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Contextos Clínicos, v. 13, n. 3, set./dez. 2020
ISSN 1983-3482
doi: 10.4013/ctc.2020.133.04
* Correspondência para: R. Ramiro Barcelos, 2600 - Santa Cecilia, Porto Alegre - RS, CEP 90035-003. Email: l.cananir@hotmail.com
O Papel da Coparentalidade e da Rede de Apoio Materna no Uso de
Mídias Digitais por Bebês
Coparenting and Mother’s Support Network Role in Infant’s Digital Media Use
Laura Canani da Rosa* / Bruna Gabriella Pedrotti / Manoela Yustas Mallmann /
Giana Bitencourt Frizzo
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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Resumo: Cuidar de um bebê é uma tarefa complexa e, em meio a tantas outras
demandas, poder contar com a ajuda de uma rede de apoio pode ser essencial às mães
e aos pais. Porém, estabelecer combinações com a rede de apoio sobre como esse
cuidado será realizado pode ser um desafio, principalmente no que se refere ao uso de
mídias digitais. O objetivo do presente estudo foi investigar os processos de
coparentalidade e a configuração das redes de apoio das mães que utilizam mídias
digitais na rotina com seus bebês e das que não o fazem, além de suas possíveis
influências no acesso dos bebês às mídias digitais. Participaram deste estudo 15 mães
de bebês que tinham entre 3 e 24 meses. Oito mães relataram que não ofereciam mídias
digitais aos seus bebês e 7 o faziam. A partir de análise temática, identificou-se que os
avós dos bebês tanto eram a principal rede de apoio das mães, quanto foram a
principal fonte de exposição dos bebês às mídias digitais. Apesar de a rede de apoio
ser considerada uma alternativa ao uso de mídias, esta se configura como outra fonte
de acesso dos bebês a elas, mesmo sem o consenso familiar.
Palavras-chave: maternidade; práticas parentais; telas.
Abstract: Caring for an infant is a complex task and with so many other demands,
being able to count on a support network can be essential for parents. However,
establishing combinations with them on how this care will be performed can be a
challenge, especially regarding to digital media’s use. The aim of the present study
was to investigate who integrates the support networks of mothers that use digital
media in their routine with their children and those who do not, their coparenting
processes and understand their possible influences on infants' access to digital media.
Fifteen mothers of infants aged between 3 and 24 months participated in this study.
Eight mothers reported that they did not offer digital media to their children and 7 did.
From thematic analysis, it was identified that infants’ grandparents were both the
main support network for mothers, and also the main source of children exposure to
screens. Although the support network is considered as an alternative to the use of
screens, it can comprise another source of access for infants to digital media, even
without family consensus.
Keywords: maternity; parental practices; screens.
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Laura Canani da Rosa, Bruna Gabriella Pedrotti, Manoela Yustas Mallmann, Giana Bitencourt Frizzo
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Introdução
O uso das mídias digitais, como smartphones, tablets e televisão, está muito
presente na rotina de crianças pequenas (Chassiakos, Radesky, Christakis, Moreno, &
Cross, 2016; Radesky & Christakis, 2016) fazendo parte da vida de muitas delas
(Domingues-Montanari, 2017; Elias, Nimrod, & Lemish, 2019). Ademais, o uso vem
aumentando expressivamente e tem sido evidenciado nas mais diversas faixas etárias,
incluindo as crianças de até dois anos (Chassiakos et al., 2016; Nevski & Siibak, 2016). O
Common Sense Media (2017), levantamento realizado nos Estados Unidos que busca
conhecer o uso de mídias nas famílias com crianças de até oito anos, por exemplo,
identificou um aumento no uso de tablets e smartphones por crianças de até dois anos
de 10% em 2011 para 46% em 2017.
Por mídias digitais, entende-se o conjunto de dispositivos, formatos e métodos
de comunicação que veiculam conteúdo digitalizado por meio de sinais digitais, como
na Internet, na TV e em redes de computadores e de telefonia. Exemplos de mídias
digitais incluem software de computador, aplicativo móvel, redes sociais, videogames,
páginas da Web, imagens (fotos e vídeos) digitais e smartphones (American
Psychological Association, 2019). Na literatura, são encontrados os mais diversos termos
para designar mídias digitais, tais como tecnologias, tecnologias touchscreen,
smartphones, celulares, tablets, mídias passivas, mídias ativas, dispositivos móveis,
entre outros. Para fins deste trabalho, será utilizado o termo mídias digitais, exceto
quando os autores de outros trabalhos optarem por termos distintos.
Um estudo brasileiro (Nobre et al., 2019) realizado com 104 crianças entre 24 e 42
meses de idade apontou que, embora o tempo de tela das crianças tenha obtido uma
mediana de 45 minutos - o que se enquadra no tempo de uso indicado pela Sociedade
Brasileira de Pediatria (SBP, 2019), que orienta que crianças entre dois e cinco anos façam
uso das telas por no máximo uma hora diária - algumas crianças obtiveram até oito
horas de exposição às telas por dia, o que excede muito o tempo recomendado. Embora
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a SBP (2019) oriente que bebês de até dois anos de idade não sejam expostos às mídias
digitais devido a esse uso estar associado a possíveis riscos para o desenvolvimento,
como problemas no sono, na visão e na aprendizagem (SBP, 2019), este uso tem sido
feito de diversas formas.
Por exemplo, as famílias fazem uso das mídias em momentos de lazer e
entretenimento, além de utilizá-las como um recurso educacional (Nevski & Siibak, 2016;
Nobre et al., 2019). Além disso, estudos realizados no Brasil apontam que as mídias
digitais são frequentemente oferecidas aos bebês por necessidades das mães, quando
precisam ocupá-los para poderem realizar alguma tarefa (Mallmann & Frizzo, 2019).
Ainda, uma forma de uso considerada mais problemática é utilizar esta ferramenta para
acalmar e distrair os bebês em momentos de dificuldade e/ou necessidade dos
cuidadores (Pedrotti, 2019) ou para auxiliar na regulação do comportamento da criança
pequena (Nevski & Siibak, 2016; Nobre et al., 2019), como em situações de birras.
Ainda assim, os estudos realizados no Brasil sobre o tema são escassos e focam
principalmente na figura materna e sua perspectiva quanto ao uso e oferecimento de
mídias digitais aos bebês (Mallmann & Frizzo, 2019; Pedrotti, 2019). Embora as mães
geralmente se ocupem mais do cuidado dos filhos do que os pais, podem existir
diferenças entre suas visões e atitudes frente às mídias (Connell, Lauricella, & Wartella,
2015). Nesse sentido, a coparentalidade e suas possíveis associações com o uso de mídias
digitais nas famílias também vem sendo investigada. Tal conceito refere-se a como os
parceiros trabalham conjuntamente para desempenhar a função parental (Feinberg,
2003; Frizzo, Kreutz, Schmidt, Piccinini, & Bosa, 2005; McDaniel & Coyne, 2016), sendo
um preditor para vários fatores como a satisfação conjugal, a qualidade parental
(McDaniel & Coyne, 2016; Schoppe-Sullivan, Mangelsdorf, Frosch, & McHale, 2004), os
comportamentos e a segurança emocional da criança (McDaniel & Coyne, 2016; Teubert
& Pinquart, 2010).
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Mais recentemente, a coparentalidade também se mostrou preditora do uso de
mídias digitais pelas famílias (Brown & Smolenaers, 2018). As mídias podem
desempenhar diversos papeis neste contexto. Se por um lado podem proporcionar
momentos de conexão e apoio para pais e filhos através do uso conjunto, por outro
também podem contribuir com interrupções nas interações entre os membros da família,
tanto entre pais e filhos, quanto entre o casal parental (McDaniel & Coyne, 2016). Nesse
sentido, atenta-se para a importância de que prevaleçam os momentos nos quais o uso
das mídias digitais contribua positivamente com a dinâmica familiar (McDaniel &
Coyne, 2016).
Muitos bebês e crianças, porém, passam uma considerável parte do seu tempo
sob os cuidados de outros familiares, como os avós, e o uso das mídias digitais nesse
contexto tem sido pouco investigado (Elias et al., 2019). Portanto, além de considerar os
processos de coparentalidade, faz-se necessário compreender o papel dos outros
componentes da família, para além da família nuclear, nesta prática, caracterizados aqui
como rede de apoio. A rede de apoio é composta por sistemas e pessoas significativas
que proporcionam apoio e reforço às estratégias de enfrentamento do sujeito diante das
situações de vida. Fazem parte da rede de apoio os membros da família extensa, amigos,
colegas de trabalho, a comunidade na qual o sujeito está inserido, bem como serviços
essenciais e pessoas com quem se mantêm relações íntimas ou ocasionais (Rapoport &
Piccinini, 2006). Esses laços sociais perduráveis são muito importantes para a
manutenção da saúde do indivíduo em momentos de grandes mudanças e/ou de
dificuldades (Juliano & Yunes, 2014).
As redes de apoio podem ser classificadas quanto ao tipo de apoio em três
categorias: emocional, que remete a expressões de cuidado e conforto; informacional, no
que diz respeito a orientações e informações; ou instrumental, que consiste no
fornecimento de recursos, serviços e solução de problemas (Rapoport & Piccinini, 2006).
Na maternidade isso não se faz diferente. O apoio social que a mulher recebe atua como
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fator protetivo nas circunstâncias de estresse e influencia de maneira importante no seu
bem-estar, facilitando uma maternagem responsiva (Rapoport & Piccinini, 2006) e
influenciando também no desenvolvimento infantil.
Ainda assim, é necessário considerar que a distância geográfica, muito comum
na modernidade, é um agravante para o suporte das redes de apoio, principalmente das
instrumentais (Rapoport & Piccinini, 2006). Neste cenário, as mídias digitais podem ser
consideradas como aliadas nos cuidados dos filhos para mães e pais atarefados, atuando
como forma de distração em um ambiente seguro para que os cuidadores possam
realizar outras atividades (Pinto, Jales, Andrade, & Santos, 2016). Porém, para os pais
que podem contar com a ajuda de outros familiares no cuidado de seus filhos, a rede de
apoio pode ser considerada como uma alternativa ao oferecimento de telas aos bebês
nesses momentos (Lampard, Jurkowski, & Davison, 2013). Por exemplo, o estudo de
Lampard et al. (2013), realizado nos Estados Unidos com 146 pais de crianças de dois a
cinco anos de idade, teve como objetivo identificar os fatores contextuais demográficos,
familiares e comunitários associados à restrição do tempo em que as crianças eram
expostas às telas. Os autores identificaram que os fatores familiares representaram as
principais características associadas à restrição do tempo de exposição das crianças às
telas. Isto é, em famílias que recebiam maior apoio social, o tempo de tela se mostrou
menor.
Por outro lado, um estudo recente de Elias et al. (2019), que investigou o uso de
mídias feito por crianças de dois a sete anos quando as mesmas estavam sob o cuidado
dos avós, apresenta um contraponto a essa ideia. Participaram do estudo, feito através
de questionário online, 356 avós que tinham entre 50 e 80 anos (média de 62,77 anos) e
que cuidavam de seus netos pelo menos uma vez na semana. A partir dos resultados
encontrados, verificou-se que as crianças passavam cerca de metade do tempo que
estavam sob o cuidado dos avós fazendo uso de mídias. Conforme Wagner, Mosmann,
Dell’Aglio e Falcke (2010), a interação familiar instituída estipula a maneira como as
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famílias lidam com as mídias digitais. Dessa forma, entende-se que aspectos
relacionados à dinâmica familiar podem influenciar na oferta e na demanda do uso de
mídias digitais pelos pais e seus bebês. Tendo isso em vista, o presente estudo teve como
objetivos investigar os processos de coparentalidade e a configuração das redes de apoio
das mães que utilizam mídias digitais na rotina com seus bebês e das que não o fazem,
além de suas possíveis influências no acesso dos bebês às mídias digitais.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 15 mães biológicas de bebês que tinham entre 3 e 24
meses no momento da coleta de dados. Dentre as participantes, sete afirmaram que
ofereciam mídias digitais aos seus bebês, compondo o Grupo 1, e oito relataram que não
ofereciam esses dispositivos aos seus bebês, compondo o Grupo 2. Apenas uma
participante não residia com um companheiro, sendo que todas as demais estavam em
um relacionamento com o pai do bebê. A descrição detalhada das participantes consta
na Tabela 1.
Tabela 1
Dados sociodemográficos das participantes e seus bebês
Grupo 1
(7 participantes)
Grupo 2
(8 participantes)
Idade (anos)
30 - 39
29 - 40
Escolaridade
De Ensino Médio completo à
Pós-Graduação
De Ensino Superior Completo à
Pós-Graduação
Trabalha no momento
5 sim e 2 não
6 sim e 2 não
Tem um companheiro
6 sim e 1 não
Todas sim
Idade dos bebês (meses)
4 - 24
3 - 23
Creche
4 sim e 3 não
3 sim e 5 não
Outros filhos
3 sim e 4 não
3 sim e 5 não
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A amostra deste estudo advém de um projeto maior intitulado “Os bebês, as
famílias e o uso das tecnologias: um estudo multi-métodos para o desenvolvimento
infantil” (Frizzo et al., 2017), que objetiva investigar como as tecnologias têm sido
utilizadas nas famílias com bebês de até três anos. Os critérios de inclusão para este
estudo foram: mães maiores de 18 anos, com pelo menos um filho de até 24 meses
saudável e nascido a termo, que as mães fossem a principal cuidadora do bebê e que
tanto relatassem não oferecer tablet nem smartphone a ele (Pedrotti, 2019) quanto
relatassem que costumavam oferecer telas aos seus bebês (Mallmann & Frizzo, 2019). A
amostra foi constituída de forma não probabilística, através da amostragem bola de neve
(Pedrotti, 2019; Vinuto, 2014) e por conveniência, recrutada através das redes sociais do
Núcleo de Pesquisa e Intervenção em Famílias com Bebês e Crianças (NUFABE).
Delineamento e procedimentos
Trata-se de um estudo de natureza exploratória e delineamento qualitativo
(Robson, 2002), e flexível (Robson & McCartan, 2016), que se propõe a compreender o
fenômeno a partir da definição do problema de pesquisa, sem partir de relações causais
ou de associação entre variáveis. As mães que aceitaram participar do estudo através da
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram convidadas a
preencher a Ficha de Contato Inicial (NUFABE, 2012) e o Questionário de Dados
Sociodemográficos (NUFABE, 2017a). As participantes do Grupo 1 participaram de
grupos focais (Barbour, 2009) baseados no Roteiro do Grupo Focal (Mallmann & Frizzo,
2019), pois compunham uma subamostra do projeto maior, selecionado especificamente
com intuito de conhecer experiências de mães favoráveis ou não ao uso de mídias
digitais com bebês. Foram feitos dois grupos focais, o primeiro com 3 participantes e o
segundo com 4. Em cada um deles o grupo foi convidado a pensar sobre o uso das telas
nas suas famílias, de maneira aberta e flexível, com o objetivo de não interferir na
interação entre as participantes. Como uma forma inicial de aquecimento (Flick, 2009),
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foi trazida uma pequena história, retratando a rotina de uma mãe que necessitou fazer
o uso do celular com seu bebê. A partir disso as mães trouxeram seus sentimentos em
relação ao tema e iniciaram a discussão, contando com o roteiro do grupo focal, com o
intuito de nortear a discussão. Já as mães que compõem o Grupo 2 responderam à
Entrevista sobre interação familiar sem uso de tecnologias (NUFABE, 2017b). Ambos os
procedimentos foram realizados no Instituto de Psicologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) ou em outro local de preferência das participantes. Todas
as entrevistas e os grupos focais foram gravados e transcritos para posterior análise.
Instrumentos
Ficha de Contato Inicial (NUFABE, 2012): Utilizada para obtenção de dados
gerais sobre o bebê e adquirir informações de contato da família.
Questionário de Dados Sociodemográficos (NUFABE, 2017a): Instrumento
utilizado para levantamento de dados sociodemográficos das participantes, como idade,
raça/etnia, escolarização, condições de renda, entre outros.
Entrevista sobre interação familiar sem uso de tecnologias (NUFABE, 2017b):
Entrevista semiestruturada, que visa explorar o uso que as famílias de crianças pequenas
têm feito das tecnologias, qual uso os adultos fazem, o que eles pensam sobre a
tecnologia, quais são as motivações que levaram os pais a evitar o contato de seu bebê
com as tecnologias, o que as famílias fazem para distrair seu filho quando precisam
realizar alguma tarefa, como são os momentos de interação e entretenimento da criança,
quais as vantagens e desvantagens em não usar tecnologias com crianças pequenas.
Roteiro do Grupo Focal (Mallmann & Frizzo, 2019): Este instrumento teve como
base a literatura revisada para a sua elaboração, buscando investigar como é o uso de
tecnologias das famílias de bebês. Isso envolve o uso dos adultos, que tipo de programa
os bebês assistem, em quais contextos, por quanto tempo, que pessoas oferecem a
tecnologia, qual tipo de tecnologia é oferecida, o que as mães pensam sobre a tecnologia,
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quais as vantagens e desvantagens percebidas, quais possíveis alterações no
comportamento do bebê e qual a opinião das mães em relação às críticas aos pais em
relação ao seu uso de tecnologias.
Considerações Éticas
Este estudo seguiu os princípios éticos da pesquisa com relação à proteção dos
direitos, bem-estar e dignidade dos participantes, como postulado pela resolução
466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto maior, do qual esse estudo faz parte,
foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da UFRGS
(CAEE nº 9 69947117.6.0000.5334). Todas as participantes assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, no qual constou os objetivos da pesquisa, os
procedimentos a serem realizados, o sigilo, a confidencialidade e a proteção à
privacidade das participantes.
Análise de Dados
A análise dos dados coletados foi feita através da análise temática, conforme
proposta por Braun, Clarke, Hayfield e Terry (2019), com auxílio do software Nvivo 12
(QSR, 2018). A análise temática é um método que consiste em identificar, analisar e
definir temas a partir dos dados coletados e seus padrões apresentados, no qual o
pesquisador tem um papel ativo em todo o processo. Esse método possibilita uma
melhor organização e descrição detalhada dos dados para que eles possam ser melhor
interpretados (Braun et al., 2019). Finalmente, os dados foram discutidos com base na
literatura revisada para um melhor entendimento dos resultados e ilustrados a partir de
vinhetas das falas das participantes.
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Resultados
A partir de análise temática (Braun et al., 2019), identificaram-se três temas
principais: “O papel do pai”, “Os avós como principal rede de apoio” e “As telas como
babás”. O primeiro tema é composto de dois subtemas, representados na Figura 1, e
todos serão apresentados com mais detalhes e exemplificados através de vinhetas das
falas das mães a seguir, para possibilitar uma melhor compreensão dos dados.
Figura 1. Temas definidos a partir da análise temática
O primeiro tema, “O papel do pai”, diz respeito ao envolvimento do pai na
dinâmica familiar, considerando a importância do suporte parental e dos processos de
coparentalidade para o uso de mídias digitais por bebês. Este tema foi dividido em dois
subtemas: "Consenso parental na decisão de ofertar telas" e "Participação nos cuidados
e brincadeiras com o bebê", dois fatores considerados relevantes na forma como o
fenômeno se expressa nessas famílias. Em relação ao primeiro subtema, identificou-se
que as mães que não utilizavam mídias digitais na rotina com seus bebês relataram mais
frequentemente que houve consenso entre o casal parental nesta decisão, como fica
evidente na fala da P1G2 :
"Sim… É, na verdade o [nome do companheiro], ele tem a mesma linha, assim,
bem do... resgate do natural e tal então… foi uma coisa que a gente, quando
conversou, já era numa opinião em comum, nunca foi assim: 'Ah, mas eu quero
que eles assistam…', tipo, a gente sempre teve acordo nisso".
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Em contra partida, as mães que utilizavam as mídias digitais com seus bebês
relataram uma discordância maior no tema, como pode-se observar na fala da P1G1 :
“Só queria que o meu marido tivesse exatamente essa a mesma consciência que
eu, porque eu tenho que... assim, ele não, não fica brabo nem nada, mas eu tenho
que dizer assim[...] aí ele guarda o celular, sabe, mas se não guria....”
Já em relação ao subtema "Participação nos cuidados e brincadeiras com o bebê",
dividiu-se o tipo de participação paterna em "mais interativa" e "menos interativa",
baseado no relato das mães. Observou-se que as mães que não ofereciam mídias digitais
aos seus filhos descreveram os pais dos bebês como mais envolvidos nos cuidados e na
interação com eles, principalmente nas brincadeiras. Então, nos momentos em que a mãe
estava descansando e o pai se ocupava de dar atenção ao bebê, ele realizava atividades
com brinquedos tradicionais e instrumentos musicais, desprendendo maior energia e
atenção àqueles momentos. Por exemplo:
"É, um consenso entre nós, a gente se divide bastante, também. Quando ele
[marido da P2G2] chega em casa, e eu não tô trabalhando, né, mas ele, quando ele
tá em casa, ele fica bastante com ela [a bebê] e… a nossa ideia é realmente brincar
com ela, é tá ali pra ela, oferecer estímulos, né, a gente já tem, assim, algumas
brincadeiras que a gente faz com ela, com bichinhos, com cores, com sons, né, ele
toca, ela gosta de ver ele tocando violão..." (P2G2).
Já as mães que ofereciam mídias digitais aos seus bebês relataram que os pais de
seus filhos se relacionavam de forma menos interativa ao cuidar do bebê, optando por
distraí-lo com as mídias digitais:
"[...]ele [marido da P4G1] permite mais do que eu assim, no sentido de dar o celular
ou botar eles na tv. Larga ela [a bebê] na galinha pintadinha e vai lá fazer as coisas
dele. [...] Mas ele não usa o recurso do brinquedo. Ele já pega e pá, senta cadeirinha
e já liga a galinha pintadinha. Ai eu levanto, 'não, vamos desligar a galinha, não
vamos colocar a galinha pintadinha. Deixa isso pra quando nada mais funcionar,
né.' Então isso é uma coisa que eu percebo assim, que ele libera mais do que eu
assim... " (P4G1).
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Por outro lado, mesmo no grupo de mães que ofertava telas aos seus bebês, a
Participante 6 do Grupo 1 relatou que seu parceiro participava dos cuidados de seu bebê
de forma “mais interativa", o que diminuía o tempo de exposição do bebê às telas:
"Lá em casa já é um pouco diferente. Meu esposo já gosta mais de sentar pra brincar
com as crianças. Ou fazer eles usarem brinquedos, assim. Tanto que ele que
instituiu que na hora de comer não se liga a tv mesmo. E algumas outras coisas,
não que por mim, por mim eu também faço questão, mas ele é mais enfático assim,
de brincar, de não usar".
Em relação ao segundo tema, “Os avós como a principal rede de apoio”,
identificou-se que os avós representam a principal rede de apoio para a maioria das
mães, tanto das que ofereciam mídias digitais aos bebês, quanto das que não ofereciam.
A ajuda oferecida por esses avós era principalmente de tipo operacional, como cuidar
da criança em algum momento que nem a mãe e nem o pai estivessem disponíveis.
Observa-se nas falas: "[...]quem tem ajudado bastante é a minha mãe. Ela tem pego ele
na… ela que pega ele na creche." (P4G2) e "[...]quando eu voltei a trabalhar, por exemplo,
a minha mãe ficou com ela, então, quando ela tinha 5 meses e a minha mãe ficava com
ela." (P1G1).
Um ponto importante destacado pela maioria das mães foi o fato de que os avós,
principalmente a avó materna, foram associados à principal fonte de exposição dos
bebês às telas, mesmo nos casos em que as mães não ofereciam telas aos seus filhos.
Inclusive, isto foi descrito como motivo de conflito entre os familiares:
"[...]qualquer manha que ela [a bebê] faz a minha mãe 'ai vem aqui', ela já puxa o
celular e começa a mostrar vídeos dela mesma, que ela grava e vai ali...só que daí,
tipo, eu normalmente não faço isso. [...] Aí a minha mãe, cara, qualquer coisa ela
fica, daí quando a minha mãe está lá, a minha filha fica bem mais grudada [no
celular], assim. E aí, por exemplo, quando a mãe quer ver alguma coisa, ou enfim,
tá, acabou, a minha filha começa... aí ela fica braba, porque ela quer mais, aí ela
começa a caçar o celular. Aí eu falei, não, não dá. Aí quando eu estou em casa e
vejo minha mãe fazendo isso, eu falo: “mãe, não fica toda hora mostrando, dando
o celular pra ela.” (P3G1).
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O terceiro e último tema, “As telas como ‘babás’”, referiu-se à importância das
mídias digitais como outro componente da rede de apoio das mães no cuidado dos
bebês. Estas eram oferecidas aos bebês pelas mães como uma ferramenta de distração
em momentos de necessidade, em que não poderiam participar atentamente ao cuidado
do bebê:
"É, pra poder cozinhar, pra poder fazer a janta dela, essas coisas né... é bem o que
acontece lá em casa [...]Eu acho que é... é uma saída... Bah, esses dias... lembrei, eu
tive que ir no meu cabeleireiro só fazer um teste de mechas, assim, de ficar uma
hora e meia, e eu não tinha com quem deixar a [nome do bebê]... vai junto né. Aí
ela queria ficar andando, e mexia nos esmaltes das manicures... isso não vai dar
coisa boa. Eu falei: 'Filha vem cá.' E daí ela não queria, queria agitar, né, agitar, não
sei o que... e daí eu falei: 'Tá. Senta aqui. ' Olha, acho que deve ter dado quase uma
hora, aqui ó. E aí o celular, quando eu comecei a ver que ia acabar a bateria... "
(P3G1).
Além disso, as mídias digitais foram reconhecidas como um recurso válido em
certos momentos pelas mães que não ofereciam mídias aos seus bebês, como referido a
seguir:
"Ah, eu, hã… não… não condeno, assim, né. Não… acho que… cada um… sabe o
que é necessário naquele momento. Né, a gente às vezes, como mãe, ouve tanta…
tanto pitaco, tanta coisa, né, só que ninguém tá vivendo o que a gente tá vivendo
naquele momento. Eu não uso desse artifício, tem outras coisas que eu uso…"
(P4G2)..
Discussão
O presente estudo investigou os processos de coparentalidade e a configuração
das redes de apoio das mães que utilizam mídias digitais na rotina com seus bebês e das
que não o fazem, além de suas possíveis influências no acesso dos bebês às mídias
digitais. Cabe destacar que as mães do presente estudo relataram ser as principais
cuidadoras de seus bebês.
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A partir dos resultados obtidos, percebeu-se que, nas famílias em que as mães
relataram não ofertar mídias digitais aos bebês, essa decisão foi definida a partir de um
consenso do casal, o que pode ser considerado um indicador positivo de
coparentalidade (Frizzo et al., 2005). Por outro lado, nas famílias em que as mães
relataram fazer uso desse recurso no cuidado com os bebês, na maioria das vezes não
existia um acordo definido previamente sobre o tema. Os resultados encontrados foram
consonantes com a literatura no que diz respeito à importância do consenso entre o casal
parental na decisão de ofertar ou não as mídias digitais aos bebês (Brown & Smolenaers,
2018).
Considerando a grande importância do suporte parental e dos processos de
coparentalidade no acesso dos bebês às mídias digitais, pode-se pensar que os casais que
optaram por não ofertar mídias digitais para seus bebês desempenhavam uma
coparentalidade mais cooperativa, o que também pode estar relacionado ao seu próprio
uso de tecnologias. Conforme aponta McDaniel e Conye (2016), há relação entre pior
capacidade em desempenhar uma coparentalidade cooperativa e casais que têm uma
relação mais permeada por interrupções das mídias digitais (tecnointerferência). Essas
interferências também podem se estender a interrupções na relação pais-bebê, bem
como maior uso e exposição das crianças às mídias digitais (Canadian Paediatrics
Society, 2017). Deve-se relativizar, no entanto, que esses resultados foram baseados
apenas na percepção da mãe. Novos estudos deveriam entrevistar ambos os pais,
explorando mais diretamente seu uso de mídias e a interação com o bebê, algo que não
foi possível neste estudo.
Ainda assim, esse achado aponta a relevância de que os profissionais busquem
conversar conjuntamente com mães e pais em relação ao tema (Brown & Smolenaers,
2018), contribuindo para maior diálogo e conscientização a respeito do uso das mídias
digitais no ambiente familiar. Dessa forma, quanto mais os pais refletirem sobre o uso
das mídias digitais e seu papel dentro da rotina das famílias, mais se abre espaço para
O papel da coparentalidade e da rede de apoio materna no uso de mídias digitais por bebês
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que elas não sejam idealizadas nem rechaçadas, mas utilizadas da melhor forma
possível dentro da família (Nevski & Siibak, 2016).
A partir dos resultados do presente estudo, identificou-se também que a forma
como as mídias digitais foram oferecidas ao bebê pelo pai, de acordo com o relato das
mães, pareceu estar relacionada à disponibilidade paterna para ocupar-se dos cuidados
do bebê. Nesse sentido, as mães que consideraram a participação paterna como “mais
interativa” identificaram que o companheiro fazia mais uso de brincadeiras do que de
mídias quando estava cuidando do bebê. Esse achado vai ao encontro da literatura, já
que o uso das telas está relacionado à redução da interação nos momentos de cuidado
do bebê (Canadian Paediatrics Society, 2017).
Na contemporaneidade, com as diferentes configurações familiares e a
participação tanto do homem quanto da mulher no mercado de trabalho, os avós têm
uma presença significativa como cuidadores dos netos e até nas funções econômicas do
lar (Kaptijn, Thomese, van Tilburg, & Liefbroer, 2010). No caso da amostra deste estudo,
de acordo com o relato da maioria das participantes, os avós são, de fato, um dos
principais componentes da rede de apoio, conforme mostra a literatura, e o tipo de ajuda
fornecida pelos avós no cuidado com os bebês caracterizou-se como rede de apoio
instrumental (Rapoport & Piccinini, 2006).
Ademais, ao evidenciar que os avós são a principal fonte de exposição dos bebês
às mídias digitais, não se sustenta a intenção de algumas mães de que, ao deixar seus
filhos com os avós, estariam resguardando-os do uso de tecnologias. Isso configura mais
um desafio de mães e pais ao tentar seguir as recomendações dos especialistas quanto
ao tempo de exposição a telas (Beck, Takayama, Badiner, & Halpern-Felsher, 2015).
Dessa forma, o presente estudo oferece um contraponto ao estudo de Lampard et al.
(2013), que identificou em sua pesquisa que o auxílio da rede de apoio no cuidado das
crianças estava associado à redução no tempo de exposição delas às telas.
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Porém, o recente estudo de Elias et al. (2019) encontrou resultados alinhados a
esta pesquisa. Além de terem identificado que as crianças que ficavam sob os cuidados
dos avós faziam uso de mídias digitais cerca de metade do tempo que estavam com eles,
os autores levantaram questões que podem ser relacionadas aos resultados do presente
estudo. São elas a maior permissividade dos avós, que podem dispor de menos recursos
para entreter a criança, principalmente quando elas vão até suas casas, e o fato de, por
mais que tenham recebido orientações de seus filhos de não utilizar as telas com os netos,
o tempo que os netos foram expostos às mídias não reduziu (Elias et al., 2019).
Ainda, destaca-se que os idosos estão participando cada vez mais da inclusão
digital, aprendendo a utilizar as mídias digitais e inserindo-as em sua rotina assim como
os mais jovens. Sendo assim, embora costumeiramente exerçam o papel de cuidar dos
netos, a forma como realizam o cuidado se modificou. Hoje em dia, por exemplo, avôs
e avós fazem chamadas de vídeo para interagir com seus netos, conversando, brincando
e contando histórias (Azambuja & Ramos, 2019). Ademais, levanta-se a hipótese de que
utilizar-se de mídias digitais para auxiliar nos momentos de cuidado com seus netos
pode ser uma forma de estar disponível para a criança sem cansar-se demasiadamente
com brincadeiras que exijam fisicamente dos cuidadores.
Já nos momentos em que as mães não contavam com algum membro da sua rede
de apoio para prestar auxílio nos cuidados com os bebês, observou-se, no presente
estudo, que as próprias mídias digitais caracterizaram-se como um componente da rede
de apoio da mãe moderna. Nesse sentido, a tecnologia funcionou como uma “babá”,
corroborando o trazido pela literatura, que enfatiza o papel que as mídias digitais têm
exercido dentro das famílias (Brown & Smolenaers, 2018; Pinto et al., 2016).
Nessa perspectiva, identificou-se também o quanto as mídias digitais, na
atualidade, são frequentemente utilizadas como um recurso para distrair e acalmar os
bebês quando necessário (Canadian Paediatrics Society, 2017). As demandas exigidas
no cuidado de um bebê são muitas e, por muitas vezes, desafiadoras, fazendo com que
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os cuidadores se sintam cansados. Além disso, esse cenário pode contribuir para que
eles façam uso das mídias digitais para auxiliá-los em momentos de necessidade
(Mallmann & Frizzo, 2019). Porém, atenta-se para as recomendações de que não se
substitua o conforto materno/paterno pelas mídias digitais na hora de acalmar o bebê
(Canadian Paediatrics Society, 2017).
Nesse sentido, a culpa, sentimento que permeia a maternidade em diversos
âmbitos (Souza, 2018), se potencializa com a ambiguidade de sentimentos e a falta de
informações em relação ao uso de mídias (Mallmann & Frizzo, 2019). As mães que não
ofertam mídias digitais aos seus bebês, entretanto, se mostraram solidárias às mães que
oferecem, uma vez que entendem esses sentimentos e também sofrem com a pressão
social incursa na maternidade. Frente a isso, acredita-se que o conhecimento de pais e
mães em relação ao uso das mídias digitais, bem como a importância dos momentos de
qualidade e trocas afetivas com seus bebês, podem contribuir para que as mídias digitais
sejam usadas de forma benéfica dentro da rotina das famílias. A partir dos resultados
do presente estudo, também atenta-se ao fato de que esse conhecimento deve ser
dividido também com todas as pessoas que constituem a rede de apoio do bebê e de sua
família nuclear, bem como as recomendações e diretrizes sobre o tema devem envolver
não só os pais, mas todas as pessoas envolvidas no cuidado de um bebê.
Considerações finais
Este estudo teve como objetivos investigar os processos de coparentalidade e a
configuração das redes de apoio das mães que utilizam mídias digitais na rotina com
seus bebês e das que não o fazem, além de suas possíveis influências no acesso dos bebês
às mídias digitais. Entende-se que, como o bebê também está inserido na família extensa,
torna-se importante se atentar ao uso de mídias digitais desta e à forma como elas são
oferecidas aos bebês.
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Evidenciou-se a importância dos avós na rede de apoio, do consenso parental na
decisão de ofertar tecnologias aos bebês, bem como do exercício de uma coparentalidade
cooperativa, na qual mãe e pai se envolvam ativamente com o cuidado da criança, além
da inserção das mídias digitais como um novo componente das redes de apoio das
famílias na modernidade (Brown & Smolenaers, 2018; Pinto et al., 2016; Rappoport &
Piccinini, 2006). No que se refere às particularidades da população estudada,
identificaram-se diferenças entre os grupos nos processos de coparentalidade e na
participação da figura paterna nos cuidados do bebê. Ademais, foram percebidas
semelhanças entre eles em relação ao papel dos avós como componentes importantes
das redes de apoio e como fonte de acesso às telas pelos bebês. Portanto, apesar de a rede
de apoio ser comumente associada a uma alternativa ao uso de telas, esta se configura
como outra fonte de acesso às tecnologias pelos bebês.
Ainda assim, este estudo apresentou algumas limitações, como o fato de não
terem sido analisadas as opiniões dos membros da rede de apoio, o que não permitiu a
triangulação desses dados. Além disso, o alto nível socioeconômico das participantes
pode representar um viés. Porém, os diferentes métodos de coleta de dados – entrevista
e grupo focal - possibilitaram a triangulação de métodos, chegando a resultados
semelhantes quanto à rede de apoio (Flick, 2009).
No contexto brasileiro, não foram encontrados outros estudos que analisem a
influência da rede de apoio materna no uso de tecnologias pelos bebês. Visto a
relevância de considerar a família ao explorar o uso de mídias digitais pelos bebês, é
necessária uma nova abordagem para a investigação que considere a rede de apoio e os
processos de coparentalidade. A fim de contemplar diferentes contextos deste fenômeno,
sugerem-se estudos que o investiguem em amostras de diferentes níveis
socioeconômicos. Além disso, visto a importância da participação do pai no que se refere
à exposição do bebê às mídias digitais, sugerem-se pesquisas que se atentem à figura
paterna neste contexto. Por fim, sugerem-se também intervenções que promovam a
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coparentalidade, por sua influência no processo de escolha pela oferta de mídias digitais
aos bebês.
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Submetido em: 14.07.2020
Aceito em: 09.12.2020