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Microvariação na sintaxe dos clíticos: os dialetos portugueses dos Açores e Madeira (in: Estudos de Linguística Galega 13: 67-105. OPEN ACCESS)

Authors:
  • Universidade de Lisboa, Lisbon, Portugal

Abstract

This article studies clitic placement in the Portuguese dialects of Azores and Madeira. Its empirical basis is the Syntax-oriented corpus of Portuguese dialects (CORDIAL-SIN). An initial descriptive overview shows that these dialects typically display the general European Portuguese pattern of clitic placement, but they also admit atypical instances of clitic placement, with significant quantitative expression. The investigation then focuses on two types of atypical placement: enclisis to the finite verb in syntactic configurations typically inducing proclitic placement; and proclisis to the non-finite forms of the verb in configurations where enclisis would be expected. The two types of atypical placement are analyzed in their quantitative expression, geographic distribution, and distribution across syntactic structures, which reveals that atypical enclisis is especially productive with certain adverbs (até, também) and in (resumptive/chopping) relative clauses. In a geolinguistic perspective, the nine islands of Azores display relative homogeneity, thus the data do not suggest any consistent split into smaller subareas. To the contrary, the Madeira archipelago shows a clear split between the island of Madeira (represented in CORDIAL-SIN by Câmara de Lobos and Caniçal) and the island of Porto Santo (mainly represented by Camacha). The Madeira island stands out for the strong incidence of atypical enclisis in finite clauses, and Porto Santo for the incidence of atypical proclisis in infinitival and gerund structures. Globally, atypical enclisis has a stronger presence in the corpus in absolute number of occurrences, but atypical proclisis is more expressive in percentage of occurrences and has correlates in non-European varieties of Portuguese. The phenomena of interpolation and clitic reduplication are also considered.
Microvariação na sintaxe dos clíticos: os dialetos
portugueses dos Açores e Madeira
Microvariation in the syntax of clitics: the Portuguese dialects of Azores and
Madeira
.
Ana Maria Martins
Centro de Linguística, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade, 1600-
214 Lisboa, Portugal
anamartins@letras.ulisboa.pt
http://orcid.org/0000-0003-0589-5109
Resumo
Este artigo estuda a colocação dos pronomes clíticos
nos dialetos portugueses dos Açores e Madeira. A base
empírica é o Corpus dialetal para o estudo da sintaxe
(CORDIAL-SIN). Uma primeira abordagem pano-
râmica mostra que estes dialetos apresentam tipica-
mente o padrão geral de colocação dos clíticos do por-
tugués europeu, mas admitem igualmente colocações
atípicas, com expressão quantitativa signicativa. A
investigação foca-se depois em dois tipos de colocação
atípica: a ênclise ao verbo nito em congurações sin-
táticas tipicamente indutoras de colocação proclítica;
e a próclise a formas não nitas do verbo em congu-
rações sintáticas onde, tipicamente, se esperaría a ên-
clise. Os dois tipos de colocação atípica são analisados
na sua expressão quantitativa, distribuição geográca
e distribuição por estruturas sintáticas, mostrando-se
a ênclise atípica especialmente produtiva com certos
advérbios (até, também) e nas orações relativas (resun-
tivas e cortadoras). Numa perspetiva geolingüística, as
nove ilhas dos Açores apresentam uma relativa homo-
geneidade, não sendo possível identicar, de forma
consistente, subáreas dialetais. Já no arquipélago da
Madeira observa-se uma clara separação entre a ilha
da Madeira (representada no CORDIAL-SIN por
Câmara de Lobos e Caniçal) e a ilha de Porto Santo,
em particular a Camacha. A Madeira destaca-se pela
forte incidência da ênclise atípica nas frases nitas e
Porto Santo pela incidência da próclise atípica nas fra-
ses com innitivo e gerúndio. Globalmente, a ênclise
atípica está mais representada no corpus em número
de ocorrências, mas a próclise atípica é percentual-
mente mais expressiva e tem paralelo em factos co-
nhecidos das variedades não europeias do portugués.
Os fenómenos de interpolação e reduplicação do clí-
tico são também considerados.
Palavras chave
sintaxe, variação, dialetos, clíticos, ênclise atípica,
próclise atípica, Açores, Madeira, português europeu,
portugués em África e no Brasil
Abstract
is article studies clitic placement in the Portuguese
dialects of Azores and Madeira. Its empirical basis is
the Syntax-oriented corpus of Portuguese dialects (COR-
DIAL-SIN). An initial descriptive overview shows
that these dialects typically display the general Euro-
pean Portuguese pattern of clitic placement, but they
also admit atypical instances of clitic placement, with
signicant quantitative expression. e investigation
then focuses on two types of atypical placement: en-
clisis to the nite verb in syntactic congurations typi-
cally inducing proclitic placement; and proclisis to the
non-nite forms of the verb in congurations where
enclisis would be expected. e two types of atypical
placement are analyzed in their quantitative expres-
sion, geographic distribution, and distribution across
syntactic structures, which reveals that atypical encli-
sis is especially productive with certain adverbs (até,
também) and in (resumptive/chopping) relative claus-
es. From a geolinguistic perspective, the nine islands of
Azores display relative homogeneity, thus the data do
not suggest any consistent split into smaller dialectal
subareas. On the contrary, the Madeira archipelago
shows a clear split between the island of Madeira (rep-
resented in CORDIAL-SIN by Câmara de Lobos and
Caniçal) and the island of Porto Santo (mainly repre-
sented by Camacha). e island of Madeira stands out
for the strong incidence of atypical enclisis in nite
clauses, and Porto Santo for the incidence of atypical
proclisis in innitival and gerund structures. Globally,
atypical enclisis has a stronger presence in the corpus
in absolute number of occurrences, but atypical pro-
clisis is more expressive in percentage of occurrences
and has correlates in non-European varieties of Por-
tuguese. e phenomena of interpolation and clitic
reduplication are also considered.
Key words
syntax, language variation, dialects, clitics, atypical
enclisis, atypical proclisis, Azores, Madeira, Euro pean
Portuguese, Portuguese in Africa and Brazil
Recibido o 05/07/2020
Aceptado o 08/02/2021
DOI http://dx.doi.org/10.15304/elg.13.6997 © 2021 Estudos de Lingüística Galega 13: 67-105
Ana Maria Martins
DOI http://dx.doi.org/10.15304/elg.13.6997 © 2021 Estudos de Lingüística Galega 13: 67-10568
1. Introdução
.
Este artigo ocupa-se da colocação dos pronomes clíticos (distribuição da próclise
e da ênclise) nos dialetos portugueses dos arquipélagos dos Açores e da Madeira,
de acordo com os dados do CORDIAL-SIN (Corpus Dialetal para o Estudo da Sin-
taxe).1 O estudo é descritivo, mas funda-se nos pressupostos teóricos e concetuais da
gramática generativa. Depois de uma breve apresentação do padrão dominante de
colocação dos pronomes clíticos nestes dialetos, que se revela convergente com o que
tem sido descrito como norma do português europeu (Duarte 2003; Martins 2013),
o estudo foca-se nos dados atípicos, isto é aqueles que escapam ao padrão maioritário
e têm no corpus, globalmente, uma frequência relativamente baixa, mas signicativa
(cf. tabela 1, na secção 2). Referir-me-ei a estes dados como atípicos, e não como
dialetais por duas razões: por um lado são tão dialetais como os dados típicos, pois
todos são parte da gramática dos dialetos estudados; por outro lado, enquanto não
forem estudados, com método e perspetiva comparáveis, os dialetos portugueses con-
tinentais, não é possível saber se entre os dados atípicos alguns serão especícos dos
dialetos açorianos ou madeirenses.2 Acresce que colocações atípicas dos pronomes
1. O arquipélago dos Açores é composto por nove ilhas: de ocidente para oriente, Corvo, Flores,
Faial, Pico, São Jorge, Graciosa, Terceira, São Miguel, Santa Maria. O arquipélago da Madeira é
composto pelas ilhas da Madeira e de Porto Santo. Os onze pontos da rede do CORDIAL-SIN corres-
pondentes aos arquipélagos dos Açores e da Madeira (um ponto por ilha) são os seguintes (número do
ponto – código, ilha: localidade(s) [nº de palavras no corpus]): 6 – CLC, Madeira: Câmara de Lobos e
Caniçal [9.369 palavras]; 7 – PST, Porto Santo: Camacha e Tanque [9.791 palavras]; 9 – FLF, Flores:
Fajãzinha e Costa do Lajedo [9.351 palavras]; 10 – MIG, São Miguel: Ponta Garça [19.801 palavras];
20 – PIC, Pico: Bandeiras, Ribeiras, Ribeira do Meio e Madalena [26.904 palavras]; 23 – TRC, Ter-
ceira: Fontinhas, Biscoito, S. Brás, S. Mateus e Praia da Vitória [23.682 palavras]; 33 – CRV, Corvo:
Vila do Corvo [19.881 palavras]; 34 – GRC, Graciosa: Santa Cruz da Graciosa, Covas e Carapacho
[11.125 palavras]; 38 – CLH, São Jorge: Ribeira Seca (concelho de Calheta) [12.866 palavras]; 41 –
STE, Santa Maria: Santo Espírito e Pedras de S. Pedro [11.700 palavras]; 42 – CDR, Faial: Cedros
[28.075 palavras]. O corpus CORDIAL-SIN é de acesso livre e pode ser descarregado a partir da
página web do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (http://www.clul.ulisboa.pt/recurso/
cordial-sin-syntax-oriented-corpus-portuguese-dialects).
2. Um revisor sugere a substituição dos termos típico e atípico por padrão e não-padrão. Prero manter
os termos típico e atípico (comuns na área da aquisição da linguagem e aqui trazidos para o domínio
Sumário
1. Introdução. 2. Próclise, ênclise, reduplicação e
interpolação nos dialetos açorianos e madeirenses.
3. Microvariação na distribuição da ênclise atípica:
Açores, Madeira, Porto Santo. 4. Próclise atípica: in-
nitivo, gerúndio e particípio passado. Alguns dados
comparativos 5. Conclusão: variação, estabilidade e
mudança linguísticas.
Contents
1. Introduction. 2. Proclisis, enclisis, reduplication and
interpolation in the dialects of Azores and Madeira. 3.
Microvariation in the distribution of atypical enclisis:
Azores, Madeira, Porto Santo. 4. Atypical proclisis: in-
nitive, gerund and past participle. Some comparative
data. 5. Conclusion: language variation, stability and
change.
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clíticos não são exclusivas dos dados dialetais, encontrando-se também no português
europeu escrito, literário e jornalístico, como se exemplica em (1) a (3). Em (1a-c)
vemos ocorrências de enclíticos em orações subordinadas nitas (completiva, conse-
cutiva e clivada) que têm como padrão de colocação típico a próclise;3 também na
frase (1d) há ênclise atípica por preceder o verbo o advérbio até. Nos exemplos de (2)
ocorre a próclise em contextos tipicamente enclíticos (frases matriz armativas, sem
itens indutores de próclise a preceder o verbo), incluindo a posição inicial de frase.
Em (3) observam-se ocorrências de próclise em orações innitivas não introduzidas
por preposição (3a-b) ou introduzidas pela preposição a (3c-d), congurações que são
tipicamente enclíticas. Os exemplos em (4) mostram-nos a interpolação das palavras
e entre o proclítico e o verbo, embora as gramáticas de referência para o portu-
guês nos digam que só a palavra não pode separar o clítico do verbo.
(1) a. O meu primo diz que lá elas lavam-se antes e depois. (Jorge de Sena,
Sinais de Fogo. Martins 2013: 2277)
b. Fê-la girar no chão de terra e de ervas pisadas, com tanta violência que
os membros estreitos da garota embrulharam-se uns nos outros como
os de esparguete. (António Lobo Antunes, Fado Alexandrino. Ibi-
dem)
c. Mas o pior é que nesta dança repentina o corpo falha-lhe. (José Cardo-
so Pires, Hóspede de Job. Ibidem)
d. Eis uma tirada — penso para comigo — que se alguém se atreve sse a
dizer em voz alta seria crucicado. E, de facto, até ela diz-me aquilo
quase em segredo, tão baixinho que mal consigo ouvi-la e só depois de
se certicar que não há ouvidos à porta do estabelecimento. (Expresso
semanário, 28-06-2020, Miguel Sousa Tavares)
(2) a. Fã de “Billy Elliot” me declaro, mas se detestasse a obra a indignação não
seria menor (Expresso Curto, 25-06-2018, Pedro Cordeiro)
b. Eu vos garanto: não venho com luz ou gratidão (Expresso online, 09-
11-2017, Mariana Lima Cunha)
da variação linguística) por várias razões: o uso do termo não-padrão para descrever traços gramaticais
de variedades dialetais expressa preconceito linguístico; as colocações atípicas dos pronomes clíticos
ocorrem também na variedade padrão do português europeu (cf. os exemplos (1) a (4)); o termo atí-
pico decorre de um critério objetivo e sem valoração negativa, indicando simplesmente que se trata da
opção globalmente menos frequente e, em geral, com frequência relativamente baixa. Neste sentido, é
também mais informativo do que o termo não-padrão.
3. A ênclise em orações subordinadas, sobretudo completivas, ocorre em outras línguas ibéricas oci-
dentais cujo sistema de colocação dos pronomes clíticos é, em larga medida, idêntico ao do português
europeu. É o caso do asturiano (González i Planas 2007, Fernández-Rubiera 2009a, 2009b, 2010) e
do galego (Álvarez & Xove 2002), sendo o asturiano a língua em que o padrão enclítico em subordi-
nadas é mais comum.
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c. E vivemos hoje um dos mais conturbados momentos da história de
duas décadas do Bloco. Se verá se com consequências eleitorais para o
partido. (Expresso Curto, 01-08-2018, Martim Silva)
d. Elizabeth Warren cou em terceiro lugar no seu próprio estado. Se verá
se faz o que devia ter feito anteontem: desistir para o candidato mais
bem colocado do campo progressista. (Expresso online, 04-03-2020,
Daniel Oliveira)
(3) a. o pai cedo lamentou lhe ter saído na rifa descendência assim (Expresso,
20-02-2010, José Cutileiro)
b. Mas os estados têm, para o mal e para o bem, uma continuidade his-
tórica que transcende os indivíduos (…) — e da qual não podem se
descartar para se eximir de responsabilidades. (Público, 12-06-2020,
Rui Tavares)
c. I sto tem implicações importantes para os partidos e pessoas que este-
jam determinados a se lhe opor. Expresso online, 10-10-2019, Alexan-
dre Abreu)
d. O futebol é importante porque milhões de pessoas lhe dão impor-
tância. E ao lhe darem importância transportam para o fenómeno do
futebol interesses políticos, sociais e económicos conituantes que o
tornam ainda mais relevante. (Expresso online, 23-05-2018, Daniel
Oliveira)
(4) a. Quando sechega, chuta quem estiver em melhores condições (Ex-
presso online, 27-06-2016, Nicolau Santos)
b. Quem não hesita em fazer uma coisa daquelas não tem com certeza, em
privado, princípios que nos possam tranquilizar. Como de resto, se
constatou. (Público, 25-03-2011, Vasco Pulido Valente)
O que vemos nos dados extraídos do CORDIAL-SIN é uma amplitude maior de
tais dados, quer na sua distribuição contextual quer, possivelmente, em frequência.4
A investigação de Magro (2007, 2010) mostrou que a ênclise atípica, a par dos
fenómenos de interpolação e reduplicação, pode ser explicada como resultado de um
processo de metátese morfológica (Harris e Halle 2005), ou seja, uma inversão pós-
-sintática da ordem das palavras (cf. secção 2, após tabela 5). Uma observação na
da colocação dos pronomes clíticos nos dialetos açorianos e madeirenses sustenta a
proposta de Magro, a qual não parece cobrir, no entanto, todos os (aspetos dos) dados
atípicos. Por um lado, não há só ênclise atípica, há também próclise atípica. Por outro
lado, há uma maior concentração de ênclise atípica em contextos sintáticos particu-
lares, o que a metátese morfológica, nos termos de Magro (2007, 2010), seguindo
4. Digo possivelmente porque não estão disponíveis para o português europeu padrão dados de fre-
quência que pudessem ser comparados com os que serão apresentados neste trabalho.
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Harris e Halle (2005), não faz, só por si, prever. O artigo organiza-se em 5 secções.
Na secção 2. faz-se uma apresentação panorâmica da colocação dos pronomes clíticos
nos dialetos portugueses dos arquipélagos dos Açores e Madeira, como visualizável no
CORDIAL-SIN, e identicam-se os dois tipos de dados atípicos que serão explorados
nas secções seguintes. A secção 3 é dedicada à ênclise nos contextos em que tipica-
mente ocorre a próclise em frases nitas. Estes contextos permitirão observar tanto
paralelismos como diferenças entre os dialetos açorianos e os dialetos madeirenses; mas
também, quando o foco é o arquipélago da Madeira, diferenças entre a ilha da Madeira
e a ilha de Porto Santo e, talvez, variação que não é só geográca, mas que a pequena
dimensão do corpus apenas permite apontar como hipótese. Nesta secção mostrar-se-á
também que há contextos favorecedores da ênclise atípica, nomeadamente as orações
relativas e as frases que incluem certos advérbios (como até e também). A questão que
se coloca nestes casos é se será realmente atípica a colocação do clítico ou antes de-
corrente de especicidades da sintaxe de alguns tipos de relativas ou da mudança de
certos advérbios de indutores categóricos de próclise para não categóricos (cf. Martins
2016). Nesta perspetiva, a frequência das colocações atípicas poderá talvez ser menor
do que salta à vista. A secção 4 ocupa-se da próclise atípica nos domínios não nitos
(innitivo, gerúndio e particípio passado). Embora o número de ocorrências seja bai-
xo, os dados são percentualmente signicativos e revela-se interessante a comparação
com variedades não europeias do português. Se a próclise ao innitivo simples, não
introduzido por preposição, pode encontrar-se esporadicamente na produção de falan-
tes cultos (cf. (3a-b) acima), a próclise ao gerúndio e ao particípio passado parece ser
estranha ao português europeu não dialetal, tendo, no entanto, considerável expressão
em variedades do português em África (além, claro, do português brasileiro). Na sec-
ção 5 apresentam-se os principais resultados deste estudo.
2. Próclise, ênclise, reduplicação e interpolação nos dialetos
açorianos e madeirenses
O padrão dominante de colocação dos pronomes clíticos nos dialetos portugueses
dos arquipélagos dos Açores e da Madeira não difere do que está descrito para o por-
tuguês europeu nas gramáticas e outras obras de referência (Duarte 2003; Martins
2013, 2016). Com as formas nitas do verbo, os pronomes são, em geral, enclíticos
nas frases matriz armativas, como em (5), mas proclíticos nas orações subordinadas
e nas frases negativas, como em (6).
(5) O pai deu-lhe um saco de dinheiro e ele caminhou. PIC04
(6) Ando aqui para ver se me lembrava do príncipe Brilhante, mas não me
alembra. PIC03
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Além disso, nas frases matriz armativas, a ênclise dá lugar à próclise nas inter-
rogativas e exclamativas qu-, como ilustrado em (7a-b) e quando precedem o verbo
quanticadores e certos advérbios, como se exemplica em (8a-d) com os quanti-
cadores muita, todos, ambas, alguém e em (9) com os advérbios até, também, , ,
ainda, sempre, . O efeito que estes itens têm na posição do pronome clítico rela-
tivamente ao verbo motiva a sua designação como proclisadores, termo que também
se aplica à negação e palavras negativas e a todos os tipos de introdutores de orações
subordinadas.
(7) a. Como se chama? Caranguejo estonado. CLC14
b. Que eu lhe fazia igual àquilo ou ainda melhor! GRC13
(8) a. ele muita vez se mete na boca com um pingo de café e pronto! PIC06
b. Todas elas se arrastam; adere aos muros de pedra – todas as heras, as
variedades... MIG30
c. Ambas se fritam e ambas se cozem. CRV11
d. eu a falar nisso, alguém me disse que não, que já substituíam era pelos
cobertores grossos CDR07
(9) a. Até eu lhe posso fazer vimes daqueles com estes... PIC01
b. Pois, também se usa. Esses que andam à pesca da lagosta utilizam aqui-
lo. PIC31
c. Antigamente se cozia massa sovada com rapa e com palha de tremo-
ço. CDR30
d. Às vezes, acontece; já se aconteceu. PIC11
e. Eu ainda me lembro disto, mestre Balduíno PIC13
f. Em nossa casa sempre se chamuscou o porco foi com rameira. CDR10
g. amassamos, enrolamos o nosso bolo e tendemos e lá o cozemos. PIC06
Quando o hospedeiro do clítico é uma forma não nita do verbo, ou seja, o
innitivo ou o gerúndio, ocorre a ênclise na ausência de negação e preposições, mas
a próclise torna-se possível ou obrigatória na presença destes itens (as preposições
são também elementos proclisadores, ainda que não categóricos nas orações com o
innitivo simples). Assim, em (10a-b), a oração innitiva não preposicionada legiti-
ma a ênclise, enquanto a preposição introdutora da oração innitiva (para, de) ou a
negação (não) legitimam a próclise em (11a-c). Diferentes preposições podem afetar
diferentemente a colocação dos pronomes clíticos, destacando-se a preposição a por,
em geral, as orações innitivas que introduz se comportarem, no aspeto relevante,
como as innitivas sem preposição.
(10) a. Aqui não há. Há pouco, muito pouco. Eu agora vê-lo! CLC06
b. Os meus pais não podiam mesmo dar-me a escola. Não podiam pagar.
CLC12
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(11) a. Paguei a uma professora particular para lhe dar a escola. CLC11
b. A vinha é assim rasteira e a gente arranja umas estacas mais ou menos
assim, para carem levantadas do chão, para a uva não se estragar no
chão e o vento não a sacudir. PST01
c. E a minha mãe (…) gostava de lhe dar um calor no forno, por causa de
car assim mais torrada, para moer melhor e car o pão mais gostoso.
PST18
No padrão dominante de colocação dos pronomes clíticos, a cliticização ao par-
ticípio passado não é possível, ocorrendo sempre subida do clítico e cliticização ao
verbo nito nas sequências verbais com particípio passado.
Denida em traços largos a colocação dos pronomes clíticos no português euro-
peu, incluindo os seus dialetos, vamos agora focar a nossa atenção nas colocações que
se afastam deste quadro geral. A tabela 1 dá-nos uma primeira visão panorâmica das
colocações atípicas registadas no corpus CORDIAL-SIN para os dialetos açorianos e
madeirenses.5
Verbo nito Verbo não nito
Total
Ênclise
(atípica/
total)
Próclise
(atípica/
total)
Total
Próclise
(atípica/total)
Innitivo Gerúndio Part. Pass.
A 94/2292
4,1%
21/1338
1,6%
115/3630
3,2%
21/266
7,9%
4/4
100%
0
%
25/270
9,3%
M 42/448
9,4%
4/154
2,6%
46/602
7,6%
7/29
25%
1/1
100%
1/1
100%
9/31
29%
T 136/2740
5%
25/1492
1,7%
161/4232
3,8%
28/295
9,5%
5/5
100%
1/1
100%
34/301
11,3%
Tabela 1. Açores e Madeira (geral) – ênclise e próclise atípicas face ao total de ocorrências de ênclise e
próclise no CORDIAL-SIN, por domínio sintático relevante
Podemos observar que as colocações atípicas se encontram tanto nos domínios
nitos como não nitos.6 Nos primeiros, manifestam-se como ênclise atípica, em
contextos sintáticos que são tipicamente indutores de próclise, e como próclise atípi-
ca, em frases matriz armativas sem proclisadores. Nos domínios não nitos, ocorre
5. Na tabela 1, a coluna Innitivo integra o innitivo simples e o innitivo exionado.
6. Não incluí na ênclise atípica estruturas com que e porque explicativos ou as locuções de maneira
que, de forma que, pois nestas a ênclise ocorre comummente também na variedade padrão e, presu-
mivelmente, em todos os dialetos do português europeu, podendo ser analisadas como estruturas
paratáticas, ou seja, congurações de coordenação e não de subordinação. Algumas ocorrências de que
etiquetado como /WPRO no CORDIAL-SIN foram interpretadas como que explicativo.
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próclise atípica na ausência de negação e preposições ou na presença da preposição a.
Destaca-se, além disso, uma atestação de próclise ao particípio passado, que apesar de
isolada pode ser signicativa, como se discutirá na secção 4. Comparando os dados
do arquipélago dos Açores com os do arquipélago da Madeira, vemos que a frequên-
cia das colocações atípicas é mais alta na Madeira do que nos Açores, uma observação
que será conrmada e reforçada pelos dados que discutiremos na secção 3. É ainda de
notar que, nas frases com verbo nito, a ênclise atípica é globalmente mais expressiva
do que a próclise atípica. Exemplica-se de seguida: em (12), a ênclise atípica ao ver-
bo nito (em exclamativa qu- (a), com os advérbios também, até, talvez (b)-(d), com
o quanticador toda (e), em frases negativas (f-h), em subordinadas adverbiais (i)-(j),
em relativas (l)-(m), em clivadas (n)-(o), em completiva (p)); em (13), a próclise atípi-
ca ao verbo nito; em (14), a próclise atípica ao innitivo e ao gerúndio. Note-se em
(12h) a variação entre ênclise e próclise nas duas frases negativas contíguas.
(12) a. O que esta senhora vai-se rir! CLH08
b. Também usa-se preto lá? TRC62
c. Aquilo até enxugavam-no e escolhiam-no. CLH05
d. Talvez estou-lhe a dizer depressa, não pode escrever tão depressa, não é?
CRV04
e. Depois toda a gente calou-se. Meu pai é que estava certo. TRC42
f. Não havia plástico. Não. Nem sequer falava-se nisso. Nada, nada.
STE12
g. O meu pai sempre foi lavrador e os meus irmãos foram todos lavrado-
res, e eu nunca conheci-lhe mais que dez, doze vacas. MIG04
h. Se fosse muita quantidade, que a gente visse que era muita quantidade,
não vinha-se, não se tinha hora de vir para a terra. CLC13
i. Todos os dias, quando eu vou-me à missa, ela ca aqui. MIG46
j. Ele o rapaz lembra-se: “Ah, se a gente formos-lhe à porta pedir água”...
STE13
l. Mas há pessoas que salgam-nas. PIC29
m. E era uma casa de uma família pobre, ali, de raparigas, que tinha-lhe
morrido o pai CDR33
n. Não, mas o que eu quis-te fazer foi uma imitação do que vai ser o im-
proviso. TRC34
o. E ainda antes dessa vem uma outra, essa é que a gente trata-lhe por a
estrela. GRC08
p. Nunca fui, não é? Se ia, já sabia que ia-me assustar. PIC16
(13) a. “Homem, tu o viste no outro dia, porque é que queres tornar a ver”?
PIC20
b. E eu me lembra um ano que meu pai – acho que como a minha mãe
não tinha dinheiro (…) PST19
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c. A gente a punha e tirava. MIG17
d. Sendo uma pipa grande, lhe chamam a pipa, estas chama-se é cartolas
PST06
e. Depois de estarem os ovinhos mexidinhos, se deita a farinha, deita a
levedurazinha e depois é que vai amassando. PIC05
f. Agora me explique isso. PIC09
g. Mas aqui se tratavam muito era bacorinhos. MIG10
h. Porque o estrume deitado agora na terra e a terra estando até Abril sem
ser semeada, quando se semeia o milho, a água já de rreteu aquilo tudo,
já não está nada na terra, se pode dizer. CRV60
i. Não. Se aproveitava para os animais! GRC26
j. A gente aí já foi assim; se ajuntaram já foi antes de mim! STE08
l. Também uma mancheia de salsa; se pica uma mancheia de salsa. FLF65
(14) a. Ando. Andar, ando; mas me ajoelhar e a coisa, não. [INQ: Pois, pois.]
Sempre me tratando. O Senhor Doutor já me quis operar dos joelhos
mas eu não quis. PST10
b. Não posso então lhe explicar. PIC09
c. Era raro se lavrar mais de uma vez para semear o milho. CRV64
d. Com uma chucha, chegam a se criarem em casa. FLF66
e. Vamos mexendo aquilo dois, três dias, de manhã e à noite, vai sempre
se mexendo. PIC07
Os dados em (13) que, note-se, incluem clíticos em posição inicial de frase (cf.
(13i)-(13l)), não parecem diferir substancialmente da próclise que se regista em frases
que expressam armação enfática (Martins 2013: 2268-2270 ). Em todos eles po-
deremos ver casos de ênfase assertiva (verum focus, como discutido em Höhle 1992;
Lohnstein 2016; Gutzmann, Hartmann & Matthewson 2020), em que o falante ex-
prime um compromisso forte com a verdade da proposição (ou algum tipo de ênfase
expressiva), denotando um juízo/comentário avaliativo. Estes dados não serão objeto
de análise mais aprofundada no presente artigo.7
Vejamos agora como se distribuem as ocorrências da ênclise atípica por contexto
sintático e no espaço geográco. A tabela 2, relativa ao arquipélago dos Açores, mos-
tra-nos que a ênclise atípica ocorre em todos os tipos de ambientes sintáticos tipica-
mente indutores de próclise (tanto as frases matriz armativas em que precedem o
verbo itens proclisadores, como as frases negativas e as orações subordinadas nitas),
como a hipótese de metátese pós-sintática (Magro 2007, 2010) faria prever. Mostra-
7. As 21 ocorrências de próclise atípica nos Açores distribuem-se por todas as ilhas: Corvo 2, Flores
1, Faial 3, Pico 4, São Jorge 1, Graciosa 1, Terceira 3, São Miguel 3, Santa Maria 3. No arquipélago
da Madeira, a próclise atípica regista-se apenas na ilha de Porto Santo, com 3 ocorrências na Camacha
e 1 em Tanque.
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-nos também que a ênclise atípica se regista em todas as ilhas dos Açores. Embora em
algumas ilhas o fenómeno pareça ser mais produtivo do que noutras (Pico, Terceira,
Faial e Santa Maria apresentam, por ordem decrescente, o número mais elevado de
ocorrências), as diferenças não parecem ser muito signicativas. A última linha da
tabela mostra-nos quais os advérbios que, sendo proclisadores categóricos no por-
tuguês europeu padrão (cf. Martins 2016: 407), não excluem a ênclise nos dialetos
açorianos. Voltaremos a falar deles na secção 3.
Arquipélago
dos Açores
Grupo Ocidental Grupo Central Grupo Oriental
Corvo Flores Faial Pico São
Jorge Graciosa Terceira São
Miguel
Santa
Maria
Advérbios* 4 1 6 9 3 2 5 1 2
Quantica-
dores 1 1
Exclamativas
QU-/SE
1
qu-
1
se
Negação 4 1 1 1 1
Relativas 1 2 3 1 2 1 5 1 3
Clivadas 1 1 1 2 1
Completivas 4 2 1
Temporais 2 1 1 2 1
Condicionais 2 1 1 2
Outras
subordinadas 1 3
Total [94] 8 4 12 23 6 9 15 6 11
* Advérbios também 2
até 1
talvez 1
também 1 tam-
bém 2
até 2
já 2
também
4
ainda 1
lá 3
sempre 1
também
1
até 2
até 1
já 1
também 2
ainda 2
lá 1
também 1 também 1
ainda 1
Tabela 2. Açores (frases nitas) – distribuição contextual da ênclise atípica, por ilha
Relativamente ao arquipélago da Madeira, composto pelas ilhas da Madeira e de
Porto Santo, dividirei cada um dos pontos do CORDIAL-SIN nas duas localidades
em que foram obtidas as gravações transcritas no corpus, obtendo assim a tabela 3.
Esta subdivisão justica-se porque se mostrará relevante para analisar a microvariação
observada nos dialetos madeirenses, apesar da diminuta extensão das amostras corres-
pondentes a Caniçal, na ilha da Madeira, e Tanque, na ilha de Porto Santo.8
8. Das 9.369 palavras de CLC, 7.438 pertencem a Câmara de Lobos e 1.931 ao Caniçal. Das 9.791
palavras de PST, 8.245 pertencem à Camacha e 1.546 a Tanque.
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Arquipélago
da Madeira
Madeira Porto Santo
Câmara de Lobos Caniçal Camacha Tanque
Advérbios* 11 2
Negação 1
Relativas 10 3 1 3
Clivadas/Interro-
gativas de é que 3 1
Completivas 2
Temporais 2 2
Outras
subordinadas 1
Total [42] 28 7 3 4
* Advérbios também 7
até 2
ainda 1
1
até 2
Tabela 3. Madeira (frases nitas) – distribuição contextual da ênclise atípica, por localidade
Na tabela 3 continuamos a ver a ênclise atípica a ocorrer nos principais tipos de con-
textos sintáticos. Mas comparando-a com a tabela 2, surgem duas diferenças importan-
tes. Por um lado, o número de ocorrências de ênclise atípica na ilha da Madeira é signi-
cativamente superior ao de qualquer das ilhas dos Açores, não sendo isso o efeito de uma
maior extensão da amostra.9 Por outro lado, há um contraste muito claro entre a ilha da
Madeira e a ilha de Porto Santo, onde as atestações de ênclise atípica são muito pouco ex-
pressivas. Além disso, dentro da ilha de Porto Santo, a Camacha distingue-se de Tanque.
A informante principal da Camacha apresenta apenas duas ocorrências de ênclise atí-
pica, ambas com o advérbio até. É o seu marido que produz a oração relativa com ên-
clise. Em Tanque, apesar da pouca extensão da amostra, o moleiro produz três orações
relativas e uma clivada com ênclise. O reduzido número de dados não nos permite de-
cidir se a microvariação que se desenha em Porto Santo é geográca (Camacha vs. Ta n -
que), idioletal ou, mais interessante, determinada pelo género (mulher vs. homens).
Rera-se aliás que os dados da ilha da Madeira pertencem todos a pescadores, homens.
Nos domínios não nitos, a próclise atípica distribui-se como nos mostram as
tabelas 4 e 5. Na tabela 4, relativa aos Açores, merece destaque o facto de a ilha com
mais ênclise atípica em frases nitas ser também a que apresenta mais próclise atípica
com as formas não nitas do verbo, i.e. a ilha do Pico, que juntamente com as Flores
exibe próclise atípica com o innitivo (simples e exionado) e com o gerúndio. Não
se trata neste caso de variação idioletal ou de género, pois contribuem para a amos-
9. Veja-se a nota 1.
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tra vários informantes, homens e mulheres. Não se regista nenhuma ocorrência de
próclise atípica (ao innitivo/gerúndio) na ilha Terceira, mas não se pode daí deduzir
a sua inexistência, dado que o número de atestações se limita a 1 ou 2 exemplos em
cinco das nove ilhas.
Arquipélago
dos Açores
Grupo Ocidental Grupo Central Grupo Oriental
Corvo Flores Faial Pico S. Jorge Graciosa Terceira São
Miguel
Santa
Maria
Innitivo 2 4 1 7 2 3 2
Gerúndio 1 2 1
Total [25] 2 5 1 9 2 3 0 1 2
Tabela 4. Açores (innitivo e gerúndio) – distribuição da próclise atípica por ilha
No arquipélago da Madeira, destaca-se o facto de a localidade com menos ênclise
atípica em frases nitas, i.e. a Camacha, ser a que tem mais próclise atípica com in-
nitivo e gerúndio.10 Mas é em Câmara de Lobos que se regista o único exemplo de
próclise ao particípio passado (cf., abaixo, a nota 27).
Arquipélago
da Madeira
Madeira Porto Santo
Câmara de Lobos Caniçal Camacha Tanque
Innitivo 1 1 4 1
Gerúndio 1
Particípio Passado 1
Total [9] 2 1 5 1
Tabela 5. Madeira (innitivo, gerúndio e particípio passado) – distribuição da próclise atípica por ilha
O baixo número de ocorrências de cliticização ao innitivo, tanto nos Açores
como na Madeira, deve-se à alta frequência da subida do clítico. Os dados da próclise
atípica nos domínios não nitos ganham outro signicado quando comparados com
as ocorrências de ênclise no mesmo contexto, como se verá na secção 4.
Para concluir esta visão panorâmica, consideraremos os dados da interpolação e
da reduplicação, que se exemplicam respetivamente em (15) e (16). Em (15) vemos
interpolados entre o clítico e o verbo, separando-os, os pronomes a gente, eu (15a-b) e
os advérbios , (15c-d). Em (16) há dupla realização fonológica do mesmo clítico.
A frase (16a) mostra a repetição do clítico à esquerda e à direita do verbo, enquanto
(16b) exibe a repetição do clítico à esquerda e à direita do advérbio interpolado .
10. É também a localidade com mais próclise atípica nas frases nitas (cf. nota 7).
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(15) a. Uê, é aquilo que se a gente ena os os para vir para o pente – para vir
para o pente! FLF20
b. Se lhe eu disser PIC09
c. Como eu lhedisse, vinham as ovelhas do baldio para baixo, para essas
terras da cultura. CRV57
d. Volta atrás ter com as tuas famílias, e depois então se resolveres a virar
para tevir... TRC43
(16) a. E meu homem trabalhou lá vinte e três anos e ele tinha sete reses, nem
sequer lhe deu-lhe uma juntinha de gado GRC31
b. As tripas, sim, eu nunca meme lembro de se limpar tripas na ribeira
CDR18
Na análise de Magro (2007, 2010), ênclise atípica, interpolação e reduplicação
são diferentes faces de um mesmo processo morfológico que se aplica opcionalmen-
te na componente pós-sintática da gramática. Seguindo a teoria de Harris e Halle
(2005), construída a partir da observação dos frequentes processos de reduplicação
fonológica e morfológica nas línguas do mundo, Magro (2007, 2010) propõe que
os diferentes padrões atípicos de ordem das palavras ilustrados em (12), (15) e (16)
decorrem todos do processo de reduplicação, como formalizado por Harris e Halle
(2005). As diferentes linearizações resultantes são o efeito das diferentes possibilida-
des de apagamento parcial das cópias da sequência repetida.11 Apagamentos parciais
desencontrados em cada uma das cópias produzem o efeito de metátese, que observa-
mos na ênclise atípica e na interpolação, enquanto o apagamento parcial em apenas
uma das cópias produz o efeito de repetição do clítico. A derivação dos três padrões
relevantes é exemplicada em (17): (17a) corresponde à ênclise atípica, (17b) à in-
terpolação, (17c) à reduplicação em torno do verbo, (17d) à reduplicação em torno
de um item interpolável. Nas representações em (17), os parêntesis retos delimitam a
sequência a copiar (duplicando-a) e o(s) ângulo(s) indica(m) que item será apagado
em qual das cópias. O rasurado indica os itens apagados, apenas para claricação.
(17) a. como eu [lhe > < disse] como eu lhe disse lhe disse = como eu dis-
se-lhe
b. como [eu > < lhe] disse como eu lhe eu lhe disse = como lhe eu disse
c. como eu [lhe < disse] como eu lhe disse lhe disse = como eu lhe
disse-lhe
d. como [eu > lhe] disse como eu lhe eu lhe disse = como lhe eu lhe
disse
11. Nas línguas do mundo ocorrem processos de reduplicação total quando há repetição integral de
uma determinada sequência, seja fonológica seja de outro nível gramatical, e de reduplicação parcial
quando há apagamento parcial de uma ou de ambas as cópias da sequência repetida.
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Ênclise atípica e interpolação são manifestações de metátese morfológica cujo
ponto de partida é diferente: na ênclise atípica a sequência marcada para duplica-
ção consiste no clítico mais a palavra morfológica à sua direita, ou seja, o verbo; na
interpolação, a sequência marcada para duplicação contém o clítico e uma palavra
morfológica à sua esquerda (não ou um dêitico). Qualquer dos tipos de sequência
duplicada pode originar reduplicação, em lugar de metátese, quando o clítico não é
apagado em nenhuma das cópias. A reduplicação pode, portanto, estar associada quer
à ênclise atípica, como em (17c), quer à interpolação, como em (17d). A análise de
Magro (2007, 2010) faz prever que os diferentes padrões de ordem de palavras exem-
plicados em (17) apresentem, nos dialetos que admitem o processo de reduplicação
parcial relevante, um mesmo cenário de dispersão por diferentes ambientes sintáticos.
Os dados dos dialetos açorianos conrmam esta previsão, como mostra a tabela 6.12
  
Advérbios
Negação
Relativas
Clivadas
Completivas (nitas e innitivas)
Subordinadas adverbiais
Tabela 6. Açores – a correlação interpolação-reduplicação-ênclise em contextos
tipicamente proclíticos
12. Registam-se nos Açores 11 ocorrências de interpolação, 2 das quais com o verbo no innitivo
(Uma coisinha de terra para se ele suster ali ele de pé CRV55), 2 ocorrências de interpolação com redu-
plicação (O que eu souber, mas eu, como eu lhe já lhe disse.... CLH11), e 11 ocorrências de reduplicação
associada à ênclise atípica (Depois deita-se as couves na panela com a água a ferver e ou põe manteiga
ou toicinho, aquilo que se queira-se botar. STE20), 5 das quais em orações innitivas preposicionadas.
Encontram-se ainda no corpus açoriano dois exemplos de reduplicação em congurações de subida do
clítico (vd. (i)-(ii) abaixo), que não são casos de duplicação morfológica, mas talvez de dupla realiza-
ção de cópias resultantes de movimento sintático (cf. Nunes 2004). Ocorre também uma triplicação,
numa estrutura muito complexa (vd. (iii)). A reduplicação em contexto de subida do clítico encon-
tra-se igualmente em dialetos do catalão (Bonet 2002) e de outras línguas românicas (Paradis 2019).
(i) Mas o que me dava que fazer era ele cheirar uma bocada hoje em casa da Francisca e outro
dia em casa do Filipino e outro dia em casa da tua tia Gabriela, no outro dia, e aquilo não lhe
ter ele feito despertar-lhe o vício CRV49
(ii) As pessoas usavam pouca linguiça não porque não a gostassem de a comer, porque precisa-
vam do dinheirinho e era uma maneira de fazer o dinheiro. CDR11
(iii) Minha mãe tinha-lhe escrito aqui numa data que ela lhe tinha-lhe mandado lho fazer. STE28
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Os dialetos madeirenses divergem dos dialetos açorianos por, de acordo com os
dados do CORDIAL-SIN, não admitirem a interpolação. Isso quer dizer que nos diale-
tos madeirenses só a sequência clítico-verbo admite reduplicação, o que exclui (17b)
e (17d). Espera-se, no entanto, que a par de (17a), i.e. a ênclise atípica, possa ocorrer
(17c), i.e. próclise e ênclise simultâneas do clítico duplicado. Este tipo de reduplicação
atesta-se em Câmara de Lobos, como mostra (18).
(18) Não há peixe que se ponha-se ao sol sem salgar. CLC10
Trata-se de uma ocorrência única, o que parece apontar para uma baixa pro-
dutividade, na Madeira, da reduplicação parcial que não resulta em metátese. Con-
tudo, esta ocorrência única aparece exatamente onde seria esperável, quer dizer, na
localidade com alta frequência de ênclise atípica para a qual dispomos de uma amos-
tra sucientemente extensa. Numa localidade como a Camacha, sobretudo se nos
centrarmos na informante feminina, que quase não produz ênclise atípica (cf. secção
3), é natural que também não ocorra o tipo de reduplicação que se vê em (18).
No corpus madeirense encontram-se duas frases que nos mostram clíticos divi-
didos (split clitics), um fenómeno raro, pois as sequências clíticas são, em geral, insepa-
ráveis. A frase (19a), que também pertence a Câmara de Lobos, é facilmente derivável
pelo mecanismo de reduplicação parcial, que se aplicará antes da formação do grupo
clítico (clitic cluster), como se mostra em (20).13 Já (19b), pertencente à localidade
de Tanque, em Porto Santo, não pode ser derivado da mesma forma pois na posição
pré-verbal o clítico imediatamente contíguo ao verbo seria lhe, não se (i.e. que se lhe
chama, tal como: nunca se lhe tocava com as mãos PST14). Sendo este um exemplo
isolado, e não havendo evidência que nos permita admitir a possibilidade de inversão
da ordem dos clíticos na sequência se lhe, deixamos por explicar este caso de split clitics.
(19) a. Que ela quando se apanha-os, ele deita aquele forrado preto. CLC26
(Câmara de Lobos)
b. Depois houve um tipo que quis me comprar a pedra, aquele que lhe
chama-se o patamal. PST24 (Tanque)
13. A sequência formada pelo clítico se mais um clítico acusativo de terceira pessoa tem uma distribui-
ção geográca limitada no território português, mas ocorre nos dialetos madeirenses:
(i) Em sendo para a latada, deixa-se-a crescer, para cima a altura que a gente quiser. PST01 (Ca-
macha)
(ii) Tinha-se um burrinho, ia-se buscar e levar a farinha. Trazia-se-o em grão e levava-se em fari-
nha. PST24 (Tanque)
No corpus CORDIAL-SIN atesta-se também nos Açores e nos dialetos meridionais.
O exemplo (iii) pertence a Santo Espírito (Santa Maria, Açores):
(iii) Pode-se-a guardar na ‘freeze’ e comer daqui a dois ou três meses. (STE36).
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(20) quando se [os > < apanha] quando se os apanha os apanha = quando se
apanha-os
Antes de passarmos à secção seguinte importa esclarecer que a regra de re-
duplicação não se aplica nos contextos tipicamente enclíticos (o que originaria um
outro tipo de próclise atípica), porque verbo e enclítico, diferentemente de proclítico
e verbo, constituem uma unidade morfológica (cf. Magro 2007).
3. Microvariação na distribuição da ênclise atípica:
Açores, Madeira, Porto Santo
Nesta secção observaremos mais de perto a ênclise atípica em frases nitas, come-
çando por considerar a variação geolinguística. Enquanto na tabela 1 comparámos
ênclise atípica com ênclise típica, calculando a percentagem de ocorrência da ênclise
atípica relativamente ao número total de ocorrências da ênclise em frases nitas no
corpus, compararemos agora ênclise atípica com próclise típica, nos contextos sintá-
ticos relevantes. Veremos assim, para os contextos em que na variedade padrão ocorre
sempre (ou quase sempre) a próclise, o número de ocorrências e a percentagem de
ênclise atípica por arquipélago e ilha/localidade. Isto é o que nos mostram as tabelas
6 e 7, correspondentes, respetivamente, aos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Comecemos por focar-nos na primeira.
     
Total
    
   



4,4%
8/181
3,8%
4/104
3,4%
12/348
12,1%
23/180
6,4%
6/93
10,2%
9/88
8,7%
15/172
4,5%
6/133
10,8%
11/102
6,7%
94/1401
Tabela 7. Açores (frases nitas) – percentagem de ênclise atípica, por ilha,
no total dos contextos tipicamente indutores de próclise
A tabela 7 não traz grandes surpresas, embora dê maior precisão aos resulta-
dos da secção anterior. Assim, conrma-se que em todo o arquipélago dos Açores as
colocações atípicas são largamente minoritárias relativamente às colocações típicas e
que, além disso, não há diferenças muito acentuadas entre as nove ilhas no que diz
respeito à frequência da ênclise atípica, que varia no corpus entre os 3,4% do Faial e
os 12,1% do Pico. Tal como já mostrava a tabela 2, o Pico aparece como a ilha com
maior incidência da ênclise atípica. Mas ao contrário do que fazia supor a tabela 2, o
Faial é uma das ilhas com menor frequência da ênclise atípica. A diferença entre os
Microvariação na sintaxe dos clíticos: os dialetos portugueses dos Açores e Madeira
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resultados das duas tabelas explica-se facilmente: Sendo o Faial a ilha que apresenta
no corpus o maior número de ocorrências de clíticos, a grande distância de todas as
outras ilhas, o número absoluto de ocorrências de ênclise atípica parece relativamente
alto, ainda que percentualmente não o seja. As pequenas diferenças quantitativas
visualizáveis na tabela 7 não permitem identicar subáreas dentro dos dialetos aço-
rianos. Notarei apenas que as três ilhas mais ocidentais (Corvo, Flores e Faial) são as
que apresentam os valores mais baixos de ênclise atípica, no que são acompanhadas
do lado oriental pela ilha de São Miguel, a mais populosa do arquipélago dos Açores
e sede do poder político.
  
T
 
   
36,4%
28/77
43,75%
7/16
3,5%
3/85
28,6%
4/14
21,9%
42/192
37,6%
35/93
7,1%
7/99
Tabela 8: Madeira (frases nitas) – percentagem de ênclise atípica, por localidade e por ilha, no total
dos contextos tipicamente indutores de próclise
Quando comparamos a tabela 7 com a tabela 8, conrmamos também observa-
ções já feitas, mas que agora se apresentam com maior nitidez. Diferentemente do
que acontece no arquipélago dos Açores, há variação dialetal muito clara no interior
do arquipélago da Madeira. Por outro lado, é aqui, contrariamente aos Açores, que
podemos encontrar percentagens muito altas de ênclise atípica, perto dos 40 % na
ilha da Madeira. O contraste entre a ilha da Madeira e a de Porto Santo é muito gran-
de, situando-se a percentagem de ênclise atípica em Porto Santo dentro do intervalo
identicado para os Açores. Como já comentado na secção 2, há ainda uma separa-
ção dentro da ilha de Porto Santo entre as localidades da Camacha e Tanque, com a
última a parecer alinhar mais com as localidades da ilha da Madeira. Mas a pequena
quantidade de dados com que estamos a trabalhar não nos permite ir para além das
hipóteses já levantadas na secção 2.14
14. Deve ainda ser dito que há que ter cautela quanto à interpretação dos dados da ilha da Madeira. Câ-
mara de Lobos e Caniçal são duas vilas piscatórias (pertencentes a concelhos distintos) e os entrevistados
são pescadores. A variedade dialetal descrita neste artigo, a partir dos dados do CORDIAL-SIN, pode
não ser comum a toda a ilha da Madeira, uma vez alargada a cobertura geolinguística e sociolinguística.
Numa comunicação apresentada em 24.05.2019 na universidade de Zurique (Transgressões insulares: va-
riação sintática da ilha da Madeira), Carlota de Benito Moreno e Yoselin Henriques reportaram, a partir
de dados recolhidos na cidade do Funchal, uma tendência para a expansão da próclise nas frases nitas
tipicamente enclíticas, o que diverge da evidência empírica oferecida pelo CORDIAL-SIN.
Ana Maria Martins
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A expressão muito forte da ênclise atípica na ilha da Madeira pode fazer-nos
pensar que esteja aí em curso alguma mudança mais profunda do que, simplesmente,
um aumento signicativo da produtividade da aplicação da regra de reduplicação que
deriva a ênclise atípica. Contudo, a observação de outros dados revela paralelismos
de comportamento gramatical entre a Madeira e os Açores que me levam a manter
a hipótese de que a ênclise atípica seja derivada de forma similar nas duas regiões.
Considerada a variação geográca, olhemos agora para a variação contextual, isto é,
de que modo se distribui a ênclise atípica por contextos sintáticos.
A tabela 9 mostra-nos qual a frequência da ênclise atípica nos três grandes gru-
pos de contextos sintáticos que tipicamente legitimam a próclise nas frases nitas: as
frases negativas, qualquer que seja a expressão gramatical da negação; as orações su-
bordinadas e estruturas qu-; as frases raiz armativas em que precedem o verbo certos
advérbios ou quanticadores. Os resultados mostram-nos que, ao contrário do que
poderia esperar-se, a frequência da ênclise atípica varia bastante entre contextos sintáti-
cos, tendo a sua expressão mais ténue nas frases matriz negativas e mais forte nas frases
matriz armativas com advérbios ou quanticadores indutores de próclise. Compa-
rando entre si os arquipélagos dos Açores e da Madeira, vericamos que apresentam
resultados convergentes no que diz respeito às frases negativas, com percentagens de
ocorrência de ênclise atípica quase iguais. Divergem depois, claramente, nos valores
para os outros dois grupos de contextos sintáticos, mas, signicativamente, a escala de
frequência é exatamente a mesma: do valor mais baixo nas frases negativas para o mais
alto nas frases com advérbios e quanticadores, cando as estruturas subordinadas e
qu- numa posição intermédia. Isto leva-me a concluir que a ênclise atípica é o mesmo
tipo de fenómeno nos dialetos açorianos e madeirenses, resultando as diferenças geo-
linguísticas reveladas nas tabelas 7 e 8 do grau produtividade da operação pós-sintática
de reduplicação/metátese, nos termos de Magro (2007, 2010). Acrescem questões de
microvariação, como a inexistência de interpolação e a fraca presença da repetição do
clítico no arquipélago da Madeira, o que indica uma preferência pela variante da regra
de reduplicação que resulta em metátese, ou seja, ênclise atípica.
  
negação e palavras negativas 3%
8/263
2,9%
1/35
3%
9/298
subordinadas e estruturas qu-7,2%
51/707
28,3%
28/99
9,8%
79/806
advérbios e quanticadores 13,6%
35/264
30,2%
13/43
15,6%
48/307
TOTAL 7,6%
94/1235
25,1%
42/177
9,6%
136/1412
Tabela 9. Açores e Madeira (frases nitas) – percentagem de ênclise atípica
em três tipos de contexto sintático
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É, contudo, intrigante que uma regra pós-sintática seja sensível a diferenças de
estrutura sintática como as que estão em causa nos dados da tabela 9. Nos termos da
teoria de Harris e Halle (2005), essa sensibilidade sintática é inesperada. A hipótese
que coloco e que irei explorar exemplicativamente (porque explorá-la cabalmente
iria muito para além dos limites deste artigo) é que nas frases negativas a ênclise
atípica seja exclusivamente o resultado do fenómeno pós-sintático de reduplicação/
metátese, mas que nos outros contextos possa ser também consequência de variação
dialetal na sintaxe dos advérbios (ou de alguns advérbios) e de alguns tipos de orações
subordinadas. Se esta hipótese estiver no caminho certo, uma parte da atipicidade
não está na colocação do clítico, stricto sensu, mas na conguração sintática que de-
termina a sua colocação. Limitarei a análise aos advérbios e às orações subordinadas,
com atenção particular às relativas.15
A tabela 10 mostra-nos todos os advérbios proclisadores registados no corpus
para os dialetos açorianos e indica-nos qual a percentagem de ênclise atípica nas frases
em que precedem o verbo. Dos dados quanticados nesta tabela excluímos todas as
frases em que além do advérbio relevante ocorre algum outro indutor de próclise, o
que explica os números um pouco mais baixos relativamente à tabela 9. Destaquei a
negrito na tabela os dados percentuais que passarei a comentar, relativos aos advérbios
, também e até, os quais estão sucientemente representados no corpus para que os
dados percentuais sejam signicativos. Com o advérbio a percentagem de ênclise
atípica (3,4%) é muito semelhante à que se verica nas frases negativas (3%), mas
com também e até está muito acima desse valor, passando para os 20% com também
e 42,9% com até. Estes resultados são muito interessantes e penso irem ao encontro
da hipótese que coloquei, como passarei a explicar.
15. Há poucas ocorrências de quanticadores no corpus. Nos Açores registam-se ocorrências únicas
de alguém, ambas, muita, muito, pouco, qualquer, toda, todas, todos, tudo. Na Madeira, há duas ocor-
rências de tanto e uma de tudo.
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

   
 %

    
   



ainda 0/4 0/2 0/9 1/1 0/2 2/3 0/2 1/3 15,4%
assim 0/1 0%
até 1/2 0/1 2/6 0/1 2/2 1/1 0/1 42,9%
bem 0/1 0/1 0%
dali 0/1 0%
0/12 0/11 2/21 0/8 0/5 1/4 0/14 0/10 0/3 3,4%
já cá 0/1 0%
0/3 0/2 0/3 3/11 1/1 0/1 19%
mal 0/1 0%
melhor 0/1 0%
quase 0/1 0%
sempre 0/1 0/5 1/1 0/2 0/1 0/2 8,3%
0/1 0/1 0/5 0/3 0/1 0%
talvez 1/2 0/1 33,3%
talvez ainda 0/1 0%
também 2/7 1/7 2 /25 4/8 1/3 2/7 1/3 1/7 20,9%
também já 0/1 0/2 0%
TOTAL 4/33
12,1%
1/25
4%
6/75
8%
9/35
25,7%
3/18
16,7%
2/9
22,2%
5/28
17,9%
1/17
5,9%
2/15
13,3%
33/255
12,9%
Tabela 10. Açores (frases nitas) – percentagem de ênclise atípica com advérbios proclisadores,
por advérbio
Os advérbios proclisadores, no seu conjunto, não correspondem a nenhuma das
classes em que é habitual dividir os advérbios, seja qual for a tipologia que se adote.
Além disso, tendo como referência a variedade padrão, alguns são proclisadores cate-
góricos enquanto outros não o são. O que determina a separação entre uns e outros
são diferenças de comportamento sintático, que normalmente se associam a diferenças
semânticas ou discursivas, que podem ser muito subtis. Advérbios que, na estrutura
funcional da frase, se associem às posições sintáticas que expressam polaridade ou foco
induzem, nessas posições, próclise. Se os mesmos advérbios também puderem associar-
-se a posições de tópico ou posições mais periféricas, serão, nessas posições, irrelevantes
no que diz respeito à colocação do clítico. Então, advérbios que possam facilmente ser
focalizados (foco contrastivo) ou topicalizados, como por exemplos os advérbios loca-
tivos, serão proclisadores não categóricos, ocorrendo ora com próclise ora com ênclise,
com as consequentes diferenças interpretativas (decorrentes de o advérbio ser um tópico
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ou antes um foco contrastivo). Pelo contrário, advérbios que, podendo associar-se às
posições sintáticas que expressam polaridade ou foco, não possam ser topicalizados nem
ocupar posições mais altas na periferia esquerda da frase serão proclisadores categóricos
(para uma discussão detalhada deste assunto, veja-se Martins 2013).
Formando os advérbios proclisadores um grupo heterogéneo, cada um tem ca-
racterísticas gramaticais e discursivas próprias e é esperável que possam manifestar,
independentemente, variação dialetal. No CORDIAL-SIN os advérbios até e também
nem sempre são marcadores de foco inclusivo, podendo apresentar-se despojados, em
menor ou maior grau, do valor de inclusão num conjunto identicado ou implícito
no contexto discursivo. Para lá do aspeto interpretativo, há indicadores sintáticos que
mostram que funcionam como marcadores discursivos, ocupando posições muito
periféricas na estrutura da frase. A corroborar esta descrição, a frase (21) mostra-nos
o advérbio até a ocorrer à esquerda de um constituinte topicalizado (com o qual não
forma uma unidade sintática nem entoacional, não tendo valor inclusivo), as frases
(22) e (23) mostram-nos os advérbios até e também posicionados à esquerda do ex-
pletivo ele, um elemento muito alto na periferia esquerda da frase (Carrilho 2005)
e que não interfere na colocação dos clíticos.16 Na Graciosa, o advérbio até coocorre
frequentemente com por acaso, como em (24) – note-se a ênclise em (24a) –, o que
é indicador da sua proximidade funcional com este marcador discursivo (ambos si-
nalizam um desvio do tópico central da conversa para introduzir uma informação/
comentário que, parecendo secundária, tem relevância comunicativa ou afetiva para
o falante). O advérbio também ocorre, por vezes, repetido, como se pode ver em (25)
e o mesmo padrão se atesta, ainda que mais raramente, com até, como se vê em (26).
Esta possibilidade de reiteração parece sinalizar as diferentes posições que estes advér-
bios podem ocupar na estrutura da frase. Nos exemplos que se seguem, a pontuação
é a que se encontra no CORDIAL-SIN – lembre-se que se trata de transcrições de
produções orais e que as opções de pontuação são, em parte, subjetivas.
(21) O Hortão Fundo. [INQ: Hortão Fundo era o sítio?] Lá para diante. Lá no
cabo lá da freguesia. Até a casa, ainda está lá uma nesguinha. CLH14
16. Também pode ocorrer igualmente imediatamente depois do expletivo ele, como em (i), entre um
tópico pendente e o demonstrativo isto com valor expletivo, como em (ii), estar associado a um tópico
pendente, como em (iii), ou preceder um constituinte topicalizado, como em (iv).
(i) A gente temos uma carta escrita […] a dizer como é porque ele também a gente não aguentam
tudo de cabeça. MIG55
(ii) Mas os remadores, também, isto vai-se acabando. TRC12
(iii) E eu também, era um bocado de trabalho para eu fazer, que eu não fazia não era um nem dois.
GRC26
(iv) Era uma senhora que tinha marido, mas também, no exame, não gostava muito dele, talvez.
STE14
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(22) Até, por acaso, ele a gente, às vezes, estamos no mar de noite e a gente diz
aí... GRC08
(23) a. Também ele quem quer põe entrecosto, assim estas carnes mais inferio-
res, bocados de toucinho. CRV01
b. E na quinta-feira, também, ele já há sermão de lava-pés. STE19
(24) a. Até por acaso a gente trata-lhe a ‘pojagem’. GRC06
b. A toninha costumamos trancar. [INQ: E come-se?] Alguém come. Eu
até por acaso nunca comi. Agora no Pico, eles comem aquilo que é...
GRC03
c. I sso até, por acaso, agora já é muito raro aparecer uma viola. GRC10
d. A gente até, por acaso, quando faz angélica, eu deixo sempre car o
barril da angélica dentro duma dorna. Se arrebentar ca aproveitada.
GRC21
(25) a. eu também, hoje, eu também como ocial também, às vezes, também
ajudo na brincadeira.PIC16
b. Também, ainda hoje, também dei uma passagem numa parte que é a
Bananeiras. CDR02
(26) Porque até a gente até por o São João fazíamos as fogueiras, íamos lá quei-
mar e só cava aquele piquinho. CLH18
Uma análise formal da sintaxe destes advérbios está fora dos objetivos do presente
trabalho. Mas a conclusão que me importa retirar dos dados apresentados acima é
que nos dialetos açorianos, diferentemente da variedade padrão, os advérbios até e
também são proclisadores não categóricos, porque a sua sintaxe (e, portanto, também
a interface sintaxe-discurso) é diferente da do português europeu padrão. Uma parte
dos dados da ênclise atípica com estes advérbios será, pois, resultado da sua especi-
cidade sintática (e semântico-discursiva) nos dialetos açorianos e madeirenses. Conti-
nuará a haver espaço para que outra parte decorra da aplicação da regra pós-sintática
de reduplicação, como demonstra, aliás, a possibilidade de repetição do clítico em
frases com também, como se vê em (27).
(27) Também se faz-se chás. MIG28
Outros advérbios mostram igualmente a possibilidade de posicionamentos pe-
riféricos, à esquerda, estranhos à variedade padrão, como se exemplica com sempre,
em (28). Por outro lado, a repetição do clítico como sinalizador da aplicação da regra
pós-sintática de reduplicação atesta-se igualmente com – veja-se (29).
(28) Sempre ao princípio assustam-se uma coisita, mas depois habituam-se àqui-
lo, começam-se a habituar. PIC16
(29) Agora a gente se deixou-se disso. GRC29
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Para concluir esta breve incursão no universo dos advérbios proclisadores, deixo
a tabela 11, com os dados do arquipélago da Madeira, embora os considere pouco
relevantes. Além de o total de ocorrências dos advérbios que nos interessam ser baixo,
ocorrem maioritariamente em Câmara de Lobos os advérbios também e até (9/11), o
que contribui certamente para os mais de 80% de ênclise atípica nesta localidade. Mais
relevante é o facto de as duas únicas ocorrências de ênclise na Camacha acontecerem
com o advérbio até, que tem nesta localidade características semelhantes às descritas
para os dialetos açorianos, não sendo, portanto, um proclisador categórico. Sendo
assim, a informante feminina da Camacha (cf. secção 2) apresenta um sistema de
colocação dos clíticos a que parece ser estranha a regra pós-sintática de reduplicação.17
   
     
ainda 1/2 0/2
assim 0/1
até 2/2 2/3
1/1 0/20
0/1
também 7/7 0/1
TOTAL 11/13
84,6%
2/27
7,4%
Tabela 11. Madeira (frases nitas) – percentagem de ênclise atípica com advérbios proclisadores, por
advérbio
Passando agora a observar a colocação dos pronomes clíticos nas orações subor-
dinadas, veja-se a tabela 12, que compara a frequência da ênclise atípica em três tipos
de subordinadas: as clivadas de é que, incluindo as interrogativas de é que e as relativas
clivadas (Cardoso e Alexandre 2013); as subordinadas temporais com quando e as
relativas com que.18 Estas três congurações de subordinação são as que apresentam
no corpus um maior número de ocorrências de ênclise atípica, com maior dispersão
17. Numa das frases, até seria compatível com a presença de por acaso e na outra há uma reformulação,
não sendo totalmente claro se a reformulação mantém ou abandona o advérbio até.
(i) Dava chuva, graças a Deus, punha terra a descampar, metia umas sementes aqui, outras acolá
e dava abóbora. Até lembra-me um ano de meu pai ter cabaças. Umas cabacinhas de limpar o
comer por dentro e depois fazer uma vasilhinha da água. PST19 (Camacha, mulher)
(ii) Então não dava centeio?! Acolá, aquela parte de areia que dava centeio – que eu tinha um tio
– que dava centeio, até fa- serravam-lhe a espiga e do resto, faziam esteiras e faziam barracas,
na rua, minha senhora. PST16 (Camacha, mulher)
18. Nesta tabela, tal como nas tabelas 10 e 11, quanticam-se apenas as frases em que não ocorrem
outros indutores de próclise.
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geográca (vejam-se, acima, as tabelas 1 e 2). Os números da tabela 12 mostram-nos
de novo uma escala de frequência da ênclise atípica dependente do contexto sintáti-
co, e que se repete nos dois arquipélagos. De facto, embora os Açores e a Madeira se
diferenciem bastante quanto aos números absolutos, com uma média de ocorrências
de 5,8% nos Açores face aos 33,8% da Madeira, a escala de frequência das ocorrên-
cias por contexto sintático é idêntica: as clivadas de é que apresentam o valor mais
baixo e as relativas de que o valor mais alto, cando as subordinadas com quando
num patamar intermédio. Acresce que as relativas constituem o único tipo de oração
subordinada em que se atesta a ênclise atípica em todas as ilhas/localidades dos dois
arquipélagos (cf. tabelas 1 e 2). Focarei a discussão nas relativas, consciente de que
muito cará ainda por aprofundar e explicar.
  
Clivadas de é que 2,6%
4/154
18,2%
4/22
4,5%
8/176
Subordinadas temporais com quando 5,8%
5/86
28,6%
4/14
9%
9/100
Relativas com que 8,5%
16/189
48,4%
15/31
14%
31/220
TOTAL 5,8%
25/429
33,8%
23/68
9,7%
48/497
Tabela 12. Açores e Madeira (frases nitas) – percentagem de ênclise atípica em três tipos de
subordinadas
No corpus CORDIAL-SIN, em geral, e em particular nas localidades dos Açores
e Madeira, ocorrem frequentemente relativas cortadoras e relativas resuntivas. Co-
mum aos dois tipos de orações relativas é a ausência antes do que relativo da preposi-
ção que nas relativas a que chamarei preposicionadas marca a sua função gramatical.
Os dois tipos de relativas não preposicionadas diferenciam-se por nas resuntivas, ao
contrário das cortadoras, a ausência da preposição ter como contraponto a presença,
no interior da relativa, de um pronome pessoal (ou de um locativo) cujo caso corres-
ponde à função gramatical do pronome relativo. Nem sempre é possível distinguir
as estruturas não preposicionadas das estruturas tipicamente preposicionadas. Nas
relativas de objeto direto e de sujeito, as cortadoras são supercialmente idênticas
às preposicionadas, já que estas funções gramaticais não são marcadas por preposi-
ções. As resuntivas podem ser indistintas das cortadoras nas relativas de sujeito, por o
português ser uma língua de sujeito nulo.19 As relativas com ênclise atípica atestadas
19. Há na totalidade do corpus estudado 26 ocorrências de relativas com uma preposição a preceder o
que relativo, todas nos Açores: 15 ocorrências com a preposição em, 10 com a preposição com e apenas
uma com a preposição a, numa relativa livre. No arquipélago da Madeira, só se encontra que precedido
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nos dialetos açorianos e madeirenses são resuntivas, como exemplicado em (30),
cortadoras, como exemplicado, em (31), ou frases ambíguas entre diferentes tipos
de estruturas.20 Não há ocorrências de ênclise atípica em relativas com preposição a
anteceder o que relativo.21 As relativas resuntivas, como mostram as frases (30g-h) não
se restringem às relativas de que.
(30) a. Para mim, eu sinto-a muito, é uma tradição que eu sinto-a […]. TRC06
b. Era um açougue que a gente queria-se mexer dentro e não podíamos.
TRC55
c. E o tal fulano que ele devia-lhe dinheiro... TRC61
d. Ó, uma erva que cheira mui mal, Amélio, que a gente pega-lhe nas
mãos e ca as mãos cheirando mal? FLF02
e. Já tem vindo aqui alguns que eu tiro-lhe uma talhada, desta forma, para
car mais estreitos. GRC11
f. Aqui na Fajã dos Vimes, tem um lugar que chamam-lhe o rio, mas não
é rio como há no continente nem nada disso. CLH29
g. Este é o que chamam-lhe... Em Benguela chama-se o alcatraz. CLC06
h. Ele o homem maluco, no meu entender, sábado à noite arruma o arado
e foi passear para onde chamam-lhe o Tanque. CRV46
(31) a. [INQ: O que é a petinga?] Olhe, é um peixinho que a lula agarra-se.
CLC18
b. Mas em França há desse que a gente chama-se dourado, mas isso esse
aqui chama-se choupas. CLC21
de preposição em algumas, poucas, interrogativas qu- e comparativas.
20. Parece haver uma separação entre a Madeira, com preferência pelas relativas cortadoras, e os
Açores, com preferência pelas relativas resuntivas. Mas há relativas cortadoras com próclise nos Açores
(o cesto de carga era um cesto que se carreava o esterco para as terras… CDR41; Eu no tempo que eu me
casei ganhava-se era a quatro escudos. GRC31; A tesoura que a gente se tosquiavam as ovelhas! MIG58).
Por outro lado, é resuntiva a relativa com clíticos divididos registada em Tanque e referida na secção 2
(Depois houve um tipo que quis me comprar a pedra, aquele que lhe chama-se o patamal. PST24), assim
como a relativa em (30g). Nas frases (31b) e (31f), acima, o clítico é o se nominativo das construções
de duplo sujeito (Martins 2009).
21. Descontada uma relativa livre com a preposição com e próclise, no Corvo, há apenas quatro
relativas com que precedido de preposição que contêm clíticos. Pertencem aos Açores (Faial e Tercei-
ra) e todas exibem próclise:
(i) E então temos todos os utensílios com que se trabalhava CDR07
(ii) Ia-se buscar muita madeira de cedro à rocha da caldeira, para fazer os cepos aquilo com que se
fazia as galochas para calçar. CDR25
(iii) Levo até aos domingos em que se começa as funções. TRC20
(iv) E eu, tenho vinte e nove anos e só assisti a uma cantoria em que um indivíduo se calou.
TRC36
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c. Depois ia-se na direcção. Estava ocasiões que dava-se com elas; e estava
ocasiões que não se dava. E quando se dava com elas, começava-se a
balear. CLC28
d. Tinha uma argolazinha que amarrava-se um cordel. CLC31
e. Deita uma vara grande – tendo humidade e adubo. Deitou a vara que
começa-se a fazer uma latada. PST01
f. Depois, em baixo, tinha uma agulha – a gente chamava-se a agulha –
que ia abaixo e tinha-se assim um pau atravessado, que a gente chama-
va-se o pau da agulha. PST23
Face aos dados apresentados, tem cabimento a hipótese de que a ênclise atípica
nas relativas decorra não de um mas de dois fenómenos com expressão nos dialetos
portugueses, que, somados, fazem das relativas um contexto sintático especialmen-
te propiciador da ênclise atípica. Ou seja, a par da ênclise decorrente da aplicação
da regra pós-sintática de reduplicação/metátese, haverá ênclise tornada possível por
especicidades da sintaxe dialetal das orações relativas resuntivas e cortadoras, que,
presumivelmente, as aproximará de estruturas paratáticas (talvez na fronteira entre
hipotaxe e parataxe, como as explicativas com que, pois, porque). A corroborar esta
hipótese está o facto de no galego as relativas resuntivas (e possivelmente também as
cortadoras) admitirem a ênclise. Álvarez e Xove (2002: 566), na Gramática da Lingua
Galega, dizem-nos que “se pode producir énclise en oracións introducidas polo rela-
tivo que sem a preposición requirida pola función que desempeña na súa oración”, e
dão como exemplo a colocação variável do clítico na relativa resuntiva em (32a-b),
ainda que a descrição do tipo relevante de relativas cubra também as cortadoras. Na
versão preposicionada da mesma relativa apenas a próclise se regista no galego, como
mostra (31c).22
(32) a. Había un home que aquel ano libráranlle un llo da mili.
b. Había un home que aquel ano lle libraran un llo da mili.
c. Había un home ó que aquel ano lle libraran un llo da mili.
(Galego. Álvarez & Xove 2002: 566)
O mesmo tipo de variação entre a colocação proclítica e enclítica em relativas
resuntivas pode ser ilustrada, nos dialetos açorianos, pela sequência textual em (33) –
a comparar com (32). Vemos em (33), bem perto entre si e diferenciando-se apenas
na colocação do clítico, uma relativa resuntiva com ênclise seguida de outra com
próclise. O exemplo pertence à ilha do Faial, onde as poucas ocorrências de relativas
22. Agradeço a Rosario Álvarez (comunicação pessoal) a conrmação de que, efetivamente, a ênclise
pode ocorrer no galego também nas relativas cortadoras e não só nas resuntivas. Quanto à relativa em
(32c), com que precedido de preposição, a presença do pronome lle no interior da relativa é opcional.
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com que precedido de preposição apresentam invariavelmente o clítico em próclise
(cf. nota 19).23
(33) E era uma casa de uma família pobre, ali, de raparigas, que tinha-lhe mor-
rido o pai. E eram ali outras raparigas também que lhe tinha morrido o pai,
as Jeremias. Eram estas as pessoas que todas as semanas passavam a pedir a
sua brindeirinha de pão de milho. CDR32
Para completar a informação desta secção, cabe notar que, sem dúvida, a regra
de reduplicação/metátese está na origem de parte dos casos de ênclise atípica nas
relativas pois é possível atestar, nos dialetos açorianos e madeirenses, a duplicação do
clítico em orações relativas, como se vê em (35). Note-se que (35b) é uma relativa
cortadora, registada nos Açores onde, ao contrário da Madeira, as cortadoras apresen-
tam, em geral, próclise, diferentemente das resuntivas.24
(35) a. Não há peixe que se ponha-se ao sol sem salgar. CLC10
b. Minha mãe tinha-lhe escrito aqui num a data que ela lhe tinha-lhe
mandado lho fazer. STE28
c. Depois deita-se as couves na panela com a água a ferver e ou põe man-
teiga ou toicinho, aquilo que se queira-se botar. STE20
d. E depois passaram a deixar as sêmeas junto com o rolão, e faziam o
bolo que se chamava-se o bolo inchado só com o rolão e com as sêmeas.
CDR26
4. Próclise atípica: innitivo, gerúndio e particípio passado
Os dados da tabela 13 mostram-nos a percentagem de próclise atípica em diferen-
tes domínios não nitos, comparativamente às ocorrências de ênclise nesses mes-
mos domínios. Embora os dados não sejam abundantes, julgo-os signicativos, quer
percentualmente quer qualitativamente.25 Nesta tabela, o gerúndio dos complexos
23. A relativa cortadora em (34) contrasta com as frases de (31) na colocação do clítico (próclise em (34)
vs. ênclise em (31)), pertencendo todas as frases aos dialetos madeirenses. Importa notar, contudo, que a
frase (34) foi produzida pela informante feminina da Camacha, a qual tem sempre próclise em relativas.
(34) Mesmo que tenha um sítio, quei num lugar que ninguém me vê. PST19
24. Também se atesta a interpolação em relativas cortadoras:
(i) Ah, havia muitas, em tempo! Mas deixaram de usar. Antigamente, no tempo que me eu criei,
que eu ainda me lembra de não haver nada disto fora. GRC13
25. A escassez de dados nos dialetos madeirenses deve-se à baixa frequência do innitivo exionado e
à acentuada preferência pela subida do clítico nos contextos que a permitem.
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verbais com ir e estar está separado do gerúndio das orações gerundivas porque há,
nos dialetos açorianos, uma clara diferença entre os dois tipos de conguração sintá-
tica relativamente à colocação do clítico, com a próclise atípica a ocorrer apenas nos
complexos verbais. Ao contrário do que observámos relativamente à ênclise atípica,
Porto Santo aparece-nos agora como a área onde a colocação atípica do clítico tem
maior expressão (embora o baixo número de ocorrências aconselhe a relativização do
valor percentual de 100%). Além disso, quatro das seis ocorrências de próclise atípica
em Porto Santo pertencem à informante feminina da Camacha, que apresenta nas
frases nitas, por oposição às não nitas, um padrão de colocação dos clíticos com
raras manifestações de colocações atípicas. Isto indica-nos que não há correlação entre
ênclise atípica nas frases nitas e próclise atípica com innitivo e gerúndio, ainda que
nos Açores seja a ilha do Pico que mostra os valores mais altos de ambas as coloca-
ções atípicas (cf. acima as tabelas 2 e 4). Globalmente, apesar do menor número de
ocorrências no corpus, a próclise atípica com innitivo/gerúndio tem uma expressão
percentual bastante mais elevada (cerca de 20%) do que a ênclise atípica nas frases
nitas (cerca de 9%).26
 - ir/estar
  
 
Açores 12,5%
14/112
22,6%
7/31
57,1%
4/7 0/6 16%
25/156
Madeira 33,3%
1/3
100%
1/1 0/1 100%
1/1
50%
3/6
Porto Santo 100%
5/5
100%
1/1
100%
6/6
Total 16,7%
20/120
25%
8/32
57,1%
4/7
12,5%
1/8
100%
1/1
20,2%
34/168
Tabela 13. Açores e Madeira (innitivo, gerúndio e particípio passado) – percentagem de próclise
atípica
26. Uma comparação por subáreas geográcas produz o mesmo resultado: no arquipélago dos Açores,
6,7% de ênclise atípica comparam com 16% de próclise atípica, na ilha da Madeira 37,6% de ênclise
atípica comparam com 50% de próclise atípica; na ilha de Porto Santo, 7,1% de ênclise atípica com-
param com 100% de próclise atípica, sendo a região em que a diferença é mais notória.
Bazenga (2019) num artigo dedicado a “aspetos da sintaxe do português popular falado no Fun-
chal”, ainda que não se ocupe da colocação dos pronomes clíticos, dá-nos as duas frases seguintes com
próclise ao innitivo. Na frase (i), o clítico do primeiro membro da estrutura coordenada está prova-
velmente cliticizado ao innitivo e não ao verbo nito (apesar da transcrição ortográca com hífen)
paralelamente ao que acontece no segundo membro da estrutura coordenada.
(i) Tento-lhe explicar e lhe informar sobre as coisas. (Bazenga 2019: 745)
(ii) eu não gostava dele nem lhe ver à frente. (Bazenga 2019: 745).
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A presença da próclise em orações innitivas sem preposição, ou com a preposição
a, no português europeu, não tem merecido menção na literatura, mas não é estranha ao
ouvido de qualquer linguista interessado na sintaxe dos clíticos, sem que tenha de viajar
até aos Açores ou à Madeira (cf. acima as frases (3a-d)).27 Já a próclise nos complexos
verbais com gerúndio e, sobretudo, com o particípio passado, é mais surpreendente.28
Antes de prosseguir com alguns comentários a estas estruturas, vejamos uma amostra de
frases retiradas do corpus: em (36), exemplos de próclise ao innitivo não preposiciona-
do (simples e exionado);29 em (37), exemplos de próclise ao innitivo introduzido pela
preposição a (simples e exionado); em (38), exemplos de próclise ao gerúndio; e em
(39), o exemplo único de próclise ao particípio passado (mas veja-se a nota 27).
(36) a. Depois também eu quei, das pernas, que estou muito doente das
minhas pernas, eu nem posso me ajoelhar. Ando. Andar, ando; mas me
ajoelhar e a coisa, não. PST10
27. Exemplica-se a próclise ao innitivo com uma frase retirada de uma mensagem de email e duas
frases de produção oral espontânea, ouvidas na região de Lisboa. As frases pertencem a mulheres de
diferentes gerações e níveis de escolaridade, sendo a autora da mensagem de email de onde foi extraída
a frase (i) licenciada.
(i) Estava a tentar me recordar se o pedido do relatório nos havia chegado formalmente
(28.04.2020)
(ii) Ontem cheguei aqui e a minha vontade era me ir embora outra vez. (s/d)
(iii) Até dá pena se comer. (04.09.2016)
Em momento posterior à redação original desta nota de rodapé, tomei conhecimento de que a mulher
licenciada que produziu a frase (i), e outras igualmente com próclise ao innitivo, é anal natural de
Câmara de Lobos. Produz igualmente frases com próclise ao particípio passado, como (iv), também
de uma mensagem de email. Note-se, porque é relevante, que usa consistentemente mesóclise com o
futuro e o condicional nos contextos estruturais tipicamente enclíticos, o que demonstra que em (iv)
o clítico está efetivamente cliticizado ao particípio passado.
(iv) Terá me escapado o seu parecer quanto ao concurso (…)? (03.07.2020)
28. Além do exemplo de próclise ao particípio passado em (27), aponto este outro de um jornalista
português:
(i) A GNR acrescentou que na sequência deste caso foi alterada a política de privacidade da página
ocial desta força no Facebook, sendo ativada a opção “aprovação de identicações” que antes
se encontrava desativada, tendo também se acedido à opção de bloqueio de parceiros “onde foi
bloqueada a página do Movimento Zero, por forma a que este tipo de situações não voltem a
ocorrer”. (Expresso online, 19.02.2021, Hugo Franco)
29. Quando o clítico se posiciona entre dois verbos, como na primeira ocorrência de (36a), a orto-
graa do CORDIAL-SIN indica próclise quando foi essa a perceção tanto da transcritora como da
revisora da transcrição. Acresce em alguns casos, como no exemplo em análise, que se houvesse subida
do clítico a informante o colocaria em próclise, não em ênclise, ao verbo nito. É possível armá-lo
analisando toda a produção da informante e vericando o padrão de colocação dos pronomes clíticos
que a caracteriza. A frase foi produzida pela informante feminina da Camacha.
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b. Não posso então lhe explicar. PIC09
c. se a gente não andar sobre ela, ela fecha tudo e não deixa a banana se
criar CDR02
d. Era raro se lavrar mais de uma vez para se semear o milho. CRV64
e. E era preciso elas se darem uma com a outra. FLF21
(37) a. E depois aquilo a gente ali todo o dia ali a remar, ali a se transpirar,
puxava-se, matava-se as baleias, vinha-se para a fábrica. CLC28
b. Essa senhora custava-se a se sentar na água GRC37
c. Bota-se a carne ali, naquela água, a ela não car muito encostada – não
sabe? –, a car a se poder mexer bem. FLF64
d. Ia trabalhar por conta de meu pai e depois calhou a ele me ensinar e
quei a fazer alguma coisa. GRC25
e. Com uma chucha, chegam a se criarem em casa. FLF66
(38) a. Sempre me tratando. O Senhor Doutor já me quis operar dos joelhos
mas eu não quis. PST10
b. E depois é que ele à maneira que a gente se foram casando é que foram
se montando… MIG04
c. Vamos mexendo aquilo dois, três dias, de manhã e à noite, vai sempre
se mexendo. PIC07
d. Tem dois paus atrás que estavam se fazendo a cruz. FLF20
(39) Meu pai é que foi lá, e disse por qual a razão que tinha me mandado da
escola. CLC11
Nas estruturas innitivas, tanto a exão como a presença da preposição a fazem
subir a percentagem de próclise que, no entanto, não precisa nem de uma nem de ou-
tra para ocorrer, como se vê em (36a-b). Ou seja, a próclise ocorre nos complexos ver-
bais com innitivo, tal como nos complexos verbais com gerúndio. Nestes últimos, a
posição do advérbio bem na frase (40) indica que o verbo se move menos do que na
variedade padrão – onde bem, que marca a fronteira do SV, ocorreria necessariamente
depois de fervendo.30 Isto poderá ser um indicador de uma maior defetividade estru-
30. Um revisor pergunta relativamente a (40): “Couldn’t bem be interpreted as an intensier for
the gerund rather than a manner adverb, thus not indicating the VP-margin? If the adverb were a
negative one (e.g., mal), which fails to act as an intensier, this would clearly indicate that the verb
has not left the VP, as the author claims”. No corpus não ocorrem outros advérbios que permitam
testar se há ou não movimento do verbo na estrutura relevante. No entanto, como intensicador, o
advérbio bem é igualmente pós-verbal no português europeu como, por exemplo, em: Eu sei/entendo
bem o que queres dizer. A palavra bem pode ser ainda um marcador de ênfase, sendo neste caso pré-
-verbal e desencadeadora de próclise (Martins 1994, 2013). Mas, como marcador enfático, bem ca
despojado do seu valor semântico básico, ao mesmo tempo que adiciona um comentário do falante
(em geral, a expressão de uma atitude crítica) ao valor denotativo da frase, o que não convém à in-
terpretação da frase (40).
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tural das orações não nitas nos dialetos açorianos e madeirenses, resultando a prócli-
se de o verbo ocupar na estrutura da frase posições mais baixas do que na variedade
padrão.31 A hipótese de estruturas funcionalmente mais reduzidas parece, contudo,
contraditória com o facto de o clítico não subir com verbos de reestruturação, como
poder em (36a-b) (cf. Gonçalves 1999). Os dados são insucientes para suportar uma
proposta de análise, mas talvez nestes dialetos os clíticos tenham condições de legiti-
mação por categorias funcionais diferentes das da variedade padrão.
(40) E depois de as couves estarem bem fervendo, põe-se então – então tem tam-
bém um bocadinho de batata da terra, também. STE20
Nos Açores, tanto nos complexos verbais com innitivo como com gerúndio,
os clíticos ocorrem igualmente em ênclise ao verbo não nito (no segundo caso uma
opção excluída na variedade padrão, embora atestada na escrita jornalística e literá-
ria). E para complicar o quadro, a subida do clítico também ocorre. Uma e a outra
possibilidade exemplicam-se com o gerúndio, começando pela ênclise, em (42). Das
onze ocorrências de complexos verbais com gerúndio nos Açores (uma com estar,
nove com ir), quatro apresentam subida e sete cliticização ao gerúndio, quatro em
próclise e três em ênclise. É de notar que a subida do clítico nos complexos verbais
com gerúndio se atesta exclusivamente nas Flores, como se exemplica em (42). Nas
Flores também há próclise ao gerúndio, como se vê em (38d), mas com o auxiliar es-
tar, enquanto as quatro ocorrências de subida do clítico são todas com ir (nas Flores,
dir’). Isto sugere que os dados não são intratáveis, apenas lacunares, só nos deixando
preencher algumas partes do puzzle. A outra localidade dos Açores em que vemos
duas colocações possíveis para o clítico nos complexos verbais com gerúndio é o Pico,
onde o clítico não sobe, mas cliticiza ao verbo no gerúndio ora em próclise ora em
ênclise. Sugerirei mais adiante possíveis motivações para este tipo de variação.
(41) a. E hoje, esses rapazes é a mesma coisa: a baleia já está quase para morrer,
fraca, mas parada em cima do mar, a gente dá a lança para os rapazes
irem experimentando-a. PIC16
b. quando vinha das terras a gente tirava-o e ia puxando-o. CLH20
(42) a. O fuso tinha uns ganchos de se ‘dir’ botando o ado FLF25
b. Pega-se com a mão e com a outra vai-se ceifando. FLF39
Relativamente à variação entre próclise e ênclise ao innitivo, é muito claro nos
Açores, onde o número total de ocorrências é mais expressivo, que há um contraste
entre o clítico acusativo de terceira pessoa e os restantes clíticos. Enquanto estes não
31. Ainda que posições diferentes nos complexos verbais com innitivo e com gerúndio, já que com
o innitivo o advérbio bem ocorre depois do verbo no corpus.
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mostram preferência assinalável por uma das posições, o clítico acusativo é muito
maioritariamente enclítico, o que nos remete para factos bem conhecidos do portu-
guês brasileiro (cf. Nunes 1993, 2019; Schei 2003). Das 98 ocorrências de cliticiza-
ção ao innitivo não preposicionado, 73 são do clítico acusativo de terceira pessoa e
25 de outros clíticos (se, lhe, me, te). Conrmando a tendência para a encliticização,
só uma das catorze ocorrências de próclise é do clítico acusativo de terceira pessoa. A
mesma tendência se observa nas orações innitivas introduzidas pela preposição a e
ainda mais notoriamente nos complexos verbais com gerúndio. É o clítico acusativo
de terceira pessoa que se vê nas três ocorrências de ênclise ao gerúndio em complexos
verbais, mas não aparece em nenhuma das quatro ocorrências de próclise.
Das orações innitivas não está excluída a duplicação do clítico, como em (43).32
(43) Chega a se estragar-se. GRC38
A frase (43) mostra-nos que a regra pós-sintática de reduplicação/metátese (Har-
ris e Halle 2005; Magro 2007) também se aplica nas orações innitivas, podendo,
portanto, inverter a ordem inicial clítico-verbo. Logo, algumas colocações enclíticas
poderão resultar deste processo morfológico, encobrindo o que nalgumas áreas diale-
tais poderá ser uma sintaxe tipicamente proclítica em domínios não nitos. Mas esta
é uma hipótese que a insuciência dos dados disponíveis apenas nos permite apontar.
Em todo o caso, parece-me relevante lembrar que a próclise em domínios não nitos
está bem representada no português angolano, que não tem a próclise generalizada
do português brasileiro. Os exemplos que se seguem são retirados de Mutali (2019) e
pertencem aos escritores angolanos, falantes nativos do português, Ondjaki (Luanda,
1977) – Os da Minha Rua, Os Transparentes – e Pepetela (Benguela, 1941) – A Sul. O
Sombreiro. Nas três obras destes autores estudadas por Mutali (2019), as percentagens
de próclise vs. ênclise em domínios não nitos são as que se mostra na tabela 14 e
comprovam o peso muito signicativo da próclise.33
32. A reduplicação ocorre também numa oração innitiva introduzida pela preposição sem e a inter-
polação em innitivas introduzidas por para, como exemplicado abaixo.
(i) Sem lhe cortar-lhe a cabeça, ela está sempre mexendo, sempre mexendo, sempre. MIG4
(ii) Um garnel para lhe eles não foçar. MIG09
(iii) E depois ia-se ao lameiro, botava-se aquilo num remendo para se então untar toda, toda, toda,
para car ali. STE01
33. Mutali (2019: 117) propõe a escala de expansão da próclise no português angolano que se apre-
senta em (i), com as orações innitivas a revelarem-se o contexto mais permeável à mudança. O para-
lelismo com os dialetos açorianos e madeirenses limita-se aos domínios não nitos
(i) Innitivas com preposição > Innitivas sem preposição > Finitas não V1 > Finitas V1/Gerúndio
> Particípio Passado
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(44) a. então menti que o meu pai estava maldisposto e eu não tinha consegui-
do lhe acordar. (Os da Minha Rua)
b. — podem só me devolver a chave do cadeado? (Os Transparentes)
c. Por acaso a camarada professora de português era bem porreira e nunca
chegámos a lhe alcunhar. (Os da Minha Rua)
d. A culpa é da mãe, sempre a lhe meter ideias na cabeça. (A Sul.
O Sombreiro)
e. A ideia era evitar Luanda e nos metermos pelo Kongo. (A Sul.
O Sombreiro)
f. Se era para matar, porquê terem tanto trabalho a nos trazerem aqui? (A
Sul. O Sombreiro)
g. «por mais que eu faça, não adianta, você nem nota, minha existência; e
os dias passam correndo, vou acabar te perdendo, e os dias passam corren-
do, vou acabar te perdendo...». (Os da Minha Rua)
h. Não perdera o ar preocupado, mas relaxou um pouco, se recostando
para trás na cadeira. (A Sul. O Sombreiro)
i. Por alguma razão o meu pai ainda não tinha me chamado para eu vir
provar. (Os da Minha Rua)
j. fecha o jornal que já tou arrependido de ter te mostrado essa merda (Os
Transparentes)
 - 
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Próclise 155/426
36,4%
34/84
40,5%
18/36
50%
9/10
90%
49/138
35,5%
5/36
13,9%
270/730
37%
Ênclise 271/426
63,6%
50/84
59,5%
18/36
50%
1/10
10%
89/138
64,5%
31/36
86,1%
460/730
63%
Tabela 14. Próclise/Ênclise em domínios não nitos em Pepetela e Ondjaki, segundo Mutali (2019)
Por m, chamo a atenção para a frase (45), onde o clítico parece estar proclítico
não ao verbo mas à oração innitiva preposicionada (comportando-se como projeção
máxima e não como núcleo), pois precede a preposição a. Trata-se de um exemplo
único, que eu talvez tivesse tomado por erro de produção se não zesse tocar algumas
campainhas. De facto, a frase (45) deixa de estar isolada quando a comparamos com
dados ans. Primeiro, em (46), mostram-se atestações retiradas de um romance de
Ondjaki, que devo a Hilário Nambale.34 Seguem-se, em (47), exemplos do português
europeu colhidos na internet, em diversas fontes, incluindo os agradecimentos de um
relatório de estágio para obtenção do grau de mestre. A pesquisa, usando o Google, foi
34. Fica aqui expresso o meu agradecimento ao Hilário por ter descoberto estes dados ao realizar um
trabalho no âmbito do seminário de mestrado em Linguística Histórica.
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fácil, porque me recordava de ter ‘ouvido em agrante a um homem jovem’ (como di-
ria Leite de Vasconcelos) a frase Estão sempre m’a dizer que pareço alentejano. O exemplo
em (47f) foi-me enviado, com registo sonoro, por Sandra Pereira, a quem o agradeço.
(45) E ele me a chamar depressa para eu saltar para dentro do barco, e só vi a
água dele, não vi… PIC34
(46) a. Tás ma seguir? (Quantas Madrugadas Tem a Noite)
b. É isso que tou ta falar, dá pra um gajo pôr dúvida: é melhor viver assim
ou morrer já? (idem)
c. toma masé atenção, tou ta pôr é casos bem humanos (idem)
(47) a. São estas coisas que me revoltam. Andei eu durante mais de um ano
sempre me a inscrever em todos os concursos para ter o apoio da porta
65 com tudo legal e contratos tudo correcto tudo direitinho, e nunca
me atribuíram a ajuda ate que já desisti https://pplware.sapo.pt/infor-
macao/porta-65-jovem-fraudes-obrigam-a-devolver-3-milhoes-de-eu-
ros/
b. mais uma vez muito obrigada e desculpa andarmos sempre te a melgar,
mas como somos novas pré-mamas surgem mt duvidas https://demae-
paramae.pt/forum/29804?page=1
c. Exacto kom a tua ajuda mas a mae...do bebe em kestao...Ri se ... e
comenta “Ele é dicil eu sei” e ta sempre lhe a dar colo :s https://de-
maeparamae.pt/forum/como-desabituar
d. Pois e isso das sogras tem muito k se lhe diga!! A minha ta sempre se a
meter e agora a tempos veio com uma conversa… https://demaepara-
mae.pt/forum/sogra-digam-se-encrenca-minha
e. Se comparas o vieira a uma dessas personagens eu comparo-te àque-
les malucos que cam a gritar na rua “arrependam-se antes que seja
tarde, jesus cristo está a chegar”, ou com políticos que estão sempre
se a queixar do governo e constantemente são arrasados nas eleições...
https://geracaobenca.blogspot.com/2012/08/contra-os-idiotas-para-
bens-vieira-e.html?m=1
f. Quando é o próprio estado me a dizer não podes, para mim é contradi-
tório. (Linha da Frente, RTP1, 21:16m, 11.03.2021, Lina Lourenço)
https://www.rtp.pt/play/p8165/e530342/linha-da-frente
Os dados apresentados nesta secção fazem-me voltar a uma ideia que já expus
em trabalhos anteriores. O sistema de colocação dos pronomes clíticos no português
europeu é muito complexo e essa complexidade alia-se naturalmente a uma certa
margem de variação, que pode ser percentualmente baixa e estável ao longo do tem-
po, mas pode também, em circunstâncias particulares, tornar-se mais expressiva e
propiciadora de mudança.
Microvariação na sintaxe dos clíticos: os dialetos portugueses dos Açores e Madeira
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5. Conclusão: variação, estabilidade e mudança linguísticas
Os dialetos açorianos e madeirenses mostram dois tipos de variação na colocação
dos pronomes clíticos, contra um pano de fundo que é o sistema de colocação dos
pronomes clíticos geral no português europeu e, portanto, comum a todos os seus
dialetos. Uma das facetas da variação, a ênclise atípica ao verbo nito, foi já estudada
por Magro (2007, 2010) e os dados açorianos e madeirenses conrmam inteiramente
a análise que propõe, derivando esta variante da aplicação de uma regra pós-sintá-
tica (morfológica, no quadro teórico da Morfologia Distribuída) de reduplicação/
metátese (Harris e Halle 2005). O que o presente estudo traz de novo é a observação
de que a ênclise atípica pode resultar também de especicidades léxico-gramaticais
(certos advérbios) e estruturais (por exemplo, as relativas cortadoras e resuntivas).
Por isso, contrariamente ao que prediria a simples metátese pós-sintática, tem graus
de incidência diferentes conforme o contexto sintático, numa escala que é constante
através de diferentes dialetos (na base da escala estão as frases negativas e no topo as
subordinadas relativas e as frases com advérbios tipicamente proclisadores). A outra
faceta da variação observada nos dialetos açorianos e madeirenses é a próclise atípica
ao innitivo, gerúndio e, mais raramente, particípio passado, a qual não mereceu até
agora atenção idêntica à que foi dedicada à ênclise atípica. Os dois tipos de colocação
atípica ocorrem, portanto, em domínios sintáticos disjuntos (a primeira nas frases
nitas e a segunda nas não nitas) e não há correlação entre os dois tipos de fenó-
meno. Nos dialetos estudados, a localidade com menor presença da ênclise atípica
(a Camacha, na ilha de Porto Santo) tem a expressão mais forte da próclise atípica.
Além disso, a próclise atípica parece ser um fenómeno propriamente sintático (e não
pós-sintático), ainda que os dados disponibilizados pelo CORDIAL-SIN sejam insu-
cientes para avançar uma hipótese de análise formal. Interessantemente, a próclise
atípica dos dialetos portugueses tem correlatos em variedades não europeias do por-
tuguês, o que não parece acontecer com a ênclise atípica, cujas instanciações alterna-
tivas são a interpolação e a duplicação do clítico. Sendo embora fenómenos distintos,
próclise atípica e ênclise atípica não são incompatíveis, podendo coexistir e cruzar-se
no mesmo dialeto. De facto, nos dialetos que admitem os dois tipos de atipicidade, os
proclíticos das orações innitivas podem alterar a sua posição relativamente ao verbo
como resultado da aplicação da regra de reduplicação/metátese, independentemente
de serem casos de próclise típica ou atípica. Este facto constitui evidência adicional
de que a próclise atípica é derivada na sintaxe.
Na comparação entre os dialetos estudados, vemos o arquipélago dos Açores a
mostrar percentagens de ocorrência relativamente baixas, ainda que signicativas, das
colocações atípicas e uma certa homogeneidade interna que, embora deixe margem
para casos de microvariação, não congura sub-regiões. No arquipélago da Madeira,
pelo contrário, emerge uma separação clara entre a ilha da Madeira (representada no
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CORDIAL-SIN por Câmara de Lobos e Caniçal) e a ilha de Porto Santo (representa-
da sobretudo pela informante feminina da Camacha).35 A ilha da Madeira destaca-se
pela elevada percentagem de ocorrências de ênclise atípica. Poderá pensar-se que o
sistema de colocação dos clíticos está, nas localidades em causa, a mudar? A minha
resposta cautelosa é “não”, porque qualitativamente nada de signicativo distingue
os dados da ilha da Madeira dos dados dos outros dialetos. O que vemos é a regra
de reduplicação/metátese a ser mais produtiva (e mais restritiva porque não deriva
a interpolação) na ilha da Madeira. Mas sendo uma regra pós-sintática, ainda que a
sua produtividade aumente continuará a ser compatível com a derivação na sintaxe
daquilo que é o padrão geral de colocação dos clíticos no português europeu. Acresce
que, possivelmente, a sintaxe das orações relativas e especicidades de alguns advér-
bios serão responsáveis por uma boa parte da ênclise atípica observada na Madeira.
E quanto à próclise atípica? Temos 100% de ocorrências em Porto Santo, mas em
números absolutos são meia dúzia de atestações, o que não nos autoriza a retirar con-
clusões. Ainda assim, parece-me relevante a comparação com o português angolano,
onde se assiste a uma mudança em curso na direção da próclise que parece ter maior
incidência nos domínios não nitos (cf. nota 32). Não quero com isto dizer, claro,
que tenha a expectativa de que o português de Porto Santo venha a mudar similar-
mente ao português angolano. O que quero dizer é que o sistema de colocação dos
pronomes clíticos no português europeu é compatível com margens de variação que,
independentemente de serem mais residuais ou mais expressivas, podem manter-se
estáveis ao longo do tempo ou, pelo contrário, quando abaladas no seu equilíbrio
natural por fatores externos, ser o fermento de mudanças. Até agora, a história do
português fora da Europa só demonstra que pode evoluir no sentido da expansão e
generalização da próclise.
35. Cf. Brissos, Gillier e Saramago (2016). Neste artigo, a partir de um estudo do léxico numa perspe-
tiva dialetométrica, os autores concluem que “a variação lexical madeirense não é dispersa, distribuin-
do-se antes de forma coerente, nomeadamente na distinção centro-oriente da ilha da Madeira versus
ocidente da ilha da Madeira + Porto Santo”.
Microvariação na sintaxe dos clíticos: os dialetos portugueses dos Açores e Madeira
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Agradecimentos
O meu sincero agradecimento pelos comentários e sugestões de dois revisores anóni-
mos.
Financiamento
Este trabalho foi nanciado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a
Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito dos projetos UIDB/00214/2020 e SynAPse,
PTDC/LLT-LIN/32086/2017.
Corpus
Martins, Ana Maria (coord.). 2000-. CORDIAL-SIN: Corpus Dialectal para o Estudo
da Sintaxe / Syntax-oriented Corpus of Portuguese Dialects. CC licensed: CORDIAL-
-SIN by Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. http://clul.ulisboa.pt/re-
curso/cordial-sin-syntax-oriented-corpus-portuguese-dialects
Ana Maria Martins
DOI http://dx.doi.org/10.15304/elg.13.6997 © 2021 Estudos de Lingüística Galega 13: 67-105104
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Chapter
Portuguese is the second most spoken Romance language in the world, and due to recent interest in comparative syntax, the literature on its syntax has increased exponentially, resulting in exciting discoveries of a range of aspects that have hitherto been overlooked. This book provides a theoretically grounded overview of the major syntactic properties of Portuguese, focusing on the differences between European and Brazilian Portuguese. It shows from a theoretical point of view how different syntactic properties are interconnected by comparing and contrasting the variances between pronominal and agreement systems, null subjects, null complements, and word order. It also highlights how small differences in the specification of syntactic properties may yield quite different dialects. It introduces key theoretical points without technical jargon, making the content accessible to specialist and non-specialists alike. It is essential reading for both academic researchers and students of Portuguese language, comparative syntax, Romance linguistics, and theoretical syntax.
Thesis
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This dissertation presents an analysis of verbal complex predicates in European Portugueses in the framework of the Minimalist Program. Restructuring and FAIRE-Inf constructions are the focus of study.
Article
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The accent pattern known as verum focus is commonly understood as an ordinary alternative focus on the truth of a proposition. This standard view, which we call the focus accent thesis (FAT), can be contrasted with the lexical operator thesis (LOT), according to which the accent pattern that looks like focus in languages like German or English is actually not an instance of focus marking, but realizes a lexical verum predicate, whose function is to relate the current proposition to a question under discussion. Although it is hard to distinguish between the FAT and the LOT on the basis of German or English, a broader cross-linguistic perspective seems to favor the LOT. Drawing from fieldwork on Tsimshianic (Gitksan) and Chadic (Bura, South Marghi), we first show that in none of these languages is verum realized in the same way that ordinary alternative focus is marked. This sheds initial doubt on the unity of verum and focus. Secondly, the FAT predicts that a language cannot have co-occuring verum and focus, if it does not allow multiple foci, and that a language should allow them to co-occur if it allows for multiple foci. Again, while it is hard to find counterexamples in German or English, some of the data from our cross-linguistic investigation favor the LOT.
Article
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Abstract Only very recently has research been developed on the syntactic variation in Spoken European Portuguese Varieties in Funchal (Madeira Island). This research is largely due to the Agreement Project (Projeto Concordância) which involves the participation of both Portuguese and Brazilian researchers. In this project, an Agreement Corpus, or Corpus Concordância, was established, with 27 sociolinguistically controlled interviews which are integrated in the, Sociolinguistic Corpus of Funchal (Corpus Sociolingístico do Funchal, or CSF). This article, based on the assumptions of Variationist Sociolinguistics, in particular the importance of social variables in linguistic variation, intends to contribute to the syntactic characterization of the Popular European Portuguese Spoken in Funchal (or PEP-Funchal). The results of several studies on variable syntactic phenomena – pronominal realization of the direct object function and the variable verbal third-person plural agreement, among others – demonstrate a marked preference for non-standard uses in Madeiran speakers with little schooling, who are more or less stigmatized in the community. This variety has its own structural characteristics, whose sociolinguistic nature carries identity features, configured in a Madeiran Popular Portuguese. Keywords: Sociolinguistic Variation; Popular European Portuguese Spoken Variety of Funchal; Syntactic Variation; Madeira Island Resumo A investigação sobre variação sintática nas variedades do português europeu falado no Funchal (ilha da Madeira) só muito recentemente tem vindo a ser desenvolvida, em grande parte graças ao Projeto Concordância, que envolve a participação de investigadores portugueses e brasileiros. No âmbito deste projeto foi criado o Corpus Concordância, com 27 entrevistas sociolinguisticamente controladas e que integra o Corpus Sociolinguístico do Funchal (CSF). Este artigo, fundamentado nos pressupostos da Sociolinguística Variacionista, na importância das variáveis sociais na variação linguística, em particular, pretende contribuir para a caracterização sintática da variedade do português europeu popular falado no Funchal (ou PEP-Funchal). Os resultados de vários estudos realizados sobre fenómenos sintáticos variáveis – realização pronominal da função objeto direto, concordância verbal de terceira pessoa do plural, a construção existencial com o verbo ter, entre outros – mostram uma preferência marcada por usos não-padrão por parte de falantes madeirenses com poucos anos de escolaridade, mais ou menos estigmatizados na comunidade de fala em foco. Esta variedade possui características estruturais próprias, cuja natureza sociolinguística carrega traços identitários, configurados num português popular madeirense. Palavras-chave: Sociolinguística Variacionista; Variedade Português Europeu Popular do Funchal; Variação Sintática; Ilha da Madeira
Chapter
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Neste capítulo descreve-se a colocação dos pronomes clíticos no português europeu contemporâneo, pondo em destaque as especificidades do português europeu no quadro das línguas românicas. Depois oferece-se uma perspetiva diacrónica que identifica os pontos de estabilidade e de mudança no sistema de colocação dos pronomes clíticos e mostra como, ao longo do tempo, o português divergiu sintaticamente de outras línguas ibéricas com as quais partilhava, no período medieval, um padrão idêntico de distribuição da próclise e da ênclise. Neste percurso de divergência, o português preserva aspetos centrais do sistema original, em contraste com línguas como o espanhol e o catalão. O capítulo aborda ainda a questão da interpolação (i.e. a descontinuidade entre clítico e verbo) e esclarece que a interpolação dialetal observável no português europeu contemporâneo não é a continuação da interpolação medieval. Ao longo do capítulo identificam-se questões em aberto relativamente ao tópico em análise. Keywords: padrões de colocação dos pronomes clíticos, ênclise/próclise, interpolação, mudança sintática, variedades do português 1 Introdução O padrão de colocação dos pronomes clíticos apresenta, no português europeu, especificidades que o afastam bastante dos padrões de colocação, mais simples, da maior parte das línguas românicas. Com o português europeu alinham apenas o galego (Álvarez/Xove 2002) e, parcialmente, o asturiano (González i Planas 2007; Fernández-Rubiera 2006; 2009; 2010). Numa perspetiva diacrónica, o português europeu mantém, no entanto, um sistema de colocação dos pronomes clíticos que, em aspetos essenciais, era partilhado com as outras línguas românicas medievais. A sua complexidade poderá estar na origem dos processos evolutivos, no sentido da simplificação, que virão a ocorrer no seio da família românica e que levarão à diversidade de padrões de colocação dos pronomes clíticos que hoje conhecemos. A complexidade do sistema de colocação dos pronomes clíticos está também na base da aquisição mais tardia deste aspeto da sintaxe pelas crianças portuguesas, comparativamente às crianças francesas, italianas ou espanholas (cf. Costa/Fiéis/Lobo 2014) e não é menos desafiante para quem aprende o português europeu como segunda língua (cf. Madeira/Xavier 2009). No quadro românico, o português brasileiro falado tem o sistema mais simples, pois apresenta próclise generalizada, com o clítico a ocorrer sempre imediatamente antes do
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This highly original monograph treats movement operations within the Minimalist Program. Jairo Nunes argues that traces are not grammatical primitives and that their properties follow from deeper features of the system, and, in particular, that the phonetic realization of traces is determined by linearization computations coupled with economy conditions regarding deletion. He proposes a version of the copy theory of movement according to which movement must be construed as a description of the interaction of the independent operations Copy, Merge, Form Chain, and Chain Reduction. Empirical evidence to support this claim includes instances of "sideward movement" between subtrees in a derivation. According to this analysis, the linearization of chains in the phonological component constrains sideward movement so that it is possible to account for standard properties of multiple gap constructions, including parasitic gap and ATB constructions, without construction-specific operations or principles that are not independently motivated. Theoretical linguists will find Linearization of Chains and Sideward Movement of great interest both theoretically and empirically. The version of the copy theory of movement proposed by Nunes will stir debate and shape future research in the field.
Article
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One of the main syntactic properties that characterizes Brazilian Portuguese (BP) is the loss of the third person accusative clitics o(s)/a(s) and their allomorphs. As is well documented in the literature, in BP these elements are associated with formal education and formal registers of speech and writing. In this paper I investigate the theoretical status of these elements once they are “added” to the core grammar of BP through schooling. Based on their intricate pattern of syntactic placement, I argue that o(s)/a(s) are not acquired as clitics in the relevant registers of BP, but rather as (object) agreement markers
Article
Despite constituting one of the most idiosyncratic varieties of European Portuguese, the dialects of Madeira and Porto Santo still lack a comprehensive characterization. This paper proposes a first classification of these dialects using a dialectometrical analysis of lexicon collected at the relevant enquiry locales of the Linguistic and Ethnographic Atlas of Portugal and Galicia. Results show that: each island is not a primary dialectal entity per se; the region’s main dialectal contrast is established by central-eastern Madeira versus western Madeira and Porto Santo; the latter’s inclusion in the western Madeira group suggests a strong dialectal unity of the whole region.