o
agravamento dos problemas sociais no campo. Este quadro de agravamento ocorreu
pari passu com a redução das possibilidades de ação estatal concreta e coordenada
para a efetiva superação do atraso social e econômico nacional.
A dinâmica agropecuária brasileira apresenta tendências que são comprovadas
a cada censo, todavia, uma das manifestações principais do censo agropecuário
de 2017 foi, uma vez mais, a constatação da elevada e persistente concentração
fundiária no Brasil. Segundo os números, os estabelecimentos rurais com menos de
10 hectares ocupavam, na data do censo, aproximadamente 2,0% da área total, mas
comparativamente representavam 51% de todos os estabelecimentos rurais no país.
Por outro lado, os estabelecimentos maiores que 1000 hectares concentravam 48% do
total de área, mas representavam apenas 1% dos estabelecimentos rurais brasileiros
(Tabela 1).
No que se refere ao uso e à ocupação do solo, observados os dados estruturais
do Censo Agropecuário, pode-se perceber que a área dos estabelecimentos rurais
que tinha diminuído entre os dois últimos censos antes do de 2017, voltou a crescer,
mesmo com a redução de 102.312 estabelecimentos e com a redução de área ocupada
com lavouras permanentes e pastagens naturais.
É expressivo o montante, em hectares, das áreas destinadas a pastagens plantadas,
que ocupam 32% da área recenseada e isso se deve à expressiva participação da
criação de bovinos no país, com um total de 172.719.164 cabeças, segundo o Censo
Agropecuário de 2017, representando 73% de todo o efetivo animal, exclusive
aves, no Brasil. Por suposto, isto tem impactos na (sub)utilização do uso do solo
no Brasil, dado o caráter extensivo da pecuária nacional.
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No que se refere ao pessoal ocupado, a redução é expressiva, ao longo do tempo.
Comparando os dois últimos censos, mais de 1,4 milhão de pessoas foram expulsas
das atividades rurais. Analisando-se os números do último censo com o censo de
1985, tem-se um número mais expressivo ainda: 8,2 milhões de trabalhadores ou
uma redução de aproximadamente 35% do pessoal ocupado, que é acompanhada
pelo aumento da mecanização, observada pelo número crescente de tratores durante
todo o período coberto pelos censos. Todavia, é necessário ressaltar que não é
apenas a terra que é concentrada, a tecnologia também: comparados o número de
tratores e o de estabelecimentos rurais no Brasil, teríamos um resultado de 0,25
trator por estabelecimento, indicando que o alcance da aludida revolução verde é
menos extenso do que se supõe. Em síntese, enquanto características mais gerais
de um longo processo de industrialização da agricultura, pode-se dizer que a
questão agrária no Brasil está marcada pela permanência do êxodo rural e redução
do número absoluto de trabalhadores no campo e pelo crescente, mas seletivo,
aumento na produtividade do trabalho no meio rural (CARVALHO, 2010; 2011).
Em outras palavras, uma análise da dinâmica agropecuária no Brasil deixa
evidente que o desenvolvimento do capitalismo no campo, com os signicativos
aumentos da produtividade do trabalho e aumento da maquinização da produção,
ocorreu de maneira concentrada e concentradora e à revelia do aumento de
oportunidades de trabalho na agropecuária. Ademais, ao passo que se rearma
a concentração fundiária e tecnológica, também se evidência a concentração de
crédito, o aumento da inuência política dos representantes do agro latifundiário,
além do recrudescimento da violência no campo.
Adiantamos que, em termos estruturais, podem ser observadas algumas
características merecedoras de comentários. Primeiro é a apropriação privada
e concentrada da terra que se materializa como uma das formas concretas de
acumulação patrimonial da riqueza capitalista. Uma outra característica marcante
está presente nas relações patrimonialistas entre as oligarquias regionais e o poder
central na distribuição e apropriação dos fundos públicos (TAVARES, 2000). Essa
última característica abre uma chave analítica bastante profícua para se pensar,
por exemplo, a lógica de oferta e demanda de créditos, subsídios e nanciamentos
diversos e, também, a forma como se dão as articulações políticas na defesa de
interesses desse agro latifundiário brasileiro, como veremos nos próximos tópicos.
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Tabela 1 – Área e número de estabelecimentos rurais no Brasil por estratos de área
no Brasil (2017).
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (2019).
Tabela 2 – Dados estruturais e área dos estabelecimentos agropecuários por gru-
pos de atividade econômica no Brasil (1980 a 2017).
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (1980/2017).
O :
Sob o manto (e o mantra!) do discurso do aumento da produtividade, da liberdade
de mercado, da chamada modernidade e do crescimento das exportações (CUNHA;
SOUZA; CORRÊA, 2016), os sistemas de crédito e de nanciamento brasileiros
privilegiaram, ao longo de sua história, o caráter seletivo, concentrador e desigual
das estruturas produtiva, distributiva, agrícola e agrária. As decisões políticas e
econômicas a envolver esses sistemas na conjuntura atual são reexo e correlatas à
consecução de iniciativas que privilegiam saídas concentradoras e centralizadoras
da produção, da propriedade e, como causa e consequência, do capital.
As alterações pelas quais passou esse sistema no Brasil são resultado de inuências
do poder do dinheiro sobre as decisões do Estado. Como será visto adiante, o
poder do dinheiro direcionou as ações em vários momentos, dentre eles: a) na
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política de crédito agrícola inaugurada no pós-crise de 1929 e início do processo
de industrialização brasileira; b) nas diretrizes contidas no Sistema Nacional de
Crédito Rural (SNCR), notadamente observada em sua seletividade e concentração,
em que o Estado era praticamente o único fomentador de crédito, praticando
taxas de juros reais negativas, sob o argumento do aumento da produtividade; c)
na consolidação dos CAIs, que verticalizaram a produção, ainda que sustentada,
em grande parte, por capital público, e que ampliaram a utilização de máquinas,
insumos, defensivos, adubação química, sob o guarda-chuva do discurso da
modernização e, d) na consolidação do agronegócio, solidamente ancorado nas
chamadas políticas neoliberais, que reestruturou o padrão de acumulação no setor
e que aprofundaram o histórico elevado grau de concentração da terra e do capital.
O caminhar dessas políticas raticaram e reforçaram, assim, o modelo de
desenvolvimento rural baseado na produção monocultora de commodities,
notadamente destinada ao mercado internacional, que se transmutou, primeiro,
de apoio a um setor exportador, específico, para um sistema organizado de
nanciamento centralizado de atividades concentradoras (fundiária e de capital)
e, ao nal e ao cabo, de um genérico Complexo Agroindustrial a um modelo
denominado de Agronegócio, fortemente ancorado nos interesses privados
associados à valorização nanceira.
O crédito ocial rural passou a ser institucionalizado no Brasil a partir de meados
da década 1940 e, pelo menos até ns dos anos 1950, deu origem ao que viria a ser a
estrutura de nanciamento para o setor até os anos 1980. Pode-se dizer que o marco
temporal para esse período se dá em 1937, com a criação da Carteira de Crédito
Agrícola e Industrial (CREAI), do Banco do Brasil, substituído apenas na metade
dos anos 1960, quando da criação do SNCR. A partir da criação da Carteira tem-
se a primeira iniciativa de institucionalização do crédito agrícola, e é a partir dela
que o Estado passa a ser o principal agente nessa modalidade de crédito. A CREAI
apareceu como tentativa de pôr em prática as determinações da Lei 454, criada
no segundo governo Vargas, e que tinha como objetivo gerar estímulos para dar
condições aos produtores de comprarem máquinas, equipamentos e insumos, num
intuito maior de modernização da agricultura. Segundo Munhoz (1982), a criação
da CREAI teria “constituído o passo decisivo para a formulação e consolidação de
uma política de assistência creditícia ao setor rural na qual se lastrearia no futuro
a política agrícola do país” (MUNHOZ, 1982, p. 20).
O Banco do Brasil, através da CREAI, tornou-se a principal instituição nanceira
a operar com crédito agrícola. Alguns bancos estaduais também operavam, mas sem
ter a mesma importância do primeiro. Os bancos privados não se interessaram em
operar com este tipo de crédito. Apesar da CREAI ter criado condições de plantio,
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investimento e, enm, “modernidade” para alguns agricultores, ela não atingiu
grande parcela dos produtores agrícolas nacionais5. Essa modernização pretendida
no discurso se deu de forma seletiva e restrita a poucos produtores6.
Paralelamente à Carteira, foi lançado em 1943, com a criação da Comissão de
Financiamento da Produção (CFP), o Programa de Preços Mínimos, em que os agri-
cultores podiam vender seus produtos ao mercado ou então negociar com o governo
pelo preço mínimo, que realiza, então, uma Aquisição do Governo Federal (AGF).
Os primeiros preços mínimos foram xados dois anos depois para serem aplicados
na colheita seguinte de arroz, feijão, milho, amendoim, soja e semente de girassol.
Se a CREAI representou a institucionalização do crédito rural e a introdução do
Estado como seu principal fomentador, com a criação do SNCR7, o Estado passou
a ser o único fomentador de recursos para a agricultura e para o setor rural como
um todo, por um longo período. Período esse caracterizado por um grande volume
de crédito e por altas taxas de subsídios, particularmente na década de 1970.
O SNCR foi criado como parte das reformas implementadas pelo Plano de Ação
Econômica do Governo (PAEG), de 1964 a 1966. O uso de insumos e implementos
avançados traria, como pretendido, aumento do produto e da produtividade para
o setor e para o País. Mas isto só ocorreu com incentivos nanceiros para o setor
agrícola e com apoio à importação e/ou entrada de grandes produtoras de máquinas,
equipamentos, insumos etc., através de uma forte intervenção no setor com vistas
a alterar a estrutura de produção, e consolidando a expansão da fronteira agrícola
com reprodução da concentração fundiária (CUNHA, 1999).
Até 1979, a taxa de juros no crédito agrícola era xada, em termos nominais, em
15% ao ano para o crédito de custeio, com valores mais baixos ainda para compras
de fertilizantes e alguns outros insumos. O crédito de investimento era concedido
à taxa de juros em torno de 17%, no entanto, cerca de ¼ desses empréstimos
para investimento era distribuído a taxas mais baixas em programas especiais,
dirigidos a regiões ou atividades especícas. O crédito de comercialização, usado
principalmente para estocagem da safra no Programa de Preços Mínimos, era
concedido à taxa de juros de cerca de 16%.
Após 1979, a taxa de juros passou a ser parcialmente ajustada de acordo com um
5 “Em 1952, 546 municípios brasileiros desconheciam qualquer modalidade de crédito agrícola. Não dispunham de recursos
de crédito agrícola 80% dos municípios paraenses, 18,7% dos paulistas, 40% dos paranaenses, 43% dos catarinenses. Somente
em 168 municípios brasileiros funcionavam naquele ano cooperativas de crédito. O Banco do Brasil só aparecia como principal
entidade nanciadora em 45% do total de 1874 municípios existentes naquele ano” (PAIM, 1957, p. 85).
6 Falando sobre a realidade brasileira em 1952, segundo Paim (1957) observou que: “A enxada é o instrumento de trabalho
predominante na quase totalidade dos municípios e somente em 222 deles a Comissão Nacional de Política Agrária encontrou
o arado como o instrumento básico, embora, na maioria dos casos, de tração animal. Quanto à meação, é a modalidade de
parceria mais comum em 1.280 municípios, enquanto em 1.294 o arrendamento da terra se faz por contratos verbais e por
prazos raramente superiores a dois anos” (PAIM, 1957, p. 56).
7 Lei nº 4.829, de 05.11.65.
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coeciente aplicado à correção monetária. A fórmula foi concebida para fornecer
um mecanismo para a redução gradual dos subsídios, mas, na prática, o coeciente
aplicado à correção monetária permaneceu xo em 0,4. Além do mais, muitos dos
programas especiais caram isentos dessa indexação. O efeito global em 1980,
quando a inação ultrapassou 100%, foi que o teto da taxa de juros para o crédito
agrícola cou em 36% e a taxa de subsídio aumentou8.
Como se observa na gura 1, apesar de o governo cobrar juros dos produtores,
o que se verica é que essas taxas de juros cavam abaixo do patamar inacionário.
O período em que houve maior diferença entre a taxa nominal de juros e a inação
vai de 1974 a 1981, chegando à incrível taxa real de juros, negativa, de 37,7% em
1980. Até 1973, devido à baixa taxa de inação (abaixo de 21%), a subvenção aos
produtores era pequena quando observamos a taxa real de juros. Mas, a partir de
1974, quando ocorre um aumento na taxa inacionária, e mantendo-se a mesma
taxa de juros para os nanciamentos, verica-se um incremento nas transferências
para os agricultores beneciários do crédito rural ocial.
Figura 1 – Comparativo entre taxas de juros de créditos agrícolas e taxa de inação
(1969 a 1981).
Fonte: Delgado (1985), apud Carvalho (2011, p. 24).
8 Nas palavras de Delgado (1985, p. 80): “os limites concedidos por nalidade e as taxas reais negativas, além de outras
condições favoráveis de nanciamento (prazos e carências elásticas), constituem-se no principal mecanismo de articulação
pelo Estado dos interesses agroindustriais. Por meio dessa política expansionista, cresceu rapidamente a demanda por
insumos modernos, criando-se, assim, o espaço de mercado para consolidação do chamado Complexo Agroindustrial”.
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Não bastasse a transferência real de recursos públicos para o setor agrícola,
grande parte do crédito foi concedida a produtores que possuíam grandes áreas.
Os pequenos produtores, que demonstraram uma maior relação entre participação
no produto nal e participação nos empréstimos ociais, detiveram uma pequena
atenção e parcela dos empréstimos totais (GUEDES PINTO, 1981).
Como resultado desses dados, percebe-se que os grandes produtores, seja pela
relação entre valores monetários do nanciamento por hectare, seja pelo produto
obtido em relação ao nanciamento contratado, foram mais contemplados, ou
zeram mais uso dos incentivos oferecidos pelo governo através dos subsídios em
forma de transferências indiretas (taxa real de juros). Poderíamos dizer que os
ganhos obtidos com as transferências para o setor agrícola e, mais precisamente, para
os grandes produtores, produziriam uma maior oferta de produtos e que acabariam
trazendo uma redução dos preços, ou que estes ganhos acima do nível de ganhos
da economia atrairiam novos produtores, o que viria a trazer uma equiparação ou
redução no nível dos ganhos, o que notoriamente não ocorreu.
Tabela 3 – Comparações entre o valor do nanciamento com o valor da produção
e com a área, em diferentes estratos de área (1970 e 1975).
Fonte: Fundação IBGE apud Guedes Pinto (1981, p. 22).
Fica evidente pelos dados e argumentos apresentados o papel do nanciamento
enquanto estratégia pública na consolidação dos complexos agroindustriais. As
consequências dos CAIs foram óbvias: a primeira foi a verticalização da produção
agrícola, a segunda foi a formação de nichos regionais de especialização produtiva
e a terceira foi o elevado grau de concentração tanto da terra quanto do capital
(CARVALHO, 2015). O crédito de custeio era centrado em recursos para insumos
modernos, tais como fertilizantes, defensivos, sementes, entre outros componentes
da agricultura e da pecuária. Além destes, também medicamentos, mudas, rações
e concentrados. No período analisado, o crédito de custeio sempre foi o maior
destino dos recursos, representando, em alguns anos, mais de 50% do total do
volume destinado ao crédito rural. Pela característica moderna e seu elevado grau
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de industrialização, estes insumos foram fundamentais para a consolidação das
relações intersetoriais entre agricultura e indústria, com clara predominância da
indústria sobre a agricultura9. O modelo agrícola baseado na elevada
produtividade foi incentivado pelo governo federal durante a década de 1980.
E foi no modelo de nanciamento que o governo raticou essa matriz agrícola,
desconsiderando, portanto, o fato de ser a questão agrária brasileira marcada pela
desigualdade de acesso à terra e, por consequência, a nanciamentos.
A modernização conservadora não alterou o padrão de crescimento da agricultu-
ra brasileira, marcado pela expansão extensiva. O crédito rural subsidiado permitiu
uma expansão desproporcional da produção agropecuária, além de infraestrutura
de suporte e apoio, expansão esta que se adequou convenientemente aos interesses
mais imediatos, tanto do governo quanto dos grandes produtores, e que, contudo,
gerou um crescimento de fôlego curto que, a partir dos anos 1980, mostrou seus
limites e explicitou seus impasses (SZMRECSÁMYI; RAMOS, 1997).
É interessante ressaltar, ademais, que houve uma notória transferência de
responsabilidade dos empréstimos agrícolas, do estado para a iniciativa privada,
refere à inserção mais ativa das agroindústrias como ofertadoras de crédito. Com a
queda do volume de recursos ociais diante de um contexto de crise com redução
da importância do SNCR, as agroindústrias foram assumindo papel importante na
concessão de crédito. Sejam elas empresas de fertilizantes, defensivos, sementes,
máquinas, tratores ou de processamento de commodities, o que interessava era
dar condições aos produtores de comprarem seus produtos. Alguns empréstimos
eram (e ainda são) realizados através de convênios com os bancos, em que algumas
indústrias correm atrás do funding da operação, recorrendo às suas matrizes no
exterior10.
A partir do final dos anos 1980 e início da década de 1990, a adoção de
políticas neoliberais trouxe à realidade brasileira um duro golpe: o agravamento
dos problemas estruturais nacionais, a exemplo da concentração de renda e da
propriedade. Este quadro de agravamento se deu concomitante com a redução das
possibilidades de ação estatal concreta e coordenada para a efetiva superação do
atraso social e econômico nacional (CUNHA, 2013; CUNHA, 2018). Em outras
palavras, com a opção pelo neoliberalismo, ocorreram alterações na capacidade de
ação estatal e isto, por seu turno, acarretou rebatimentos sociais signicativos que,
9 Segundo Delgado (1985), a priorização para a agroindústria era tão patente que a participação dela nos nanciamentos
concedidos foi 64,8% nas safras de 1977/78, aumentando para 72,7%, em 1978/79, reduzindo-se para 69,2% na safra seguinte
(1979/80), queda essa pouco representativa no período como um todo. As cooperativas de produtores rurais, por exemplo,
não foram superiores a 23% no período.
10 Esta estrutura de crédito é frágil por conta de sua instabilidade. A fragilidade dessa forma de crédito está na dependência em
relação ao capital externo e sua relação direta com a política cambial, controlada sobremaneira pelas forças de mercado não apenas
no Brasil, mas também em boa parte da América Latina.
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para o que nos interessa, podem ser expressos no agravamento da realidade agrária,
no aumento de ocupações de áreas rurais por famílias sem-terra e, infelizmente,
no aumento da violência no campo (POMPEIA, 2020).
Aqui cabe algumas considerações sobre o PRONAF, em função de ser apontado
como uma resposta dada em meados da década de 1990 para, como o próprio
nome diz, o fortalecimento da agricultura familiar. É inegável que ele se constituiu
como uma importante política pública voltada à agricultura familiar, entretanto, os
valores recebidos pelo programa a partir de meados dos anos 2000 foram resultados
de um longo processo de tensionamentos por parte dos agricultores e movimentos
sociais. No ano de sua implantação, em 1995, a taxa de juros era demasiadamente
elevada, atingindo 16% ao ano. No ano seguinte, mesmo com a inação já estável em
níveis baixos, os juros foram reduzidos, mas a 12% ao ano, continuaram elevados,
levando-se em consideração o público-alvo. Outro ponto a se destacar é o volume
de recursos efetivamente liberados: sobre isso, Graziano da Silva (1998, p. 251)
escreveu que, em 1997, o valor liberado, dividido pelo público potencial naquele
ano, daria menos de R$ 120,00 por ano para cada família de agricultores rurais.
Dito isso, cabe ressaltar que mesmo nos anos em que o PRONAF recebeu
mais recursos, esses foram demasiadamente aquém dos créditos concedidos ao
agronegócio por meio do Plano Safra. Apenas como ilustração:
Em junho de 2015, em plena crise de recessão pela qual passa a economia
brasileira, o MDA e o MAPA divulgaram os planos-safra para a agricultura
camponesa e para o agronegócio, respectivamente. Para a agricultura
camponesa, o MDA (2015) previu o investimento de R$ 28,9 bilhões, um
aumento de 29% em relação ao plano-safra anterior (2014-2015). Já no que
se refere ao agronegócio, o MAPA (2015) trouxe uma previsão de orçamento
de R$ 187,7 bilhões, um aumento de 20% com relação à safra anterior. Nesses
termos, percebe-se que em números absolutos, os recursos do MAPA são
cerca de 6,5 vezes maiores do que os que serão destinados ao MDA, por
mais que o segundo tenha tido um crescimento percentual maior do que o
primeiro se comparado à última safra (BARBOSA JUNIOR; COCA, 2015,
p. 20).
Não nos cabe aqui fazer um aprofundamento sobre o Plano Safra, mas é
necessário apontar ele como o principal programa de nanciamento público do
agronegócio na contemporaneidade e tem valores crescentes ao longo de sua
trajetória, a exemplo dos R$ 236,30 bilhões – incluídos nesse valor R$ 33 bilhões
para o PRONAF – que foram liberados em julho de 2020 para a safra 2020/2021,
período em que as receitas públicas foram bastante comprometidas em função dos
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efeitos diretos e indiretos da pandemia de coronavírus11.
Em resumo, a contribuição do governo para a estruturação do agronegócio no
Brasil foi e é notória. A sustentação do paradigma produtivista brasileiro pôde
contar, diferentemente da agricultura familiar, com o tripé pesquisa, extensão e
crédito, que deu gênese aos complexos agroindustriais e foi o berço do agronegócio.
Para tanto, para além do crédito, dos juros subsidiados e de outras benesses, o
governo também direcionou instituições públicas, como a EMBRAPA, a operar em
perfeita sincronia com empresas multinacionais do agronegócio. Além disso, ainda
diminuiu o controle sobre áreas devolutas e trabalhou com políticas cambiais de
modo funcional ao interesse do setor. O resultado foi uma economia rural baseada
na reiteração do latifúndio monocultor produtor de commodities destinadas ao
mercado externo sob a égide do capital nanceiro, valendo-se da superexploração
da força de trabalho, gerando desemprego estrutural e deixando elevados custos
ambientais e sociais: eis a caracterização mais assertiva de agronegócio no Brasil.
P : -
B
O imenso segmento econômico identicado, em linhas gerais, pelo termo
“agronegócio”, embora inquestionavelmente poderoso em termos estritamente
econômicos, não tenha sido inteiramente capaz, pelo menos até a década de 2000,
de gerar um equivalente político, na medida em que não há um amplo consenso
em torno do agronegócio como portador de um modelo social, um projeto político
que inclua os interesses de amplos setores da sociedade (MORAES; ÁRABE; SILVA,
2008). Em grande medida, tal limitação pode ser explicada por ao menos dois fatores
i) Boa parte da atuação política da assim chamada “bancada ruralista” no
Congresso Nacional, assim como da atuação das associações representativas do setor
(CNA, OCB, associações por produto e intersetoriais) por meio de lobbies junto ao
governo, não se propunha – ao menos até ns da primeira década dos anos 2000 –
a constituir uma concertação política que garantisse ampla legitimidade ao setor.
Ao contrário, os esforços até então sempre eram mais focados na garantia de seus
interesses diretos, como a manutenção de recursos junto ao SNCR, aprovação de
leis ambientais mais favoráveis ao setor, etc. (DELGADO, 2012). Este pragmatismo
político, apesar de bem-sucedido no atendimento a seus objetivos imediatos, não
ajudou o agronegócio em termos de imagem pública e;
ii) Como resultado do sucesso das ações elencadas no item anterior, houve,
principalmente nas últimas duas décadas, um enorme avanço do setor rumo a terras
11Conforme publicação do Ministério da Agricultura, pecuária e abastecimento em 01/07/2020. Disponível em: https://
www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/plano-safra-2020-2021-entra-em-vigor-nesta-quarta-feira. Acesso em:
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indígenas, de populações tradicionais, de camponeses, etc. (ALMEIDA, 2010), o
que intensicou os conitos fundiários junto a estes grupos, além de colocar em
evidência outros efeitos colaterais da “expansão agro”, como o aumento no ritmo
do desmatamento. Como consequência, as resistências – e as denúncias – contra
o setor se multiplicaram, afetando sua imagem pública e assim, sua capacidade de
articulação de amplos consensos políticos.
Não obstante a supostamente baixa capacidade de articulação política em torno
de amplos consensos, não se pode negar a ecácia do agronegócio em consolidar e
manter condições privilegiadas no âmbito das políticas públicas, inclusive logrando
bloquear pautas históricas, como a reforma agrária. Em parte, isso se explica pela
relação de dominação e cumplicidade entre os agentes de Estado, as modernas
frações de capital e o lado arcaico do agro latifundiário no Brasil que alimentam
os conitos que se materializam no território. Neste ínterim, para exemplicar,
quando observado o trabalho de Carvalho (2017), ao analisar todas as Mensagens
ao Congresso, Discursos Presidências, Decretos, Medidas Provisórias dos dois
mandatos do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e do primeiro
governo Lula (2003-2006), chega-se à conclusão que: “Se na era FHC, os movimentos
sociais de luta pela terra não conseguiram implantar uma política de reforma
agrária, no governo Lula, por sua vez, as pressões dos proprietários de terra não
conseguiram extinguir a reforma agrária da pauta” (CARVALHO, 20017, p. 78). O
fato a se destacar é que, mesmo na pauta, o país não avançou na reforma agrária,
mesmo considerando os 14 anos de gestões petistas no executivo federal.
Compreender a origem desta ecácia política, por parte desses agentes agremia-
dos em torno do agronegócio, não é algo tão difícil, numa primeira análise: o poder
econômico que nancia lobbies e candidaturas explicaria boa parte deste sucesso12.
Mas a força do dinheiro, por si só, não seria suciente, se for levado em conta a
existência de outros (poderosos) segmentos econômicos não necessariamente
identicados com o agro, como a indústria, o setor nanceiro, para car no óbvio.
A questão que se coloca é como os interesses do agronegócio passam a ser
defendidos por outros segmentos não diretamente ligados a atividades agro-
pecuárias, ao meio rural. E isso implica admitir que nem todos os parlamentares
da bancada ruralista ou agropecuarista (FPA) são “fazendeiros”, ainda que grande
parte dos parlamentares em geral seja proprietário rural, como pode ser vericado
na gura 2.
Sabe-se que o Congresso brasileiro é composto por duas Casas, a saber, a Câmara
12 A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), grupo de parlamentares dedicado à defesa dos interesses do setor, existe desde
a Assembleia Constituinte - seu surgimento se deu entre 1987 e 1988 - e tem sido uma das principais frentes temáticas no
Congresso. Segundo o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), trata-se da maior frente parlamentar mista atualmente
existente, reunindo quase 50% dos membros de cada casa – 246 deputados e 39 senadores. Ver https://olb.org.br/.
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e o Senado com, respectivamente, 513 deputados e 81 senadores. Observados os
números apresentados no trabalho de Gershon, Meireles e Barbosa (2020), ca
evidente que a bancada ruralista é composta por parlamentares proprietários e não
proprietários de terras, agremiados a partir de interesses difusos que juntos detém
quase 50% das cadeiras nas duas casas, conforme demonstra a gura 3.
Figura 2 – Proprietários rurais por partido no Congresso brasileiro em 2020.
Fonte: Adaptado de Gershon, Meireles e Barbosa (2020).
Sabe-se que o Congresso brasileiro é composto por duas Casas, a saber, a Câmara
e o Senado com, respectivamente, 513 deputados e 81 senadores. Observados os
números apresentados no trabalho de Gershon, Meireles e Barbosa (2020), ca
evidente que a bancada ruralista é composta por parlamentares proprietários e não
proprietários de terras, agremiados a partir de interesses difusos que juntos detém
quase 50% das cadeiras nas duas casas, conforme demonstra a gura 3.
Como possível explicação da grande aderência dos temas de interesse do
agronegócio junto a parlamentares não necessariamente vinculados ao meio rural,
pode ser destacado o grande leque de atividades que pode ser incluído dentro da
cadeia produtiva do mundo “agro” (BELIK, 2007), e a própria presença de setores
empresariais urbanos (mineração, indústria alimentícia, energia elétrica, bancos,
etc.) como proprietários de terras em diversas áreas do país (FLEXOR; LEITE
2017), além do fenômeno do contract farming adaptado ao contexto brasileiro
(GUANZIROLLI; DI SABBATO, 2014). A convergência desses fatores faz com
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que a teia de interesses em torno da manutenção de políticas voltadas aos grandes
negócios agropecuários se estenda para muito além do campo e dos interesses
diretos dos latifundiários do país.
Por outro lado, essa multiplicidade de interesses associados à cadeia do agro, mais
do que ampliar as leiras em defesa de políticas como os subsídios agrícolas, linhas
do SNCR, entre outras, pode esclarecer muito sobre o viés antirreforma agrária
que caracteriza coalizões políticas entre setores produtivos e segmentos sociais
muito distintos. Mais que isso, a teia de interesses em torno da complexa rede de
contratos e contatos por trás do aludido agribusiness brasileiro pode inverter a lógica
de políticas públicas pensadas para a agricultura familiar (como o PRONAF), na
medida em que seu público-alvo passa a gurar como uma mera rede de captação
de crédito que ui para contratos rmados junto a grandes grupos negociadores
de commodities (SARON; HESPANHOL, 2012).
Figura 3 – Distribuição de congressistas membros e não membros da FPA (2020).
Fonte: Adaptado de Gershon, Meireles e Barbosa (2020).
Não obstante as coalizões políticas em defesa do agronegócio – e contrárias as
teses como a da necessidade de reforma agrária – possam ser compreendidas e
delineadas a partir da explanação feita até aqui, uma questão emerge a partir da
armação inicial de que o agronegócio não teria sido capaz de criar um projeto
com pretensões hegemônicas, no sentido político gramsciano13.
13 A noção de hegemonia, presente na obra do pensador marxista Antonio Gramsci, diz respeito à capacidade de um
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Uma questão que merece atenção futura é saber se os fatores que teriam impedido
este segmento econômico de se lançar a tal empreitada até o presente momento
– apresentados no início do tópico – continuam (e continuarão) valendo. Na
tentativa de avançar nessa questão, alguns elementos de análise são inescapáveis, a
começar pelos efeitos deletérios (ambientais, sociais) da expansão do agronegócio,
que tendem a se acumular, gerando resistências e minando as bases de qualquer
consenso, ao ponto em que campanhas midiáticas não seriam sucientes para salvar
a imagem do agronegócio junto à opinião pública. Ou seriam sucientes apenas
para isso, mas não na construção de amplos consensos políticos?
De outro lado, análises como a de Caio Pompeia (2020) indicam que estaríamos
hoje vivenciando uma terceira fase da representação política do agronegócio, não
mais apoiada em grandes complexos agroindustriais e sindicatos patronais (fase
da “revolução verde”) ou cooperativas e associações de produtores por produto
(segunda fase, a partir dos anos 1990), mas agora assumindo uma conguração
híbrida entre os padrões de representação política anteriores e acrescida de uma
maior participação de entidades intersetoriais – mais condizente com a realidade
constatada em termos de coalizões políticas engendradas pela crescente capilaridade
das cadeias do agro – e com uma inédita capacidade de articulação em torno de
narrativas capazes de se contrapor a visões antagônicas que tendem a se avolumar
a partir de temas ambientais, sociais e econômicos.
A real dimensão dos efeitos da agressiva e frouxamente regulada expansão
agropecuária e a efetiva capacidade das novas formas políticas do agronegócio para
promover acordos que conduzam a uma concertação política parecem concorrer
entre si na determinação do alcance do poder político do agronegócio. Mas, no
curto prazo, nada indica que este poder apresenta sinais de debilidade.
Independentemente da debilidade ou não do poder político do agro latifundiário
no Brasil, uma breve análise dos dados organizados pela Comissão Pastoral da Terra
(CPT) e sistematizados nos Cadernos de Conito no Campo nos ajuda a perceber
que houve um evidente recrudescimento da ação da burguesia agrária expressa no
uso da violência, notadamente contra pessoas ligadas a movimentos sociais de luta
pela terra, conforme ilustra a gura 4.
Importante ressaltar que a gura 4 apresenta apenas a violência expressa em
assassinatos. Sabe-se que além dela, ainda existem tanto as ameaças de morte,
tentativas de assassinato e agressões físicas como aquelas que não se expressam
sicamente, como as expulsões realizadas por grileiros, fazendeiros ou mesmo o
Estado. Outro dado importante alertado é que a redução dos assassinatos nos dois
segmento ou conjunto de segmentos sociais (articulados em um “bloco histórico”) de cooptar outros segmentos da sociedade
civil em torno de um mesmo projeto de poder e permeado por uma ideologia especíca. Para uma introdução ao debate
em torno do conceito, ver Alves (2010).
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últimos anos da série não signica a redução da violência, pois, segundo a CPT
(2020), o que ocorreu foi a ação direcionada a lideranças de movimentos sociais,
denotando uma ação especializada de criminosos prossionais14.
Figura 4 – Número de assassinatos em conflitos de luta pela terra no Brasil
(1980/2019).
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CEDOC da CPT (2020).
C F
Esperamos ter deixado claro que mesmo com a forte integração agricultura e
indústria, o processo de desenvolvimento da agricultura brasileira ainda foi marcado
pela convivência conituosa e a reprodução de relações sociais que rearmam
relações de dependência economia e social que recolocam a desigualdade de acesso
à propriedade no centro da questão agrária brasileira.
Sobre essa desigualdade, ela tem se mostrado tanto social quanto territorialmente,
marginalizando uma imensa massa de despossuídos do meio rural, inexoravelmente
migrantes para cidades, geralmente médias ou de grande porte ou ainda para regiões
de fronteiras agrícolas, constantemente em movimento. Este quadro de agravamento
ocorreu com a redução das possibilidades de ação estatal concreta e coordenada
para a efetiva superação do atraso social e econômico nacional no bojo das políticas
neoliberais pari passu à consolidação do agronegócio como modelo hegemônico
14 Reforça essa tese o assassinato de Ênio Pasqualin, líder do MST no Paraná. Ele foi retirado de sua casa por sequestradores
na noite de 24 de outubro de 2020. Seu corpo foi encontrado no dia seguinte com sinais de execução, conforme reportagem
do Jornal Brasil de Fato, disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/10/26/lider-do-mst-no-parana-e-encontrado-
morto-com-sinais-de-execucao. Acesso em: 03. nov.2020.
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de produção agrícola no país.
O avanço do agronegócio sobre antigas áreas gerenciadas pela ótica patriarcal-
patrimonialista é ambíguo, o que diculta pensarmos sobre um bloco. Todavia,
os antagonismos são superados pelos arranjos tácitos e formais que transcendem
a lógica econômica, expresso pelo poder do dinheiro, transbordando em poder
político e coercitivo, na medida em que se seculariza e se ratica a terra muito
mais que um fator de produção e sua apropriação privada como um signo de poder
extraeconômico.
Tornou-se perene a expropriação, a expulsão e o desemprego, que continuam
se configurando como elementos centrais da questão agrária nacional com
rebatimentos sociais significativos, assim como o favorecimento ao capital
tipicamente especulativo e essa é uma questão que precisa ser mais bem observada
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R
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