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10 setembro 2014
AS ARTES ENTRE AS LETRAS | 20
Música
A
psicologia chegou a algumas conclu-
sões que estão a mudar o conceito de
talento musical. John A. Sloboda arma
que “a maioria das nossas respostas à música é
aprendida” e que “as respostas emocionais não
podem explicar-se simplesmente em termos
de condicionamento” pois “a forma e o conteú-
do musicais são irrelevantes para o caráter emo-
cional adquirido; só importa o contexto”1.
A comunicação emocional da música pode ser
controversa e, mesmo, mudar radicalmente de
um momento para outro numa mesma pessoa.
Mas a música tem padrões e estruturas que se rela-
cionam entre si e podem ser mais ou menos identi-
cáveis pelas pessoas. A emoção e o conhecimen-
to são características musicais que adquirem sig-
nicados relevantes nas suas vidas. Esses signi-
cados são aprendidos e a escolha pedagógica tem
um papel fundamental no desenvolvimento dos
diferentes níveis e capacidades de assimilação.
As pedagogias musicais do século XX não são
unânimes quanto aos objetivos a atingir. Todas
falam da criatividade mas a concretização do
facto criativo é muito diverso. Para uns, a expres-
são corporal é mais relevante do que a intelec-
tual, para outros a técnica instrumental preva-
lece sobre a compreensão. Todas formulam os
seus modelos de perfeição e estabelecem méto-
dos que se excluem uns aos outros.
No fundo, o que subjaz, não é uma questão pe-
dagógica mas sim a enorme discrepância so-
bre o arquétipo cultural ou o modelo ideal de
música a ensinar. Há os que se aferram à músi-
ca erudita ocidental dos séculos XVIII e XIX e os
que preferem a dos séculos XX e XXI, mas tam-
bém há os que se focam no jazz, nas músicas tra-
dicionais e populares ou mesmo nas musique-
tas comerciais. A pedagogia da música é, antes
de mais, o incremento das capacidades criati-
vas das pess oas e só depois é que podemos fa-
lar das técnicas e dos estilos a desenvolver em
cada contexto.
Toda a pedagogia duma cultura morta tem de
incutir no aluno umas normas e regras prede-
nidas e invioláveis. Nesse contexto, a margem
de criatividade do aluno ca encaixilhada num
pequeno espaço controlado. As metodologias
musicais inspiradas no movimento da Pedago-
gia Nova, com poucas exceções, focaram o seu
propósito nas músicas do passado, representa-
tivas de uma sociedade altamente hierarquiza-
da e contrária aos princípios democráticos que
os novos métodos proclamavam. As respostas
aprendidas distorciam a realidade.
Nos inícios do século XX, Arnold Schoenberg
mudou a paisagem s onora da música erudi-
ta ocidental, prevendo a queda dos valores do-
minantes, materializada em duas guerras mun-
diais. O fracasso da verticalidade do poder dava
esperanças a um relacionamento horizontal da
sociedade. O totalitarismo do sistema tonal es-
tava a ser abalado e Schoenberg pôs m àque-
le pensamento de direcionamento único com
uma obra teórica, Harmonielehre, que em 1911
antecipa na música as grandes mudanças que
vão transformar a Europa e o mundo.
A arte sem sonho
Rudesindo Soutelo
compositor e mestre em Educação Artística
NO TA
1 Sloboda, J. A. (2012). La mente musical:
La psicología cognitiva de la música. Boadilla del Monte:
Machado Libros, pp. 8-9.
2 Adorno, T. W. (2010). Indústria cultural e sociedade.
(J. M. Almeida, Ed.) São Paulo: Paz e Terra, p. 14.
3 Schoenberg, A. (2001). Harmonia. (M. Maluf, Trad.)
São Paulo: UNESP, p. 73.
4 Paynter, J. (1999). Sonido y Estructura. Tres Cantos: Akal, p. 12.
Assim como a Primeira Grande Guerra teve
de ser concluída com uma Segunda, as ideias
de Schoenberg não foram compreendidas pe-
los apóstolos da nova pedagogia, que conti-
nuavam a querer criar um homem novo com
músicas velhas. Só depois da Segunda Gran-
de Guerra, nas décadas de 60 e 70, é que apa-
recem pedagogos que enfrentam a ditadura
da banalidade tonal das musiquetas, impul-
sionada pela indústria mal dita cultural, e da
qual o lósofo Theodor W. Adorno diz: “A ar-
te sem sonho, produzida para o povo, realiza
aquele idealismo sonhador que parecia exa-
gerado ao idealismo crítico”2.
Assumindo as palavras de Schoenberg – “Quan-
do se compreende, buscam-se as razões, encon-
tra-se a ordem, percebe-se a clareza”3 – em pró-
ximos artigos exploraremos o caminho aber-
to por Schoenberg e que dois grandes pedago-
gos da música, R. Murray Schafer e John Payn-
ter, utilizaram para fomentar uma visão inova-
dora do mundo. Curiosamente, nenhum destes
dois pedagogos criou um método mas desen-
volveram processos – de pensar e de fazer – pa-
ra devolver o sonho à música e que, segundo
Paynter, “realçam os elementos de risco e desa-
o que, provavelmente, serão importantes para
as gerações futuras”4.
DR