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A quebra do peso mexicano: causas, consequências e recuperação

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RESUMO Este artigo traça as maneiras pelas quais fatores políticos, econômicos, domésticos e internacionais convergiram para provocar uma enorme crise financeira no México em 1994/5, bem como as consequências dessa crise para futuros esforços de reforma. O autor argumenta que a manutenção de uma taxa de câmbio supervalorizada antes da crise permitiu ao partido PRI apelar para uma ampla gama de interesses domésticos. Os investidores internacionais, que detinham sem precedentes US$ 34 bilhões em ações mexicanas em 1994, foram igualmente inflexíveis na defesa da taxa de câmbio ancorada. No entanto, ao tentar apaziguar interesses nacionais e estrangeiros, o governo Salinas perdeu o controle dos fundamentos macroeconômicos. Enquanto a combinação de um empréstimo multilateral maciço e a mudança para uma taxa de câmbio flutuante abriram o caminho para a rápida recuperação econômica do México, o principal legado da crise foi o fim político do PRI. Embora a liberalização política certamente não fizesse parte do plano original do PRI, graças a seus próprios imprudentes erros políticos, o principal legado da crise do peso foi o advento de políticas mais abertas no México. Por esse motivo, a política de formulação de políticas econômicas sob o novo governo Fox pode não estar tão bem organizada quanto estava com o PRI, mas já existem sinais sem precedentes de debate, prestação de contas e compromisso.
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A quebra do peso mexicano: causas,
consequências e recuperação*
The Mexican Peso break: causes, consequences and recovery
TIMOTHY KESSLER**
RESUMO: Este artigo traça as maneiras pelas quais fatores políticos, econômicos, domésti-
cos e internacionais convergiram para provocar uma enorme crise nanceira no México
em 1994/5, bem como as consequências dessa crise para futuros esforços de reforma. O
autor argumenta que a manutenção de uma taxa de câmbio supervalorizada antes da crise
permitiu ao partido PRI apelar para uma ampla gama de interesses domésticos. Os inves-
tidores internacionais, que detinham sem precedentes US$ 34 bilhões em ações mexicanas
em 1994, foram igualmente inexíveis na defesa da taxa de câmbio ancorada. No entanto,
ao tentar apaziguar interesses nacionais e estrangeiros, o governo Salinas perdeu o controle
dos fundamentos macroeconômicos. Enquanto a combinação de um empréstimo multilat-
eral maciço e a mudança para uma taxa de câmbio utuante abriram o caminho para a
rápida recuperação econômica do México, o principal legado da crise foi o m político do
PRI. Embora a liberalização política certamente não zesse parte do plano original do PRI,
graças a seus próprios imprudentes erros políticos, o principal legado da crise do peso foi o
advento de políticas mais abertas no México. Por esse motivo, a política de formulação de
políticas econômicas sob o novo governo Fox pode não estar tão bem organizada quanto
estava com o PRI, mas já existem sinais sem precedentes de debate, prestação de contas e
compromisso.
PALAVRAS-CHAVE: Crise cambial; crise do peso mexicano; globalização.
ABSTRACT: This article traces the ways in which political, economic, domestic, and inter-
national factors converged to provoke a massive nancial crisis in Mexico in 1994/5, as
well as the consequences of this crisis for future reform efforts. The author argues that
the maintenance of an overvalued exchange rate prior to the crisis enabled the ruling PRI
party to appeal to a broad range of domestic interests. International investors, who held an
unprecedented $34 billion in Mexican equities in 1994, were equally adamant in defending
the anchored exchange rate. However, in attempting to appease both domestic and foreign
interests, the Salinas administration lost control of the macroeconomic fundamentals. While
Revista de Economia Política, vol. 21, nº 3 (83), pp. 489-513, julho-setembro/2001
489http://dx.doi.org/10.1590/0101-31572001-1272 Revista de Economia Política 21 (3), 2001
* Tradução de Maria Cristina Godoy.
** Associate director of the Partnership for Policy Dialogue based at Stanford University and the
Carnegie Endowment for International Peace, Stanford/CA, U.S.A.
490 Brazilian Journal of Political Economy 21 (3), 2001 pp. 489-513
the combination of a massive multi-lateral loan and the shift to a oating exchange rate
paved the way for Mexico’s rapid economic recovery, a main legacy of the crisis was the po-
litical demise of the PRI. Although political liberalization was certainly not part of the PRI’s
original game plan, thanks to its own reckless policy errors, a main legacy of the peso crisis
was the advent of more open politics in Mexico. Because of this, the politics of economic
policymaking under the new Fox administration may not be as neatly packaged as under the
PRI, but there are already unprecedented signs of debate, accountability, and compromise.
KEYWORDS: Currency crisis; Mexican peso crisis; globalization.
JEL Classication: F31; F32; F62.
A desvalorização do peso mexicano em dezembro de 1994 foi o primeiro de
uma série de colapsos financeiros não previstos que desmontou a sabedoria con-
vencional sobre o relacionamento entre a disciplina de mercado e a estabilidade
econômica. O México era, afinal de contas, um modelo do Consenso de Washing-
ton.1 No início dos anos 90 o governo havia aberto o comércio, transformando um
enorme déficit fiscal em superávit, domado a inflação e privatizado quase todas as
empresas públicas, inclusive o sistema bancário e a Telmex, o monopólio telefôni-
co. Embora o sucesso do México em alcançar a disciplina econômica tenha conti-
nuado a contrastar com seu crescimento bastante lento, os proponentes da reforma
alegaram que os fundamentos do desenvolvimento sustentável haviam sido estabe-
lecidos. O colapso da moeda em 1994 e a terrível recessão de 1995 levaram a uma
explosão de pesquisas sobre o que havia dado errado no México. No entanto, na
sequência de devastadoras desvalorizações em vários dos maiores mercados emer-
gentes do mundo, inclusive Rússia, Coréia do Sul, Indonésia e Brasil, a experiência
mexicana é vista agora como precursora de um novo fenômeno econômico: a vo-
latilidade dos mercados globais de capital. Mas o comportamento dos investidores
globais, embora claramente um fator importante da história da instabilidade finan-
ceira nos mercados emergentes, não foi a única causa. É claro que nem todos os
mercados emergentes sofreram desvalorizações abruptas, mas os que as experimen-
taram quebraram em momentos diferentes, em graus variados e por razões diferen-
tes. O caso mexicano demonstra que o impacto do capital internacional é funda-
mentalmente condicionado por políticas e diretrizes internas.
Os aspectos econômicos da quebra do peso são agora bem compreendidos. A
relação entre o déficit em conta corrente e a taxa de câmbio representou um círcu-
lo vicioso no modelo macroeconômico do México. No início da administração de
Carlos Salinas de Gortari (1988-94), o Ministério da Fazenda adotou uma crawling
peg, uma faixa restrita dentro da qual o peso ficava atrelado ao dólar e podia sofrer
1 O “Consenso de Washington” representa um acordo geral entre o governo dos EUA, agências de
empréstimo internacionais e economistas conceituados, de que o mercado livre e a redução do papel do
Estado são os fundamentos do crescimento sustentado nos países em desenvolvimento. Ver John
Williamson, ed., Latin American Adjustment: How Much Has Happened? (Institute for International
Economics, 1990).
491Revista de Economia Política 21 (3), 2001 pp. 489-513
ligeiras flutuações diárias. Como a inflação mexicana aumentou bem acima da dos
EUA, o impacto da crawling peg foi uma valorização gradual, porém cumulativa
da moeda. Em 1992, muitos economistas manifestaram preocupação com a capa-
cidade de sustentação da peg. Como a crawling peg não conseguiu impedir a su-
pervalorização do peso, as importações acabaram ficando baratas e o déficit em
conta corrente aumentou rapidamente.
Para cobrir o desequilíbrio, o Banco Central foi forçado a comprar grandes
quantidades de dólares do exterior, o que, por sua vez, exigiu que o Estado abrisse
o mercado de títulos aos investidores externos. A fim de sustentar a confiança do
setor externo, o peso foi mantido artificialmente forte. No entanto, como a moeda
supervalorizada atraiu mais importações, o desequilíbrio comercial aumentou e
teve de ser coberto com entradas cada vez maiores de capital externo. Mesmo se o
México tivesse reduzido pela metade o crescimento das importações entre 1994 e
2000 e tivesse aumentado pela metade suas exportações, o déficit comercial ainda
assim teria aumentado cerca de 50%, exigindo mais de US$ 100 bilhões de capital
novo para cobrir o rombo.2 Qualquer interrupção na entrada de capitais teria
tornado insustentável a crawling peg.
Mudanças econômicas internacionais combinaram-se com as vulnerabilidades
financeiras e com a instabilidade política do México, para provocar uma rápida e
maciça fuga de capitais. Em 1994 o crescimento moderado dos EUA alimentou os
temores de inflação e levou o Banco Central dos EUA a quase dobrar suas taxas
de juros, de 3% para 5,5%. Como consequência, a taxa de retorno de quase todos
os títulos norte-americanos aumentou, tornando estes investimentos altamente se-
guros muito mais atraentes do ponto de vista financeiro do que os emitidos por
qualquer país em desenvolvimento, inclusive o México. Durante esse mesmo ano,
aumentou a percepção dos investidores sobre a instabilidade mexicana, depois de
assassinatos políticos e do levante de Chiapas. Na segunda metade do ano, as en-
tradas de capital externo caíram 75%. Com os investimentos em mercados madu-
ros gerando então maiores lucros, os administradores do dinheiro global encenaram
uma “fuga para a qualidade”, o que colocou o peso sob intensa pressão. Num es-
forço desesperado para defender a taxa de câmbio, a administração Salinas esva-
ziou as reservas em moeda estrangeira, de US$ 30 bilhões para apenas US$ 6 bi-
lhões no final de 1994. Só em dezembro desse ano, entre US$ 4 bilhões e US$ 6
bilhões deixaram o país.
Em 20 de dezembro de 1994, apenas três semanas após o início do governo
de Ernesto Zedillo Ponce de Léon (1994-2000), o Ministério da Fazenda ampliou
a banda cambial em 15,3%. Os investidores entraram em pânico e iniciaram uma
corrida ao peso. No dia seguinte, a peg (paridade) foi abandonada e o peso flutuou
livremente com relação ao dólar. O valor do peso imediatamente caiu à metade de
seu valor nominal, mergulhando o México numa depressão surpreendentemente
profunda.
2 El Inversionista Mexicano, 29 de agosto de 1994, p.2. Todos os valores em dólar são dólares dos EUA.
492 Brazilian Journal of Political Economy 21 (3), 2001 pp. 489-513
Este capítulo oferece hipóteses acerca da manutenção de um regime cambial
cada vez mais insustentável. A seguir, explora as consequências do colapso do peso,
avalia o desempenho econômico do México a partir da crise e examina o legado
político da desvalorização.
EXPLICAÇÕES ALTERNATIVAS DO REGIME CAMBIAL
A origem da peg foi a inflação persistentemente alta. Apesar de inúmeras re-
formas econômicas levadas a cabo durante a administração de Miguel de la Madrid
Hurtado (1982-88) – desde rígidos cortes nos gastos públicos à liberalização do
comércio – as autoridades financeiras não conseguiam controlar os preços. A in-
flação subiu até bem acima de 100% ao ano no meio da década de 80. O terremo-
to da Cidade do México em 1985 e a queda no preço do petróleo em 1986 arrui-
naram por completo esses dolorosos esforços de estabilização, levando o governo
a orquestrar o primeiro de uma longa série de “pactos sociais” entre capital e tra-
balho para conter preços e salários. Em julho de 1987, Carlos Salinas, então Mi-
nistro do Orçamento e do Planejamento, anunciou a luta contra a inflação como
a principal prioridade da estratégia econômica, revelando um plano de estabilização
que substituiu a flutuação da moeda por uma fixed peg, a fim de colocar um freio
nas expectativas de aumentos de preços.
Quando Salinas se tornou presidente, os efeitos estabilizadores da peg já se
haviam tornado evidentes. A inflação estava, finalmente, sendo domada. Durante
o primeiro mês de Salinas como presidente, o governo relaxou um pouco a taxa
fixa, estabelecendo a crawling peg. Nos seis anos seguintes, a administração se re-
cusou a alterar a política cambial, apesar das crescentes evidências de supervalori-
zação e dos déficits comerciais cada vez maio res.
A posição contrafactual implícita assumida pelos críticos de Salinas era de que,
se tivesse permitido uma leve desvalorização antes dos fatídicos eventos de 1994,
seja expandindo a banda, seja fazendo flutuar o peso, ele teria salvado o México
do colapso financeiro. Nos primeiros anos da década, a supervalorização do peso
era moderada, as relações com os investidores internacionais eram excelentes e,
com altos níveis de reservas, o governo podia defender-se com credibilidade contra
a especulação. Olhando retrospectivamente, parece provável que permitir que os
mercados de câmbio determinassem o valor da moeda durante o início dos anos
90 – ou mesmo no início de 1994 – teria resultado num ajuste e não numa crise.
MÁ SORTE E ERROS
Alguns desculpam a falha da equipe de Salinas em agir no tempo certo argu-
mentando que a política cambial estava totalmente correta, mas simplesmente saiu
dos trilhos em virtude de eventos imprevisíveis. Se a violência política e a alta dos
juros do Banco da Reserva Federal dos EUA não tivessem ocorrido em 1994, não
493Revista de Economia Política 21 (3), 2001 pp. 489-513
teria sido implausível um cenário de continuação da estabilidade e de manutenção
das entradas de capital. Na verdade, talvez Salinas tivesse conseguido a estabilida-
de econômica e a confiança do investidor necessárias para uma desvalorização
gradual e um pouso suave durante os seis anos do governo Zedillo. Outra explica-
ção – de todo compatível com a anterior – é a incompetência da equipe econômica
de Zedillo. Jaime Serra, ministro do Comércio durante a administração Salinas e
depois ministro da Fazenda do Presidente Ernesto Zedillo, foi severamente critica-
do (e destituído) por enervar os investidores com pronunciamentos desastrosos
sobre objetivos das políticas e com informações inconsistentes.
Ambas as explicações têm certo mérito. Os eventos de 1994 foram claramente
imprevisíveis, e a inépcia da administração Zedillo ao ampliar a crawling peg con-
fundiu e enraiveceu os investidores. No entanto, é precisamente a alta vulnerabili-
dade do México ao comportamento do investidor externo que necessita de expli-
cação. As entradas de capital externo dependiam da continuação de um cenário
extremamente favorável – taxas de juros historicamente baixas nos EUA e oportu-
nidades menos atraentes para os investidores em outros mercados emergentes. A
administração Salinas tornou a estabilidade econômica refém de acontecimentos
muito além de seu controle e assim expôs o México às incertezas dos fluxos do
capital internacional. Embora a equipe econômica de Salinas tenha jurado salva-
guardar a economia mexicana acima de tudo, ela no final apostou a estabilidade
financeira na continuação indefinida de um status quo sobre o qual o país não tinha
virtualmente nenhum controle.
O argumento de que Zedillo havia destruído seis anos de trabalho duro de
Salinas em menos de três semanas – Salinas caracterizou a quebra como “os erros
de dezembro” – toma erroneamente a causa pelo efeito. Não obstante o anúncio
malfeito de que a banda cambial seria autorizada a flutuar, não está claro como a
nova administração teria podido defender o peso por mais tempo. Com as reservas
de moeda forte diminuídas e com o capital externo correndo para fora do país, a
simples aritmética já sugeria que a crawling peg não poderia continuar indefinida-
mente. Além disso, à medida que o peso se foi tornando mais supervalorizado a
cada momento, a credibilidade da defesa do governo se foi tornando mais fraca.
Quanto maior a espera, mais sérias seriam as reações esperadas ao ajuste do peso,
e mais vulnerável se tornaria o governo a acusações de fraqueza ou de falta de
decisão. Se houve um momento ideal para a mudança do regime cambial, este se
deu durante o governo de Salinas.
PRESSÕES INTERNACIONAIS
A explicação mais sólida para a resistência de Salinas em corrigir a taxa de
câmbio é a pressão externa para manter o status quo. A fonte mais visível de in-
fluência externa provinha da absoluta prioridade que o governo mexicano havia
colocado em garantir a entrada do México na NAFTA, Associação Norte-Ameri-
cana de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement). Como o déficit
494 Brazilian Journal of Political Economy 21 (3), 2001 pp. 489-513
comercial do México com os Estados Unidos enfraquecia, os argumentos de que a
integração econômica destruiria os empregos dos norte-americanos, o peso forte
pode ter contribuído indiretamente para o apoio à associação no Congresso norte-
-americano. No entanto, é difícil atribuir grande importância política a algo tão
abstrato e técnico como a largura da banda da crawling peg mexicana, particular-
mente no início dos anos 90, quando as negociações da NAFTA estavam em curso.
Eram poucos os norte-americanos que sabiam qual era a taxa de câmbio peso-
-dólar ou porque ela era potencialmente importante – sobretudo se comparada às
questões de trabalho e padrões ambientais, muito mais adequadas às manchetes
dos jornais. Embora o alargamento da banda em 1992 ou no início de 1993 tives-
se provavelmente diminuído o superávit comercial dos EUA com o México, ele
também teria angariado para o governo mexicano elogios dos principais economis-
tas internacionais. Em resumo, o debate nos Estados Unidos sobre a desvalorização
do peso em 1992 ou 1993 teria sido provavelmente um acontecimento político sem
importância. Além disso, a prioridade de aprovar a NAFTA não poderia ter influen-
ciado a política cambial em 1994, pois a associação de livre comércio entrou em
vigor no primeiro dia daquele ano.
Outra fonte de pressão internacional veio dos mercados de capital. Após as
desvalorizações no Leste da Ásia, na Rússia e no Brasil, houve crescente reconhe-
cimento do papel do capital internacional no desencadeamento de crises monetárias
domésticas. A volatilidade do hot money – conjunto de capitais que pode ser rapi-
damente investido e sacado – foi identificada como uma importante restrição sobre
a capacidade dos governos nos mercados emergentes de tomar qualquer atitude
que possa minar a confiança dos investidores externos num horizonte de prazo
curtíssimo.
Embora a influência do capital internacional sobre a política nacional seja ti-
picamente gerada através de sinais anônimos do mercado, no caso do México tal
pressão foi bastante direta. O Weston Forum, um consórcio internacional de insti-
tuições financeiras, fez enormes investimentos nos títulos do governo mexicano no
início dos anos 90. Ele incluía algumas das principais companhias de investimento
do mundo, como Fidelity Investment Company, Soros Fund Management, Salomon
Brothers, Nomura Securities, e o Grupo Weston. Em abril de 1994, depois de uma
queda no valor do peso em relação ao dólar, o fórum encontrou-se secretamente
com Guillermo Ortiz, então vice-ministro da Fazenda, e com administradores do
Banco Central para dar conselhos sobre a direção da política econômica mexicana.
De acordo com um relato do Wall Street Journal, “as sugestões foram agressivas”.
Os financistas pediram aos funcionários mexicanos que suspendessem as pequenas
desvalorizações diárias permitidas pela crawling peg, que aceitassem que o governo
mexicano assumiria as perdas incorridas pelas flutuações da taxa de câmbio além
da banda atual, e que lhes permitisse aumentar o patamar de sua carteira de inves-
timentos em dólar. Além disso, sugeriram que, assim que adotasse tais medidas, o
México receberia até US$ 17 bilhões de novos investimentos do consórcio e de seus
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associados.3 Como descreveu posteriormente o jornalista Douglas Payne, “Na ver-
dade, o fórum queria que o México continuasse a supervalorizar o peso e que as-
sumisse o risco... [A pressão do Weston Forum] explica suficientemente por que o
governo mexicano adotou políticas que levaram ao colapso [do peso]”.4
Outra evidência da pressão global foi a rápida reestruturação da dívida públi-
ca mexicana, de títulos do Tesouro em pesos, em geral chamados de cetes, para
títulos em dólar, chamados de tesobonos. De acordo com o então ministro da Fa-
zenda Pedro Aspe, a criação do tesobono representou “o compromisso voluntário
do governo de cumprir a planejada disciplina nas finanças públicas”5 ou seja, uma
garantia aos investidores de que não deixaria a moeda cair. Embora o novo instru-
mento de hedging tivesse recebido pouca atenção desde sua criação em 1989, em
1994 o volume de tesobonos em circulação atingiu subitamente quase US$ 30 bi-
lhões.6 Essa dramática alteração na estrutura da dívida pública mexicana indicou
uma perda de confiança entre os investidores na moeda mexicana. Além disso,
como os tesobonos eram indexados ao dólar, essa alteração assegurou que qualquer
desvalorização aumentaria a dívida pública do governo em termos absolutos.
Citando táticas de coerção explícitas, bem como pressões mais sutis exercidas
pelos mercados de capital, alguns alegaram que a comunidade internacional de
investimentos manteve a taxa de câmbio mexicana como refém. Como a lucrativi-
dade dos instrumentos financeiros em pesos dependia diretamente da força da
moeda, e como os instrumentos em dólar tinham de ser pagos em pesos, os tecno-
cratas mexicanos viram-se presos numa armadilha: eles só poderiam evitar a fuga
de capitais mantendo uma política cambial que era, a longo prazo, insustentável.
Era claro que o ambiente econômico externo tinha importância.
Mas a pressão exercida pelos investidores globais sobre o governo mexicano
pressupõe uma taxa de câmbio já perigosamente supervalorizada. A decisão de
manter a crawling peg, embora influenciada pelos investidores externos, era tam-
bém um produto da determinação interna de manter uma taxa de câmbio semi-
-fixa, o que exigia entradas, cada vez maiores, de capital externo. Embora a comu-
nidade internacional de investimentos tivesse claramente conseguido um poder de
ação sobre a política monetária mexicana em 1994, esse poder era resultante, em
grande escala, de decisões anteriores tomadas por uma administração cujo objetivo
primário era retomar as vantagens políticas do partido dominante.
3 Wall Street Journal, 14 de junho de 1994, p.A6.
4 Douglas Payne, “Wall Street Blues”, New Republic, 13 de março de 1995, p. 22.
5 Pedro Aspe, “Macroeconomic Stabilization and Structural Change in Mexico”, European Economic
Review, vol. 36 (1992), p. 325.
6 El Inversionista Mexicano, 25 de julho de 1994; El Financiero, 3 de novembro de 1994, p. 3A.
496 Brazilian Journal of Political Economy 21 (3), 2001 pp. 489-513
DESAFIOS POLÍTICOS À HEGEMONIA DO
PARTIDO REVOLUCIONÁRIO INSTITUCIONAL
A raiz da adesão do governo mexicano ao regime da taxa de câmbio foi a
política interna. No final dos anos 80 o Partido Revolucionário Institucional (PRI),
dominante, enfrentou seu primeiro desafio eleitoral genuíno. O descontentamento
popular com a corrupção, com a instabilidade e com padrões de vida corroídos
estava cobrando seu preço, e partidos de oposição viáveis ameaçavam conquistar
eleitores tanto da direita quanto da esquerda. A eleição presidencial de 1988 foi a
mais contestada da história mexicana; a margem de vitória de Salinas, segundo os
padrões do PRI, foi bastante estreita. Na realidade, o PRI foi amplamente acusado
de usar de fraude eleitoral para roubar a eleição da Frente Democrática Nacional
(FDN), a coalizão de esquerda que mais tarde se tornou o Partido da Revolução
Democrática (PRD). A liderança do PRI estava convencida de que teria de conquis-
tar votos através de melhor desempenho económico, a fim de manter o controle do
sistema político.
A desvalorização havia prejudicado a legitimidade e a credibilidade que o PRI
detinha no passado. Cada um dos três presidentes anteriores havia permitido que
o peso entrasse em colapso. O presidente Luis Echeverría (1970-76) terminou seu
mandato de seis anos com uma grande desvalorização. O presidente José López
Portillo (1976-82), que declarou que “o presidente que desvaloriza fica desvalori-
zado”, lamentaria depois ter jurado publicamente defender o peso “como um cão”
pouco antes de ser forçado a deixar que a moeda caísse, ao final de seu mandato.
O presidente de la Madrid não teve habilidade para domar uma inflação de três
dígitos durante a maior parte de seu mandato. Os mexicanos acabaram por iden-
tificar a moeda enfraquecida não apenas com inflação alta, recessão e incompetên-
cia governamental, mas também com humilhação nacional. Com a memória dos
anos 80 ainda viva, mesmo uma pequena desvalorização, com a subsequente infla-
ção, poderia com certeza expor a administração Salinas a críticas e a novas acusa-
ções de má gestão do PRI.
Associados à generalizada suspeita popular de desvalorização estavam diver sos
grupos políticos internos que explícita ou implicitamente apoiavam a manutenção
da crawling peg. Grandes corporações, particularmente os grupos financeiro-indus-
triais (conglomerados) dos quais dependia o novo modelo mexicano de crescimen-
to orientado para o exterior, haviam assumido altos níveis de endividamento em
moeda estrangeira desde o final dos anos 80. Entre os 59 maiores grupos econô-
micos, o endividamento em dólar dobrou entre 1988 e 1991, atingindo mais da
metade do passivo total.7 Não apenas as taxas de juros nos mercados globais eram
menores do que as taxas internas, mas o peso forte sustentava essencialmente a
capacidade das corporações de tomar empréstimos no exterior. Qualquer desvalo-
7 Celso Garrido, “National Private Groups in Mexico: 1987-1993”, Cepal Review, vol. 53 (1994), pp.
159-75.
497Revista de Economia Política 21 (3), 2001 pp. 489-513
rização se traduziria diretamente num aumento do peso de sua dívida. E ainda,
como os principais exportadores do México eram também os principais importa-
dores, o grupo político natural a favor da desvalorização se achava diluído.8
Dentro da comunidade financeira, os proprietários dos bancos recém-privati-
zados representavam um grupo político em particular influente de apoio ao peso
forte. Esses proprietários, muitos dos quais haviam feito fortunas no mercado de
títulos durante os anos 80 emprestando dinheiro ao governo e especulando no
mercado de ações, se haviam tornado a elite econômica do México. Eles forneciam
ao PRI apoio político para a reforma e importantes contribuições financeiras, en-
quanto a administração Salinas lhes fornecia ampla proteção contra a competição.
Esse pequeno, porém, poderoso grupo obteve lucros sem precedentes durante os
anos 90, tomando empréstimos em dólar no exterior a taxas internacionais e em-
prestando pesos no país com enormes margens de juros.9 Qualquer ajuste no regi-
me monetário teria minado esse arranjo lucrativo, e enfraquecido uma das mais
importantes e bem estabelecidas alianças do PRI.
O movimento sindical juntou-se às grandes empresas no apoio à crawling peg,
porque a inflação alta havia corroído seriamente os salários reais dos trabalhadores.
A compressão dos salários foi exacerbada ainda mais pela série de pactos sociais
que o PRI havia feito: acordos oficiais negociados periodicamente para garantira
estabilidade macroeconômica, obrigando o governo a cumprir promessas relativas
aos gastos, à tributação e aos déficits. Em retorno, os trabalhadores concorda vam
em reduzir suas demandas salariais e o capital consentia em conter as altas de
preços. Embora os sindicatos fizessem objeções (sem muita força) à estratégia de
liberalização da administração Salinas, eles concordavam inteiramente com a ma-
nipulação da moeda para combater a inflação e apoiavam fortemente a peg cambial.
Ao final da administração Salinas, o item crawling peg continuava sendo “ o ele-
mento mais essencial do pacto”.10
Finalmente, a classe média, embora desorganizada, beneficiava-se de um peso
supervalorizado que subsidiava o consumo. Um dos maiores benefícios que o peso
forte proporcionava a esse grupo era o maior poder de compra.11 Na medida em
8 Embora as “maquiladoras” de propriedade de estrangeiros, como as produtoras de carros e eletrônicos,
tenham tradicionalmente importado a grande maioria de seus componentes de seu país de origem, as
indústrias manufatureiras domésticas são também grandes importadoras. De 1989 a 1993, enquanto
as exportações mexicanas “não maquila” cresceram 31,9%, de US$ 22,8 bilhões para US$ 30 bilhões,
num crescimento anual de 7,2%, as importações “não maquila” tiveram um espantoso aumento de
109%, de US$ 23,4 bilhões para US$ 48,9 bilhões, numa média de 20,2% ao ano (El Inversionista
Mexicano, 29 de agosto de 1994).
9 Timothy P. Kessler, Global Capital and National Politics: Reforming Mexico’s Financial System (West-
port, Conn.: Praeger, 1999, pp. 90-101)
10 Uhran Demirors, “Credibility of Exchange-Rate Policy Wins Foreign Investors’ Favor in Latin America”.
Latin American Money Markets (supplement to LatinFinance) (janeiro-fevereiro de 1994), p. 6.
11 Ver Manuel Pastor, “Pesos, Policies, and Predictions”, in Carol Wise, ed., The Post-NAFTA Political
Economy (Pennsylvania State University Press, 1998).
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que a peg tornava mais barata a dívida externa, esta também subsidiava bens e
serviços como alimentos e artigos de luxo importados, bens de consumo duráveis,
viagens ao exterior e produtos manufaturados domésticos feitos com insumos ex-
ternos. Muitos desses bens se haviam tornado importantes símbolos culturais de
prestígio e sofisticação. A moeda forte proporcionava, assim, bens de alto valor
econômico a um grupo crucial, cujo apoio eleitoral o PRI tentava retomar, depois
do perigoso namoro dos funcionários administrativos e profissionais com os par-
tidos de oposição em 1988.
Compreensivelmente, os partidos de oposição do México não fizeram nada
para desafiar a política cambial do PRI. Embora exigir a desvalorização pudesse
ter angariado elogios de alguns economistas e investidores internacionais, teria
significado suicídio político. Com a maioria dos mexicanos ainda se queixando,
após mais de uma década de recessão, de que seu dinheiro podia comprar muito
pouco, somente um político pouco hábil alegaria que o peso estava valendo demais.
Em suma, interesses diferentes e poderosos tornaram politicamente impruden-
te para a administração Salinas mexer com um regime cambial que havia claramen-
te ultrapassado sua utilidade econômica. A imposição original da peg justificava-se
em termos técnicos – colocar um freio à inflação-, mas, com o tempo, essa política
gerou amplos grupos de interesse contra o ajuste, que acabaria por minar o obje-
tivo original de recuperação da estabilidade macroeconômica. Para esses grupos,
uma moeda sólida representava a pedra de toque do novo modelo. A inflação
paulatinamente decrescente e o aumento do poder de compra eram evidências de
que o modelo estava dando certo. Nos últimos anos do mandato de Salinas, os
próprios critérios do PRI de sucesso econômico haviam sido amplamente aceitos
pelos eleitores, que agora tinham escolhas eleitorais reais. Embora enfrentasse dé-
ficits comerciais crescentes e entradas de capital volátil, o governo mexicano tinha
muito pouco espaço político para manobrar a política monetária. Embora o PRI
tivesse habilidade para vender reformas econômicas difíceis como chave da
estabilida de e do crescimento, a taxa de câmbio tornou-se o indicador pelo qual
seria julgado o desempenho econômico do governo.
CONSEQUÊNCIAS DO COLAPSO
A desvalorização de dezembro de 1994 teve um impacto devastador sobre o
bem-estar econômico e a estabilidade financeira do México. Além disso, contribuiu
para uma mudança fundamental no sistema político e para o fim da hegemonia do
PRI. O que pegou muitos observadores de surpresa, depois de anunciada a flutua-
ção, foi o quanto os mercados globais de capital rejeitaram o peso. Quase da noite
para o dia, o valor da moeda mexicana caiu pela metade, e continuou a cair ainda
mais durante o ano de 1995 (ver figura 3.1). Nem mesmo o cálculo mais alarmista
de supervalorização feito antes da quebra teria sugerido que o peso estava duas
vezes mais forte do que o mercado aceitaria.
499Revista de Economia Política 21 (3), 2001 pp. 489-513
Figura 3.1: Taxa de Câmbio Mexicana, 1994-1998
Fonte: Banco de México, Indicadores Econômicos
O México caiu numa recessão econômica mais profunda do que qualquer
outra pela qual tivesse passado. O desemprego foi às alturas, inchando as fileiras
da economia informal e colocando pressões ainda mais fortes sobre a baixa dos
salários em todos os mercados de trabalho do país. Na economia formal, a inflação
e a desvalorização corroeram os salários reais. Apenas três meses após a desvalo-
rização, a economia mexicana estava irreconhecível, com o consumo tendo sido
reduzido à metade. As vendas de automóveis caíram mais de 60 % entre janeiro e
fevereiro de 1995, enquanto as vendas nos restaurantes caíram entre 20% e 40%.
Os hospitais e serviços médicos privados caíram 40%, e artigos de luxo como as
passagens aéreas internacionais despencaram cerca de 75 %.
Um dos efeitos mais devastadores da crise foi a ampliação da violência social.
A Cidade do México, com um quarto da população do México, sofreu uma onda
de crimes sem precedentes. Roubo e assalto à mão armada tornaram-se comuns.
Táxis, que agora transportavam passageiros até assaltantes armados, tornaram-se
emblemáticos do perigo. Os sequestros não mais visavam apenas os ricos executi-
vos das corporações, mas também profissionais da classe média, cujas famílias ti-
nham de sacrificar as economias de toda uma vida para pagar resgates.
Enquanto a pobreza e a decadência urbana aumentavam, a consequência mais
visível da quebra – e que mudou o ambiente político do México – foi o colapso do
sistema financeiro. O setor bancário do México tinha sido ineficiente tanto antes
como durante a nacionalização. A privatização em 1991 e 1992 aumentou a quan-
tidade de capital disponível para o setor privado, mas a persistência de altas bar-
reiras à entrada permitiu que os bancos domésticos evitassem ajustar-se às pressões
do mercado e enfraqueceu a competitividade. Com os três maiores bancos alocan-
do dois terços de todo o crédito, o preço de tomar dinheiro emprestado era assus-
tadoramente alto.
Os consumidores mexicanos e os proprietários de pequenos negócios já esta-
500 Brazilian Journal of Political Economy 21 (3), 2001 pp. 489-513
vam pagando taxas de juros muito mais altas antes da quebra do que seus pares
em outros países. Além disso, como os novos banqueiros não tinham experiência
de análise de risco e estavam sob pressão para conseguir os maiores lucros possíveis
sobre os empréstimos, eles emprestaram sem cuidados. Hipotecas e crédito ao
consumidor eram setores extremamente lucrativos, mas também carregavam o
maior risco de inadimplência. Mesmo antes da desvalorização, o nível de emprés-
timos sem retorno era perigosamente alto.
À medida que a crise financeira fumegante atingia a fervura completa após a
desvalorização, os bancos contribuíam para sua própria ruína. Num ambiente de
terríveis incertezas e inflação volátil, eles aumentaram as taxas de juros de cerca de
18%, para até 120%. Nesse processo, eles fizeram do reembolso de empréstimos um
ato irracional para a maioria dos que os tomavam. Os bancos também exigiram o
pagamento de muitos créditos comerciais que haviam rolado rotineiramente, empur-
rando comerciantes de pequeno e médio porte para o limite e desencadeando uma
onda de falências. O setor de crédito ao consumidor desmoronou numa inadimplên-
cia maciça que paralisou o sistema financeiro. Segundo algumas estimativas, cerca
de um terço de todos os empréstimos mexicanos eram considerados sem retorno no
início de 1996. Ao mesmo tempo, leis de falência antiquadas e um sistema jurídico
ineficiente tornaram virtualmente impossível cobrar as garantias de devedores
inadimplentes.
Dada a magnitude da crise econômica, o povo mexicano começou a se organizar
independentemente, expressar suas queixas e fazer exigências. Em 1995 um pequeno
grupo de devedores rurais chamado El Barzón explodiu no cenário nacional, rapida-
mente evoluindo para um movimento urbano com 2 milhões de membros, compos-
to de devedores da classe média e negociantes, que se recusavam a pagar as usurárias
taxas dos bancos. A organização oferecia aconselhamento e recursos legais, o que
permitiu a muitos devedores confrontar os bancos e negociar com eles.
Ameaçando uma moratória nacional sobre os pagamentos bancários que co-
bravam mais de 50% de juros reais, El Barzón forçou o governo a abordar o pro-
blema do alívio de dívida. Sob a divisa “debo no niego, pero pago lo justo” (devo,
não nego, mas pago o que for justo), a militância, a organização e a bem executada
campanha de publicidade do grupo deram a El Barzón legitimidade junto ao pú-
blico e respeito como uma poderosa força política perante os assustados funcioná-
rios do Ministério da Fazenda. O colapso financeiro permitiu que um obscuro
movimento social localizado no interior do país se tornasse uma ameaça genuína
à estabilidade financeira da nação.
O governo respondeu com uma série de esquemas de alívio de dívida cujo
objetivo era arrefecer o ímpeto populista por uma inadimplência em massa. A ideia
básica era reestruturar a dívida comercial e do consumidor através de um ajuste
automático pela inflação e da limitação da taxa de juros real. No entanto, em vir-
tude de uma mal executada campanha de informação e de preocupações persisten-
tes sobre o cálculo da taxa de inflação, o governo só conseguiu reestruturar parte
dessa dívida.
Logo após a desvalorização, o sistema bancário estava perto do colapso. Num
501Revista de Economia Política 21 (3), 2001 pp. 489-513
esforço para estabilizar a indústria bancária, o governo começou em 1995 a impor
exigências de capitalização mais rígidas. Como poucos bancos conseguiam atender
aos novos padrões, o próprio governo forneceu o capital necessário, tomando
posse das ações do banco como garantia. Grande parte do sistema bancário foi
virtualmente renacionalizada. Embora quase todos os bancos tenham recorrido ao
governo em busca de assistência, doze deles faliram imediatamente. Os acionistas
perderam investimentos de aproximadamente US$ 1,5 bilhões.
Consequências muito mais graves do que o esquema de capitalização foram
trazidas pela assimilação por parte do governo dos empréstimos sem retorno. Com
um terço de todos os empréstimos em atraso, a maioria dos bancos estava em risco
de insolvência, despertando a perspectiva de um pânico entre os depositantes e uma
corrida a todos os bancos, saudáveis ou não. Como o governo não estava em posição
de bancar o dinheiro, ele elaborou um mecanismo de assistência financeira de emer-
gência aos bancos que não exigia gastos públicos imediatos. A instituição usada por
ele para reduzir o nível de créditos de liquidação duvidosa dos bancos foi o Fundo
Bancário de Proteção à Poupança (Fobaproa), uma pequena agência criada durante
a administração Salinas e vagamente inspirada na U. S. Federal Deposit Insurance
Corporation. Para que o Fobaproa pudesse retirar dos registros um empréstimo sem
retorno, um banco tinha de concordar em anular 25% do valor do empréstimo. Em
troca, ele recebia um título de cupom zero a 10% por 75% do valor do ativo.12 Não
é surpresa que virtualmente todos os bancos tenham participado.
Amplamente ignorado pela imprensa e pela oposição, o Fobaproa assumiu
bilhões de dólares de créditos de liquidação duvidosa num esforço desesperado
para recapitalizar o sistema bancário. A agência, pequena e sub-aparelhada, não
impôs limites legais à quantidade de depósitos que poderia garantir. Ela possuía
experiência limitada na análise dos registros bancários e nenhuma experiência na
liquidação de ativos bancários no mercado aberto. Em 1998, o Fobaproa havia
acumulado cerca de US$ 65 bilhões em passivos, mas especialistas estimaram que
apenas um terço desse total poderia ser um dia recuperado. Os onze maiores ban-
cos do México respondiam por cerca de metade dos passivos do Fobaproa. Como
eles tinham de pagar um quarto de perdas, estavam expostos a uma perda de mais
de US$ 5 bilhões. Pior ainda, eles poderiam perder mais bilhões em empréstimos
podres não cobertos pelo Fobaproa. Tais números rivalizavam com o total do ativo
líquido dos bancos.
EFEITOS POLÍTICOS COLATERAIS DO SALVAMENTO DOS BANCOS
Em abril de 1998 o presidente Zedillo mandou ao Congresso um pacote de
reformas bancárias para livrar o México de seu caos financeiro. Enquanto algumas
12 Embora semelhantes às notas do tesouro mexicanas, esses títulos não podem ser comprados ou
vendidos em qualquer mercado e não podem ser usados como garantias em transações financeiras.
502 Brazilian Journal of Political Economy 21 (3), 2001 pp. 489-513
questões regulatórias despertaram reclamações na oposição13, a determinação cen-
tral – a incorporação dos passivos do Fobaproa pela dívida formal do setor públi-
co – incendiou o Congresso. O governo argumentou que a medida era necessária
para reforçar o sistema bancário e proteger inocentes poupadores que mantinham
seus depósitos em bancos com problemas. Conferir condição de dívida pública às
obrigações do Fobaproa daria confiança ao depositante e permitiria ao governo
reestruturar suas obrigações através de instrumentos de financiamento-padrão e
distribuir o ônus fiscal com o tempo.
O volume do socorro aos bancos era assustador. A carteira de US$ 65 bilhões
do Fobaproa chegava a quase 15% do produto interno bruto (PIB) do México, uma
quantia igual a quase um terço dos ativos totais do sistema bancário e muito mais
do que o capital total dos bancos. A proposta representava o maior aumento na
dívida interna da história do México, de cerca de 28% do PIB para 42%.
Os dois principais partidos de oposição, o Partido da Revolução Democrática
e o Partido da Ação Nacional (PAN), acusaram o PRI de subscrever as dívidas de
seus ricos e corruptos aliados com o dinheiro do contribuinte. A repulsa geral
provocada por mais uma crise econômica custou ao PRI seu controle de muitos
anos sobre o Congresso -em julho de 1997 o PRD e o PAN juntos conseguiram a
maioria na Câmara dos Deputados. O Executivo não mais gozaria da aprovação
inconteste a suas iniciativas políticas. Depois dessas críticas eleições intermediárias,
a aprovação do pacote de salvamento dos bancos criado por Zedillo tornou-se o
centro da luta pelo poder político no México.
Funcionários do governo advertiram o Congresso para que não brincasse de
política com o bem-estar econômico do país. O subsecretário de Finanças Martin
Werner declarou que os legisladores podiam escolher entre “governar para o futu-
ro ou acertar antigas desavenças”.14 Em abril de 1998, alegando que o colapso fi-
nanceiro só poderia ser evitado através de imediata ação legislativa, o presidente
Zedillo pediu ao Congresso que convocasse uma sessão especial em agosto para
aprovar o pacote de socorro aos bancos. A Câmara não apenas recusou o pedido,
mas redobrou seus esforços para desacreditar a proposta.
O esquema de salvamento dos bancos criado por Zedillo uniu por um tempo
os partidos de oposição ideologicamente divididos, que usaram três argumentos
para atacar o socorro aos bancos. Primeiro, tanto o PAN quanto o PRD sustenta-
13 Disposições menos divulgadas incluem o aumento da autonomia do Banco Central, assunto
controvertido porque o presidente em exercício era o ex-ministro da Fazenda Guillermo Ortiz,
amplamente acusado de ter sido o responsável pelo fiasco do Fobaproa. Outra disposição, destinada a
atrair o capital externo para o deficiente sistema bancário do país, era remover as barreiras existentes
à propriedade estrangeira, o que desencadeou algumas queixas populistas sobre a perda do patrimônio
nacional. Disposições menos controvertidas incluíam o aumento da autonomia dos reguladores
financeiros, revendo a garantia de depósito de 100%, e estimulando o pagamento e a cobrança das
dívidas.
14 Wall Street Journal, 3 de junho de 1998, p. A 11
503Revista de Economia Política 21 (3), 2001 pp. 489-513
ram que a recapitalização dos bancos violava a Constituição. Na verdade, eles
alegavam que o então ministro da Fazenda Guillermo Ortiz e o governador do
Banco de México Miguel Mancera haviam agido ilegalmente ao salvar os bancos,
porque os passivos do Fobaproa nunca foram autorizados pelo Congresso.15 Como
disse o representante do PAN Carlos Plascencia, “o Fobaproa não é uma questão
de sim ou não; essa proposta só nos ofende porque se refere a um aspecto de lega-
lidade, não de negociação “.16
Segundo, a oposição argumentou que o Fobaproa havia levado o país à falên-
cia por incompetência e má gestão. Como não conseguiu obter informações básicas
sobre os empréstimos, como a história creditícia dos devedores, essa agência inex-
periente considerou demasiado difícil liquidar ativos de risco mesmo que por uma
fração de seu valor de face. Além disso, como ela rapidamente assumiu inúmeros
empréstimos com um mínimo de análise, foi acusada de promover o risco moral
no mundo dos negócios, que viu uma ótima oportunidade para descarregar suas
dívidas sobre os contribuintes.
Finalmente, as acusações politicamente mais explosivas diziam respeito ao
favoritismo. Embora tecnicamente o Fobaproa fosse um plano de proteção aos
depósitos, seu efeito mais imediato foi o de beneficiar muitos dos empresários ricos
e inescrupulosos do México. Políticos de oposição, confiando nos próprios dados
financeiros dos bancos e no testemunho de conhecidos criminosos financeiros, ex-
puseram o que pareciam ser negócios vantajosos oferecidos a alguns dos mais
poderosos homens de negócios do país e contribuintes de longa data do PRI.
Pela primeira vez na história, o Congresso se tornou uma ferramenta de inves-
tigação, fornecendo evidências que indicavam que ricos e bem relacionados homens
de negócio haviam utilizado o Fobaproa para se livrar de pesadas obrigações fi-
nanceiras. Políticos da oposição declararam em julho de 1998 que haviam obtido
documentos do Fobaproa que sugeriam que somente 604 empréstimos feitos a
alguns dos mais poderosos empresários do México representavam quase a metade
dos passivos totais da agência – quase com certeza um exagero, mas politicamente
eficaz. Uma semana depois, a despeito dos protestos do governo sobre as leis de
sigilo bancário, o PRD revelou uma lista de nomes das 310 maiores empresas e
pessoas cujos empréstimos em atraso haviam sido assimilados pelo Fobaproa. En-
tre esses nomes estavam criminosos financeiros notórios e várias das maiores cor-
porações mexicanas.
15 A base para acusação foi o artigo 9 da Lei da Dívida Pública, que estabelece que o Congresso
autorizará o volume de endividamento líquido externo e interno necessário ao financiamento do
governo e de outras entidades públicas federais. No entanto, de acordo com o procurador-geral Ismael
Gómez Gordillo, como os ativos do Fobaproa eram privados, o salvamento do banco não estava sujeito
às mesmas regras que governavam a dívida pública. Ver Reforma, 2 de junho de 1998, p. 1; e El
Universal, 7 de agosto de 1998, p. 6.
16 El Financiero, 11 de junho de 1998.
504 Brazilian Journal of Political Economy 21 (3), 2001 pp. 489-513
O BAILOUT DEAL17 E O ADVENTO DA
POLÍTICA DOS PARTIDOS MEXICANOS
Durante a maior parte do século, o PRI fora a arena exclusiva de negociação
entre os diversos interesses econômicos. A manutenção obstinada de um regime
cambial cada vez mais inviável sob o presidente Salinas, embora influenciada pelo
aparecimento de poderosos partidos de oposição, refletia a persistência da hege-
monia do PRI na política governamental. Num esforço para reaver o apoio do
eleitorado tradicional do PRI, a liderança do partido – e apenas ela – concebeu,
implementou e manteve a crawling peg. Em contraste, a política e os resultados
políticos do socorro aos bancos sob o presidente Zedillo foram comandados por
partidos de oposição sólidos e viáveis.
A tendência em direção a uma competição multipartidária mais autêntica au-
mentou aos poucos após o colapso do peso, particularmente durante o debate sobre
o Fobaproa. Sendo o partido dominante de mais ampla base social, o PRI afastou-
-se da ideologia e retratou-se como um partido pragmático desejoso de abordar a
ameaça de colapso financeiro com propostas políticas substantivas. No entanto,
sob o peso da culpa pela crise, ele adotou também uma postura flexível e concilia-
tória para minimizar danos políticos posteriores. Como a voz da sobriedade eco-
nômica, o partido de centro-direita PAN viu-se numa situação difícil. Por um lado,
seu núcleo eleitoral formado por pequenos negociantes exigia pronta resolução da
crise financeira; por outro lado, qualquer cooperação com o PRI poderia facilmen-
te ser vista pela esquerda como uma traição, o que poderia minar a capacidade do
PAN de ampliar sua atração junto aos setores populares.
Enquanto isso, o PRD alimentava sua própria imagem como o único protetor
da justiça social mexicana. Sua liderança percebeu que a cooperação entre os dois
outros partidos poderia acabar levando a um compromisso político em relação ao
pacote financeiro, e assumiu a posição de expor qualquer acordo legislativo como
uma traição à confiança da população. Como explicou o analista político Luis
Rubio, o “PAN reconhece a necessidade de aprovar a lei do governo de aumento
da dívida, mas não deseja pagar um alto preço político por isso. O PRD roubou a
agenda legislativa dos outros partidos e está fazendo tudo o que pode para aumen-
tar o custo político de todo o acordo”.18 Caracterizando as conversações no Con-
gresso como uma farsa, o PRD anunciou publicamente sua saída das negociações
em curso no outono de 1998 e dedicou-se a atacar qualquer progresso em direção
a uma resolução como sendo antidemocrático e inconstitucional.
Como esperado, após meses de animosidade politicamente motivada, o PAN
começou a cooperar com o PRI na elaboração de uma proposta alternativa ao tão
amaldiçoado pacote de reformas financeiras de Zedillo. A iniciativa incluiu várias
disposições destinadas a dar cobertura política para membros do Congresso que
17 Acordo de Assistência Financeira de Emergência aos Bancos. (N. do T.)
18 Los Angeles Times, 13 de julho de 1998, p. A11
505Revista de Economia Política 21 (3), 2001 pp. 489-513
desejavam acabar com a tática de ameaça legislativa. Primeiramente, negou cober-
tura a empréstimos acima de 5 milhões de pesos e incluiu no Fobaproa pequenas
obrigações em cartões de crédito e hipotecas. O compromisso ajudou a desviar as
críticas da população ao tornar os bancos responsáveis pelas dívidas das maiores
empresas, que tinham menores custos administrativos; isso permitiria que os ban-
cos aumentassem ostensivamente as taxas de cobrança. Em seguida, o novo paco-
te propiciava ajuda a pequenos devedores que haviam continuado a saldar seus
empréstimos durante toda a crise, visando especificamente negociantes, fazendeiros
e proprietários de pequeno e médio porte. A importância política desse eleitorado
– a classe média urbana e os proprietários rurais – facilitou o compromisso entre o
PAN e o PRI.
Finalmente, a legislação incorporou o pedido do PAN para eliminar o Foba-
proa e realocar sua carteira para uma nova agência, o Instituto de Proteção à
Poupança Bancária (IPAB). Através de uma série de manobras legais, o IPAB não
transferiria oficialmente suas obrigações para a dívida pública. No entanto, como
os críticos imediatamente apontaram, como as obrigações do IPAB seriam finan-
ciadas por uma alocação especial do orçamento federal, a mudança não represen-
taria mais do que uma ficção legal que mantinha o espírito, se não a letra, da
proposta original de Zedillo. A disposição também proibia a todos os funcionários
públicos que haviam participado do socorro aos bancos em 1995 atuarem no con-
selho diretivo do IPAB. Embora o PAN tivesse desistido de continuar a reivindicar
a demissão do ex-ministro da Fazenda Guillermo Ortiz, ele podia ao menos alegar
que tinha evitado que o impopular banqueiro interferisse ainda mais no salvamen-
to dos bancos.
Em 2 de dezembro de 1998, o PAN e o PRI aprovaram por maioria absoluta
o pacote de reformas.19 Embora as implicações orçamentárias a longo prazo do
socorro aos bancos continuassem sendo perturbadoras, tanto o PAN como o PRI
se felicitaram publicamente por se terem colocado acima da política e salvado a
economia do país. Os membros do PRD ficaram enraivecidos, chamando o Con-
gresso de “traidores da pátria” e caracterizando os legisladores da direita como
“prostitutas PANistas”.20 Grupos de protesto do El Barzón dirigiram-se aos empur-
rões para o plenário do legislativo e bombardearam os membros do PAN e do PRI
com farinha e tomates. O PRD se tinha deleitado em seu papel de sabotador polí-
tico, mas também deu aos dois outros partidos a oportunidade de isolá-lo do
eleitorado moderado majoritário. Tanto o PRI quanto o PAN caracterizaram o PRD
como uma força que, se conseguisse poder real, destruiria o sistema financeiro
para obter vantagens políticas.
O acordo sobre o Fobaproa manteve os bancos no centro da cena política
no México. Em julho de 1999 foi concluída uma auditoria externa do salvamen-
19 A votação foi de 325 a 159 na Câmara dos Depurados, com 12 PANistas e sete PRIistas votando
com a oposição, e de 93 a 10 no Senado, dominado pelo PRI.
20 Boletín Mexicano de la Crisis, 19-25 de dezembro de 1998, p. l0.
506 Brazilian Journal of Political Economy 21 (3), 2001 pp. 489-513
to bancário encomendada pelo Congresso e há muito tempo aguardada. A audi-
toria de US$ 20 milhões, conduzida pelo canadense Michael Mackey, concluiu
que a crise resultara de deficiências significativas no processo de reprivatização
dos bancos, de falta de experiência dos novos proprietários e de regulamentação
deficiente por parte das autoridades governamentais. Dado que esses problemas
surgiram durante o mandato de Salinas, os achados satisfizeram à administração
Zedillo. No entanto, o relatório da auditoria também concluiu que o bombea-
mento de dinheiro para bancos insolventes havia custado aos contribuintes me-
xicanos muito mais do que custaria deixar que os bancos simplesmente falissem.
A oposição concentrou seu foco na descoberta de que US$ 8 bilhões do total de
empréstimos eram de legalidade questionável, US$ 638 milhões eram claramente
ilegais e US$ 4,4 bilhões envolviam empréstimos a empresas diretamente afiliadas.
No entanto, o relatório de Mackey não conseguiu descobrir evidências de que
algum funcionário do governo houvesse infringido a lei. Críticos desapontados
acusaram o governo de ter usado a lei do sigilo bancário para negar à equipe de
auditoria acesso às informações necessárias para comprovar casos específicos de
criminalidade.21
AVALIANDO A CRISE: A REFORMA FOI EFICAZ?
O debate sobre o que a desvalorização mexicana e suas sequelas nos ensinaram
sobre reforma de política econômica é altamente polarizado. O México era um
mercado emergente genuinamente reformista, cujo colapso financeiro pegou de
surpresa tanto os críticos quanto os partidários da liberalização. Enquanto os pri-
meiros retrataram a crise como um resultado inevitável da falta de restrição aos
mercados, os últimos argumentaram que o sólido fundamento das reformas no
México salvou o país do que poderia ter sido uma longa depressão.
Para os críticos da liberalização econômica, a desvalorização mexicana e a
recessão subsequente mostraram evidências de que os mercados livres levam os
países em desenvolvimento
à
crise, não ao crescimento. Se algum dos tão decanta-
dos mercados emergentes tinha condições de ter sucesso seguindo o Consenso de
Washington, esse país seria o México. O governo estava genuinamente comprome-
tido com a reforma, e suas autoridades financeiras estavam entre as mais tecnica-
mente capazes do mundo, tendo obtido doutorados em departamentos econômicos
de universidades de elite dos EUA. Mas mesmo com esses trunfos, que poucos
outros países em desenvolvimento podiam igualar, o governo implementou políticas
incongruentes e insustentáveis que destruíram os ganhos obtidos através da disci-
plina fiscal. Além disso, continua a crítica, a liberalização não conseguiu salvar 90
milhões de mexicanos de uma recessão devastadora – e da consequente decadência
do tecido social- apesar dos benefícios extraordinários de uma integração muito
21 Julia Preston, “Runaway Banks without Brakes”, New York Times, 22 de julho de 1999, p. 3.
507Revista de Economia Política 21 (3), 2001 pp. 489-513
próxima com a maior economia do mundo. A administração Clinton orquestrou
uma assistência financeira de emergência de US$ 50 bilhões com o Fundo Mone-
tário Internacional, que injetou liquidez na cambaleante economia. A economia em
expansão dos EUA absorveu então aumentos maciços nas exportações mexicanas.
Como esperado, o déficit mexicano com os Estados Unidos rapidamente se trans-
formou num grande superávit (ver figura 3.2). Mas o mexicano médio recebeu
poucos benefícios da melhoria do desempenho econômico. Mesmo com uma moeda
desvalorizada que tornou os bens mexicanos extremamente competitivos, a econo-
mia não conseguiu gerar crescimento ou empregos suficientes para proteger milhões
da pobreza cada vez mais profunda. Na metade dos anos 90, a renda real per ca-
pita ainda não tinha voltado aos níveis de 1981.
Figura 3.2: Déficit na conta corrente
do México, 1988-1997
Fonte: Banco de México, Indicadores Econômicos
Finalmente, segundo sindicatos de trabalhadores, legislados protecionistas e es-
pecialistas dos Estados Unidos, a crise mexicana destruiu os empregos norte-ameri-
canos ao mesmo tempo que reduziu os padrões de vida dos mexicanos. Após a des-
valorização, o peso enfraquecido tornou os bens mexicanos extremamente
competitivos nos mercados dos EUA. O NAFTA, argumentou-se, havia sido um
Cavalo de Tróia. O livre comércio trouxe uma nação em desenvolvimento aparente-
mente saudável e robusta diretamente para dentro do mercado norte-americano, com
a promessa de que o crescimento continuado significaria uma expansão permanente
do emprego no setor exportador, de altos salários. No entanto, em menos de um ano,
a desvalorização do peso transformou consumidores norte-americanos na tábua de
salvação da economia mexicana, que se agarrou à sobrevivência apenas através da
exportação de grandes quantidades de bens para seu próspero vizinho do Norte.
A afirmação de que o México sofreu profundamente com o resultado da desva-
lorização é indiscutível. No entanto, o argumento de que a liberalização econômica
do México causou a quebra do peso mistura erros específicos de política com a re-
forma econômica geral. O colapso financeiro não foi resultado da liberalização do
comércio e do investimento ou da maior eficácia fiscal. Ao contrário, a abertura dos
508 Brazilian Journal of Political Economy 21 (3), 2001 pp. 489-513
mercados de capital e do setor bancário, rápida e sem regulamentação, combinada
com uma insustentável política cambial, foram os principais fatores por trás da crise.
Os defensores da liberalização sustentam – com consideráveis evidências – que
a reforma estrutural e a abertura permitiram
à
economia mexicana recuperar-se de
erros de atuação e de choques exógenos muito mais rapidamente do que com uma
política voltada para dentro. Desde que a taxa de câmbio começou a flutuar, o
crescimento voltado para o exterior provou ser bastante viável e dinâmico. Embo-
ra a recessão que se seguiu à desvalorização tenha sido com certeza a mais profun-
da do século, a disciplina fiscal e um clima de abertura nos negócios, que deu as
boas-vindas ao investimento externo, ajudaram o México a transformar um declí-
nio de 6,2 % no PIB em 1995 num robusto crescimento durante os três anos se-
guintes (ver figura 3.3). Ao contrário, a desvalorização de 1982 havia mergulhado
o México numa década de inflação e estagnação.
Figura 3.3: Crescimento do PIB
Mexicano, 1994- 1998
Fonte: Banco de México, Indicadores Econômicos
A principal razão para a recuperação, é claro, foi o aumento do comércio com
os Estados Unidos. Mas tão importante quanto a expansão das exportações mexi-
canas foi sua composição. Como resultado da redução de barreiras ao investimen-
to externo, o México não é mais apenas uma linha de montagem para insumos
importados. Os mexicanos estão participando cada vez mais de atividades de pro-
dução e distribuição de alto valor agregado, como pesquisa e desenvolvimento,
engenharia e marketing, tanto para os mercados domésticos com o para os externos.
Empresas “maquiladoras” tradicionais ainda são uma presença importante nas
atividades exportadoras, mas empregos muito mais profissionais e técnicos estão
atualmente sendo gerados ao sul do Rio Grande. Além disso, a expansão industrial
do México não está mais concentrada exclusivamente na região fronteiriça.22
22 Ver Geri Smith e Elizabeth Malkin, “Mexican Makeover”, Business Week, 21 de dezembro de 1998,
pp. 50-2.
509Revista de Economia Política 21 (3), 2001 pp. 489-513
Ainda mais impressionante é o México ter conseguido tais resultados apesar
de severos choques exógenos. A queda nos preços internacionais do petróleo forçou
o governo a cortar o orçamento por três vezes em 1998 e reduziu as receitas em
divisas, enquanto o colapso financeiro do Leste da Ásia e da Rússia fez com que os
investidores globais evitassem indiscriminadamente os mercados emergentes. A ca-
pacidade do México de continuar crescendo apesar da diminuição dos gastos pú-
blicos e das entradas de capital externo continua contrastando com as experiências
de outros mercados emergentes que enfrentam restrições similares. Esse desempe-
nho reflete a eficácia de reformas fundamentais no gerenciamento fiscal, no comér-
cio e nos investimentos.
Quanto ao impacto regional, longe de prejudicar a economia dos EUA, a refor-
ma no México ajudou a proteger seu vizinho de choques econômicos geralmente
associados à desvalorização de um parceiro comercial importante. Evidências de
qualquer retardo econômico foram escassas. Nos anos que se seguiram à crise, a
expansão econômica nos Estados Unidos na verdade se acelerou. À medida que seu
PIB galopava à frente de quase todos os países desenvolvidos, a inflação dos EUA
continuava desprezível – em contraste com a do México (ver figura 3.4) –, o desem-
prego caía para o mais baixo nível em 30 anos, o mercado de ações disparava e o
governo federal começava a acumular grandes superávits fiscais. E embora o México
tenha realmente gerado um grande superávit comercial com os Estados Unidos, o
nível real de exportações dos EUA para o México e os empregos associados a ele
variaram pouco. Uma vez mais a comparação é esclarecedora. Enquanto o México
importou US$ 24 bilhões em bens em 1981, importou apenas US$ 9 bilhões em 1983
e levou mais sete anos para alcançar os níveis de importação anteriores à crise da
dívida; após a desvalorização de 1994, no entanto, com as baixas tarifas incluídas
no acordo da NAFTA, o México levou apenas 18 meses para recuperar seus níveis
de importação de antes da crise. Ao exportar mais bens para o mercado norte-ame-
ricano, o México não roubou empregos norte-americanos, mas apenas tomou o lugar
de bens previamente exportados por outros mercados emergentes.
Figura 3.4: Taxa de Inflação
Mexicana, 1994 – 1998
Fonte: Banco de México, Indicadores Econômicos
510 Brazilian Journal of Political Economy 21 (3), 2001 pp. 489-513
A transformação econômica do México não eliminou a pobreza geral e a de-
sigualdade social de longa data, e a “economia dual” é mais evidente do que nunca.
Milhões de cidadãos não estão ainda sequer integrados à economia interna, e mui-
to menos a mercados globais de exportação. Mas o argumento contra a liberaliza-
ção se baseia na afirmação implausível de que o emprego e os salários estariam de
alguma forma em melhor situação sem as reformas. Embora as exportações isola-
damente não possam tirar da pobreza milhões de camponeses e subempregados, a
integração do México nos mercados de bens tradicionais e sofisticados é essencial
para gerar empregos de qualidade, o que por sua vez cria demanda tanto para a
educação básica quanto superior. A abertura econômica não foi uma panaceia
para o desenvolvimento mexicano, mas abreviou dramaticamente o que poderia
ter sido outra década perdida de crise, e proporcionou a disciplina macroeconômi-
ca e as oportunidades comerciais das quais dependerá o futuro crescimento.
ALÉM DA REFORMA: O DESAFIO DE
DESENVOLVIMENTO DO MÉXICO
As realizações do setor exportador do México, embora significativas, não serão
suficientes para gerar um crescimento econômico sustentado ou de base ampla.
Mais fundamentalmente, falta ao México um setor bancário viável. Enquanto qua-
se todos os setores econômicos importantes se recuperaram desde a desvalorização
de 1994, o sistema financeiro permaneceu imerso na crise e incapaz de fornecer
crédito para o investimento produtivo.23 O capital externo tornou possíveis inves-
timentos consideráveis desde a quebra do peso, mas não será um substituto para o
desenvolvimento doméstico.
Apenas as maiores corporações do México têm acesso regular ao capital ban-
cário.24 Ainda sem capacitação na análise de risco e desesperados para evitar novos
empréstimos ruins, os bancos evitam emprestar para pequenos negociantes ou pa-
ra pessoas físicas. Mesmo as grandes companhias com capital suficiente para se
expandir vão sendo enfraquecidas pelo contínuo encolhimento do crédito domés-
tico. De acordo com Ignacio Toussaint, principal executivo financeiro do segundo
maior varejista do México, o Grupo Gigante, “O impacto é indireto através de
nossos clientes e fornecedores. Se eles não puderem obter fundos para compras ou
reinvestir em seus negócios, eles não crescerão conosco”25 Mesmo para aqueles que
23 Ver Thomas W. Slover, “Tequila Sunrise: Has Mexico Emerged from the Darkness of Financial Crisis?”,
in NAFTA: Law and Business Review of the Americas, vol. 5 (inverno de 1999), pp. 91-135.
24 Uma das primeiras tarefas do IPAB foi criar novas regras que permitissem ·aos bancos manter títulos
do governo não negociáveis para trocá-los por dívidas negociáveis. Embora essa medida aumente a
liquidez do sistema bancário e coloque mais crédito à disposição do setor privado, ela não poderá
melhorar a capacidade dos bancos quanto à análise de risco e não é provável que consiga reverter sua
aversão a conceder empréstimos.
25 Citado in Matthew Doman, “Crying Out for Corporate funding”. Euromoney (setembro de 1998), p.156.
511Revista de Economia Política 21 (3), 2001 pp. 489-513
podem conseguir crédito, as taxas de juros permanecem proibitivas. Em maio de
1999, enquanto os bancos mexicanos pagavam uma média de 10% sobre os depó-
sitos a longo prazo, eles cobravam 37% sobre os empréstimos para compra de
carros e 55% sobre os cartões de crédito, um dos mais altos spreads do mundo.26
Apesar das enormes obrigações assumidas pelo Fobaproa, os bancos mexica-
nos ainda são instituições frágeis. O chefe do IPAB Vicente Corta colheu elogios
por ações duras, como assumir o controle e leiloar os bens da Banca Serfín, tercei-
ro maior banco do México e financeiramente insolvente. Tendo em vista que o
banco era controlado por Adrián Sada, um industrial poderoso e politicamente bem
relacionado, a insistência do IPAB em que os proprietários perdessem 100% de
seus investimentos lhe conquistou o respeito até mesmo dos políticos da oposição.27
No entanto, a fraqueza do sistema bancário é geral. Em junho de 1999 a Moody ‘s
Investors Service relatou que os bancos mexicanos ainda estavam US$ 13 bilhões
aquém da capitalização adequada.28 Dos 74 países cuja estabilidade do sistema
bancário é avaliada pela Moody’s, o México detinha o nono pior lugar, abaixo do
Cazaquistão, da Romênia e da Tunísia.29
O setor privado do México reconheceu que o deficiente sistema bancário do
país limita as oportunidades de crescimento. A perspectiva de um prolongado en-
colhimento do crédito despertou ideias que teriam sido impensáveis alguns anos
atrás. No início de 1999 alguns dos empresários mais influentes do país propuse-
ram a dolarização formal da economia – um plano já articulado pelos governos da
Argentina e do Equador.30 Eugenio Clariond, presidente do Conselho Mexicano de
Homens de Negócios (CMHN), um órgão de elite, pediu publicamente ao presi-
dente Zedillo que endossasse um plano para permitir às firmas mexicanas realizar
transações básicas em dólar. Ele prosseguiu explicando que os benefícios resultan-
tes da inflação baixa, do crescimento e das baixas taxas de juros poderiam estabe-
lecer os fundamentos de uma eventual união monetária com os parceiros do Mé-
xico na NAFTA. Zedillo rejeitou enfaticamente a ideia, sustentando que o
instrumento mais efetivo para reduzir a volatilidade financeira era a flutuação da
26 Mark Stevenson, “Mexico to Subsidize Banks”, Associated Press, 9 de junho de 1999.
27 Henry Tricks, “Bank Seizure Is at Heart of a Tougher Mexican Strategy”. Financial Times, 23 de junho
de 1999, p.5.
28James Smith, “Banking System Remains Mexico’s· Achilles Heel”. Los Angeles Times, 24 de junho de
1999, p.C1.
29 Caroline Brothers, “Mexico’s Serfin Cheaper to Save than Sink”, Reuters Financial Report, 28 de
junho de 1999.
30 A proposta da Argentina de dolarização não foi levada muito a sério pela comunidade financeira
internacional ou, o que é mais importante, pelos Estados Unidos, porque os laços de integração da
Argentina com o bloco norte-americano são fracos. Embora uma área de moeda dolarizada para o
México fosse com certeza mais plausível, dado o rápido crescimento dos laços econômicos entre os três
países da NAFTA, a resposta da administração Zedillo sugere que ainda pode levar algum tempo para
que a política interna do México se adapte a essa ideia. Ver J. P. Morgan, “Monetary Union in the
Americas”, Economic Research Note, 12 de fevereiro de 1999.
512 Brazilian Journal of Political Economy 21 (3), 2001 pp. 489-513
taxa de câmbio.31 É improvável que as cautelosas autoridades financeiras governa-
mentais aceitem o risco de dolarização num futuro próximo, mas o fato de que o
CMHN, a Associação dos Banqueiros do México e a maior câmara industrial do
país tenham levado a sério a sugestão indica que o setor privado do México está
profundamente preocupado com o potencial de desenvolvimento atual do país.
A lógica por trás da dolarização é aprofundar a integração do México com a
economia dos EUA, uma estratégia que deu bons resultados durante o último no-
tável boom dos anos 90. Entretanto, a forte dependência do México com relação
ao mercado dos EUA – destino de mais de 80% dos US$ 115 bilhões de exporta-
ções do México cm 1998 – terá severas consequências se o seu parceiro do norte
cair em recessão, e nisso reside o risco da dolarização para o México.
O governo mexicano está bastante consciente da necessidade de diversificar
seus mercados exportadores. O déficit em conta corrente, virtualmente eliminado
após a desvalorização, voltou pouco a pouco a mais de US$ 7 bilhões em 1997 e
tem continuado a crescer. Embora o México esteja vendendo mais do que nunca,
seu persistente desequilíbrio comercial sugere uma dependência estrutural das im-
portações que poderia mais uma vez colocar em risco a estabilidade macroeconô-
mica. Em 1999, o México concluiu negociações sobre acordos de livre comércio
com a União Europeia (que comprou apenas US$ 4 bilhões de bens mexicanos em
1998) e Israel. Ambos passaram a vigir a partir de 1º de julho de 2000. Além disso,
em 2000 o México estabeleceu acordos comerciais com a Guatemala, Honduras e
El Salvador como um bloco. Tais acordos criarão importantes oportunidades para
os produtores mexicanos, mas seus efeitos ainda serão minúsculos comparados à
NAFTA. De qualquer modo, o crescimento mexicano estará sempre ligado à saúde
da economia dos EUA num futuro próximo.
CONCLUSÃO: O LEGADO POLÍTICO DA CRISE
À luz da reviravolta do México, é provável que uma consequência duradoura
da atual crise seja a continuidade da política e o gradual aprofundamento da re-
forma estrutural. Ainda que os principais arquitetos da liberalização do México,
Salinas, Serra e Ortiz, tenham sido considerados culpados pelo colapso, o projeto
econômico original continua vivo. Nem mesmo os mais francos políticos do PRD
reivindicam a volta à substituição de importações, ao protecionismo ou à proprie-
dade estatal da produção.
Os principais debates sobre o papel adequado do governo referem-se à cor-
rupção, à competência administrativa e regulatória e a questões básicas de proteção
social e redistribuição. O populismo está longe de ter desaparecido da política
mexicana, mas não reverterá as transformações fundamentais do comércio e dos
31 Adolfo Garza, “Mexican Businessmen, President at Odds over Dollarization”, Associated Press, 13
de março de 1999.
513Revista de Economia Política 21 (3), 2001 pp. 489-513
investimentos mexicanos. É provável que mesmo o processo de orçamento, sujeito
a muito mais pressão política interna do que as políticas econômicas que afetam o
capital externo ou o acesso aos mercados, permaneça disciplinado, independente-
mente de qual partido esteja no poder.
A oposição generalizada à volta do paternalismo do PRI – como evidenciado
pela dramática vitória do candidato do PAN, Vincente Fox, na eleição presidencial
de julho de 2000 – indica uma transformação ainda mais profunda do Estado
mexicano. Na verdade, a consequência mais permanente da crise foi a abertura do
próprio processo político. Embora a desvalorização do peso em 1994 não tenha
sido a causa direta da liberalização política do México ou da vitória de Fox, ela
permitiu aos partidos de oposição explorarem oportunidades de abertura política
como nunca antes. Não apenas acelerou o processo de democratização, mas tam-
bém forjou a natureza da competição política e o processo legislativo num país que,
até onde se pode lembrar, foi sempre governado por um único partido.
Isso não era para acontecer. O projeto de reforma de Salinas que acelerou o
processo começou com o presidente de la Madrid, e era baseado numa clara sequên-
cia estratégica. Como o Partido Comunista da China – e não como o da antiga União
Soviética – o PRI reestruturou a economia antes de abrir o sistema político à compe-
tição real. Durante esse período crítico, o controle do partido sobre as principais
organizações sociais permitiu-lhe minimizar a mobilização popular contra a reforma.
A história sugere que a estratégia do PRI era bem fundamentada. Quando
Salinas ganhou as eleições de 1988, a notável força eleitoral da esquerda e a revol-
ta popular contra as irregularidades na contagem dos votos alertaram o PRI para
o fato de que ele não mais conseguiria manter o controle da presidência pela frau-
de. Seis anos depois, a recuperação da estabilidade econômica e a melhoria aparen-
te nos padrões de vida – em ampla medida resultantes de uma política cambial
insustentável – haviam convencido o eleitorado a ficar com o PRI. Ernesto Zedillo
conquistou a presidência em 1994 numa eleição relativamente limpa.
O choque da quebra do peso coincidiu com o surgimento de partidos de oposi-
ção bem organizados e profissionais que deram aos votantes, pela prime ir a vez,
alternativas políticas reais. A desvalorização foi o principal catalisador de um evento
político chave que encerrou o mais duradouro Estado de partido único do mundo. A
vitória do PANista Vincente Fox na eleição presidencial de julho de 2000 foi clara-
mente o ponto mais baixo da história do PRI. Mas seria prematuro escrever o obi-
tuário do partido. O PRI ainda tem vantagens em termos de experiência e recursos,
e é ainda o único partido com ampla presença organizacional em todo o México. Se
o PRI conseguir reinventar-se e voltar ao poder, ele o fará numa democracia cuja
chegada foi apressada pelos seus próprios erros de atuação politicamente motivados.
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O objetivo deste artigo é analisar como a pandemia do Coronavírus afetou negativamente as economias nacionais, em grande parte por conta da fragilidade dessas economias diante da financeirização do capital, ou seja, a globalizaçãofinanceira. O resultado de uma revisão bibliográfica sobre o tema apontou para a hipótese de que diante da volatilidade do mercado financeiro, os países irão reviver cenários semelhantes aos das crises econômicas da década de 1990, causando uma forte recessão econômica em 2020.
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Um dos temas mais sensíveis no processo de acessão do Brasil à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) refere-se à adesão do país a dois de seus instrumentos: o Código de Liberalização do Movimento de Capitais (Code of Liberalisation of Capital Movements – CLCM) e o Código de Liberalização de Operações Correntes Intangíveis (Code of Liberalisation of Current Invisible Operations – CLCIO). Neste artigo analisam-se os esforços mais recentes do Brasil no sentido de adequar a regulação doméstica a esses dois códigos. Para isso, apresenta-se como o país se aproximou da OCDE desde a década de 1990, examina-se o conteúdo dos dois códigos, a partir de seus objetivos, conceitos e direitos dos signatários, e discute-se como lidar com as medidas restritivas. O artigo recupera o caminho percorrido pelo país no processo de acessão, desde o desenho de um roteiro (roadmap), passando, no caso dos dois códigos, pela determinação de normas e práticas a serem aperfeiçoadas, pelo conhecimento da experiência de países emergentes que aderiram aos códigos e também a de outros países que o fizeram recentemente, pela realização de missões técnicas, pela coordenação das ações dos atores envolvidos e pela negociação da adesão aos referidos instrumentos. Após esse processo, a OCDE analisou o grau de adequação do arcabouço regulatório e de práticas do Brasil e foram realizadas mudanças legislativas. O processo de adesão aos códigos será finalizado com a ratificação pelo Congresso Nacional. O texto também avalia os benefícios esperados com a adesão aos códigos, assim como examina alguns argumentos contra a adesão de países emergentes aos mesmos, que poderia criar condições para a ocorrência de crises financeiras. A análise dos documentos da OCDE demonstra que não é objetivo da entidade a liberalização de capitais e que não há presunção de que a liberalização plena seja um objetivo adequado para todos os países e em todas as condições. A OCDE defende a atuação do Fundo Monetário Internacional (FMI) de modo complementar à sua e entende como sendo papel do fundo a sugestão de aplicação de medidas macroprudenciais que permitam atenuar episódios extremos de fluxos de capitais.
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O artigo visa discutir a partir da abordagem semiótica a relação entre instituições e tecnologias no capitalismo. As propriedades dos sistemas representacionais dos signos desenvolvida Charles Sanders Peirce são utilizadas para avaliar a digressão acerca dos aspectos cerimonialistas da escola institucionalista. A pesquisa emprega a análise da obra “The instinct of workmanship and the state of industrial arts”, de Thorstein Veblen, identificando o conceito de “esquema de vida” como determinante para a elucidação da endogeneidade da causalidade entre instituições e tecnologias. Propõe-se que, segundo o enquadramento semiótico, os padrões representacionais são habituados e emergentes do esquema de vida comunitário, mediante meios sintáticos e semânticos. Adicionalmente, o caráter normativo da sociedade e as redes tecnológicas compõem um sistema representacional manifestado pelos signos e os artefatos tecnológicos. Essa abordagem aponta para o caráter evolutivo e contextual das trajetórias do sistema capitalista em que nexos simbólicos exercem três funções essenciais: Representacional, Organizacional e Orientacional. Por fim, discute-se os aspectos hegemônicos de integração semiótica no modelo neoliberal como determinantes da crise do capitalismo contemporâneo.
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