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Abstract

O estudo das relações de trabalho (ou das relações industriais, termo utilizado pela literatura anglo-saxã) tem sido tradicionalmente realizado a partir de conceitos oriundos de referenciais teóricos conser-vadores, como a teoria do sistema de relações industriais, elaborada pelo norte-americano John Dunlop. Embora tenha sido bastante criticada por seu caráter estático e hierarquizado, o aparato conceitual proposto por Dunlop é ainda utilizado por estudiosos interessados em analisar as re-gras que regem as relações de trabalho, mesmo que suas abordagens te-nham um caráter progressista.O objetivo desta comunicação é apresentar as críticas feitas à teoria de Dunlop por autores ligados à perspectiva teórica marxista. Pretendese, especialmente, indicar as contribuições trazidas, a partir dos anos 70,por Richard Hyman, Robert Cox e John Kelly para o estudo das relaçõesde trabalho.
CADERNOS CEMARX, n.1 2004 37
MARXISMO E RELAÇÕES
DE TRABALHO
ANDRÉIA GALVÃO1
O estudo das relações de trabalho (ou das relações industriais,
termo utilizado pela literatura anglo-saxã) tem sido tradicionalmente
realizado a partir de conceitos oriundos de referenciais teóricos conser-
vadores, como a teoria do sistema de relações industriais, elaborada pelo
norte-americano John Dunlop2. Embora tenha sido bastante criticada por
seu caráter estático e hierarquizado, o aparato conceitual proposto por
Dunlop é ainda utilizado por estudiosos interessados em analisar as re-
gras que regem as relações de trabalho, mesmo que suas abordagens te-
nham um caráter progressista3.
O objetivo desta comunicação é apresentar as críticas feitas à teoria
de Dunlop por autores ligados à perspectiva teórica marxista. Pretende-
1 Doutora em Ciências Sociais pelo Instituo de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora do Departamento de Ciên-
cia Política da mesma Universidade.
2 John Dunlop, Industrial Relations Systems. Boston, Massachussetts: Harvard Business
Scholl Press, 1993 [1958].
3 Essa teoria foi retomada principalmente pela sociologia do trabalho francesa. Ver, a
respeito, Jean-Daniel Reynaud (dir.), Systèmes des relations professionnelles: un
examen théorique. Lyon: Éditions du CNRS, 1991; Gregor Murray, Marie-Laure
Morin, Isabel Da Costa, L’état des relations professionnelles traditions et
perspectives de recherche. Toulouse: Octares Editions, 1996. Sua incorporação na
literatura brasileira se deu especialmente através da economia do trabalho. Cf. Claudio
S. Dedecca, Racionalização econômica e trabalho no capitalismo avançado. Campi-
nas, S.P. :Unicamp/IE, 1999.
38 MARXISMO E RELAÇÕES DE TRABALHO
se, especialmente, indicar as contribuições trazidas, a partir dos anos 70,
por Richard Hyman4, Robert Cox5 e John Kelly6 para o estudo das rela-
ções de trabalho.
******
A noção de sistema de relações industriais inspira-se na concepção
parsoniana de sistema social. Para a abordagem sistêmica, um sistema de
relações industriais é um conjunto de instituições, práticas e procedimentos
destinados à produção das regras que regem as relações de trabalho. É com-
posto por “certos atores, certos contextos, uma ideologia que unifica o sis-
tema como um todo, enfim por um corpo de regras cuja finalidade é reger os
atores em seu lugar de trabalho e em sua vida no trabalho”7.
O termo ator refere-se àquele que age ou reage. São eles: as organi-
zações dos trabalhadores e do patronato (que não precisam ser formais) e as
instituições públicas especializadas, destinadas a assistir os dois “atores” em
suas relações. Os “atores” de um sistema de relações industriais interagem
no interior de uma rede ou meio, que compreende três elementos ou subsis-
temas: 1) o contexto tecnológico que enquadra as condições de trabalho e a
vida no trabalho; 2) os constrangimentos econômicos e financeiros que pe-
sam sobre os “atores”; 3) o contexto político, isto é, as relações de poder e a
distribuição do poder na sociedade. Os “atores” que agem nos diferentes
contextos se articulam por meio de uma ideologia concebida pelo autor
como um conjunto de idéias e valores comuns , que assegura a estabilidade
do sistema na medida em que une os “atores”, possibilitando que se reco-
nheçam como interlocutores legítimos.
4 Richard Hyman, Industrial relations: a marxist introduction. London: The Macmillan
Press, 1975 e “La théorie des rélations industrielles: une analyse matérialiste”,
Sociologie du Travail 4, 1979.
5 Robert Cox, “Pour une étude prospective des relations de production”, Sociologie du
Travail, 2, 1977 e Production, power and world order. New York: Columbia Uni-
versity Press, 1987.
6 John Kelly, Rethinking industrial relations. Mobilization, collectivism and long waves.
Routledge: London School of Economics, 1998.
7 Dunlop, Industrial Relations Systems, op. cit, p. 47.
CADERNOS CEMARX, n.1 2004 39
Os elementos que compõem o sistema são interdependentes: cada
um possui uma função que lhes permite contribuir à manutenção e ao equi-
líbrio do todo. Embora Dunlop não negue a existência de conflitos de inte-
resse entre empregadores e empregados, destaca a necessidade de atenuar e
gerir esses conflitos através da negociação coletiva e dos demais elementos
que integram o sistema. Parte do pressuposto de que os conflitos entre traba-
lhadores e empregadores, “desde que sejam enunciados claramente pelas
instituições representativas legítimas, podem ser facilmente contidos e de-
sarmados”8. O conflito é percebido como um sintoma superficial, uma dis-
função ou um mal entendido, desempenhando um papel negligenciável9.
Trata-se, portanto, de uma reação ao conceito marxista de relações de pro-
dução, que remete ao antagonismo de interesses que marca a relação entre
capital e trabalho e à dinâmica da luta de classes10.
De uma perspectiva marxista, o termo sistema de relações industriais
e seus equivalentes constitui um eufemismo destinado a encobrir as tensões
e os conflitos existentes na relação capital X trabalho. Para o sociólogo in-
glês Richard Hyman (1975), trata-se de um conceito descritivo e não expli-
cativo, que insiste na necessidade de conter e controlar os conflitos, calan-
do-se sobre as razões de seu surgimento. Ao apontar os limites e as insufici-
ências dessa tradição, Hyman (1979) insiste que o conflito pode ser tanto
agudo quanto latente: o fato do conflito não se manifestar abertamente não
significa que ele deixou de existir.
8 Hyman, Industrial relations: a marxist introduction, op. cit., p. 421.
9 François Sellier, Les relations industrielles - principes et politiques. Paris, PUF, 1976.
10 O debate aqui apresentado retoma, portanto, oposições epistemológicas que remontam
aos primórdios da sociologia. Enquanto Marx buscou compreender o funcionamento
das relações de produção capitalista a fim de desvendar suas contradições e refletir so-
bre as possibilidades de superação do modo de produção capitalista, Durkheim tratou
de considerá-las a partir de uma preocupação de ordem moral, compreendendo a divi-
são do trabalho alcançada pela grande indústria como fator de solidariedade e integra-
ção social. Com efeito, a teoria dunlopiana “tornou-se, nos anos 1950, a principal rival
do marxismo para interpretar os problemas sociais e os problemas do trabalho ” (Piore,
Michael “Critiques sur le systeme de relations professionnelles de Dunlop” In: Jean-
Daniel Reynaud (dir.), Systèmes des relations professionnelles: un examen théorique.
Lyon: Éditions du CNRS, 1991, p. 320.
40 MARXISMO E RELAÇÕES DE TRABALHO
A primeira crítica que Hyman dirige à abordagem sistêmica é que
ela pressupõe que as relações entre empregadores e trabalhadores são ge-
ralmente estáveis e ordenadas, descartando as contradições sociais e a exis-
tência de interesses antagônicos. Seu objetivo, ao contrário, é abordar as
relações industriais enquanto relações de exploração e dominação, obser-
vando-as à luz da luta de classes. Sua análise compreende as relações capital
X trabalho como um elemento da totalidade das relações sociais de produ-
ção que, longe de apresentarem um comportamento estável, compatível e
integrado, possuem um caráter dinâmico e contraditório (Hyman, 1975).
O desenvolvimento teórico proposto por Hyman contempla a noção
de praxis, freqüentemente esquecida pelas diversas correntes de pensamento
que acusam o marxismo de ignorar a dimensão subjetiva, o papel dos “ato-
res sociais”, como se esses fossem impotentes, incapazes de qualquer ação
autônoma, simples marionetes manipuladas por estruturas impessoais que
determinariam de antemão os rumos do processo histórico. Para Hyman, as
relações sociais de produção se desenvolvem a partir de condições materiais
que limitam o campo das escolhas dos indivíduos e grupos sociais, sem de-
terminar mecanicamente as possibilidades de ação. Deste modo, opõe-se, de
um lado, às análises economicistas, que negam qualquer possibilidade de
praxis ao subsumir a ação da classe operária aos determinantes estruturais
do capitalismo e, de outro, àquelas que consideram as possibilidades de ação
operária ilimitadas, quaisquer que sejam as condições objetivas, pois tanto
uma quanto a outra desconsideram “o duplo acento que [Marx] coloca sobre
os determinantes estruturais da produção capitalista e sobre o agente históri-
co que é a classe operária em luta” 11.
11 Hyman, Industrial relations: a marxist introduction, op. cit., p. 437. Não por acaso,
Hyman refere-se à classe operária como agente e não como ator. O termo ator possui
duas conotações distintas: de um lado, permite supor que os indivíduos agem para re-
presentar um papel que está dado, sem que tenham a possibilidade de interferir na
definição de suas atribuições; de outro lado, pressupõe que os indivíduos são livres pa-
ra agir como bem entendem, sem que sua ação seja condicionada por elementos de or-
dem estrutural e superestrutural. Ambas as leituras são restritivas, pois não dão conta
das imbricações entre ação e constrangimentos: ou o indivíduo é completamente autô-
nomo ou completamente subordinado a alguma determinação externa. A apreensão
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Hyman admite a existência de regras que regulam o mundo do traba-
lho e do emprego, bem como instituições que as elaboram e as implemen-
tam12. Porém, considera que definir o assunto exclusivamente em termos de
regras e regulação é muito restritivo, pois não explica por que conflitos e-
clodem, não obstante a existência de regras destinadas a contê-los. As regras
podem impedir provisoriamente a manifestação do conflito, pois institucio-
nalizam as relações de trabalho, canalizando as formas de expressão de inte-
resses e definindo procedimentos de negociação e resolução das divergên-
cias, mas não eliminam suas causas. Estas residem nas diferentes posições
ocupadas na estrutura produtiva, ou seja, nas divisões de classe, e são ali-
mentadas pela correlação de forças e pelas disputas ideológicas que marcam
o contexto sócio-político em cada momento histórico. Para o autor, o con-
ceito de sistema de relações industriais só tem valor analítico se incorpora a
existência de processos e forças contraditórias, as fontes e as conseqüências
do conflito social. Assim sendo, as relações industriais devem ser compre-
endidas a partir de uma perspectiva dialética, “como um processo que gera
conflito e desordem tanto quanto ordem e regulação”13.
A segunda grande crítica dirigida à teoria de Dunlop deve-se ao fato
de que este privilegia as organizações de empregadores e trabalhadores en-
das implicações recíprocas estabelecidas entre as duas dimensões requer uma perspec-
tiva dialética, que recuse um determinismo mecanicista. Para tentar escapar desse pro-
blema, Hyman opta pela utilização do termo agente como, aliás, também faz Nicos
Poulantzas em Pouvoir politique et classes sociales, Paris, Maspero, 1968 a fim de
designar um coletivo que age dentro de determinados limites estruturais, limites esses
dados pelo seu pertencimento de classe. É verdade que a tradição weberiana também
emprega o termo agente, mas num sentido distinto da tradição marxista, pois, para
Weber, o agente é um indivíduo que atribui sentido à ação social.
12 Ao se perguntarem por que todos aqueles que criticam o modelo sistêmico incluindo
Hyman insistem em continuar a empregá-lo, concebendo variantes do conceito
dunlopiano, Giles e Murray respondem que sua utilização se deve menos a sua
capacidade teórica e “mais a sua aptidão em fornecer um retrato aparentemente
científico do universo complexo das relações industriais” (Anthony Giles, Gregor
Murray, “Trajectoires et paradigmes dans l’étude des relations industrielles en
Amérique du Nord”. In: Murray, Morin e Da Costa, L’état des relations profession-
nelles traditions et perspectives de recherche, op. cit., p. 71).
13 Hyman, Industrial relations: a marxist introduction, op. cit., p. 197.
42 MARXISMO E RELAÇÕES DE TRABALHO
volvidas em negociações e acordos coletivos, reduzindo o estudo das rela-
ções industriais ao aspecto formal e institucional. Além disso, a ênfase na
negociação minimiza as formas de repressão e de dominação ideológica e-
xistentes. Hyman, ao contrário, define relações industriais como “o estudo
do processo de controle sobre as relações de trabalho”14, o que compreende
não somente as formas de regulação do emprego, mas também formas não
institucionalizadas de controle, a exemplo das relações de poder. Seu objeti-
vo é, portanto, realizar uma “economia política das relações industriais15.
Assim, Hyman amplia as esferas do controle e da regulação para a-
lém da dimensão legal-institucional, desmistificando a suposta neutralidade
estatal e permitindo que os diversos modos de implicação do Estado nas re-
lações capital X trabalho sejam incorporados à análise16. Desse modo, o au-
tor redefine o conceito sistêmico pois, ao contrário de Dunlop, enfatiza a
importância do conflito e minimiza a importância das regras. Além disso e
aqui reside a principal diferença entre os conceitos propostos por esses auto-
res Hyman busca explicar as causas do conflito: sua origem é estrutural,
decorre da existência de uma sociedade de classes, ainda que nem sempre o
conflito venha a se manifestar. Já para Dunlop, o conflito não é permanente
e sim eventual: deve-se a um desentendimento, à falta de consenso, e não à
assimetria da relação capital X trabalho.
As críticas introduzidas por Hyman levam-no a formular um outro
conceito de sistema de relações industriais. No entanto, ao preservar o termo
sistema, o autor se mantém, de alguma forma, preso à definição que lhe deu
origem e acaba incorrendo num risco, uma vez que a expressão sistema de
relações industriais é predominantemente associada à definição dunlopiana.
14 Idem, p. 12.
15 Ibdem, p. 31.
16 A maior parte dos trabalhos sobre relações industriais considera o papel do Estado
enquanto legislador, empregador e definidor da política macroeconômica (ou como
participante dos acordos tripartites, nos estudos sobre neocorporativismo), mas ignora
sua relação com os interesses de classe e o processo de acumulação de capital (ou seja,
passa longe da discussão sobre a natureza de classe do Estado, diferentemente de Hy-
man).
CADERNOS CEMARX, n.1 2004 43
A nosso ver, a utilização do termo, ainda que com ressalvas, oculta a dife-
rença conceitual entre o novo conceito e o antigo, conduzindo à ambigüida-
de e à imprecisão. Com isso, realizamos uma reprovação terminológica a
Hyman, considerando inadequado usar um termo tradicionalmente identifi-
cado com uma perspectiva que se quer combater.
Outra tentativa de elaboração teórica a partir de um instrumental
marxista foi empreendida pelo cientista político canadense Robert Cox,
também nos anos 70. Cox (1977) aponta duas grandes limitações do concei-
to dunlopiano: seu conteúdo ideológico reformista e conservador, associado
à compreensão dos representantes de capital e trabalho como “parceiros so-
ciais”, e o caráter restritivo do modelo, cujos traços correspondem aos paí-
ses de capitalismo avançado, tornando-o inaplicável a qualquer estudo com-
parativo, tanto numa perspectiva sincrônica quanto diacrônica.
Segundo Groux (1992), o objetivo deste autor é mais ambicioso do
que o de Hyman: Cox busca romper com a teoria das relações industriais,
sobretudo com sua vertente dunlopiana, propondo substituí-la por uma teo-
ria das relações sociais de produção, fundada em conceitos universais, capa-
zes de apreender a origem e a transformação das estruturas sociais existen-
tes. Para isso, ao invés do positivismo que caracteriza a abordagem dunlopi-
ana, recorre ao materialismo histórico e dialético, compreendendo os acon-
tecimentos sociais em sua dupla dimensão: objetiva e subjetiva, ou como
resultado da interelação entre estrutura e superestrutura.
Se os objetivos desses autores variam, as críticas dirigidas à Dunlop
são semelhantes. A exemplo de Hyman, Cox também prioriza a importância
do conflito, denunciando a incapacidade da ênfase na produção de regras
apreender as tensões que atravessam o sistema de relações industriais, e des-
taca o papel da teoria como instrumento de crítica social, opondo-se à pers-
pectiva integracionista, dedicada à resolução de problemas. O emprego do
método histórico-estrutural permite-lhe considerar a institucionalização dos
conflitos como uma fase histórica intermediária, sujeita a ser questionada e,
portanto, modificada (Cox, 1977).
44 MARXISMO E RELAÇÕES DE TRABALHO
Cox utiliza esse amálgama de elementos objetivos e subjetivos para
explicar a origem do conflito. Segundo o autor, o conflito nasce da conjun-
ção entre, de um lado, as condições objetivas geradas pelas relações de pro-
dução e, de outro, as formas de consciência que caracterizam indivíduos e
grupos sociais. A simples produção de condições potencialmente conflitan-
tes não leva necessariamente à eclosão de conflitos; para isso, é preciso que
os atores tomem consicência dessa situação e que se percebam como um
grupo com demandas e estratégias de ação próprias. A eclosão de um confli-
to, por sua vez, não leva inexoravelmente à transformação estrutural pois,
para isso, é necessário haver uma mudança na posição de poder relativa dos
grupos sociais e a emergência de novas ideologias dominantes, de modo que
a coalizão anteriormente hegemônica seja substituída.
Recentemente, um outro autor identificado com o marxismo dedi-
cou-se ao estudo da questão: John Kelly, professor do departamento de rela-
ções industriais da London School of Economics. Assim como seus prede-
cessores, Kelly (1998) compreende como objeto das relações industriais as
relações de interesse e poder, de conflito e cooperação, que coexistem nas
relações de trabalho.
Entretanto, o autor propõe uma forma de utilização da teoria que o
diferencia das demais vertentes por ele consideradas. Sugere articulá-la à
teoria dos ciclos longos de Kondratieff17 a fim de situar a mudança nas rela-
ções capital X trabalho numa perspectiva histórica, oferecendo uma explica-
ção tanto para o curto quanto para o longo prazo.
O recurso à teoria dos ciclos longos possibilita-lhe compreender as
flutuações pelas quais passa o movimento dos trabalhadores como um pro-
cesso normal e previsível, porque sincronizado ao ritmo da economia capita-
lista. Deste modo, os períodos de crescimento econômico são associados a
uma curva de mobilização trabalhista ascendente, ao passo que uma fase de
17 A maior parte dos trabalhos sobre relações industriais considera o papel do Estado en-
quanto legislador, empregador e definidor da política macroeconômica (ou como partici-
pante dos acordos tripartites, nos estudos sobre neocorporativismo), mas ignora sua rela-
ção com os interesses de classe e o processo de acumulação de capital (ou seja, passa
longe da discussão sobre a natureza de classe do Estado, diferentemente de Hyman).
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crise econômica e ofensiva do capital corresponderia a uma curva de mobi-
lização descendente, marcada pela redução do número de trabalhadores sin-
dicalizados, diminuição da atividade grevista, mudanças nas formas de ne-
gociação coletiva, perda de legitimidade dos sindicatos e marginalização dos
representantes sindicais, reafirmação das prerrogativas patronais, etc.
A idéia de ciclos que alternam mobilização e contra-mobilização su-
gere que a luta de classes é uma característica perene da sociedade capitalis-
ta. A fase de contra-mobilização, evidenciada pela redução dos conflitos de
trabalho e pelo desenvolvimento de formas de cooperação entre trabalhado-
res e administração, longe de sinalizar o desaparecimento do antagonismo
estrutural entre capital e trabalho, apenas demonstra que a ação coletiva tem
uma lógica própria, é relativamente autônoma frente ao antagonismo estru-
tural que atravessa as relações de produção. Assim, o declínio de uma forma
de ação coletiva como o movimento operário clássico não significa o fim
da definição coletiva de interesses ou da própria organização sindical, mas
somente indica que esta sofre transformações ligadas à introdução de novos
padrões de relações industriais, contemplando a possibilidade da ação cole-
tiva ressurgir sob formas diferentes. Nesse sentido, a ofensiva anti-sindical
dos anos 70 e 80, não representa o fim dos sindicatos nem a supressão da
ação coletiva: primeiro porque, embora o capital tenha buscado aumentar
sua lucratividade e reafirmar a prerrogativa gerencial colocando-se contra a
regulação conjunta com o sindicalismo, muitos empregadores continuam a
reconhecer os sindicatos e a negociar com eles; segundo, porque o papel dos
sindicatos não se restringe à negociação coletiva.
******
Apesar da diversidade de posições dos autores marxistas aqui apre-
sentados, seus trabalhos têm em comum o fato de atribuir um papel central
aos conflitos de classe. Como vimos, conflitos podem ou não eclodir, mas as
relações entre capital e trabalho apresentam certas regularidades que po-
dem ser entendidas a partir do conceito de classe e de dominação de classes.
A diferença de uma tradição marxista em relação às tradições não
marxistas (para quem a ação coletiva é fruto do acaso, da somatória de von-
46 MARXISMO E RELAÇÕES DE TRABALHO
tades/subjetividades individuais ou da existência de regras que definam as
condições de sua manifestação) é que o marxismo considera que a ação co-
letiva é condicionada pela posição do indivíduo na estrutura social, ou seja,
que “as funções estruturantes (econômica, política, jurídica, etc.) sobrede-
terminam uma divisão maior da sociedade em grandes ‘atores’ antagonistas:
as classes sociais”18. No entanto, isso não quer dizer que o marxismo descar-
te a ação dos indivíduos: o materialismo de Marx é histórico e dialético; o
movimento histórico é tecido a partir do entrecruzamento de elementos obje-
tivos e subjetivos, sendo a classe em parte produto das atividades dos indi-
víduos e o resultado de suas lutas.
Finalmente, o estudo das relações sociais e políticas entre as classes
deve levar em conta o processo de produção e de acumulação do capital,
sem isolar a esfera das relações de trabalho do restante da sociedade. O con-
ceito de relações sociais de produção inscreve as relações de trabalho numa
relação política de dominação e numa relação econômica de exploração.
Neste quadro, a divisão do trabalho, a organização do trabalho, as formas de
negociação entre representantes de empregados e empregadores e os frutos
dessa negociação não podem ser explicados por argumentos de ordem técni-
ca, pois remetem às relações de poder na sociedade.
18 Jacques Bidet, Jacques Texier, “Apresentation” [do dossiê consagrado à Sociologia da
Ação]. Actuel Marx, n° 13, 1993, p. 7.
... Repare-se que, apesar de haver certa hierarquia de poder, a condição e o conceito de ator social parecem eliminar o conflito inerente ao próprio sistema, como fica 7 Frege (2008) faz um bom resgate da tradição anglo-saxã no tratamento das relações de trabalho. 8 Galvão (2004) sintetiza grande parte das críticas feitas por pesquisadores "ligados à perspectiva teórica marxista". Outros paradigmas poderiam ser utilizados para construir a análise crítica, como os olhares característicos do campo da Psicologia Social do Trabalho Coutinho et al., 2017;Pereira, 2020). ...
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2017 Labor reform and labor relations in Brazil: for whom do the bells toll? 2017 labor reforms are the most far-reaching change Brazilian Labor Laws (CLT) has undergone since its launch. This article compares the new laws and the position on the subject by the CNI and DIEESE, entities which represent two of the most affected social groups: industrial bosses and workers. Based on the framework of neoclassical economics and Dunlop's studies on Industrial Relations Systems, it is demonstrated that the reform directly serves the employers' interests, to the detriment of points of view put forward by the workers' entity, reflecting a very unfavourable correlation of forces to the latter, and casting doubt on the explanatory power of Dunlop's "balanced" systems. The method consists of presenting changes in the legislation, contrasting them with the entities' positions. There is 100% convergence between the new laws and CNI's view on the matter, with broad rejection by DIEESE, which indicates the logic behind the reforms: the (neoclassical) recommendation for flexibility in the labor market, an argument that is dear to the bosses, but problematized by several academic studies in work relations field.
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