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Maria Carmem Souza
Lynn Alves
Organizadoras
Maria Carmem Souza • Lynn Alves (Organizadoras)
Maria Carmem Jacob de Souza
Professora e pesquisadora da Pó s-
graduaç ã o em Comunicaç ã o e
Cultura Contemporâneas (PósCom)
da Universidade Federal da Bahia
(UFBA); desenvolve pesquisas
sobre estilo e autoria de séries
fi ccionais; coordena a Estação do
Drama: programa de formação de
roteiristas de narrativas seriadas;
pesquisadora associada à Rede Brasil
do Observató rio da Ficç ã o Televisiva
(Obitel Brasil); e lí der do grupo de
pesquisa Aná lise da telefi cç ã o A-tevê .
Lynn Alves
Professora e pesquisadora da
Universidade Federal da Bahia
(UFBA); atualmente bolsista de
Produtividade, Desenvolvimento
Tecnológico e Extensão Inovadora
do CNPq, em Nível 2; pós-doutorado
na área de narrativas seriadas e
jogos digitais, sob a supervisão
de Maria Carmem Souza na
Faculdade de Comunicação (Facom)
da UFBA; coordena o grupo de
Pesquisa Comunidades Virtuais
da UFBA, nas áreas de plataformas
digitais, narrativas seriadas e jogos
digitais, com os projetos recentes
relacionados com a produção de
documentários para web, destacando
a relação entre ciência, tecnologia e
cultura.
O livro Narrativas Seriadas - Ficções
Televisivas, Games e Transmídia
apresenta os resultados do evento
SERIAIS promovido pelos grupos
A-Tevê/UFBA e Comunidades
Virtuais, da UNEB/UFBA, com apoio
da Capes, que tratou de questões
suscitadas pela linguagem, modos
de criação, modelo de distribuição e
fi nanciamento e práticas de consumo
das produções contemporâneas
de narrativas fi ccionais seriadas
de diversas plataformas, das séries
de televisão aos games. Os autores
dos capítulos são profi ssionais,
pesquisadores e professores de
universidades brasileiras e australiana
que tecem um olhar crítico e
analítico sobre as narrativas que
seduzem audiências locais e globais
de distintas faixas etárias. A leitura
do livro possibilitará um mergulho
rico de sentidos para distintos
públicos, sejam eles amantes das
séries, professores, pesquisadores
ou profi ssionais que se dedicam a
compreender o encantamento gerado
pelas fi cções seriadas em qualquer
formato ou plataforma.
O livro Narrativas Seriadas - Ficções Televisivas, Games e
Transmídia apresenta os resultados do evento SERIAIS, que
pela primeira vez reuniu pesquisadores e profi ssionais para
tratar dos processos de criação, circulação e consumo de
produtos seriados de fi cção para televisão, games e internet,
destacando as experiências transmídia associadas a esses
produtos. Obra inédita no Brasil que se destina a estudantes,
professores, pesquisadores e profi ssionais do audiovisual
que tenham interesse em compreender como as estratégias
de serialidade constituem as séries e os games, assim como,
potencializam recursos transmídia que exploram ambientes
de imersão e de interação com a audiência.
NARRATIVAS
SERIADAS
FICÇÕES TELEVISIVAS, GAMES E TRANSMÍDIA
NARRATIVAS SERIADAS
9786556301136
ISBN 978-65-5630-113-6
Apoio:
Narrativas seriadas-capa-552x240.indd 1 22/02/2021 17:51
2021, Autores.
Direitos dessa edição cedidos à Edua.
Feito o Depósito Legal.
Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.
Capa e Projeto Gráfico
Rodrigo Oyarzábal Schlabitz
Revisão
Camila D’Apolônio
Normalização
Emmanoella Ferreira
Sistema de Bibliotecas – SIBI/UFBA
Narrativas seriadas : ficções televisivas, games e trasmídia / Maria Carmem Souza,
Lynn Alves, organizadoras. – Salvador, 2021.
245 p.
Textos selecionados do I Seminário de Narrativas Seriadas em Games, Televisão e
Transmídia (SERIAIS), realizado nos dias 3 e 4 de julho de 2019 na Faculdade de Comunicação
(Facom) da UFBA.
Textos em inglês e português.
Contém biografia.
ISBN: 978-65-5630-113-6
1. Comunicação em massa. 2. Comunicação e cultura. 3. Televisão. 4. Jogos eletrônicos.
5. Ficção brasileira I. Souza, Maria Carmem. II. Alves, Lynn.
CDD – 302.23
Elaborada por Jamilli Quaresma / CRB-5: BA-001608/O
Editora afiliada à
Editora da UFBA
Rua Barão de Jeremoabo, s/n – Campus de Ondina
40170-115 – Salvador – Bahia
Tel.: +55 71 3283-6164
www.edua.ua.br / edua@ua.br
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SUMÁRIO
Apresentação
MARIA CARMEM JACOB DE SOUZA E LYNN ALVES
11
Parte I
Transmídia e Narrativas Seriadas
perspectivas teóricas e metodológicas
Transmedia, Episodics, and Pluriverse
CRISTY DENA
21
Perspectivas sobre serialização e
ludemas em jogos digitais
CRISTIANO MAX PEREIRA PINHEIRO
45
Diante do quebra-cabeças
reflexões sobre a serialidade narrativa, uma cultura
das séries e a serialização do consumo
PEDRO PEIXOTO CURI
63
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Parte II
Entre séries e games:
análise de produtos e mercados
Da unidade fílmica para a serialidade televisiva
um estudo da primeira temporada da série Fargo
LUDMILA MOREIRA MACEDO DE CARVALHO
89
Estratégias narrativas para a construção
da diversidade no mundo ficcional de
Orange is the new black
BÁRBARA CAMIRIM
111
Neblina, sombras e milkshakes
a série Riverdale e a narrativa policial hard boiled para jovens
LUCAS RAVAZZANO
127
Minecraft story mode
uma análise transmidiática da ficção interativa da Netflix
LYNN ALVES
147
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Hana Yori Dango e o Mercado Televisivo
Transnacional do Leste da Ásia
DANIELA MAZUR
173
Audiovisual made in Bahia
Notas sobre processos de financiamento, produção e
circulação de obras seriadas financiadas pelo FSA
ANDRÉ RICARDO ARAUJO VIRGENS
195
Processos criativos na animação
seriada infantil brasileira
o caso de internacionalização de ’Cupcake & Dino’
NATACHA STEFANINI CANESSO
221
Sobre os autores
241
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173
HANA YORI DANGO E O
MERCADO TELEVISIVO
TRANSNACIONAL DO
LESTE DA ÁSIA
DANIELA MAZUR
Introdução
O mercado televisivo global de hoje denota complexidades e nichos regio-
nais que apresentam novos agentes de produção midiática, importantes
nesse momento de mudanças no contexto geral. A atual ordem global não
é a mesma que antes alimentava a ideia “do Ocidente para o resto” (HALL,
), de um fluxo único de influências culturais do Estados Unidos e Reino
Unido para os outros países do mundo. A forte presença de Hollywood e
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DANIELA MAZUR174
da televisão estadunidense no mercado global, assim como o impacto his-
tórico da British Broadcasting Corporation (BBC) como um canal modelo
para outras nações são inegáveis, contudo, outros modos de pensar tele-
visão têm surgido a partir de países considerados como de “fora do eixo”
e vêm conquistando espaço em meio aos fluxos e contrafluxos globais. O
momento atual aponta novos polos de produção cultural que desafiam
e desmascaram a lógica antiga e generalizante de que apenas um fluxo
totalizava a influência global. (KEANE, ; YANG, ) Polos perifé-
ricos de produção midiática estão emergindo do cenário global, focando
especialmente em mercados regionais. Uma dessas regiões onde vários
países se destacam por seus rápidos progressos econômicos nas últimas
décadas e por suas indústrias televisivas em acelerado desenvolvimento
é o Leste Asiático. (IWABUCHI, )
A televisão leste-asiática é considerada hoje como um verdadeiro fenô-
meno global. (KIM, ) Por mais que exista o influxo ocidental nessas
indústrias televisivas e os Estados Unidos mantenham seu incontestável
potencial de influência em nível global, a indústria estadunidense ainda
falha em se manter relevante em mercados com forte tradição em conteúdo
televisivo local. (KEANE; FUNG; MORAN, ) Por essa razão, atualmente
o mercado regional da Ásia Oriental, amparado por suas forças nacionais
em produção televisiva, não cede totalmente à importação de programa-
ção estrangeira e, dessa forma, criou-se um espaço relevante de trocas que
fortalecem o espectro regional. As narrativas ficcionais, conhecidas como
dramas de TV, são parte essencial desse universo, porque, além de serem
um formato televisivo desenvolvido na região, também dialogam com as
questões culturais que mantêm esse mercado relevante e em constante
expansão. De fato, a produção de dramas de TV movimenta as dinâmicas
mercadológicas dessa parte do mundo, tanto através da venda de forma-
tos televisivos quanto de produtos licenciados. (KIM, )
Coreia do Sul e Japão se destacam atualmente como grandes polos de
exportação desse tipo de conteúdo e, por essa razão, são mediadores cen-
trais das influências que geram tal mercado. Não é de surpreender que
parta de um deles uma das maiores e mais rentáveis narrativas televisivas
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HANA YORI DANGO E O MERCADO TELEVISIVO TRANSNACIONAL DO LESTE DA ÁSIA 175
da Ásia Oriental: Hana Yori Dango, que é originalmente japonesa e se
expandiu como formato de roteiro pelo cenário regional. Essa narrati-
va surgiu como mangá – história em quadrinhos japonesa – e avançou,
dentro do próprio país de origem, para outras plataformas midiáticas, se
destacando especialmente no formato de drama de TV. Contudo, o po-
tencial narrativo de Hana Yori Dango foi e vai além: possui adaptações
televisivas na Coreia do Sul, China, Taiwan, Tailândia, Índia, Indonésia
e Estados Unidos, sem contar com as versões atualizadas em um mesmo
país, mas em diferentes anos. É um produto que admira pela longevidade,
versatilidade e pelo potencial de dialogar com diferentes culturas, sendo
reimaginado em contextos distintos, mas mantendo a essência da narrativa.
Então, em frente aos potenciais desse artefato midiático, este capítulo
posiciona Hana Yori Dango em meio ao debate da transnacionalização
televisiva e do regionalismo em um dos espaços mais efervescentes em
cultura pop no mundo atual: o Leste da Ásia.
O mercado televisivo do leste da Ásia
A lógica de um mercado de produtos e formatos televisivos ativo dentro
da região do Leste Asiático ainda é recente, já que até o final dos anos
essa movimentação ainda era muito incipiente. (KIM, ) O cinema in-
terasiático tinha seus polos de exportação transnacional na região, como
os filmes de kung-fu honcongueses, mas a interdependência televisiva era
quase inexistente. Havia, até então, certo receio entre os países da região
em importar conteúdo estrangeiro, mesmo de países vizinhos, temendo
que estes pudessem influenciar e deturpar as culturas locais. O caráter
protecionista era forte e, consequentemente, inibia o mercado regional
de produtos culturais. (SHIM, ) Conteúdos televisivos ocidentais –
em especial os estadunidenses – eram vistos como ameaças globalizantes,
os mais perigosos para esse ambiente de proteção cultural e econômica.
Por isso, nas décadas de e apenas produtos culturais de alguns
países circulavam em meio ao mercado leste-asiático: os japoneses e os
honcongueses. (IWABUCHI, ) O destaque do Japão e Hong Kong no
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cenário regional, porém, não garantia pluralidade e limitava a exportação
e circulação de produtos televisivos nesse mercado a apenas esses dois
países asiáticos. Contudo, paradoxalmente, a influência da globalização
e do projeto de americanização mundial encorajou que países periféricos
da Ásia Oriental se posicionassem em meio às tentativas de homogenei-
zação das forças culturais do centro. (SHIM, ) Em um movimento de
aproximação dos mercados nacionais e regionais e em desfavor das forças
globais, desenvolveram, assim, oportunidades para os novos polos locais
de produção cultural, que favoreciam produtos da sua própria região.
Keane, Fung e Moran (, p. ) apontam que o distanciamento
das influências globais e a reafirmação do regionalismo leste-asiático na
produção televisiva foi resultante de diferentes fatores que se apresenta-
ram à época: a integração das economias da Ásia Oriental aos mercados
ocidentais, produzindo, assim, novas possibilidades para a produção e
distribuição televisiva; níveis crescentes de comércio e troca de capital
criativo entre os países da região, que levaram a novos nichos de mercado;
transferência de tecnologias através de empreendimentos conjuntos e co-
produções audiovisuais; cosmopolitismo crescente nas grandes cidades
leste-asiáticas, que levou à demanda popular por conteúdos que refletis-
sem esse estilo de vida; e modelos flexíveis de produção, que surgiram
como resposta ao momento multicanal e de digitalização do cenário te-
levisivo. Portanto, em meados dos anos , esses fatores, somados ao
levante democrático e à liberação midiática que se alastraram pela Ásia
Oriental, conseguiram atualizar e concretizar o cenário dos mercados lo-
cais, criando espaço para movimentações mais intensas aos fluxos tele-
visivos regionais. (SHIM, )
Foi, então, a partir desse momento de abertura de mercados, que os
países começaram a construir uma lógica mercadológica transnacional
através, também, de trocas de produtos culturais, formatos televisivos e
influências. Juntamente as forças da globalização da mídia, o poder eco-
nômico revigorado dos países asiáticos aumentou o consumo e a deman-
da por produtos de entretenimento, ajudando também a intensificar os
fluxos culturais no mercado transnacional. (IWABUCHI, ) O Japão,
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HANA YORI DANGO E O MERCADO TELEVISIVO TRANSNACIONAL DO LESTE DA ÁSIA 177
que já possuía presença ativa nesse cenário, se fortaleceu ainda mais,
enquanto, outros agentes começaram a conquistar seus espaços, como a
Coreia do Sul, que atraiu seus primeiros consumidores estrangeiros nessa
época, ao final da década de . O primeiro grande sucesso de expor-
tação televisiva sul-coreana foi em com o drama de TV What is love
(MBC, -), que abriu as portas para o diálogo cultural da Coreia
do Sul com outros países da região, especialmente os da esfera chinesa.
(SHIM, ) Então, dessa forma, o contato com a produção televisiva de
países vizinhos, possibilitada por esse ambiente recente de trocas merca-
dológicas regionais, incentivou as produções locais e fortaleceu as indús-
trias televisivas em suas investidas de exportação, especialmente através
da compra e cópia de formatos. A familiaridade e o estranhamento cau-
sados por esses produtos no mercado regional incentivaram o interes-
se pelo consumo desses conteúdos, que dialogavam com a cultura pop
leste-asiática. Ao mesmo tempo, traziam novas perspectivas culturais de
suas raízes locais, pluralizando assim o cenário mercadológico televisivo
regional que se formava.
A capacidade de transação de serviços e produtos entre esses países
facilitou a internacionalização midiática regional, já as trocas culturais,
através especialmente de coproduções e vendas de formatos, ajudaram
na diminuição das barreiras regulatórias entre os mercados locais e a as-
censão da Web . ampliou o acesso e circulação de conteúdo. (KEANE;
FUNG; MORAN, ) As leis e estratégias protecionistas acabaram se
tornando um estímulo para a compra de formatos e desenvolvimento de
adaptações locais, já que, dessa forma, a identidade local se manteria pro-
tegida de influências. (WAISBORD, ) Equilíbrio entre a proteção da
cultura nacional e o interesse na exoticidade e “modernidade” do estran-
geiro, com a estratégia de ligar interesses econômicos internacionais ao
sentimento nacional de pertencimento. (WAISBORD, ) Além disso,
a expansão da capacidade tecnológica da produção televisiva nessas in-
dústrias culturais nas últimas décadas ajudou no desenvolvimento, dis-
tribuição e reconhecimento desses conteúdos (KEANE; FUNG; MORAN,
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), o que estendeu o potencial de alcance e diálogo cultural desses
mesmos com o cenário global.
O Leste da Ásia, em sua pluralidade de países e culturas, é um terri-
tório extremamente heterogêneo. Não temos aqui nenhum interesse de
homogeneizar o conceito de cultura pop regional, contudo buscamos
pontos de interseção que auxiliaram no diálogo transnacional entre esses
países, o que facilitou a construção de um certo senso de proximidade e
pertencimento em favor da formação do mercado televisivo leste-asiático.
Existem ali “valores celebrados regionalmente” (FUNG, , p. ), in-
terasiáticos, que foram compartilhados por séculos de trocas em razão
da cercania geográfica, fluxos migratórios e movimentações político-di-
plomáticas. Esses valores ajudam a criar diálogos culturais entre esses
países e facilitam que produtos televisivos circulem entre audiências de
diferentes países da região, que se veem representados por eles de algu-
ma forma, por mais que sua cultura não esteja diretamente representada
em tais narrativas.
O equilíbrio entre influências culturais tradicionais e estrangeiras forma
a estratégia de circulação televisiva em meio à região do Leste Asiático. O
conceito de Proximidade Cultural (STRAUBHAAR, ) ajuda a explicar
como os produtos televisivos navegam os fluxos interasiáticos (IWABUCHI,
) e como esse mercado se originou. Segundo Straubhaar (), as
audiências preferem produtos que dialoguem com a sua própria cultura
e buscam neles traços de familiaridade e representação de seu cotidiano.
A existência do imaginário generalista de uma “identidade leste-asiática”
(CHUA, ) abarca os traços relacionáveis entres os países do Extremo
Oriente por serem culturalmente “próximos”, resultado de interações his-
tóricas, bagagem cultural, memórias coletivas compartilhadas e a própria
cercania geográfica.
Então, o diálogo regional se torna um espaço frutífero para o mer-
cado de programação televisiva, já que esses produtos apresentam uma
comunhão cultural genérica em meio as diferenças existentes e, ao mes-
mo tempo que difundem características tradicionais comungadas, tam-
bém exibem as diferentes atualizações e especificidades desses países,
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especialmente nas suas abordagens cosmopolitas. Majoritariamente, as
audiências leste-asiáticas se mostram receptivas a produtos próximos
culturalmente (KEANE; FUNG; MORAN, ), criando-se, assim, inter-
conexões culturais entre essas nações e um fluxo regional do mercado
audiovisual. Contudo, não podemos desconsiderar a pluralidade dessa
região e como esses textos são complexos e podem ser mal interpretados
ou totalmente incompreendidos dependendo do público que o lê, ou
até mesmo criarem barreiras nesse fluxo se tais produtos desenvolverem
significados considerados como ruins para as audiências locais, que são
igualmente complexas. (KIM, )
A premissa básica da globalização aponta para o imperialismo cultural
e da mídia como a força de dominação do Ocidente sobre o não-Ocidente
– centro versus periferia –, resultando na tentativa de homogeneização das
culturas e imposição de valores globais em desfavor dos locais. Essa cons-
trução ideológica faz parte de um consenso orientalista e euro-centrado
que impõe como verdadeira a existência de uma submissão automática
de culturas periféricas, desconsiderando o potencial de resistir e a com-
plexidade dessas culturas. Contudo, o processo globalizante também cria
resistências, as culturas locais não se perdem, mesmo em frente aos aspec-
tos que irremediavelmente acabam se tornando semelhantes através do
contato com as forças globais. E os formatos televisivos, por mais que sejam
grandes arquétipos da globalização e se caracterizem pela uniformidade,
são apenas formas, o conteúdo, que é o mais importante e significativo,
é adaptável aos interesses culturais do local. (KEANE; FUNG; MORAN,
) Novamente, a ideia de proximidade cultural de Straubhaar () é
válida, já que a familiaridade do público com o que está representado na
televisão se apresenta como essencial para o consumo desses produtos,
tanto em nível nacional quanto regional. A resistência não está apenas
na nação diretamente representada, mas também nos circuitos dos quais
participa e nas outras culturas que dialogam com ela, que fazem parte do
mesmo mercado e criam sentidos atualizados do que é ser periférico aos
fluxos globais.
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É em meio a essa estrutura do cenário global e regional, que os fenô-
menos culturais surgiram e se estabeleceram como polos da cultura pop
leste-asiática. Como supracitado, Japão e Coreia do Sul são atualmente os
grandes polos de produção, exportação e circulação de produtos culturais
na região e se destacam como alternativas periféricas ao processo globa-
lizante (YANG, ), desafiando a hegemonia do centro. (JIN; YOON,
) O Japan Mania é o fenômeno transnacional que abarca a força da
exportação dos produtos culturais japoneses, alavancada especialmente
pelos mangás, animês, dramas e J-pop, já a Hallyu – Onda Coreana – é o
levante cultural da Coreia do Sul através do intenso fluxo de produtos
culturais, como os K-dramas, K-pop, cinema, moda e cosméticos, que tem
conquistado grande popularidade na Ásia e, mais recentemente, em paí-
ses ocidentais. Esses fenômenos lideram o mercado regional, criando es-
paços de trocas e influências diretas, além de serem uma arena de cópias
e adaptações de programas televisivos de sucesso.
Variações regionais impulsionam a dispersão de ideias. Ironicamente,
enquanto a mídia global está se consolidando através de fusões e alian-
ças, o conteúdo está sendo trocado ou clonado tão rapidamente que há
uma crescente sensação de conectividade. O sucesso em um mercado
é transferido muito rapidamente para outro. Isso não se aplica apenas
à venda de programação ‘finalizada’, mas também à transferência de
modelos e técnicas. É este o novo modelo de globalização. (KEANE;
FUNG; MORAN, 2007, p. 24, tradução nossa)
Como apontado por Keane, Fung e Moran (), as práticas regionais
de luta em resistência às forças globalizantes apresentam novas formas de
produzir sentidos e modelos que funcionam dentro de regiões específicas.
O formato televisivo drama de TV é um importante agente no mercado
televisivo da Ásia Oriental, com suas ficções seriadas que apresentam o
contexto atualizado da região, o cosmopolitismo e as tradições culturais
vivas e cotidianas às sociedades leste-asiáticas. Através do consumo desse
formato na região, audiências asiáticas passaram a reconhecer semelhan-
ças e diferenças nas experiências de modernização um do outro, retratos
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atualizados desses países vizinhos. (IWABUCHI, ) Os dramas de TV
acabaram se tornando uma plataforma de diálogo cultural importante,
especialmente para o mercado transnacional de produtos televisivos nes-
sa arena asiática, mas também para criar a tal sensação de conectividade
apresentada no trecho acima. São produtos que viajam entre as fronteiras
dos países, tanto licenciados quanto como formatos de roteiro, tornan-
do-se instrumentos de representação, conflito e intercâmbio cultural.
Especialmente nos últimos anos em que os dramas de TV têm ganhado
grande popularidade no continente. (GLYNN, ) Chua (, p. )
descreve que os fluxos de dramas de TV cruzam fronteiras culturais e lin-
guísticas no Extremo Oriente e isso virou parte da rotina desse mercado.
É com isso em mente que abordaremos o formato televisivo.
Drama de tv: um formato interasiático
O Japão é o ponto inicial do desenvolvimento do formato drama de
TV. O país, inspirado em influências das produções seriadas televisivas
desenvolvidas pelo mundo na época, começou a pensar sua serialidade
ficcional de TV em meio aos primeiros passos da indústria da televisão
no país. A primeira indicação do desenvolvimento deste formato se deu
em , logo após a fundação da emissora Nihon Hoso Kyohai (NHK).
Os dramas de TV entraram na grade de programação do canal, se difun-
diram através do surgimento de novas emissoras pelo país e do desenvol-
vimento das tecnologias de produção, e fortaleceram a televisão como
meio de comunicação. Junto aos dramas, desabrochou, então, a própria
ideia de televisão no país. Essas produções ficcionais se preocupavam em
apresentar a realidade sociocultural do Japão e questões cotidianas nas
suas narrativas, apresentando para a população a efervescência das mu-
danças que estavam acontecendo na sociedade em geral na época. Com
a expansão televisiva e das tecnologias de difusão nas décadas seguintes,
abriu-se espaço para o desenvolvimento de diferentes gêneros dentro do
formato televisivo, que ajudaram a apurar as produções e suas abordagens
sobre questões sociais japonesas. O gênero mais influente para as atuais
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configurações do formato foi o trendy drama, essencial para atualizar os
dramas de TV e transformá-los em um produto atraente para o mercado
local e internacional. Essa influência ajudou o formato a conquistar força
no circuito televisivo leste-asiático e os dramas de TV se tornaram uma
alegoria cultural da vida cotidiana e da multiplicidade em ser asiático na
contemporaneidade. (DISSANAYAKE, )
Os trendy dramas foram lançados como crônicas baseadas na vida
acelerada dos japoneses no final dos anos e nas mudanças de uma
sociedade em transição cosmopolita, somadas a elementos refinados
de cenário, elenco, música e com a presença central de uma história de
amor. Essas narrativas mais rápidas e urbanas refletiam a vida “real” dos
japoneses, que estavam vivenciando a chegada das influências estran-
geiras no país. (OTA, ) Uma metáfora romantizada da modernidade
capitalista-consumista (CHUA; IWABUCHI, ), atualmente a fórmula
continua a mesma e define o que conhecemos como o formato drama de
TV. A estética refinada da imagem e os elencos focados em jovens e belos
atores são traços dos dramas de TV, que incorporou o conceito dos trendy
dramas e continua se atualizando segundo as demandas do mercado local
e regional. Estes aspectos são os que influenciam as indústrias de dramas
no Leste e Sudeste da Ásia na contemporaneidade e ditam as tendências
televisivas da região. Hoje, os dramas de TV apresentam questões que re-
fletem parte da rotina da sociedade em que se estabilizam.
O Japão entre as décadas de e era um dos grandes media-
dores de produtos televisivos dentro da sua região. (IWABUCHI, )
O cosmopolitismo dos trendy dramas cativou as audiências do Leste e
Sudeste Asiático, especialmente nos países em desenvolvimento em que
o povo aspirava por melhorias na vida material. (CHUA; IWABUCHI,
) A presença dos dramas de TV japoneses no mercado regional era
intensa, vários países consumiam essas narrativas e tinham contato di-
reto com os influxos desse formato. Dessa forma, a produção televisiva
japonesa conseguiu influenciar os países em que seus produtos culturais
eram consumidos, introduzindo o formato drama de TV na região, que
foi largamente adotado e reproduzido. Desenvolveu-se, assim, um cenário
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transnacional de dramas, com diversas indústrias televisivas leste-asiáticas
produzindo suas próprias narrativas ficcionais.
As indústrias televisivas sul-coreana, taiwanesa, tailandesa e chinesa
se inspiraram nos dramas japoneses para desenvolverem suas próprias
produções e incorporaram especificidades culturais e nacionais para que
as narrativas dialogassem diretamente com os públicos locais. (YANG,
) A incorporação cultural nas narrativas foi essencial para que elas
funcionassem com o público local e também se diferenciassem no mer-
cado regional. Questões como idioma, locações, estética de imagem, tipos
de beleza, assuntos em voga em âmbito nacional, abordagens culturais e
representação de características da sociedade em foco se expressam nessas
narrativas e caracterizam essas produções. São até mesmo adotadas deno-
minações específicas para diferenciar dramas de diferentes países, como,
por exemplo, os dramas japoneses que são conhecidos como doramas,
os dramas tailandeses como lakorns e os sul-coreanos como K-dramas.
A partir disso, criaram-se imaginários nacionais sobre esses produtos,
já que cada país imprime suas características a eles. Como expresso por
Dissanayake (, p. -, tradução nossa) no trecho a seguir:
As distâncias culturais entre, digamos, China e Índia, ou Japão e Indo-
nésia, ou Coreia e Tailândia, são imensas. Portanto, os dramas de TV
de cada país possuem a sua própria identidade cultural. No entanto,
apesar de reconhecer essas diferenças, também é possível identificar
algumas características comuns.
Em meio a diversidade de nacionalidades no mercado dos dramas de
TV no Leste e Sudeste Asiáticos, a produção televisiva de cada país se ca-
racteriza especialmente por seus códigos sociais e culturais representados
nas narrativas. Esses revelam um pouco do cotidiano social e moral dessas
sociedades, ao mesmo tempo que criam imaginários nacionais atualizados,
1 Termo em japonês para “drama”.
2 Termo em tailandês para “drama”.
3 O sufixo “K” indica Korea ou Coreia do Sul.
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apresentando a modernidade, tradição e relevância desses países hoje. No
caso dos K-dramas, por exemplo, preza-se especialmente pelo equilíbrio
entre entretenimento e valores éticos da cultura, a fim de que essas nar-
rativas se encaixem ao interesse do público e apresentem questões que
reflitam e reafirmem a sociedade sul-coreana (DISSANAYAKE, ), em
favor de, também, sustentar a promoção da Hallyu.
A fórmula dos dramas de TV, utilizada até os dias atuais, se baseia
majoritariamente em histórias de casais apaixonados e as dificuldades
que eles passam até conseguirem ficar juntos, com a recorrente presen-
ça de um triângulo amoroso como fator de dramaticidade. Em grande
parte, essas histórias se utilizam de paisagens e localidades nacionais
como pano de fundo e trilhas sonoras marcantes preenchidas por músi-
cas do pop local. A maioria dessas histórias se desenvolvem nas grandes
capitais, apresentando a estrutura e desenvolvimento desses países. Em
grande parte, são narrativas simples, mas com forte apelo emocional,
até mesmo previsíveis, causando no telespectador certo sentimento de
familiaridade e antecipação com a narrativa. (CHAN; WANG, ) São
intensamente influenciadas por matrizes melodramáticas, que Martín-
Barbero () define como uma fórmula narrativa, que mesmo se repe-
tindo ao longo dos anos, atualiza-se sempre produzindo novos sentidos
na vida de diferentes públicos e contextos culturais. O melodrama se
utiliza de algumas características universais que compõem o gênero,
como a dicotomia entre bem e mal e a qualidade moral, além de ser
comumente caracterizado por um certo excesso de sentimentalismo.
(ANG, ) Por essa razão, o tema central da grande maioria dos produ-
tos influenciados por essa matriz é o amor romântico (BALDACCHINO,
) e os dramas de TV não fogem à regra.
4 Os dramas de TV não se limitam a esse arco majoritário, especialmente porque tal formato
televisivo está em expansão constante. Existem diferentes gêneros e abordagens narrativas que
abarcam esses produtos, trazendo perspectivas inovadoras para o campo ficcional. Dramas
de ação, sci-fi, histórico, horror, workplace e fantasia são partes essenciais dos dramas de TV
hoje.
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HANA YORI DANGO E O MERCADO TELEVISIVO TRANSNACIONAL DO LESTE DA ÁSIA 185
Com o desenvolvimento tecnológico dos aparatos de produção so-
mado aos fluxos de influências entre esses países, hoje esse formato te-
levisivo faz parte do dia a dia das grades de programação das emissoras
dos países do Extremo Oriente (CHUA; IWABUCHI, ), além de estar
se expandindo como produto de exportação global. Ademais, as grandes
nações e influências culturais na região atualmente, China, Coreia do Sul
e Japão, se estabeleceram como partes de um imaginário genérico de “cul-
tura pop leste-asiática”. (CHUA; IWABUCHI, ) Este imaginário circula
principalmente através dessas narrativas, que prezam pelo equilíbrio da
tradição cultural, em favor de dialogar com os países vizinhos, e a ideia
de “modernidade” advinda de influências ocidentais, concebendo, assim,
produtos televisivos híbridos que cativam especialmente os públicos mais
jovens. É, então, em meio a esse fervilhar de fluxos e influências de um
mercado em ascensão, que abordaremos no próximo tópico o lugar das
versões de dramas de TV nesse mercado regional.
Hana Yori Dango, uma narrativa interasiática
Em meio ao mercado regional de produtos televisivos da Ásia Oriental, as
versões e adaptações são um caso de destaque. Além do fato dessas prá-
ticas serem comuns entre diversas narrativas e diferentes países, existem
histórias que se sobressaem em razão da sua longevidade dentro desse
mercado ainda tão recente em suas movimentações internas. Uma delas é
Hana Yori Dango, uma narrativa de destaque considerada como interasiá-
tica porque navega há anos por diferentes culturas e formatos midiáticos
na Ásia Oriental, coroada como um clássico da cultura pop leste-asiática.
Originária de mangás japoneses e com longevidade de mais de anos
no mercado televisivo, foi readaptada diversas vezes em diferentes países
e em diferentes épocas. Primeiramente lançada nos quadrinhos e depois
adaptada ao animê – animação japonesa –, ao cinema e a multiplicidade
de versões nacionais dos dramas de TV.
Datada do início da década de , até hoje essa história se man-
tém relevante para o público leste-asiático, com novas adaptações sendo
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DANIELA MAZUR186
produzidas e conquistando diferentes públicos. Circulou com êxito em
Taiwan, Coreia do Sul e China continental em formas adaptadas e revela
o privilégio do local sobre o estrangeiro nessa lógica de mercado, com a
preferência pelos elementos locais em primeiro plano. (CHAN, ) Hana
Yori Dango apresenta um caso de sucesso de formato de roteiro que atraiu
o mercado regional mesmo através dos anos e da grande quantidade de
produções televisivas em destaque no cenário atual. Assim como o caso
de Yo soy Betty, la fea (RCN Televisión, -), no qual uma narrativa
se transforma em formato através do potencial de seu roteiro em circu-
lar e ser adaptado em diferentes culturas e indústrias televisivas (MIKOS;
PERROTA, ), também é Hana Yori Dango que se apresenta não só
como um produto finalizado/licenciado, mas também como formato de
roteiro difundido em meio ao mercado televisivo regional.
Em julho de , a chamada do jornal The Jakarta Post anunciou:
“‘Meteor Garden ’: Mesma velha receita, mas as garotas ainda amam
isso!”, mais uma versão de Hana Yori Dango estava no ar na China e con-
quistou até a Netflix, que comprou os direitos de exibição global na sua
plataforma – no catálogo brasileiro, “Jardim de Meteoros”. Meteor Garden
é a tradução oficial para o inglês da adaptação chinesa, já no caso da Coreia
do Sul a adaptação teve outro título, assim como na Indonésia. A destacada
pelo jornal é a décima sexta adaptação audiovisual produzida a partir do
original do mangá shoujo e conseguiu manter o seu sucesso no mercado
transnacional do Leste e Sudeste Asiático, apesar da narrativa central ser
basicamente a mesma e se repetir em todas suas versões.
A história original apresenta a protagonista Makino Tsukushi, uma
garota simples, pobre e com personalidade forte, que consegue entrar
em uma escola de elite, onde se depara com um quarteto de garotos que
domina o lugar, o Flower Four (F). Eles conquistaram esse poder através
da beleza, inteligência e fortuna, se dando o direito de passar por cima de
5 Tradução nossa de “Meteor Garden 2018: Same old recipe but girls still love it!”, jornal e
Jakarta Post em 19/07/2018. Disponível em: http://www.thejakartapost.com/life/2018/07/19/
meteor-garden-2018-same-old-recipe-but-girls-still-love-it.html. Acesso em: 19 jul. 2018.
6 Categoria de histórias de mangá com público alvo focado em garotas adolescentes.
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HANA YORI DANGO E O MERCADO TELEVISIVO TRANSNACIONAL DO LESTE DA ÁSIA 187
tudo e todos na escola. Contudo, Makino resiste à imponência dos garotos
e conquista a atenção deles, que começam a persegui-la, se utilizando até
mesmo de atos de violência para se manterem no controle. O que começa
como um problema entre a garota e o F, acaba gradativamente se tor-
nando em uma amizade e, consequentemente, um romance.
O mangá original de Hana Yori Dango foi lançado em outubro de
e encerrado em setembro de pela autora Yoko Kamio, entretanto, em
foi anunciada a sequência da história, Hana Nochi Hare: Hanadan
Next Season, que foi finalizada em dezembro de . A primeira série
dessas publicações (-), conquistou o recorde de mangá shoujo
mais vendido na história do país. O sucesso da narrativa incentivou a
migração para outras plataformas midiáticas, a fim de estender o poten-
cial da história através, especialmente, do audiovisual. A partir de então,
a televisão e o cinema viraram partes inerentes da construção do impacto
cultural e mercadológico de Hana Yori Dango, tanto no Japão quanto em
outros países, apresentando uma narrativa que se mantém relevante no
mercado regional até os dias de hoje.
Começamos pelo caso mais recente a fim de apresentar a relevância
dessa narrativa ainda no presente, entretanto um longo caminho foi per-
corrido até chegar nessa décima-sexta adaptação. A primeira adaptação
audiovisual foi produzida no Japão em versão cinematográfica e lançada
em , já a primeira versão para a televisão foi através do formato animê,
entre e , pela Asahi Broadcasting Corporation (ABC). Em ,
o formato de roteiro foi adaptado como drama de TV pela indústria tele-
visiva taiwanesa e chamado de Meteor Garden, que logo depois, em ,
lançou também uma segunda temporada pela mesma emissora Chinese
Television System (CTV). Entre a primeira e a segunda temporada da ver-
são taiwanesa, foi lançado também um mini-drama para interconectar as
duas temporadas, que teve o título de Meteor Rain.
7 Até 2015, mais de 61 milhões de cópias foram vendidas, fazendo dele o mangá shoujo de maior
sucesso da história.
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Ainda em , foi a vez da Indonésia lançar seu drama de TV
não-licenciado em adaptação dessa história, intitulada de Siapa Takut
Jatuh Cinta, que, em , teve seu remake pelo mesmo canal, Surya
Citra Televisi (SCTV). Então, em , chegou finalmente a vez do Japão
transformar seu produto cultural do papel para a telinha, com o dorama
Hana Yori Dango, que dois anos depois teve a sua segunda temporada
Hana Yori Dango Returns e, em , o filme Hana Yori Dango Final. Na
sequência, foi adaptado, em , para o mercado sul-coreano no forma-
to de K-drama e intitulado de Boys Over Flowers pela emissora Korean
Broadcasting System (KBS). Na mesma época, a China adaptava essa
narrativa de forma ilegal, sem comprar os direitos do formato, no drama
conhecido como Meteor Shower, exibido entre e na emissora
Hunan TV.
Em , uma produtora independente estadunidense começou o pro-
cesso de adaptação de Hana Yori Dango para os Estados Unidos, com o título
de Boys Before Flowers, porém os primeiros episódios exibidos online não
agradaram o público, formado por fãs da narrativa e asiáticos-americanos
que de alguma forma já conheciam Hana Yori Dango. Por essa razão, a
adaptação ocidental nem chegou a ser finalizada. Em , também sem
a licença oficial para o uso do formato, foi produzida a versão indiana in-
titulada de Kaisi Yeh Yaariaan pela Music Television India (MTV India).
Para finalizar, voltamos a versão mais recentemente licenciada, o drama
Meteor Garden 2018, produzida pela China continental e exibida pela
emissora Hunan TV – com a distribuição global pela plataforma Netflix.
Além disso, a adaptação dos novos mangás da sequência Hana Yori Dango
2, com o dorama Hana Nochi Hare: Hanadan Next Season, que foi exibi-
do em pelo canal Tokyo Broadcasting System (TBS).
Portanto, são muitas versões e adaptações em diferentes países e mo-
mentos, onde as adaptações desse formato de roteiro sofreram mudanças
não só através dos nomes dos personagens, cenários e idioma, mas tam-
bém se submeteram as convenções narrativas e estilísticas de cada país,
abordando temas e conteúdos de interesse local. Entretanto, mesmo em
meio a tamanha pluralidade de produções através dos anos e localidades,
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HANA YORI DANGO E O MERCADO TELEVISIVO TRANSNACIONAL DO LESTE DA ÁSIA 189
a narrativa-base dessa história conseguiu se manter, se repetir e se recriar
nesse mercado televisivo, mantendo o sucesso de interesse e consumo por
parte dos diferentes públicos.
Figura 1: Quadro de comparação entre o mangá e os protagonistas de quatro das
17 adaptações para a TV e cinema de Hana Yori Dango
Fonte: site Japão Em Foco.
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As adaptações oficiais – com a licença através da compra do formato
de roteiro – de Hana Yori Dango prezaram pela essência da história, mu-
dando apenas detalhes que ajustavam melhor essa narrativa as realidades
culturais às quais estava sendo adaptada, poucas mudanças de grande porte
são percebidas. Porém, as variações culturais apresentam questões que dão
tons diferentes a cada uma dessas versões. Por exemplo, a relação entre o
casal sul-coreano é percebida como mais fechada e fria em comparação
ao casal das versões taiwanesas. A timidez e o senso de intimidade exis-
tente nas relações românticas sul-coreanas são um fator cultural que não
é igualmente comungado em Taiwan, por isso os atos de romance entre
o casal são mais físicos e claros na tela taiwanesa. Outro fator que abraça
questões culturais mais profundas é a estética da beleza de cada quarteto
F nas diferentes adaptações, já que a percepção cultural influencia essa
concepção, assim como a época em que a versão foi produzida.
Além disso, o bullying como agente narrativo é abordado de dife-
rentes formas dependendo da época e do país, sendo de modo mais
claro e violento ou não. Na versão sul-coreana, por exemplo, a imagens
são fortes e evidentes, envolvendo até mesmo tentativas de suicídio e
estupro, já nas outras adaptações esse assunto é pouco desenvolvido e
apresentado de forma menos explícita. Contudo, por mais que essas
distinções culturais apresentadas nas diferentes versões sejam comuns,
a questão aqui não está no quanto essas adaptações divergem, mas sim
no modo como elas reverberam uma mesma narrativa para dialogar com
múltiplas audiências e experiências culturais, a fim de apostar no suces-
so já conquistado em outros países. Como apontado pelo trio Keane,
Fung e Moran (, p. , tradução nossa), “a adaptação de conteúdos
já bem-sucedidos oferece uma oportunidade para duplicar sucessos
passados e existentes”. Chan () aprofunda, discutindo sobre como
a região do Leste da Ásia possui lógicas mercadológicas nas quais as
adaptações e formatos de roteiro regionais funcionam de forma mais
positiva junto às audiências locais, vez que uma história que faz sucesso
em um país tende a repeti-lo em outro, mesmo em uma nova versão.
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As apostas repetidas em Hana Yori Dango, então, apresentam um lu-
gar seguro financeiro e, culturalmente, usando material que, mesmo com
diversas diferenças em razão das adaptações culturais, ainda soam como
familiares para o público (FIDDY, ), especialmente este formato de ro-
teiro que preza por lógicas culturais que atraem um certo espaço comum
compartilhado no universo cultural do leste asiático. A premissa dessa
narrativa se mantém a mesma em todas as suas versões, contudo as abor-
dagens sobre juventude e questões ligadas a ela são inerentes às flexões
culturais das indústria televisivas nas quais se encontram. Apresentando,
assim, um pluralismo de perspectivas asiáticas em uma região que é vis-
ta pelo resto mundo, muito erroneamente e de forma orientalista, como
“homogênea”. Demonstra, também, como uma mesma narrativa não
significa uma mesma abordagem cultural. Hana Yori Dango apresenta
como uma narrativa consegue se manter relevante em meio a um circuito
efervescente dialogando com múltiplas audiências, enquanto o resto do
mundo aposta em renovações e novas abordagens narrativas. Prova, assim,
que algumas histórias conseguem se manter vivas em meio a regiões que
prezam por certas construções ficcionais interessantes às suas estruturas
culturais vigentes e investem no diálogo regional. Hana Yori Dango é um
formato de roteiro que denota a força de um mercado que resiste e aposta
em suas próprias narrativas.
Considerações finais
As movimentações intensas de produtos culturais que estão acontecendo
na Ásia Oriental apontam para como polos periféricos de influência estão
surgindo em meio ao cenário global, criando suas próprias estratégias de
produção e circulação, e apostando no que funciona regionalmente. O ob-
jeto de estudo em foco aqui foi uma narrativa interasiática que conseguiu
passar ao patamar de formato de roteiro e se difundiu pelas indústrias
televisivas vizinhas, permanecendo-se relevante por mais de duas déca-
das no Extremo Asiático até a atualidade. Adaptada a diferentes contex-
tos culturais e temporais, criou distintos sentidos com a mesma história
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e conquistou gerações de jovens. O mercado ainda aposta nela porque
enxerga nuances culturais que se mantêm atraentes na cultura pop les-
te-asiática e as demandas dos consumidores locais de dramas de TV por
histórias de romance “familiares” continuam a existir. Financeiramente é
uma aposta segura em um mercado jovem, porém já muito bem estrutu-
rado e em crescimento acelerado. O mercado televisivo transnacional do
Leste da Ásia continua lidando com questões narrativas que já funciona-
vam anteriormente, apostando em casos de sucesso a fim de manter suas
audiências e potenciais de venda.
São estratégias que se repetem para um público que se deleita com
histórias repetidas, invocando questões nostálgicas e familiares, em um
ambiente mercadológico que vivencia acelerado desenvolvimento e gran-
de produção. Acredito que a proximidade cultural não diz apenas sobre
questões puramente de representação cultural local, mas também de nar-
rativas familiares que ativam lógicas culturais compartilhadas regional-
mente. Além disso, também acredito que, por mais que versões já façam
parte da rotina desse mercado e até mesmo existam outras narrativas que
se aproximem em impacto regional – como Itazura na Kiss, por exemplo
–, Hana Yori Dango é um exemplo difícil de ser repetido na história desse
mercado, já que consegue não só ser incansavelmente relida e consumida,
mas também compreendida e aceita nos mais diversos contextos. Assim
como é o caso do impacto transnacional da latina Yo soy Betty, la fea. São
formatos de roteiro de peso e marcantes na história televisiva, tanto no
âmbito local quanto internacional. E o caso asiático nos apresenta aqui
as nuances das lógicas de resistência midiática na periferia global pela
perspectiva do Oriente para o Ocidente.
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