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Ensaio sobre o ensino e as aprendizagens a distância
10 proposições para organizar as aprendizagens on-line
Tempo primeiro:
março de 2020 – encerramento abrupto das escolas; esforço coletivo heroico(?) para a operacionalização do
ensino a distância; multiplicidade de cenários (abandono escolar; ensino por correspondência; #estudo em
casa; e-mails; moodle; whatsApp; zoom; teams; skype; meet; socrative; kahoot; quizizz, etc.).
Conclusões centrais: aumento da literacia digital (não para todos); entusiasmo inicial – dormência – apatia. A
escola presencial é um bem inalienável.
Tempo segundo:
janeiro de 2021 – encerramento abrupto da escola presencial, pièce de résistance às novas variantes da COVID-
19; interrupção das atividades letivas e não letivas em todas as escolas – agitação política – ziguezaguear nos
conceitos e nas ações – novo ciclo (ansiado/indesejado; estruturado/indefinido) de ensino a distância.
1 – Contextos
Múltiplos serão os meios através dos quais as propostas pedagógicas chegarão até aos alunos: escolas de
acolhimento, takeaway de recursos didáticos, ecrã de televisão, visor de um telemóvel ou tablet, computador
com ou sem câmara e microfone incorporados, com ou sem capacidade para impressão de materiais. Diversos
serão os espaços em que estes procurarão aprender, desde o mais confortável e insonorizado dos cómodos
ao mais repartido e ruidoso dos compartimentos. Distintos serão, também, os ambientes, pautados pela
presença ou ausência dos pais (eventualmente em teletrabalho e com reduzida capacidade de assistência) e
de outros elementos do agregado familiar, tais como irmãos mais novos, que lhes apresentam a tentação do
modo de lazer, ou irmãos mais velhos, que impõem o necessário silêncio para o cumprimento dos seus
objetivos. Assim, torna-se essencial um olhar de diagnose em torno dos ambientes associados à banda larga
de cada um dos alunos para que a escolha das estratégias de ensino-aprendizagem seja a mais ajustada
possível ao somatório das salas de aula em funcionamento.
2 – Comunicação
O comportamento hiperativo dos media expande a sombra da desinformação, pois os sucessivos flashes de
dados geram dispersão e alienação, ao invés de orientação e lucidez. A este frenesim somam-se inúmeras
restrições ao nível dos contactos diretos, pelo que o distanciamento imposto demanda especial atenção no
que respeita às interações (lideranças-professores e famílias, professores-alunos e alunos-alunos) que se
venham a estabelecer. As mais variadas e possíveis interpretações do que se lê, a cadência, quase telegráfica
e, marcadamente, unilateral do que se ouve e a camada superficial do que se vê expõem a necessidade de
clareza, transparência, afeto e, sobretudo, de VERDADE na comunicação.
3 – Tecnologia
Inovação tecnológica não é sinónimo de inovação pedagógica. Porém, nestes tempos de pandemia, a
tecnologia tem-se revelado tábua de salvação para a pedagogia possível. Diversos são os canais ao serviço da
instrução, estimulação e socialização. Procure-se, então, o equilíbrio na materialização desta tríade e afaste-
se o risco da dispersão por aplicações e plataformas, sob pena de permanecermos reféns das coisas e à
distância das aprendizagens.
4 – Ofícios do professor, do aluno e das famílias
Mudam-se os contextos, mudam-se os modos, mudam-se os meios. Mantêm-se os papéis?
O aumento súbito da porosidade das fronteiras das salas de aula torna-as demasiado permeáveis a expetativas,
juízos de valor e interferências de outros agentes. Vivencia-se o dilema do tudo dizer (professor-mestre) e do
tudo ouvir (aluno-discípulo), em paralelo com a tónica construtivista do professor facilitador das aprendizagens
e do aluno ativo, detentor de maior autonomia e capacidade de descoberta na aprendizagem das coisas.
Respeitem-se as fronteiras e os intervenientes, explorem-se novos papéis, tolere-se a imperfeição.
5 – Estratégias de ensino-aprendizagem
Não existe a estratégia de ensino-aprendizagem mais eficaz. A escolha do método encontra-se dependente
das aprendizagens a alcançar. Nesse sentido e, parafraseando Mia Couto, deve preocupar-nos fazer estrada
para que o aluno evolua, mediante a diversificação de meios e modos. Igualmente difícil é criar rotinas,
essenciais à aprendizagem, num regime de ensino que depressa conduz ao marasmo, em que o que funciona
bem com uma turma/aluno pode não funcionar com outra/outro; em que o que hoje traz satisfação e
segurança, amanhã pode traduzir-se em frustração. Assim, é prioritário perspetivar o que se pretende que o
aluno aprenda e, em função disso, delinear e acionar as técnicas e estratégias mais adequadas. Evite-se,
portanto, o vazio do mero ligar da câmara e os excessos de um ensino fogo-de-artifício.
6 – Avaliação
A avaliação, nas suas múltiplas faces, corresponde a um dos pontos-chave de qualquer sistema educativo. No
regime on-line ampliam-se os problemas em torno da validade e da fiabilidade dos instrumentos de avaliação
e, consequentemente, dos resultados obtidos e do conhecimento construído. Nem uma avaliação
marcadamente formativa, com enfoque na oralidade parece neutralizar o xico-espertismo da ocasião, dada a
sua imersão num paradigma, globalmente, quantitativo e certificador. Busque-se a triangulação de dados,
assente num equilíbrio difícil entre a economia de tempo, de recursos e de feedback, tendo em vista a
monitorização dos impactos e a melhoria da qualidade das aprendizagens.
7 – Afetividade
A pandemia confinou abraços, ocultou sorrisos, cristalizou empregos, matematizou mortes.
A pessoa que habita nos alunos e nos professores não pode, por isso, ser indiferente à realidade social, até
porque dela faz parte. Quantos professores, alunos e famílias viram o seu mundo virado do avesso? Mimetizar
a escola pré-COVID, em pleno combate, é, pois, cultivar uma lógica faz-de-conta com repercussões a nível
académico, mas também a nível pessoal e emocional.
Não ignoremos o óbvio, não nos escudemos com tecnicismo. Cultivemos a gestão de emoções, fundamental
para o equilíbrio e desenvolvimento humano.
8 – Reflexão
Uma ação concertada sustenta-se num saber estruturado, prudencial e que continuamente se interroga. A
metacognição permite compreender os fatores responsáveis por uma dada situação, evitando juízos
precipitados e comportamentos impulsivos. Preservemos, assim, a vontade de conversar e a capacidade de
nos colocarmos no lugar de um outro, sobretudo nesta fase, em que o olho no olho foi substituído pelo
espreitar a partir de uma janela.
9 – Colaboração
A colaboração pode ser vista, simultaneamente, como estratégia e desafio. Estratégia para o alívio da carga de
trabalho associado à elaboração de recursos didáticos, para a partilha de experiências, para um aumento da
capacidade de resolução de problemas, para uma maior segurança na tomada de decisões; Desafio pois se
enquanto cultura profissional docente, em regime presencial, apresenta uma ampla margem de melhoria, à
distância, em virtude das interações ad-hoc, incorre no risco de se tornar residual, face ao isolamento e à
balcanização.
10 – Liderança
Em tempos tão críticos como estes, as organizações escolares devem procurar adotar estruturas dotadas de
uma maior fluidez, colocar em prática modelos centrados no trabalho em rede e tirar partido das capabilidades
das pessoas que as compõem. Esta Liderança, claramente, situacional deve colocar as aprendizagens no centro
da tomada de decisões e tornar-se mais distribuída, pois o trabalho a distância, ao limitar as interações sociais,
exige níveis de autodisciplina, apenas alcançáveis, quando a pessoa é um agente ativo num compromisso
coletivo.
Helder Martins
fevereiro 2021