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DOI: 10.5380/2238-0701.2021n22.09
Data de Recebimento: 20/04/2020
Data de Aprovação: 27/01/2021
A Indústria Televisiva Sul-Coreana no
Contexto Global
AÇÃO MIDIÁTICA, n. 22, jul./dez. 2021 Curitiba. PPGCOM - UFPR, ISSN 2238-0701
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A Indústria Televisiva Sul-Coreana no
Contexto Global
The South Korean Television Industry in the
Global Context
La Industria Televisiva de Corea del Sur en el
Contexto Global
DANIELA MAZUR1
Resumo: Em meio aos fluxos globalizantes, novos polos de produ-
ção televisiva conquistam o interesse de telespectadores internacio-
nais. Um desses casos é a Coreia do Sul, que hoje exporta dramas
de TV e reality shows para diversos países do mundo, conquistando
audiências em países distantes tanto geograficamente quanto cul-
turalmente. Então, partindo de uma perspectiva desocidentalizante,
esse artigo propõe-se a um levantamento introdutório sobre a forma
de produzir e pensar a televisão no contexto sul-coreano, conside-
rando questões intrínsecas a essa indústria e seus fluxos de circula-
ção regionais e globais.
Palavras-chave: Televisão sul-coreana; Hallyu; Fluxos globais
televisivos.
1 Doutoranda (2018-2022) pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFF e pesquisadora vinculada
ao MidiÁsia e ao TeleVisões.
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Abstract: In the midst of globalizing flows, new centers of televi-
sion production conquer the attention of international viewers. One
of these cases is South Korea, which today exports TV dramas and
reality shows to various countries around the world, conquering
audiences in distant countries both geographically and culturally.
Therefore, from a de-Westernizing perspective, this article proposes
an introductory survey on how television is produced and thought in
the South Korean context, considering issues intrinsic to this indus-
try and its regional and global circulation flows.
Keywords: South Korean television; Hallyu; Global television flows.
Resumen: En medio de los flujos de globalización, los nuevos
centros de producción de televisión están ganando el interés de
los televidentes internacionales. Uno de estos casos es Corea del
Sur, que hoy exporta dramas de televisión y reality shows a varios
países del mundo, ganando audiencias en países distantes, tanto
geográfica como culturalmente. Entonces, desde una perspectiva
des-occidental, este artículo propone una encuesta introductoria
sobre cómo producir y pensar la televisión en el contexto surcorea-
no, considerando temas intrínsecos a esta industria y sus flujos de
circulación regionales y globales.
Palabras clave: Televisión surcoreana; Hallyu; Transmisiones
mundiales de televisión.
Introdução
Graças aos inúmeros avanços tecnológicos no atual contexto glo-
bal, os fluxos televisivos se encontram mais desterritorializados, possi-
bilitando o consumo e acesso a produtos oriundos de várias localidades
do mundo. Desde as tradicionais séries estadunidenses e britânicas
até as novelas angolanas, passando pelos animes japoneses e nove-
las mexicanas, todos estão, em teoria, ao alcance de um clique ou
presentes nas grades de canais abertos e fechados de diferentes pa-
íses. O próprio Brasil é referência de produção e exportação de tele-
novelas pelo mundo desde os anos 1970. Existe, então, um crescente
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interesse e consumo de produtos televisivos que não fazem parte ape-
nas do eixo central, formado especialmente pelos Estados Unidos e Rei-
no Unido, mas também de polos de produção de países da dita periferia
global. Um exemplo categórico dessa movimentação dentro do âmbito
dos fluxos televisivos globais é a ascensão da Turquia, que se tornou
a segunda maior exportadora de ficção seriada televisiva do mundo,
atrás apenas dos Estados Unidos
2
. Os dramas turcos conquistaram o
mundo árabe e outros países da Europa e das Américas (BERG, 2017),
desafiando a hegemonia estadunidense nos fluxos globais. Assim como
a Turquia se posiciona como uma peça importante nos fluxos globais
da televisão, também está a Coreia do Sul com seu intenso mercado de
dramas televisivos no Leste e Sudeste Asiático.
Tais movimentações globais de conteúdos televisivos são exemplos
de um levante periférico e não-ocidental que aponta para a descentra-
lização dos fluxos de influências globais, antes estritamente polarizados
ao eixo central, para um ambiente mais multipolar. Assistimos, hoje, no-
vos polos de criação de conteúdo midiático ganhando credibilidade e
se difundindo pelo mundo. O processo tradicional de globalização nos
apresenta o Ocidente como peça central do cenário global, estabelecen-
do as áreas restantes como periféricas a partir do centro (HALL, 1992;
ALBUQUERQUE; CORTEZ, 2015). Contudo, essa lógica tem sido desa-
fiada pelos países de “fora do eixo”, como a Coreia do Sul. Com o levante
da internet como ferramenta fundamental de difusão de conteúdo, dife-
rentes modos de produzir televisão começaram a ser disseminados por
plataformas online e estão conquistando fãs pelo mundo. A Coreia do Sul
se destaca pelo desenvolvimento acelerado de sua indústria televisiva
nas últimas décadas e se apresenta como uma das maiores produtoras e
exportadoras de conteúdos televisivos da Ásia na atualidade, se consoli-
dando como uma estável influência cultural na sua região (RYOO, 2009;
JOO, 2011) e em progressiva expansão para outras regiões do mundo.
A Coreia do Sul atualmente é reconhecida no cenário internacional
por questões que transcendem o militarismo e seu histórico conturbado
com países vizinhos, mas essa atualização de seu imaginário nacional
é recente. A indústria da cultura pop sul-coreana construiu e apresenta
uma nova faceta do país através do seu fenômeno cultural de caráter
2 “Turkish second largest TV series exporter” – Daily Sabah News, publicado em 18/10/2016: https://www.daily-
sabah.com/business/2016/10/19/turkey-second-largest-tv-series-exporter
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transnacional conhecido como “Onda Coreana”, ou Hallyu. Esse levante
abarca o intenso e crescente fluxo de produtos culturais provenientes da
Coreia do Sul, que tem alcançado grande popularidade na Ásia e, mais
recentemente, no Ocidente (SHIM, 2006; HANAKI et al., 2007; HUANG,
2011; CHAN; WANG, 2011). Tal fluxo abarca filmes, música, progra-
mação televisiva, videogames, gastronomia e outros artefatos culturais,
porém suas duas principais vertentes de expansão são o K-pop (música
pop sul-coreana) e os K-dramas (dramas de TV sul-coreanos). O K-pop
é reconhecido por ter potencializado o alcance da cultura pop sul-core-
ana para além da Ásia, conquistando admiradores em países geográfica
e culturalmente distantes, contudo o papel dos K-dramas tem um peso
ainda maior nessa equação: foram os precursores da Hallyu como um
fenômeno transnacional de exportação (SHIM, D., 2008).
Através do sucesso dos K-dramas especialmente em países vizi-
nhos, outros produtos da TV sul-coreana começaram a ser exporta-
dos, como os reality shows e os programas de variedade, tanto como
produtos licenciados (legendados e/ou dublados para serem exibidos
a públicos de outras nacionalidades) quanto como formatos (para se-
rem reproduzidos e/ou reinventados segundo os códigos culturais dos
outros países). Tal expansão e êxito chamou atenção de mercados de
grande credibilidade no cenário global, como o estadunidense, por
exemplo, que comprou os direitos do K-drama Good Doctor 굿 닥터
(KBS2, 2013) e lançou sua versão de série homônima em setembro
de 2017, e da plataforma de streaming Netflix, que apenas em seu ca-
tálogo brasileiro possui mais de uma centena de dramas e programas
televisivos sul-coreanos (MAZUR, 2018; URBANO, 2020), além de estar
investindo massivamente na produção de K-dramas para o seu catálo-
go global (MEIMARIDIS; MAZUR; RIOS, 2020).
Existe, então, um crescente interesse pelo conteúdo produzido
pela indústria televisiva sul-coreana, que se expande pelo mundo e se
apresenta como uma alternativa em meio ao fluxo globalizante existen-
te (ESPIRITU, 2011; ALBUQUERQUE; CORTEZ, 2015; YANG, 2007).
Portanto, este artigo se propõe a apresentar, através de uma aborda-
gem introdutória, questões relacionadas à formação da indústria televi-
siva sul-coreana, seus conteúdos e influências, focando especialmente
no seu carro-chefe: os dramas de TV. Uma vez que o fenômeno da
Hallyu e a televisão sul-coreana ainda são temas recentes nos deba-
tes acadêmicos brasileiros, é proposto aqui um extenso levantamento
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bibliográfico sobre esse cenário, com a proposta de ser recurso didático
ao apresentar um mapeamento da televisão na Coreia do Sul. Parte-se
aqui do pressuposto que a melhor compreensão desses processos e
indústrias culturais contribuirá para a forma como entendemos a ascen-
são dessas produções ao redor do mundo, em específico, e os fluxos e
contrafluxos globais televisivos, em geral.
Breve introdução à televisão sul-coreana
A televisão foi introduzida na Coreia do Sul em 1956 e regulada
apenas durante os anos 1960, quando a nação estava em processo
de reestruturação pós-guerra com os planos quinquenais de desen-
volvimento econômico idealizados pelo recém-implementado governo
ditatorial. No início, as grades de programação das poucas emissoras
existentes eram basicamente preenchidas por produtos importados,
especialmente dos Estados Unidos, já que o país asiático ainda não
possuía a estrutura necessária para produzir seus próprios conteúdos
televisivos em alta escala e o país ocidental era um parceiro político-e-
conômico de influência cultural direta (LEE, 2004; JIN, 2007).
A indústria televisiva viveu seu desenvolvimento e expansão em
meio ao cenário acelerado de mudanças na infraestrutura e economia
do país e também presenciou grandes transformações na sociedade.
Uma delas foi a transição democrática no país ao início dos anos 1990
que alavancou mudanças positivas em diversos setores da sociedade,
assim como na indústria cultural. A produção televisiva nacional era,
até então, controlada e censurada pelo Estado ditatorial e obrigada a
produzir conteúdo propagandista. Contudo, a maior liberdade de ex-
pressão oferecida pelo fim da ditadura, a entrada de capital privado
nas emissoras e a introdução da nova tecnologia de televisão a cabo
no país proporcionaram um ambiente mais plural, fértil e competitivo
para a produção televisiva nacional (NAM, 2008; SHIM, S., 2008). Nes-
se momento de efervescência se consagrou o cenário da TV aberta
sul-coreana, composto pelas grandes emissoras abertas KBS (Kore-
an Broadcasting System), MBC (Munhwa Broadcasting Corporation) e
SBS (Seoul Broadcasting System), que se mantém até hoje em total
destaque de audiência e são conhecidas como as Big Three.
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O fomento ao desenvolvimento da indústria cultural na Coreia do
Sul se deu especialmente através do governo e da iniciativa privada,
que se expandiu com os anos e incentivou a produção de programação
televisiva local nas suas primeiras décadas. Junto a esse estímulo, a
partir da década de 1970 aconteceu o aumento nas vendas de apare-
lhos televisores no país, o que criou uma demanda direta de produção
de conteúdo a ser exibido nas grandes televisivas das emissoras exis-
tentes à época (LEE, 2004). A aposta em produzir narrativas ficcionais
foi essencial para preencher a demanda, especialmente através da im-
portação, tradução e aplicação do formato televisivo japonês conhecido
como “Drama de TV” (SHIM, D., 2008). Assim, a partir da década de
1980, a produção local se expandiu a tal ponto que começou a superar
a dependência de importação de conteúdos televisivos estrangeiros,
que lentamente foram marginalizados para os horários menos nobres
das emissoras em favor da programação local, especialmente os dra-
mas de TV (KIM, 2019). Com a chegada dos democratizantes anos
1990 na Coreia do Sul, que também foram marcados pela intensos
efeitos da Crise Financeira Asiática de 1997, o país encontrou na pro-
dução midiática e cultural uma forma de reanimar, atualizar e expandir a
economia nacional (LEE, 2002; NAM, 2008).
Os Dramas de TV são um formato televisivo que abrange ficções se-
riadas produzidas no Leste e Sudeste Asiáticos, e é atualmente o mais
difundido nessas regiões (DISSANAYAKE, 2012; CHUA; IWABUCHI,
2008). Os dramas abrangem diferentes gêneros, desde romance e co-
média até ação e horror (KIM, 2014). Em linhas gerais, essas produções
possuem forte matriz melodramática, que é a principal formadora da
estrutura narrativa dessas produções. O formato foi concebido dentro
da lógica televisiva japonesa, de onde a Coreia do Sul se apropriou para
produzir suas próprias narrativas, assim como foi feito em países como
Tailândia e China. O dado nacional é essencial dentro da lógica dos
fluxos transnacionais dos dramas de TV, porque a apropriação desse
formato induz a aplicação de características e fundamentos da cultura
local, já que a forma de se pensar as narrativas e o que funciona ou não
para uma audiência é estruturado especialmente pelas demandas cul-
turais de um país. A lógica do mercado de dramas de TV, então, apre-
senta fluxos que cruzam fronteiras culturais e linguísticas no Extremo
Oriente (CHUA, 2008) e continua funcionando de forma eficaz.
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No mercado televisivo internacional, o drama de TV carrega consi-
go o dado do país de origem, por isso os dramas de TV sul-coreanos
são conhecidos como K-dramas
3
, onde o “K” denota “Korea” (Coreia
do Sul). Os K-dramas possuem o seu próprio conjunto de práticas cul-
turais e industriais que o caracterizam e o posicionam como um produto
de interesse dentro do circuito regional. Foi, então, munidos de suas es-
pecificidades, seu dado nacional e sua condição como produto de uma
indústria cultural ainda em incipiência, que os K-dramas deram seus pri-
meiros passos em direção ao mercado asiático no final dos anos 1990,
com o apoio dos incentivos governamentais e privados. Tal movimen-
to logo resultou na criação de um mercado de exportação intenso, o
que gerou frutos culturais, diplomáticos e econômicos preciosos para a
Coreia do Sul, além da ascensão da própria Hallyu.
A indústria dos K-dramas, que era desde a década de 1970 uma
das maiores fontes locais de entretenimento, foi potencializada através
do aumento da produção de suas narrativas e do interesse em aperfei-
çoar esse formato em favor da televisão nacional. A aposta em conte-
údo mais jovem e cosmopolita nos anos 1980, inspirado na tendência
dos Trendy dramas
4
japoneses, rapidamente intensificou o interesse do
público pelos dramas de TV locais e as emissoras logo estavam com
suas grades de programação repletas de produtos desse formato. Os
K-dramas conseguiram equilibrar uma abordagem híbrida entre fatores
nacionais e estrangeiros, uma vez que a Coreia do Sul participava desse
lugar de influências mistas em razão de questões de caráter político,
econômico e diplomático. Então, com um produto que harmonizava
questões inerentemente tradicionais e regionais (que conseguiam refletir
um certo sentimento coletivo cultural do Leste Asiático) com as ociden-
tais (que representavam influências capitalistas de uma “modernidade”
globalizada), e agraciados pelo timing certo, os K-dramas adentraram o
mercado transnacional leste asiático.
3 Daqui em diante usaremos este termo para designar os dramas de TV sul-coreanos.
4 Segundo Ota (2004), a fórmula dos Trendy dramas consiste-se de elementos como cenário, elenco e música,
somados a uma história trágica de amor não correspondido, abordando de forma mais realística a vida moderna
e acelerada dos japoneses. Temas como relacionamentos amorosos e vida sexual, em uma narrativa mais rápida,
refletindo a vida urbana, eram características dessas produções. A estética refinada das produções e as escolhas de
elencos focadas em jovens e belos atores também fazem parte deste universo e se refletem até hoje nos dramas de
TV. São estes aspectos singulares estruturados pelos Trendy dramas que hoje continuam definindo a grande maioria
dos dramas de TV desenvolvidos pelas indústrias televisivas dos países do Leste e Sudeste da Ásia.
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A TV sul-coreana no contexto do Leste da Ásia
O mercado transnacional leste asiático, especialmente entre os
anos 1980 e 1990, era dominado pelos produtos televisivos japoneses
e honcongueses (IWABUCHI, 2004). Até o final dos anos 1980, a lógica
de um mercado de produtos e formatos televisivos dentro da região do
leste asiático ainda era muito incipiente, já que os países temiam que
a importação de conteúdos estrangeiros deturpasse as culturas locais.
Existia, então, certo caráter protecionista regendo a região (SHIM, D.,
2008). No entanto, com a chegada dos anos 1990, as mudanças nas
políticas midiáticas regionais através do levante da liberação midiática
acabaram se alastrando pela Ásia Oriental, dando espaço para movi-
mentações mais intensas no mercado televisivo regional.
Foi a partir desse cenário de abertura, que a Coreia do Sul conquis-
tou seus primeiros públicos estrangeiros para exportação e consumo
de dramas de TV. Começando sua expansão pelos territórios da esfera
chinesa, como China, Hong Kong e Taiwan, passando pelo Vietnã, para
então conquistar o Japão e outros países. Com esses primeiros passos
televisivos para além-Coreia, outros produtos nacionais começaram a
ser difundidos para esses mercados estrangeiros, dando-se assim iní-
cio ao fenômeno cultural da Onda Coreana.
Outro fator crucial para entender a entrada dos produtos culturais
da Coreia do Sul no mercado regional foi a Crise Financeira Asiática de
1997 e isso seu deu por dois motivos. O primeiro foi a limitação interna
de importar conteúdo televisivo uma vez que o país estava quebrado
financeiramente, então a produção local de programas foi incentiva-
da para evitar gastos desse tipo, o que alimentou, assim, o cenário
nacional de produção televisiva. Jin (2007) aponta que, entre 1996 e
2001, a importação sul-coreana de programas televisivos estrangeiros
caiu 70.5% pelo valor do dólar, especialmente os canais a cabo tiveram
cortes de orçamento e quedas drásticas na compra desses produtos,
refletindo o déficit da crise. Enquanto isso, a quantidade de produtos
audiovisuais produzidos internamente cresceu de forma rápida com o
desenvolvimento e incentivo da indústria cultural sul-coreana no perío-
do pós-crise de 1997. Assim, a indústria midiática nacional aumentou
sua produção televisiva e suas exportações de produtos culturais.
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O segundo motivo se deu pela instabilidade financeira da época que
acabou se tornando o ambiente ideal para a Coreia do Sul entrar no
mercado de exportação cultural da região. Ao reduzir o preço de seus
programas televisivos, colocando-os abaixo da média de mercado, atraiu
importadores. Custando um quarto do preço dos dramas japoneses e um
décimo do preço dos honcongueses (CHUA; IWABUCHI, 2008; SHIM,
D., 2008), os K-dramas conseguiram atender as demandas de países
que estavam passando por sérios problemas financeiros, mas que preci-
savam de conteúdo televisivo para preencher suas grades de programa-
ção. Dessa forma, a Coreia do Sul começou a se estabelecer no mercado
regional e de forma gradual se tornou um polo de exportação de dramas
de TV e, posteriormente, de cultura pop em geral. Então, a Crise de 1997
somada a liberação midiática que se alastrava pelo continente, além da
gradual queda na popularidade dos dramas japoneses na região
5
e o au-
mento na produção de entretenimento sul-coreano, foram o cenário ideal
para a entrada e o enraizamento da Coreia do Sul no mercado regional.
O sucesso da cultura pop da Coreia do Sul no mercado leste asiá-
tico começou a ficar mais em evidência no final dos anos 1990, quando
a imprensa chinesa apontou a popularidade crescente desses produtos
na China chamando-a de “Onda Coreana” (em mandarim e romanizado,
Hanlyu, e em coreano e romanizado, Hallyu) (JANG; PAIK, 2007; SHIM,
2006). Em 1997, o K-drama What Is Love All About 사랑이 뭐길래 (MBC,
1991-1992) tinha se tornado um hit na televisão chinesa
6
, o que abriu
espaço para que outros produtos culturais sul-coreanos entrassem no
mercado e conquistassem o público local. Logo esse sucesso na China
reverberou para os países vizinhos, como o Vietnã, por exemplo, que em
1998 a sua importação de programação televisiva já era dominada pela
Coreia do Sul em 58% (SHIM, D., 2008). A China foi a primeira grande
importadora da Hallyu e parte essencial para o desenvolvimento da cul-
tura sul-coreana como um fenômeno transnacional (JOO, 2011; SHIM,
2006). Esse consumo se deu especialmente porque os K-dramas, mes-
mo sendo estrangeiros, dialogavam com matrizes da cultura chinesa, se
tornando uma alternativa mais segura do que os produtos ocidentais.
5 Os dramas japoneses começaram a ser percebidos pelo público leste asiático como muito “ocidentais”, porque
estavam abordando questões menos atraentes para as culturas envolvidas nesse mercado, então a popularidade
desses produtos caiu, situação que foi agravada pelo seu alto preço de mercado na época.
6 Tamanho foi o sucesso entre os telespectadores chineses, que foi reexibido em 1998, dessa vez no horário
nobre da grade e bateu o recorde de segunda maior audiência de um produto importado na TV chinesa à época
(SHIM, 2006).
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Esse diálogo cultural que a Coreia do Sul travou com a China se
repetiu com outros países da região, por essa razão que a Proximidade
Cultural é um fator que ajuda a explicar a circulação dos produtos televi-
sivos sul-coreanos pelo Leste e Sudeste Asiático. Segundo Straubhaar
(1991), as audiências dão preferência a produtos que dialogam com a
sua cultura, buscando familiaridade e representação do seu cotidiano.
Essa região compartilha de fluxos culturais compartilhados e constru-
ídos por séculos de trocas e interlocuções, o que criou uma certa co-
letividade cultural imaginada entre os públicos locais, facilitando alguns
dos diálogos através de produtos culturais. É o que Fung (2007) chama
de “valores celebrados regionalmente” e Chua (2004) aponta como um
imaginário generalista de uma “identidade leste-asiática”, resultados de
séculos de interações históricas de caráter especialmente político-di-
plomático, fluxos migratórios (naturais ou forçados), escambos cultu-
rais, memórias coletivas compartilhadas e da própria cercania geográ-
fica (MAZUR, 2021).
O apelo dos K-dramas provou seu potencial de consumo e valor de
soft power quando conseguiu adentrar um dos mercados locais mais
concorridos e autossuficientes da época na região: o japonês. Partin-
do do fato que Japão e Coreia do Sul têm um histórico marcado por
invasões e um processo cruel de colonização imposto pelos japoneses
aos coreanos, o mercado de produtos culturais entre esses dois paí-
ses é delicado e difícil. A Onda Coreana conseguiu aliviar algumas das
tensões mercadológicas existentes nesse setor. Além disso, o mercado
televisivo japonês era referência na época e conseguia cobrir basica-
mente toda a sua demanda interna, então pouco era importado de paí-
ses vizinhos (CHUA; IWABUCHI, 2008). Contudo, em 2003, o K-drama
Winter Sonata 겨울연가 (KBS2, 2002) foi exibido em um canal a cabo
japonês em versão dublada e conseguiu conquistar um sucesso gigan-
tesco, como nunca imaginado para um produto televisivo sul-coreano
nesse mercado. Tamanha foi a audiência nessa primeira exibição, que
no mesmo ano foi reprisado e pouco depois exibido em emissora aber-
ta para todo o Japão (HANAKI et al, 2007). Posteriormente, foi retrans-
mitido tanto na TV aberta quanto na fechada, além de ser veiculado em
versão com áudio coreano e legendas em japonês.
A história de amor cheias de altos e baixos entre Jung Yujin (Choi
Jiwon) e Kang Junsang (Bae Yongjoon) conquistou especialmente as
japonesas de meia-idade, que logo transformaram o ator protagonista
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em um ídolo nacional e começaram a consumir outros produtos relacio-
nados ao drama e a cultura sul-coreana. Um fluxo inesperado de visitas
de japoneses a Coreia do Sul para visitar as locações de Winter Sonata
marcou um momento histórico-diplomático que intensificou as relações
de consumo entre os dois países (HANAKI et al, 2007). O impacto des-
se K-drama no Japão é reconhecido como o primeiro efeito de grande
porte do soft power sul-coreano através da Hallyu, que conseguiu favo-
recer até mesmo relações diplomáticas.
Por mais que Winter Sonata tenha conquistado o Japão e outros
países, a ampliação das exportações de K-dramas para o mundo tem
um outro expoente de sucesso: Jewel in the Palace 대장금 (MBC,
2003-2004). Esse drama foi o primeiro a ser amplamente aclamado
fora do país e é um marco do início da fundamentação da Hallyu como
um fenômeno transnacional. Jewel in the Palace foi vendido para mais
de 80 países, dentro e fora da Ásia, uma revolução para a indústria de
entretenimento sul-coreana à época (KIM; WANG, 2012). Baseado em
fatos reais, Jewel in the Palace é um drama do gênero histórico, que
se passa durante a Dinastia Joseon (1392-1910) e aborda a história da
primeira mulher que se tornou médica da realeza. Por ser um drama so-
bre o passado e repleto de referências culturais e tradições específicas,
o seu sucesso de exportação foi uma surpresa, não era esperado que
ele fosse ter apelo para outros públicos além do interno. Dessa forma,
Jewel in the Palace fortaleceu o turismo da Coreia do Sul, fãs estran-
geiros visitavam as locações e o parque em homenagem ao drama,
Daejanggeum Theme Park (KIM; WANG, 2012).
De acordo com o Ministério de Cultura e Turismo da Coreia do Sul
(2005), o lucro com a exportação de programas televisivos sul-coreanos
cresceu de 5.5 milhões de dólares em 1995 para 71.5 milhões de dóla-
res em 2004, dentre essas exportações os K-dramas representavam a
maior fatia em 2002 (76,8%), seguida pelas animações e programas de
variedades. Pela primeira vez, em 2002, a Coreia do Sul conseguiu que
as exportações de conteúdo televisivo superassem as importações de
produtos de mesmo caráter, se mantendo independente de importação
de programação estrangeira (JIN, 2007; SHIM, D. 2008).
Em meio ao fluxo crescente de produtos televisivos no mercado
leste asiático, os formatos começaram a ser difundidos e versões li-
cenciadas de dramas sul-coreanos surgiram em diferentes países, as-
sim como versões de dramas de outros países ganharam suas versões
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sul-coreanas. Por exemplo, o K-drama Boys Over Flowers 꽃보다 남자
(KBS, 2009) é uma adaptação do mangá
7
e do drama de TV japonês
Hana Yori Dango 花より男子 (TBS, 2005), e Full House วุ่นนัก รักเต็มบ้าน
(TrueVision, 2014) é a versão tailandesa do drama sul-coreano Full
House풀하우스 (KBS, 2004). Dentro deste universo, os dramas de TV
conseguem circular narrativas que abrangem não só a venda de produ-
tos licenciados, mas também formatos de roteiro, criando um ambiente
fértil para as adaptações e traduções culturais entre essas indústrias
(MAZUR, 2021). A Hallyu e os K-dramas conquistaram espaço nesse
contexto e fazem parte dos fluxos mercadológicos e culturais existentes
nessa rica conjuntura asiática, impulsionando em direção aos mercados
além-Ásia.
A TV sul-coreana no atual contexto global
A Onda Coreana, então, teve seu início como um fenômeno de ca-
ráter de expansão regional através do sucesso dos dramas de TV. Foi a
partir disso que a indústria cultural sul-coreana começou a desenvolver
estratégias de exportação e alcance, conseguindo gradualmente entrar
do mercado global e expandir seu potencial de venda em outros seto-
res. Graças ao aumento do interesse por parte do público estrangeiro,
o papel da Hallyu como um instrumento econômico e de identidade
nacional expandiu (JIN, YOON, 2017). Passou, então, a capturar a aten-
ção e maiores incentivos do governo, que objetivou a capitalização des-
se fenômeno em favor do soft power (NYE, 2004) nacional para, assim,
se transformar em um polo de influências no cenário internacional. E,
como discutido anteriormente, os dramas de TV sul-coreanos se torna-
ram um destaque dentro dos fluxos televisivos existentes no Leste e Su-
deste Asiáticos, diversos autores acadêmicos apontam a recepção dos
K-dramas em territórios dessas regiões, como Japão (HANAKI et al,
2007; LEE; JU, 2010), Singapura (CHAN; WANG, 2011; SHIM, 2007),
Filipinas (ESPIRITU, 2011; CLEMENTE, 2020) e Taiwan (HUANG, 2011;
YANG, 2012). Outros pesquisadores apontam uma questão ainda mais
contemporânea, que é a chegada dessas narrativas em outras regiões
7 História em quadrinhos japonesa.
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do mundo, como América Latina (IADEVITO; BAVOLEO; LEE, 2010;
HAN, 2019), Gana (KIM, 2017), Índia (KANOZIA; GANGHARIYA, 2021),
Canadá (YOON, 2020) e Espanha (MADRID-MORALES; LOVRIC, 2015).
No cenário brasileiro, o catálogo nacional da plataforma de strea-
ming de filmes e séries Netflix se apresenta como um termômetro inte-
ressante. O catálogo da Netflix Brasil possui atualmente mais de uma
centena de produtos audiovisuais da Coreia do Sul disponíveis, entre
eles estão K-dramas, filmes, reality shows
8
e programas de variedades
(MAZUR, 2018; URBANO, 2020). Desde 2016, quando a Netflix chegou
à Coreia do Sul, que a programação sul-coreana cresce no catálogo
global da plataforma, assim como o interesse dos consumidores in-
ternacionais. Em 2019, foi firmada uma parceria de três anos entre a
empresa de streaming e a produtora sul-coreana Studio Dragon, para
o desenvolvimento de títulos inéditos e o licenciamento de K-dramas já
consagrados (MEIMARIDIS; MAZUR; RIOS, 2020). A plataforma, que
até pouco tempo atrás era praticamente formada apenas por produtos
ocidentais, apresenta seu interesse em conteúdo sul-coreano e asiático
em geral (JU, 2019), deixando claro que o impacto das produções e
movimentações que estão acontecendo nas últimas décadas no mer-
cado leste asiático geram interesse pelo mundo.
Percebe-se que a demanda por esses produtos está crescendo não
só no Brasil, mas no Ocidente como um todo. Surgiram plataformas de
legendagem e exibição de conteúdo televisivo com foco na Coreia do
Sul, como o KOCOWA e o Viki, além de sites de fansub
9
que partem de
esforços dos fãs em circular os dramas e programas sul-coreanos. Des-
de o final dos anos 2000, que os conteúdos sul-coreanos têm conquis-
tado públicos além-Ásia. Esse consumo é possibilitado especialmente
pela ascensão da Web 2.0 como um instrumento de difusão pelo mun-
do, que serve como espaço para trocas entre fãs e compartilhamento
de conteúdo. A indústria cultural sul-coreana encontrou na internet um
ambiente fértil para disponibilizar suas produções televisivas e musicais,
inicialmente em favor de facilitar e aumentar o consumo em países vi-
zinhos que já eram consumidores de sua cultura. Contudo, através de
plataformas como Youtube e Facebook, os clipes musicais e os dramas
8 Formato televisivo que abrange vários gêneros e dá conta de uma alegoria da vida real. No caso dos reality
shows sul-coreanos, estes abordam o dia a dia de celebridades e/ou anônimos, tanto em suas vidas privadas,
quanto profissionais, ou através de competições, viagens, entre outros.
9 Fãs que legendam conteúdos audiovisuais, especialmente séries e filmes, para serem disponibilizados a outros fãs.
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de TV começaram a serem visualizados por outros países que ainda
não consumiam oficialmente a cultura pop sul-coreana. Foi, então, a
partir da difusão online e do interesse crescente dos fãs internacionais
por esses produtos, que a Hallyu se movimentou nos fluxos globais em
direção ao Ocidente. Esse fenômeno cultural é hoje caracterizado es-
pecialmente pelo seu alcance, produção e consumo através das redes
sociais online (YOON, JIN, 2014).
Desde a sua consolidação no mercado asiático, a indústria sul-co-
reana aposta em estratégias para globalizar a Hallyu. Uma delas foi dire-
cionada a América Latina, através da concessão de direitos de exibição
de K-dramas para emissoras de alguns desses países, sem nenhum
custo (IADEVITO; BAVOLEO; LEE, 2010) no final dos anos 2000. A ideia
seguiu a mesma lógica utilizada para a entrada no mercado leste asiáti-
co: começar cobrando pouco ou nada por seus produtos para engajar
um público consumidor estável. A América Latina se apresentou a Co-
reia do Sul como um mercado distante e muito diferente culturalmente,
mas com demandas e interesses por narrativas de caráter melodramá-
tico, especialmente em razão de sua circulação regional de telenovelas.
O interesse desse mercado regional em conteúdo de raízes melodra-
máticas dialogou diretamente com o conceito inerente ao formato dos
dramas de TV, o que reitera que a matriz melodramática é de potencial
inerentemente transnacional, superando os traços culturalmente especí-
ficos dos K-dramas e fortalecendo seu apelo transcultural (HAN, 2019).
Os K-dramas, através de suas trilhas sonoras e elencos repletos de
ídolos da música, conseguiram difundir o universo musical sul-coreano
para o mundo. Tanto que, hoje, o K-pop tem força global ainda mais
poderosa do que os próprios K-dramas, mas deve o início da sua difu-
são internacional a eles. Outros produtos televisivos sul-coreanos que se
destacam no mercado de exportação atualmente são os reality shows e
os programas de variedades. A presença de celebridades da Hallyu e o
fato desses programas apresentarem um pouco mais sobre o cotidiano
da vida na Coreia do Sul desperta o interesse dos fãs internacionais.
A Hallyu hoje não só comercializa produtos culturais, mas também um
estilo de vida, e esses programas são mais uma forma de circular essa
estratégia. A partir do sucesso dessa programação, a indústria televisiva
sul-coreana, além de lucrar vendendo produtos licenciados, também lu-
cra com formatos. A China, por exemplo, compra esses formatos e lança
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suas próprias versões. Running Man 런닝맨 (SBS, 2010–) é um exemplo:
é um dos reality shows de maior sucesso da Coreia do Sul e possui gran-
de reconhecimento no Leste Asiático, tanto que ganhou em 2014 sua
versão chinesa intitulada de Keep Running 奔跑吧 (Zhejiang Television).
Assim como o Leste Asiático se apropria de formatos televisivos
sul-coreanos para produzir suas versões, o Ocidente começou a fazer
o mesmo. Os Estados Unidos, o mercado mais disputado do mundo,
comprou os direitos do K-drama Good Doctor 굿닥터 e lançou a série
homônima pela emissora ABC em 2017, assim como tem sua versão do
reality King of Mask Singer 미스터리 음악쇼 복면가왕 (MBC, 2015–) que
foi adaptado para o público estadunidense como The Masked Singer
(Fox, 2019–). Antes disso, o país norte-americano produziu sua versão
do reality show sul-coreano Grandpa Over Flowers 꽃보다 할배 (TVN,
2013-2015), que foi intitulada de Better Late Than Never pela NBC em
2016. Tal demanda ocidental por esses produtos levou as emissoras
sul-coreanas, como MBC e SBS, a lançarem seus próprios canais no
Youtube com grande parte do seu conteúdo legendado para vários idio-
mas e também disponibilizarem seu sinal de satélite para outros países.
Parte desse esforço vem especialmente da tradução, legendagem e
dublagem desses produtos (já que o idioma coreano, o hangul, é usado
oficialmente apenas na Coreia do Sul e na Coreia do Norte).
Em suma, o contexto além-Ásia da televisão sul-coreana e da
Hallyu ainda está em construção e é intrínseco ao consumo online.
O contrafluxo gerado pela entrada da televisão sul-coreana no Ocidente
e em outros países de fora do alcance do Leste e Sudeste da Ásia ainda
demanda que seja estendido para plataformas oficiais, como emissoras
de televisão e cinema, para conseguir alcançar consumidores além do
nicho dos fãs da Hallyu. Plataformas de streaming, globais ou locais,
são uma opção relevante para continuar impulsionando a produção te-
levisiva sul-coreana para fora de suas fronteiras. A Coreia do Sul, atual-
mente, exporta um estilo de vida e uma identidade atualizada do que é
ser sul-coreano através de suas diversas vertentes culturais, o que está
impulsionando essa indústria a alcançar mercados ainda mais distan-
tes. A presença dos dramas de TV em canais latinos e na Netflix, por
exemplo, está ampliando o potencial transnacional da televisão sul-co-
reana, que, mesmo com suas limitações idiomáticas e culturais, está
lentamente conquistando espaço no cotidiano ocidental e se enraizan-
do como parte dos fluxos televisivos globais.
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Considerações Finais
Em meio a atual ecologia global e aos fluxos televisivos que abar-
cam o mercado mundial, formas atualizadas de se assistir e produzir
televisão estão surgindo e conquistando espaço no cenário internacio-
nal. A televisão sul-coreana, que até pouco tempo atrás era uma desco-
nhecida nos fluxos globais, hoje se apresenta como um polo estável de
exportação e influência audiovisual. O fenômeno de ascensão cultural
pop da Coreia do Sul apresenta a efervescência dos mercados nacio-
nais e regionais e mostra como a televisão é um instrumento poderoso
de construção e difusão de identidades, além de apontar como as mo-
vimentações dos fluxos televisivos estão alcançando novas abordagens
do que é ser global no mundo de hoje. O universo midiático apresenta
formas de se ler o mundo, que atualmente não refletem apenas ques-
tões ocidentais, mas uma pluralidade cultural realmente globalizada.
Por essa razão é que a representação das especificidades nacionais
nas narrativas audiovisuais é tão importante. A televisão se posiciona
como um espaço essencial para a difusão dessa pluralidade, já que é
uma ferramenta midiática muito difundida, que participa diretamente do
cotidiano dos seus receptores.
Partindo do fato que abordamos o caso da TV sul-coreana atra-
vés do olhar brasileiro, Brasil e Coreia do Sul criam um debate cultural
essencial e urgente à Academia brasileira. Ambas são nações da peri-
feria global que se tornaram referenciais internacionais em contrafluxo
televisivo. As novelas brasileiras são um precedente para os K-dramas,
elas se aventuraram no mercado global antes, criaram e ainda criam
imaginários atualizados sobre o Brasil sem a mediação “globalizada”
e central dos Estados Unidos e Reino Unido. É o Brasil definindo, por
vias da ficção, como é representado no mercado de exportação e no
consumo cultural internacional. O mesmo faz hoje a Coreia do Sul, de
forma ainda mais potente, apoiada por todo um fenômeno cultural que
se alastra pelo mundo. Por isso, Brasil e Coreia do Sul se aproximam,
mesmo tão distantes, fazem parte de um mesmo movimento de resis-
tência em produção e circulação de suas narrativas para o resto do
mundo e, hoje, a indústria cultural brasileira pode aprender muito com
essa nação asiática. Além disso, dentro da lógica de dominação do
centro global, a ascensão em termos culturais através do audiovisual
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televisivo cria diálogos importantes especialmente com outros países
que também não fazem parte das lógicas centrais de poder, criando
espaços de resistência que são essenciais.
Por fim, nesse artigo procuramos, através de extenso levantamento
bibliográfico, fazer um estudo introdutório sobre a formação da televi-
são sul-coreana como parte de um fluxo global multipolarizado. Par-
tindo das características e da contextualização do desenvolvimento
da indústria cultural na Coreia do Sul, passamos por especificidades
dessa ascensão regional dentro do Leste e Sudeste Asiáticos e tam-
bém da atual jornada do país a fim de se afirmar nos fluxos globais.
Nosso objetivo, mesmo que incipiente, foi o de compreender como o
conteúdo televisivo de uma indústria cultural tão recente em sua em-
preitada televisiva conseguiu conquistar diferentes esferas regionais do
mundo. Os dramas de TV se mostram como fortes instrumentos dessa
difusão cultural e são essenciais para compreender como a televisão
sul-coreana chegou aonde está e quais serão os próximos passos para
que conquiste outros públicos. O caráter dessas narrativas ficcionais
revela estratégias mercadológicas que apresentam também a estrutura
da indústria cultural do país. Portanto, percebemos que esse processo
de ascensão de novos polos de produção midiática não só apresenta
outras formas de se pensar o mundo, mas também de como criar sig-
nificados atualizados que façam real sentido dentro do contexto cada
dia mais global da mídia.
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Recebido em: 20/04/20
Aprovado em: 27/01/21