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Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica

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Neste texto, investigamos como estruturas microtonais foram organizadas por compositores em obras eletroacústicas. Mais que uma análise musical, nos interessa explorar os problemas composicionais emergentes quando nos deparamos com os conceitos e terminologias de classificação de alturas (microtonalidade, temperamento, timbre etc.). Exploramos, portanto, como é e como foi aplicado o parâmetro da altura dentro de obras do repertório, mais especificamente suas qualidades e potenciais dentro da temática da microtonalidade. Para isso, baseamos nossas análises nos estudos de Franck Jedrzejewski, Peter Manning, Curtis Roads, Harry Partch, entre outros. Como resultado, buscamos incentivar a discussão e produção artística acerca do tema, destacando o ofício do compositor em ambientes com suporte tecnológico digital.
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1DOI 10.20504/opus2020c2615
OPUS v. 26 n. 3 set/dez. 2020
RIBEIRO, Felipe de Almeida; NEIMOG, Charles K. Impasses no uso de estruturas microtonais na
composição eletroacústica. Opus, v. 26 n. 3, p. 1-24, set/dez. 2020.
http://dx.doi.org/10.20504/opus2020c2615
Recebido em 7/8/2020, aprovado em 3/11/2020
Resumo: Neste texto, investigamos como estruturas microtonais foram organizadas
por compositores em obras eletroacústicas. Mais que uma análise musical, nos
interessa explorar os problemas composicionais emergentes quando nos deparamos
com os conceitos e terminologias de classificação de alturas (microtonalidade,
temperamento, timbre etc.). Exploramos, portanto, como é e como foi aplicado
o parâmetro da altura dentro de obras do repertório, mais especificamente suas
qualidades e potenciais dentro da temática da microtonalidade. Para isso, baseamos
nossas análises nos estudos de Franck Jedrzejewski, Peter Manning, Curtis Roads,
Harry Partch, entre outros. Como resultado, buscamos incentivar a discussão e
produção artística acerca do tema, destacando o ofício do compositor em ambientes
com suporte tecnológico digital.
Palavras-chave: Microtonalidade. Composição Musical. Música Eletroacústica.
Sistemas de Afinação. Computação Musical.
Impasses in the use of microtonal structures in electroacoustic composition
Abstract: In this text, we investigate how microtonal structures were organized by
composers in electroacoustic works. More than a musical analysis, we are interested
in exploring the emerging compositional issues when we come across concepts and
terminologies of pitch classification (microtonality, temperament, timbre, etc.). Therefore,
we explore its aspects and how the parameter of pitch was applied within works of
the repertoire, more specifically the pitch qualities and potential within the theme of
microtonality. To this end, we base our analyses on the studies of Franck Jedrzejewski,
Peter Manning, Curtis Roads, Harry Partch, among others. As a result, we seek to encourage
discussion and artistic production on the theme, highlighting the composer’s craft in
environments with digital technological support.
Keywords: Microtonality. Musical composition. Electroacoustic music. Tuning systems.
Computer Music.
Impasses no uso de estruturas microtonais
na composição eletroacústica
Felipe de Almeida Ribeiro
Universidade Estadual do Paraná, Curitiba-PR
Charles K. Neimog
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora-MG
OPUS v.26, n.3, set./dez. 2020 2
RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
D
esde o início da música eletroacústica, por volta de 1948, com os experimentos
de Pierre Schaeffer, foi possível fazer música microtonal contornando os grandes
obstáculos tradicionais da performance microtonal instrumental (ROADS, 2015: 216).
O armazenamento em fita magnética, assim como as possibilidades de execução
do material em diferentes velocidades, já era o mínimo suficiente para se gerar amostras de
sons fora do sistema temperado. Afinal, Schoenberg já afirmava que “Nunca deveríamos ter
esquecido que o sistema temperado era somente uma trégua, a qual não deveria prolongar-se
mais tempo do que o tornado necessário pela imperfeição de nossos instrumentos.” (1999: 442).
De certa forma, pode-se até afirmar que o ambiente microtonal é parâmetro próprio da
composição eletroacústica. E com essa tese identificamos um problema: a (re)definição de
microtonalidade dentro da música eletroacústica. Afinal, havendo hoje precisão na afinação e,
consequentemente, a possibilidade do uso de qualquer altura (via sistemas digitais) – erradicando-
se assim a polaridade entre temperamento e microtonalismo –, o que significa compor hoje uma
peça eletroacústica microtonal? E como os compositores de música eletroacústica trabalham
suas estratégias de organização de alturas?
Tendo em vista esses questionamentos, sabemos do anseio de muitos compositores
do início do século XX pela expansão das escalas e afinações. Citamos alguns exemplos: Arnold
Schoenberg disserta em seu Harmonielehre (1999: 449) sobre a necessidade de se ampliar as
possibilidades sônicas fora do sistema temperado:
Permanece, portanto, como objetivo a ser almejado, todo o resto: o correto
alojamento de todos os harmônicos superiores, as suas relações com as
fundamentais, eventualmente a construção de um novo sistema e daí
as combinações destas novas relações, a invenção de instrumentos que
pudessem executá-las etc.
Edgar Varèse fez similar declaração em 1939, apontando as necessidades da “[…] libertação
do sistema temperado arbitrário e paralisante; a possibilidade de obter qualquer número de
ciclos [frequência, Hz] ou, se ainda assim desejado, subdivisões da oitava, consequentemente a
formação de qualquer escala desejada […]”
1
(VARÈSE apud APPLETON, 1989: 3, tradução nossa).
Iannis Xenakis, por sua vez, canaliza sua crítica à escola composicional fundamentada no uso
de escalas como pilar de uma composição: “As escalas são uma base, especialmente para a
música instrumental. Mas o importante é o que você faz com os sons, os instrumentos, como
você [os combina] e sua evolução. As escalas não são tão importantes como costumavam ser...
Por isso fiz um estudo teórico [de escalas usando a teoria das sieves], porque era o fim delas”2
(XENAKIS, 1995 apud ROADS, 2015: 237, tradução nossa). Por último, Igor Stravinsky, em conversa
com Robert Craft (1960: 115-116, tradução nossa), afirma:
1 “[…] liberation from the arbitrary, paralysing tempered system; the possibility of obtaining any number of cycles or if still
desired subdivisions of the octave, consequently the formation of any desired scale […]” (VARÈSE apud APPLETON, 1989: 3).
2 “The scales are a basis, especially for instrumental music. But what is important is what you do with the sounds,
the instruments, how you [combine them] and their evolution. The scales are not so important as they used to be...
This is why I made a theoretical study [of scales using sieve theory], because it was the end of them” (XENAKIS, 1995
apud ROADS, 2015: 237).
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RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
Robert Craft: Existiria algum elemento musical ainda suscetível à exploração
e desenvolvimento radicais?
Igor Stravinsky: Sim, altura [pitch]. Até arrisco uma previsão de que
[o parâmetro da] altura será a principal diferença entre a “música do futuro”
e a nossa música, e considero que o aspecto mais importante da música
eletrônica é o fato de que ela pode fabricar alturas. Nossa situação de meados
do século XX, em relação à altura [tom], talvez pudesse ser comparada à de
meados do século XVI, quando, após Willaert e outros terem demonstrado a
necessidade de temperamento igual, começaram os grandes experimentos
com alturas – o instrumento com quartos-de-tom de Zarlino, o archicembalo
de trinta e nove tons da oitava de Vicentino e outros. Esses instrumentos
falharam, é claro, e o cravo bem-temperado foi estabelecido (embora pelo
menos trezentos anos antes de Bach), mas nossos ouvidos estão mais prontos
para tais experimentos agora – os meus estão, com certeza3.
A busca pela viabilidade de execução de estruturas microtonais foi, portanto, uma grande
preocupação por parte dos compositores de música instrumental. Com o desenvolvimento do
instrumental eletroacústico, sabemos que esse problema foi parcialmente remediado. Muitas
técnicas de síntese sonora já incorporam, “naturalmente”, estruturas microtonais. Analisando
diferentes obras eletroacústicas do repertório, verificamos que Mixtur (1964) e Mantra (1970),
de Stockhausen, por exemplo, fazem uso de modulação por anel. Porém, dado o potencial
inarmônico desta técnica, poderíamos afirmar que isso é suficiente para classificarmos essas
peças como microtonais? Sobre Mixtur (1964), o próprio Stockhausen afirma que “[…] todos
os instrumentos que tocam constantemente notas com notação cromática também realizam
livremente graus microtonais e glissandi; isto resulta da modulação do anel”4 (STOCKHAUSEN,
1996: 89, tradução nossa). Abaixo, um exemplo do procedimento de modulação por anel,
como encontrado em Mantra e Mixtur:
3 “R.C. Is any musical element still susceptible to radical exploitation and development?
I.S. Yes: pitch. I even risk a prediction that pitch will comprise the main difference between the “music of the future”
and our music, and I consider that the most important aspect of electronic music is the fact that it can manufacture
pitch. Our mid-twentieth-century situation, in regard to pitch, might perhaps be compared to that of the mid-sixteenth
century, when, after Willaert and others had proved the necessity of equal temperament, the great pitch experiments
began – Zarlino’s quarter-tone instrument, Vicentino’s thirty-nine-tones-to-the-octave archicembalo, and others. These
instruments failed, of course, and the well-tempered clavier was established (though at least three hundred years before
Bach), but our ears are more ready for such experiments now–mine are, at any rate” (STRAVINSKY; CRAFT, 1960: 115-116).
4 “What’s more, in Mixtur all the instruments which constantly play pitches with chromatic notation, also freely realize
microtonal degrees and glissandos; this results from the ring-modulation” (STOCKHAUSEN, 1996: 89).
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RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
Fig. 1: Modulação por anel entre Dó central (6000 midicents) e Dó# oitava acima (7300 midicents)5.
As bandas laterais (sidebands) geradas são um Ré -6 cents (6194 midicents) e um
Sol +70 cents (7970 midicents). Fonte: Exemplo dos autores realizado em OpenMusic.
Outros exemplos são Songes (1979), de Jean-Claude Risset, e Mortuos plango, vivos voco
(1980), de Jonathan Harvey, que têm resultados microtonais similares, porém alcançam tal resposta
via modulação de frequência (FM). Poderíamos afirmar que essas obras são exemplos de música
microtonal dentro do repertório do século XX? Sabemos pela literatura que tal terminologia não
é frequentemente utilizada para catalogar tais obras. Estamos acostumados a associar Risset
com o uso de técnica FM (MANNING, 2004: 198-200) e Harvey como um compositor espectral
(BOSSIS, 2004: 143). Porém não estamos habituados a associar essas técnicas como novas
estratégias de estruturação harmônica (microtonal). Griffiths, Lindley e Zannos (2001) afirmam que
O principal problema na música microtonal – para além da construção e
afinação de instrumentos – é talvez o da harmonia; isto pode ter encorajado
os compositores a olhar em outras direções a partir dos anos 1970.
[…]
A questão harmônica é diferentemente estabelecida, é claro, quando os
microtons são concebidos não como adições ao sistema cromático de
igual temperamento, mas como intervalos básicos em outras afinações –
afinações que costumam ser desenvolvidas não para disponibilizar intervalos
menores que um semitom, mas para encontrar melhores aproximações à
afinação justa do que o temperamento igual de 12 notas pode proporcionar.
5 O software OpenMusic foi desenvolvido pelo Ircam e trabalha com o conceito de midicents. Ex.: 6000 representa o dó
central (60 para Dó MIDI e 00 indicando “bequadro”), enquanto 6050 é o dó central um quarto de tom (50 cents) acima.
A nota 6025 seria um dó central com um oitavo de tom acima, e assim por diante. Disponível em: http://support.ircam.fr/
docs/om/om6-manual/co/Score-Objects-Intro.html. Acesso em: 7 fev. 2020.
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RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
Harry Partch foi pioneiro nesta abordagem, empregando uma oitava com
43 intervalos que disponibilizou razões de frequência envolvendo números
primos de até 11 e seus múltiplos (sua escala ascendente começa em 1:1,
81:80, 33:32, 21:20, 16:15, 12:11), e construindo seus próprios instrumentos6
(GRIFFITHS; LINDLEY; ZANNOS, 2001, tradução nossa).
Com a popularização da disciplina de acústica nos atuais currículos composicionais, talvez
associemos a microtonalidade hoje mais com o conceito de expansão de timbre. Nesse sentido,
Martin Bartlett explica a importância da síntese FM na ressignificação da relação entre afinação e
timbre: “Além disso, métodos de síntese timbral, como a Modulação de Frequência, abriram os
ouvidos dos músicos à relação entre afinação e timbre, onde mais uma vez a terminologia mais útil é
a linguagem das proporções”
7
(BARTLETT, 1991: 71, tradução nossa). Infelizmente, afirma
8
ainda que
“[...] quase todos os equipamentos de síntese disponíveis comercialmente consagraram a tradição
de temperamento igual. Só recentemente os fabricantes fizeram hardware que permite uma escolha
de capacidades de afinação disponíveis para os usuários”9 (BARTLETT, 1991: 71, tradução nossa).
Essas e outras questões nos levam a uma reflexão sobre a (nova) relação entre
compositor e sistemas de afinação na música eletroacústica, assunto esse demasiadamente
abordado na história da música instrumental nos séculos XV, XVI e XVII. Entretanto, percebemos
que a questão do uso da microtonalidade hoje é pouco abordada, principalmente dentro
do âmbito eletroacústico10. Por isso, nas próximas seções, examinaremos os estudos de
Jedrzejewski (2002, 2014), Werntz (2001), Holmes (2008), Keislar et al. (1991), Bosseur (2014),
Bancquart, Agon e Andreatta (2008), Schoenberg (1999) e Tenney (2015), além dos pensamentos
de compositores como John Cage, Iannis Xenakis, Karlheinz Stockhausen, Jonathan Harvey, Harry
Partch e Alois Hába. Nosso objetivo é retomar essa antiga discussão em torno da microtonalidade.
Entretanto, não está em nossa agenda abordar, necessariamente, as inúmeras técnicas de síntese
sonora para gerar estruturas microtonais ou mesmo de realizar análises musicais completas
(em que o parâmetro de altura é reinante). Deste modo, buscamos entender o desenvolvimento
e as estratégias composicionais por trás da problemática do microtonalismo dentro do âmbito
da música eletroacústica.
6 “The foremost problem in microtonal music – beyond the making and tuning of instruments – is perhaps that of
harmony; this may have encouraged composers to look in other directions from the 1970s onwards.
[…]
The harmonic question is differently settled, of course, when microtones are conceived not as additions to the equal-
tempered chromatic system but as basic intervals in other tunings – tunings which have customarily been developed
not in order to make available intervals smaller than a semitone but to find better approximations to just intonation
than 12-note equal temperament can deliver. Harry Partch pioneered this approach, employing a 43-interval octave
which made available frequency ratios involving the primes up to 11 and their multiples (his ascending scale begins 1:1,
81:80, 33:32, 21:20, 16:15, 12:11), and building his own instruments” (GRIFFITHS; LINDLEY; ZANNOS, 2001).
7 “Furthermore, such timbral synthesis methods as Frequency Modulation have opened musicians’ ears to the
relationship between tuning and timbre, where once again the most useful terminology is the language of ratios”
(BARTLETT, 1991: 71).
8 Importante comunicar que existe uma cena paralela na música comercial eletrônica que busca o uso de afinações
alternativas. Exemplo disso é o álbum Next xen (2016), que reúne 20 artistas de música microtonal, além de outros
artistas já consagrados, como é o caso de Aphex Twin (ver HART, 2016: 244).
9 “[…] almost all commercially available synthesis equipment has enshrined the tradition of equal temperament. Only
recently have manufacturers made hardware that allows a choice of tuning capabilities available to users” (BARTLETT,
1991: 71).
10 Nosso grupo de pesquisa, Núcleo Música Nova (Unespar, CNPq), fez em 2018 uma chamada de obras eletroacústicas
microtonais para compor um CD. Pelo baixíssimo número de inscrições, cancelamos a chamada e tivemos que lançar
um novo projeto somente com convidados. Resultado disso foi o CD microFOLIA. Isso nos chama a atenção, pois
a chamada original foi amplamente divulgada em diversos canais de tradicional comunicação entre compositores
(sites, redes sociais etc.). Mesmo assim, o interesse foi escasso.
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RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
1. Definição de microtonalidade e suas problemáticas ao longo da história
Para adentrar em uma possível discussão sobre o problema da microtonalidade na música
eletroacústica, iniciamos nossa argumentação com uma simples definição de microtonalidade.
As diversas descrições encontradas perpassam declarações mais gerais, como a de Charles Ives,
que afirma que “[…] os microtons são as ‘notas entre as fendas’ do piano”11 (IVES apud HIGGINS,
2009: 123, tradução nossa). Jedrzejewski, todavia, afirma o seguinte a respeito do termo “micro-
tom” (2014: 150, tradução nossa):
A definição mais aceita do microintervalo é um intervalo menor que o semitom.
Essa definição é um pouco restritiva, pois exclui determinados intervalos,
como 3/4 de um tom. Na realidade, existem pelo menos três significados
diferentes do microintervalo. Para alguns, o microintervalo refere-se a
qualquer múltiplo de uma fração inteira do tom temperado (1/3, 1/4, 2/7
etc.). Essa é a definição adotada pelos seguidores da música microtonal.
Ela exclui intervalos como o coma zarliniano ou a quinta pitagórica e leva a
uma generalização do temperamento em intervalos equidistantes. Esta é a
definição fracionária de microintervalo. Para outros, o microintervalo refere-
se a qualquer intervalo que difere das frequências próximas à ressonância
natural. Esta é a definição dos seguidores da afinação justa. Ela compartilha o
continuum em um conjunto de frequências comparáveis às notas naturais da
ressonância e um conjunto externo de microintervalos. Isso leva à introdução
de dois polos, como anteriormente consonância e dissonância, e procura
circunscrevê-los. Esta é a definição equilibrada do microintervalo. Para outros,
finalmente, o microintervalo refere-se a qualquer frequência que não pertença
ao sistema temperado. Esta é a definição de frequência do microintervalo
adotado por certos compositores de música espectral12.
Alguns são mais abrangentes em suas definições, como é o caso do verbete Microtone
do Dicionário Grove (GRIFFITHS; LINDLEY; ZANNOS, 2001: 624, tradução nossa):
Qualquer intervalo musical ou diferença de tom nitidamente menor do
que um semitom. Alguns escritores restringem o termo a quantidades
inferiores a meio semitom; outros estendem-no para se referir a todas as
músicas com intervalos marcadamente diferentes da 12ª parte (logarítmica)
11 “As composer Charles Ives famously put it, microtones are the ‘notes between the cracks’ of the piano” (IVES apud
HIGGINS, 2009: 123).
12 “La définition la plus communément admise du micro-intervalle est un intervalle plus petit que le demi-ton.
Cette définition est un peu restrictive puisqu’elle exclut certains intervalles comme le 3/4 de ton. En réalité, il existe au
moins trois acceptions différentes du micro-intervalle. Pour certains, le micro- intervalle désigne tout multiple d’une
fraction entière du ton tempéré (1/3, 1/4, 2/7 etc.). C’est la définition adoptée par les adeptes de la musique microtonale.
Elle exclut des intervalles comme le comma zarlinien ou la quinte pythagoricienne et conduit à une généralisation du
tempérament en intervalles équirépartis. C’est la définition fractionnaire du micro-intervalle. Pour d’autres, le micro-
intervalle désigne tout intervalle qui se différencie des fréquences voisines de la résonance naturelle. C’est la définition
des adeptes de l’intonation juste. Elle partage le continuum en un ensemble de fréquences assimilables à des notes
naturelles issues de la résonance et un ensemble extérieur formé de micro-intervalles. Elle conduit à introduire deux
pôles, comme autrefois consonance et dissonance et à chercher à les circonscrire. C’est la définition équilibrée du
micro-intervalle. Pour d’autres enfin, le micro-intervalle désigne toute fréquence qui n’appartient pas au système
tempéré. C’est la définition fréquentielle du micro-intervalle adoptée par certains compositeurs de musique spectrale”
(JEDRZEJEWSKI, 2014: 150).
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RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
da oitava e seus múltiplos, incluindo as escalas com menos de 12 graus
que são usadas, por exemplo, no sudeste asiático13
Ainda assim, segundo o próprio Jedrzejewski (2002), a reflexão em torno da afinação e
da microtonalidade durante o século XX tinha propósitos diferentes daqueles anteriormente
vistos na história. Ele afirma (JEDRZEJEWSKI, 2002: 19, tradução nossa):
No século XX, a questão da escolha de acordes e das frequências reapareceu
em uma nova problemática. Não se trata mais de construir um temperamento
capaz de modular em todas as tonalidades sem notas desagradáveis,
mas de estender os recursos do temperamento igual, adicionando novas
frequências ou usando sistemas acústicos mais próximos da ressonância
natural ou respondendo a certos critérios fixados pelo compositor.14
Finalmente, na esfera da música eletroacústica, Curtis Roads coloca microtonalismo
simplesmente como algo “[…] comumente definido como qualquer afinação que não seja
de 12-notas de temperamento igual […]”15 (ROADS, 2015: 219, tradução nossa). Ao comparar
as afirmações de teóricos e compositores, percebemos que é comum que a definição de
microtonalidade e microtons gire em torno do sistema temperado como referência. Portanto,
ainda que haja incoerências e problemas em relação ao termo, concluímos que a definição
majoritária de microtonalidade e microtom se fundamenta nas categorias de frequências e
proporções que fogem do padrão de temperamento igual (12√2).
Mesmo dentro dos inúmeros temperamentos existentes (como os históricos de
Werckmeister ou Rameau), percebemos que a microtonalidade é inerente ao problema de
afinação, isto é, qualquer escala ou afinação que difere do temperamento igual (e, portanto,
de sua notação) apresenta inevitavelmente microtons. Nesse sentido, segundo Bancquart,
Agon e Andreatta (2008: 279-280), o sistema tonal dava indícios de sua dissolução no final do
século XIX, emergindo gradualmente uma necessidade de reconstrução do sistema de organização
das alturas. Isto se deu pela própria saturação do sistema tonal, ou seja, “[…] a ‘melhoria’ do
sistema tonal, provocada pela crescente generalização do cromatismo, erodiu seus próprios
alicerces”16 (BANCQUART; AGON; ANDREATTA, 2008: 279, tradução nossa). Surgiram então dois
caminhos: o dodecafonismo, este um direto “descendente” do sistema tonal, e a microtonalidade,
antigo conceito que remete a Pitágoras e que estabeleceu os alicerces da música ocidental.
Por isso, discutiremos a seguir o peso da tradição do pensamento microtonal e do conceito de
afinação e seu impacto em questões de notação, de harmonia e de linguagem.
13 “Any musical interval or difference of pitch distinctly smaller than a semitone. Some writers restrict the term to
quantities of less than half a semitone; others extend it to refer to all music with intervals markedly different from the
(logarithmic) 12th part of the octave and its multiples, including such scales with fewer than 12 pitches as are used, for
example, in south-east Asia” (GRIFFITHS; LINDLEY; ZANNOS, 2001: 624).
14 “Au XX siècle, la question du choix de l’accord et des fréquences reapparait dans une nouvelle problematique.
Il ne s’agit plus de construire un temperament capable de moduler dans toutes les tonalites sans notes disgracieuses,
mais de prolonger les ressources du tempérament egal par ajout de nouvelles frequences ou d’utiliser des systèmes
acoustiques plus proches de la resonance naturelle ou repondant a certains criteres fixes par le compositeur”
(JEDRZEJEWSKI, 2002: 19).
15 “[…] commonly defined as any tuning that is not 12-note ET […]” (ROADS, 2015: 219).
16 “[…] the ‘amelioration’ of the tonal system brought about by the increasing generalisation of chromaticism eroded its
very foundations” (BANCQUART; AGON; ANDREATTA, 2008: 279).
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RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
2. O peso da tradição; herança cultural
Uma discussão sobre o uso da microtonalidade dentro do universo da música eletroacústica
possui forte relação com os estudos de microtonalidade no universo instrumental como um
todo, uma vez que o meio eletrônico é, em si, um instrumento. Logo, consideramos importante,
neste momento, recuperar um histórico das críticas e contribuições em torno das teorias de
afinação feitas por diferentes compositores e pesquisadores.
Apesar de os termos serem recentes, as reflexões e os questionamentos sobre afinação
não o são. Basta observar a vasta quantidade de escritos de teóricos e compositores como
Tenney (1934-2006), Johnston (1926-2019), Partch (1901-1974), Busoni (1866-1924), Helmholtz
(1821-1894), Kirnberger (1721-1783), Werckmeister (1645-1706), entre diversos outros, muitos
deles resgatando teorias que remetem ao tempo de Pitágoras. Porém, mesmo em ampla discussão
durante toda a história da música, tópicos relacionados à afinação são pouco considerados em
livros de história da música. Etimologicamente falando, verificamos que a terminologia acerca
de microtonalidade é algo muito recente. Segundo Kirnbauer (2015: 64, tradução nossa),
[…] o Riemann Musik-Lexikon de 1967 não reconhece o termo, por exemplo,
e “Mikrotöne” só apareceu na primeira edição de Musik in Geschichte und
Gegenwart da Bärenreiter como uma tradução do termo inglês “microtones
(em referência às obras de Edgard Varèse, entre outros)17.
Podemos então afirmar que a temática da afinação é algo ainda estranho mesmo para
músicos de formação universitária ou de conservatório, pois simplesmente boa parte dos currículos
acadêmicos atuais não aborda a temática, pelo menos não de forma profunda e direta. O atual
ensino das disciplinas de contraponto e harmonia, por exemplo, é profundamente enraizado
no sistema temperado. Tal fato dificulta, para o músico, o desvencilhamento do temperamento
da noção de linguagem harmônica. Há, porém, indícios de mudanças nessa hegemonia, como
aponta Rodolfo Coelho de Souza (2020: 13, tradução nossa):
Serão um dia consideradas obsoletas para a educação de novos compositores
a antiga metodologia de Mestre de Capela ou mesmo as disciplinas como
contraponto e harmonia? É preciso considerar que as instituições acadêmicas
são muito resistentes às mudanças. Portanto, esta mudança pode ocorrer
lentamente, talvez emergindo um novo paradigma (e eu acho que já está
acontecendo). A harmonia, como uma disciplina, não tende a tornar-se
obsoleta, porque a persistência de modelos tonais preserva a necessidade
de ensiná-la. Com o contraponto é diferente, considerando que já está em
declínio em muitos currículos ao redor do mundo, sendo às vezes incorporado
em livros de curso de harmonia. Veja, por exemplo, o excelente livro de
Roig-Francoli (2003). Isto também acontece porque o princípio da independência
17 “[…] the 1967 Riemann Musik-Lexikon does not recognise the term, for example, and ‘Mikrotöne’ only appears in
the first edition of Bärenreiter’s Musik in Geschichte und Gegenwart as a translation of the English term ‘microtones’
(in reference to the works of Edgard Varèse, among others)” (KIRNBAUER, 2015: 64).
OPUS v.26, n.3, set./dez. 2020 9
RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
de vozes ocorre em vários modelos computacionais de modelagem de som,
desde editores de som e mixagem até a composição algorítmica.18
Outra importante perspectiva vem de Schoenberg, com seu célebre Harmonielehere. Nele,
dentre muitos outros temas, o compositor austríaco reflete acerca da afinação, sobre temperamentos
e principalmente o impacto na linguagem tonal. Podemos ali encontrar afirmações como:
Mas tal redução [temperamento] das relações naturais não poderá deter
por muito tempo a evolução musical. E o ouvido terá que dedicar-se a
estes problemas porque ele próprio, o ouvido, assim o deseja. Aí a nossa
escala será absorvida numa organização superior, conforme aconteceu
aos modos eclesiásticos ao fundirem-se nos modos maior e menor. E não
podemos prever se haverá quartos, oitavos, terços ou (como pensa Busoni)
sextos de tom, ou se iremos diretamente a uma escala de 53 sons, como a
estabelecida pelo Dr. Robert Neumann. (SCHOENBERG, 1999: 64).
Mas, em especial, nos interessa a seguinte afirmação: “Provavelmente, quando tanto
o ouvido quanto a fantasia criadora estiverem maduros para isso, tanto a escala quanto os
instrumentos surgirão de um só golpe” (SCHOENBERG, 1999: 66). Apesar da postura progressista,
Schoenberg não concretizou obras microtonais, mas é interessante, de todo modo, verificar
sua preocupação com realização de projetos microtonais: “As vezes surgem intenções para
compor com quartos ou terços de tom. Porém, de momento, isto não tem suficiente serventia,
visto existirem poucos instrumentos que podem executar tal música.” (SCHOENBERG, 1999: 66).
Outros compositores contribuíram diretamente para o desenvolvimento da música
microtonal, como é o caso do tcheco Alois Hába (1893-1973). Apesar da grande contribuição
teórica, a música de Hába teve pouco impacto na comunidade da época, em especial se comparado
a Schoenberg. Uma primeira justificativa pode ser encontrada em Werntz. Para ela, a estética
microtonal (no caso específico dos quartos de tom) não teve aceitação devido ao:
[…] desafio desconcertante de fazer sentido musical das alturas adicionadas
[ao temperamento], um desafio que em grande parte não foi cumprido
por esses compositores [Alois Hába], que não deixaram nenhum
repertório substancial de trabalhos inspiradores para afirmar os méritos
e o potencial artístico dessa abordagem para as gerações futuras
19
.
(WERNTZ, 2001: 160, tradução nossa)
18 “Will the old Chapel-Master methodology or even courses such as counterpoint and harmony be one day considered
as obsolete for the education of new composers? One has to consider that academic institutions are very resistant to
changes. So, this shift might slowly occur, perhaps by emerging a new paradigm (and I think it is already happening).
Harmony, as a course, does not tend to become obsolete, because the persistence of tonal models preserves the
need of teaching it. With counterpoint it is different, considering that it is already in decline in many curricula around
the world, being sometimes incorporated in harmony course books. See, for instance, the excellent textbook of Roig-
Francoli (2003). This also happens because the principle of voice independence occurs in several computer models
of sound modelling, from sound editors and mixing, to algorithmic composition” (COELHO DE SOUZA, 2020: 13).
19 “This is surely due largely to the bewildering challenge of making musical sense out of the added pitches, a challenge
that largely was not met by these composers, who left no substantial repertoire of inspirational works to affirm the
merits and artistic potential of this approach to future generations” (WERNTZ, 2001: 160).
OPUS v.26, n.3, set./dez. 2020 10
RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
Já para Harry Partch (1974: 197) e Bancquart, Agon e Andreatta (2008: 281), nosso
sistema de notação é outro problema crucial. Keislar et al. (1991: 189) deixam evidente a grande
variedade de opiniões acerca da notação microtonal. Vemos que não há concordância entre os
compositores abordados em sua análise no uso de apenas um sistema de notação microtonal.
Todos desenvolveram seu próprio método e somente Eaton e Mandelbaum acreditam que algum
dia possa existir uma notação geral para a microtonalidade. Os outros quatro compositores
analisados por Keislar não acreditam em um sistema de notação microtonal geral. Segundo o
compositor Schottstaedt (apud KEISLAR et al., 1991: 189), na música eletrônica tal sistema de
notação poderia até existir, mas não no ambiente da música instrumental. Nesse sentido, Bosseur
nos lembra que, “de fato, o sistema tradicional [de notação] reflete em prioridade os privilégios
melódicos e harmônicos ligados à ordem tonal” (2014: 96, tradução nossa). Nessa mesma direção,
o compositor James Tenney (2015: 281-282) associa o problema da microtonalidade na música
com a definição de harmonia. Segundo ele, o termo impacta na aplicabilidade de outros sistemas
de afinação, pois “[…] o próprio significado da palavra ‘harmonia’ passou a ser definido de forma
tão restrita que só se pode pensar em aplicá-la aos materiais e procedimentos do sistema
tonal diatónico/triádico dos últimos dois ou três séculos”20 (TENNEY, 2015: 281, tradução nossa).
Desta forma a teoria harmônica ocidental não daria conta de sistemas não tonais, não diatônicos
e, portanto, não temperados, de tal modo que Tenney sugere que harmonia deveria se basear
em uma teoria da percepção (psicoacústica e acústica); ela deveria ser neutra, culturalmente e
estilisticamente geral e por último quantitativa (TENNEY, 2015: 281).
Com o surgimento dos primeiros instrumentos elétricos no século XX e posteriormente
com o desenvolvimento da música eletrônica, Holmes (2008: 121) afirma que, com o advento
da eletrônica, a invenção de novos sistemas de afinação é facilitada, assim como seu uso.
Porém, para o autor, este fato teve outras implicações, pois potencializou a utilização do ruído
como material musical, o que de certa forma vai em direção contrária (ou paralela) ao uso de
escalas ou sistemas de altura definida. Em consequência ao crescente uso de ruído na música,
John Cage afirma: “Ruídos são tão úteis para a nova música como os chamados tons musicais,
pela simples razão que eles são sons”21 (apud HOLMES, 2008: 121, tradução nossa). E continua:
“Esta decisão altera a visão da história, de modo que não se trata mais de tonalidade ou
atonalidade, Schoenberg ou Stravinsky […], nem de consonância e dissonância, mas sim de
Edgard Varèse, que foi pai do ruído na música do século XX”22. Para completar, Cage compara
seu trabalho com o de Harry Partch e Lou Harrison, afirmando que, enquanto ambos se
interessavam por afinação justa e controle da microtonalidade, ele “[…] tomava o ruído como base”23
(apud ROADS, 2015: 97, tradução nossa). De tal modo, com base em Biehl (2011) percebe-se
um ponto em comum na abordagem de Cage e Partch (e demais compositores microtonais),
pois, de uma forma ou de outra, ambos tentavam desprender-se do sistema temperado.
20 “[…] the very meaning of the word ‘harmony’ has come to be so narrowly defined that it can only be thought of
as applying to the materials and procedures of the diatonic/ triadic tonal system of the last two or three centuries”
(TENNEY, 2015: 281-282).
21 “Noises are as useful to new music as so-called musical tones, for the simple reason that they are sounds”
(CAGE apud HOLMES, 2008: 121).
22 “This decision alters the view of history, so that one is no longer concerned with tonality or atonality, Schoenberg
or Stravinsky […], nor with consonance and dissonance, but rather with Edgard Varèse who fathered forth noise into
twentieth-century music” (CAGE apud HOLMES, 2008: 121).
23 “In 1980, Cage wrote: One difference between Harry Partch and myself – also a difference between me and Lou
Harrison – is that they became interested in intonation and the control of microtones, whereas I went from the twelve
tones into the whole territory of sound. I took noise as the basis” (CAGE apud ROADS, 2015: 97).
OPUS v.26, n.3, set./dez. 2020 11
RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
Porém, “diferente de Partch, Cage escolheu uma fuga não sistemática do sistema temperado”24
(BIEHL, 2011: 171, tradução nossa) ao extrair sonoridades com espectros microtonais (e não
controláveis) em suas obras para piano preparado.
Com todo esse histórico, nos vem à mente o seguinte questionamento: se hoje dispomos
de tecnologias capazes de lidar com a microtonalidade com tanta facilidade, o que impediria uma
explosão no surgimento de novas obras com tal recurso? Temos vários exemplos na história da
música eletroacústica de obras que adentram no mundo da microtonalidade, como veremos a
seguir. Entretanto, é interessante notar que o problema conceitual e prático da microtonalidade
saiu da agenda de preocupações dos compositores de hoje – se compararmos com os pioneiros
Varèse, Schoenberg ou mesmo Russolo –, que adentraram com muito mais força no mundo dos
timbres e das temporalidades. Seria isso ainda uma fase jovem da história da música eletroacústica?
Estaríamos esperando, talvez, por um “Renascimento” e por usos mais radicais de estruturas
microtonais? Ou estaríamos justamente presos a um sistema conservador, que pensa as alturas
em primeiro plano fortemente atreladas ao sistema de temperamento (igual)? Teríamos, portanto,
herdado toda estrutura de organização das alturas da música instrumental antiga a ponto de
não conseguirmos nos desvencilhar? O que nos parece, nessa pesquisa, é que muitas vezes os
compositores de música eletroacústica apresentam dificuldades no “devaneio” das ideias e se
apoiam nas estruturas existentes em softwares e hardwares mais comerciais, como apontado por
Caesar (2016: 197). Um exemplo disso é a dificuldade em se usar microtons em ambiente MIDI,
como em alguns teclados sintetizadores comerciais. Em ambientes mais experimentais, como no
OpenMusic do Ircam, temos o conceito de midicents, que resolve o obstáculo de incorporação de
microtons. Nesse contexto todo, nos parece, às vezes, que a música eletroacústica ainda sofre
do mito do Leito de Procusto. Retomaremos essa discussão mais adiante.
3. Repertório e soluções
Frente aos diversos problemas apresentados, demonstraremos brevemente nesta seção
como alguns compositores trataram a composição microtonal em ambiente eletroacústico.
Veremos suas estratégias tanto no plano notacional quanto no aspecto prático, de criar e
executar estruturas microtonais. Nosso estudo se restringe, portanto, a observar e apontar
as estratégias composicionais empregadas em algumas peças, no sentido amplo de analisar,
como declarado por Curtis Roads (2015: xxi, tradução nossa):
Eu faço uma distinção entre análise musical e estratégia de composição.
A análise musical é um esforço problemático. A tarefa de análise baseada
em uma partitura impressa é bastante direta, embora dificilmente seja
uma ciência. O ponto de partida – uma partitura – já é uma representação
simbólica simplificada de alto nível de um fenômeno mais complexo:
um padrão de vibrações do ar. Em contraste, ao analisar a música eletrônica,
um objetivo principal é precisamente tentar encontrar uma partitura
(um repertório de símbolos) nas formas de onda. Na prática, isto é difícil,
pois muitas vezes não existem na música eletrônica unidades padronizadas
24 “Unlike Partch, Cage thereby chose a non-systematic escape from equal temperament” (BIEHL, 2011: 171).
OPUS v.26, n.3, set./dez. 2020 12
RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
e homogêneas como as notas (Bossis 2006). Muitas análises de música
eletrônica tendem para o anedótico ou o filosófico.25
3.1 Observações em Studie II de Karlheinz Stockhausen
Em Studie II (1954) de Karlheinz Stockhausen, temos uma das primeiras peças eletroacústicas
na qual há registro gráfico documentado. Parte da construção da peça se deu na combinação de
tabelas e gráficos de montagem, portanto sem o suporte de uma partitura tradicional (TOOP,
1981: 169). A documentação impressa de Studie II permite recriar a obra em outros ambientes
(que não a fita magnética), como é o caso da realização feita por Georg Hajdu
26
em Max ou
por Joachim Heintz27 em Csound. Aqui encontramos um primeiro aspecto interessante: seria a
documentação a própria partitura?
Esta obra é baseada na divisão do quinto harmônico (5:1) em 25 partes iguais (5 x 5). Tal
cálculo é representado pela equação 25√5, resultando em um temperamento com intervalos de
aproximadamente 112 cents28. Segundo Toop (1981: 170), este processo se estende de 100 Hz
(G1 + 34 ¢) até 17200 Hz (C10 -8 ¢)29, totalizando 81 sons organizados de forma serial. Porém,
Williams (2016: 452) evidencia problemas de execução de tais alturas nos osciladores da época.
O primeiro deles é que nenhuma frequência acima de 11 kHz é encontrada, sugerindo que
frequências mais agudas não eram praticáveis nesses osciladores. Além disso, Williams (2016:
452, tradução nossa) aponta que,
Na partitura, os valores de frequência de onda sinusoidal acima de 1 kHz
são arredondados para os 10 Hz mais próximos, enquanto os valores
acima de 10 kHz são arredondados para os 100 Hz mais próximos.
Isto sugere fortemente o uso de um oscilador com três controles decenais
e um multiplicador de três posições 10x30.
Observamos isso de forma prática ao comparar os valores de frequência obtidos no
patch de Georg Hajdu (baseado na partitura) e os valores calculados seguindo as equações do
temperamento. Por exemplo, 1082.6 Hz é arredondado para 1080 Hz, 1592.9 para 1590 e 2343.9
para 2340 Hz. Ademais, é importante lembrar que escalas de frequências são logarítmicas,
25 “I draw a distinction between music analysis and composition strategy. Music analysis is a problematic endeavor.
The task of analysis based on a printed score is fairly straightforward, though it is hardly a science. The starting point –
a score – is already a simplified high-level symbolic representation of a more complex phenomenon: a pattern of air
vibrations. In contrast, when analyzing electronic music, a main goal is precisely to try to find a score (a repertoire
of symbols) in the waveforms. In practice, this is difficult, as there are often no standardized, homogenous units like
notes in electronic music (Bossis 2006). Many analytical accounts of electronic music tend toward the anectodal or
philosohical” (ROADS, 2015: xxi).
26 Disponível em: http://georghajdu.de/6-2/studie-ii/. Acesso em: 7 fev. 2020
27 Disponível em: http://csound.1045644.n5.nabble.com/Stockhausen-s-quot-Studie-II-quot-generated-in-Csound-
td1122099.html. Acesso em: 28 nov. 2019.
28 (1200 ⁄ log2) * log(5 ⁄ (1)) = 111,452548 cents.
29 De 100 Hz até 500 Hz teremos 25 divisões, de 500 até 2500 Hz (o quinto harmônico de 500, ou 500 x 5 = 2500) outras
25 divisões, até chegarmos a 17200 Hz.
30 “In the score, the sine-wave frequency values above 1 kHz are rounded to the nearest 10 Hz, whilst values above
10 kHz are rounded to the nearest 100 Hz. This strongly suggests the use of an oscillator with three decade controls
and a three-position 10x multiplier” (WILLIAMS, 2016: 452).
OPUS v.26, n.3, set./dez. 2020 13
RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
ao contrário do sistema de pauta/notação, que é linear, e que os próprios alto-falantes
apresentavam seus limites, como aponta Daniel Teruggi (2001: 2, tradução nossa):
[…] é importante saber que os alto-falantes, nos quais as primeiras obras
da Musique concrète foram compostas, tinham uma largura de banda que
variava de 80 a 10.000 Hertz. Ouvir o trabalho com alto-falantes modernos
pode revelar frequências indesejadas, que o autor não podia ouvir. Portanto,
esses problemas foram levados em consideração desde que as cópias
foram feitas após a composição das obras31.
Formalmente, Toop (1981: 170) afirma que tudo em Studie II é baseado no número cinco
(ver Fig. 2, 3 e 4). Cinco sinusoides formam um Tongemisch (mistura de tons). Existem cinco tipos
de Tongemisch, cada um com uma sobreposição diferente de intervalos. No Tongemisch I temos
cinco intervalos de 112 ¢ sobrepostos (em cinza na Fig. 4). Ou seja, tendo C4 como nota mais
grave, teríamos a seguinte ordem: C4, C#4 +12 ¢, D4+24 ¢, D#4 +36 ¢, E4 + 48 ¢. O Tongemisch II
(em amarelo na Fig. 4) temos cinco intervalos de 224 ¢, ou seja, C4, D4 + 24 ¢, E4 + 48, F# +72 ¢,
assim por diante. No Tongemisch III (em verde na figura 4) temos sobreposições de 5 intervalos
de 336 ¢. Nas Tongemisch IV (em azul na Fig. 4) temos cinco intervalos de 448 ¢ e no Tongemisch V
(em vermelho na Fig. 4) temos cinco intervalos de 560 ¢. É interessante notar que Maconie (2005)
não menciona a alteração da afinação em relação ao temperamento e, portanto, deixa dúbio
em sua análise o caráter microtonal desta peça. O leitor desavisado poderá interpretar que tais
Tongemisch ou Group, na terminologia de Maconie, são temperados, porém ressaltamos que não são.
Fig. 2: Representação de Maconie para os grupos de nota (Tongemisch) utilizados em Studie II.
Fonte: Maconie (2005: 134).
31 “[…] it is important to know that the loudspeakers, on which the first works of Musique concrète were composed,
had a bandwidth that ranged from 80 to 10000 Hertz. Listening to the work with modern loudspeakers may reveal
unwanted frequencies, which the author could not listen to. So these problems have been taken under consideration
ever since copies have been made after the composition of the works” (TERUGGI, 2001: 2).
OPUS v.26, n.3, set./dez. 2020 14
RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
Fig. 3: Trecho de Studie II de Stockhausen, com notação gráfica paramétrica (STOCKHAUSEN, 1956).
Fonte: Universal Edition Ltd.
Fig. 4: Análise das seções de Studie II por Hubert Wißkirchen.
Fonte: Wißkirchen (2005: 3).
OPUS v.26, n.3, set./dez. 2020 15
RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
Segundo Toop, “cada subseção da obra consiste em cinco ‘frases’, contendo de 1 a 5 sons.
Cada grande seção da obra contém cinco subseções. Finalmente, a obra como um todo consiste
em cinco grandes seções”32 (TOOP, 1981: 170, tradução nossa). Wißkirchen (2005: 2) classifica
essas cinco grandes seções da seguinte forma: 1) primeira seção com sons longos e conectados;
2) na segunda com sobreposições (acordes) de Tongemisch, tendo durações mais curtas; 3) na
terceira seção temos sons pontilhistas e curtos, organizados de forma irregular33; 4) na quarta
temos novamente sobreposições (acordes) de Tongemisch, porém com durações mais longas;
5) e na quinta seção temos os quatro momentos anteriores misturados, como uma recapitulação.
3.2 Observações em Mortuos Plango, Vivas Voco, de Jonathan Harvey
Analisemos agora Mortuos Plango, Vivas Voco (1980), de Jonathan Harvey, uma obra
considerada espectral. Composta com o auxílio técnico de Stanley Haynes, é uma obra
encomendada pelo Centre George Pompidou em Paris e realizada no Ircam. Segundo Bossis
(2004: 125), Harvey utilizou procedimentos de Fast Fourier Transform (FFT) e o notável software
Music V de Max Matthews – ambas ferramentas de crucial importância para a construção e
concepção da obra. Bossis ainda afirma que “as interfaces gráficas ainda não eram generalizadas
em 1980, as manipulações no software da época eram muitas vezes tediosas pelo uso de uma
sintaxe complexa”
34
(BOSSIS, 2004: 125, tradução nossa). Por isso o papel importante de Stanley
Haynes de implantar os procedimentos elaborados por Harvey. Bossis destaca que o FFT era
responsável por decompor o som complexo, “[…] determinando a localização e amplitude da
frequência fundamental e dos parciais”35 (BOSSIS, 2004: 125, tradução nossa). Já o Music V era
responsável pela gravação e reprodução dos arquivos de som, permitindo a leitura em loop,
transposições, glissandi e a modificação do envelope e da amplitude, além de fazer a síntese,
a mixagem e distribuir para os oito canais da peça.
Esta obra tem suas notas baseadas no espectro do sino da Catedral de Winchester, do
qual a estrutura formal e as alturas são majoritariamente retiradas. Segundo Bossis (2004: 123),
o espectro inicial do sino é 130 Hz, 260 Hz, 311 Hz, 392 Hz, 523 Hz, 690 Hz, 700 Hz, 783 Hz, 870 Hz,
987 Hz, 1060 Hz etc.36 Porém, Harvey percebe que uma segunda fundamental é perceptível,
então ele inclui os parciais desta no espectro. Abaixo temos o espectro completo utilizado para
a peça (Fig. 5), no qual as notas apontadas pelos quadrados advêm da segunda fundamental,
no caso Fá (indicado pela seta). Segundo as frequências fornecidas por Bossis, este Fá está para
Dó (130 Hz) numa distância de 498 cents.
32 “Each subsection of the work consists of 5 ‘phrases’ containing 1-5 sounds. Each major section of the work contains
5 subsections. Finally, the work itself consists of 5 major sections” (TOOP, 1981: 170).
33 Para informações precisas do uso do tempo na obra ver o artigo de Kogelheide (2016: 69).
34 “Les interfaces graphiques n’étant pas encore généralisées en 1980, les manipulations sur les logiciels de l’époque
étaient souvent rendues fastidieuses par l’emploi d’une syntaxe complexe” (BOSSIS, 2004: 125).
35 “Le premier outil technologique utilisé permet l’analyse spectrale du son en déterminant l’emplacement et l’amplitude
de sa fréquence fondamentale et de ses partiels” (BOSSIS, 2004: 125).
36 Respectivamente (em midicents): 4790, 5990, 6300, 6700, 7200, 7678, 7704, 7898, 8080, 8298, 8422 etc.
OPUS v.26, n.3, set./dez. 2020 16
RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
Fig. 5: Espectro inarmônico do sino, com a fundamental C2, com inclusão de parciais de F4.
Fonte: Bossis (2004: 124); ilustração refeita pelos autores.
Nem Harvey, Bossis ou Dirks explicam de onde estes parciais sobre Fá são retirados.
Mesmo assim, pela notação utilizada por Bossis (2004: 124), afirmamos que este Fá não segue
o espectro do sino, nem a série harmônica.
Segundo Harvey (1981: 22), a peça tem oito seções, sendo que cada uma tem sua
própria fundamental. Bossis (2004: 127) afirma que as oito fundamentais são retiradas dos nove
primeiros parciais do sino, sendo depois reduzidas ao temperamento igual. A este respeito, nos
perguntamos o porquê desta decisão, uma vez que Harvey trabalhou em um sistema digital, isto
é, com grandes possibilidades microtonais. Apesar de a obra apresentar inúmeros espectros
inarmônicos, isto é, com a presença de estruturas microtonais, no plano formal da obra Harvey
ainda carrega uma certa herança da escrita musical fortemente impactada pelo temperamento
igual. Ademais, podemos afirmar que o caráter microtonal existente nesta obra é um “efeito
colateral” da construção da peça, isto é, manipulações sonoras com o uso de amostras de som
de um sino, instrumento com caráter inarmônico, assim como processamento de sinal via FFT,
de igual complexidade espectral.
3.3 Observações em Gendy3 de Iannis Xenakis
Finalizamos com uma obra que se aventura por algoritmos randômicos – talvez a
peça mais anti-humanista dessa nossa pequena seleção. Gendy3 (1991) foi composta por
Iannis Xenakis utilizando o programa Gendyn, desenvolvido pelo próprio compositor. Segundo
Hoffmann, Gendy3 é um exemplo de Composição Algorítmica Rígida (RAC – Rigorous Algorithmic
Composition), e “uma vez que o fenômeno musical por inteiro é determinado completamente
por um único algoritmo, a melhor teoria composicional concebível é o próprio algoritmo”37
(HOFFMANN, 2004: 138, tradução nossa). É importante saber que o software Gendyn é nativo
em ambiente microtonal, não se encaixando automaticamente no sistema temperado, como
acontece com vários softwares comerciais. Nesta peça temos um exemplo do compositor enquanto
luthier (RIBEIRO, 2018: 174), pensando no ambiente (instrumento) inerente à microtonalidade
(HOFFMANN, 2009: 216). E mais, Xenakis não repete o bordão da microtonalidade com sistema
harmônico estático e organizado, como visto em outros compositores. Segundo Hoffman,
Xenakis faz uso de síntese FM estocástica “[…] em um senso mais geral que o usual, porque ele cobre
37 “Since the entire musical phenomenon is completely determined by a single algorithm, the conceivably best theory
of composition is this algorithm itself” (HOFFMANN, 2004: 138).
OPUS v.26, n.3, set./dez. 2020 17
RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
o continuum desde a altura estável (onde a modulação é nula) passando por estruturas de glissando
de alturas e complexos de altura/timbre, até atingir puro ruído”38 (2004: 138, tradução nossa).
Ademais, Hoffman afirma que (2004: 140, tradução nossa):
Clusters surgem como um resultado de uma combinação de várias camadas
de som sintetizado, onde cada camada é um som com altura fixa. Escalas
surgem quando o movimento da altura dentro de uma única camada é
descontínuo, passo a passo (sem glissando), com saltos aleatórios entre
uma coleção de alturas. Noise são, finalmente, como glissando de alturas,
mas acelerados entre o limite de percepção de altura (stochastic FM noise)
39
Esses três rápidos comentários sobre as peças de Stockhausen, Harvey e Xenakis nos
mostram estratégias diferentes para a estruturação de alturas microtonais. Stockhausen se
apoia no pensamento serial, dividindo o registro de forma igual – declarando, portanto, um
pensamento microtonal “oficial” – e permitindo a expressividade se manifestar desse sistema.
Harvey é um espectralista, isto é, busca na própria naturalidade do som as regras para sua
composição. E, nessa aventura, emerge uma harmonia ecológica (GRISEY, 2000: 2), isto é, uma
complexidade de frequências que extrapola o sistema temperado. Já com Xenakis, percebemos
que ele se aproxima de Cage ao buscar integrar o ruído em sua linguagem musical. Mesmo
com o alto nível de aleatoriedade, Xenakis construiu as estruturas para as alturas da peça com
muito cuidado, visto seus esboços e cuidadosas fórmulas
40
. Das três obras examinadas, Gendy3
é talvez a mais radical do ponto de vista do uso da microtonalidade, visto a complexidade da
incorporação de estruturas microtonais desde sua concepção.
4. Reflexões finais e os problemas de música e linguagem na música
eletroacústica
No início do século XX, vários compositores produziram obras com o uso de microtons,
com diferentes perspectivas. São exemplos o chamado círculo de Berlin com Alois Hába,
Ivan Wyschnegradsky, Jörg Mager, Willi Möllendorf e Richard Stein (PATTESON, 2016: 54), assim como
os compositores americanos Pauline Oliveros, Julian Carrillo, Charles Ives, Lou Harrison, Terry Riley,
LaMonte Young, os europeus Béla Bartók, Georgy Mikhailovich Rimsky-Korsakov, Henri Pousseur,
Manfred Stahnke, Henk Badings, Hans Kox, Ton de Leeuw, Salvatore Sciarrino, Ernst Krenek,
György Ligeti, Iannis Xenakis, Karlheinz Stockhausen, Krzysztof Penderecki, Witold Lutoslawski,
Luigi Nono e até mesmo Pierre Boulez (KEISLAR et al., 1991: 173), entre vários outros. Mesmo com
vários compositores utilizando artifícios microtonais ao longo do século XX, tal procedimento ficou
38 “The term FM is used here in more a general sense than usual, because it covers the entire continuum from
stable musical tone (where modulation is nil) through glissando pitch structures and hybrid pitch/timbre complexes,
to perfect noise” (HOFFMANN, 2004: 138).
39 “Clusters come about as a result of a combination of several sound synthesis layers, where each such layer is a sound
with fixed pitch. Scales emerge when the pitch movement within a single synthesis layer is discontinuous, stepwise,
with aleatoric jumps between a collection of pitches. Noise, finally, is like glissando pitch, but accelerated beyond the
threshold of pitch perception (stochastic FM noise)” (HOFFMANN, 2004: 140).
40 A altura em si se baseia na seguinte fórmula: Altura = log2 (fs/n). Nela fs é equivalente a 44100 (frequência de
amostragem de Gendy3) e n é equivalente ao tamanho da forma de onda em um pulso do sample (sample ticks =
1-44100 avos de segundo). Por sua vez, a forma de onda (n) é definida pela seguinte fórmula: n = mi, em que m é o
número de breakpoints e i (=j) é o espaçamento para todos os breakpoints. O valor de i é definido seguindo processos
estocásticos (ver HOFFMANN, 2004: 140, 215).
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RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
sempre marginalizado, mesmo dentre as estéticas composicionais de vanguarda, por motivos
que foram previamente abordados. E, como dito anteriormente, muitas obras apresentam
indiretamente uma natureza microtonal, como resíduos de algum processo composicional
(como síntese cruzada FFT, síntese FM, amostras de sons com espectro inarmônico etc.).
É nesse sentido que ressaltamos o potencial natural do computador e dos demais meios
eletrônicos para executar composições microtonais. As possibilidades são imensas, principalmente
via sistema digital, como é afirmado por Curtis Roads: “O meio eletrônico facilita a composição
microtonal. Com a síntese via software em particular, qualquer afinação é tão fácil de se obter
quanto qualquer outra afinação”41 (ROADS, 2015: 237, tradução nossa). Nessa mesma direção,
Keislar et al. indaga (1991: 174, tradução nossa):
Por que o interesse em novas afinações? Um fator contribuinte é tecnológico:
computadores e instrumentos controlados por microprocessadores têm
aliviado o problema de dificuldade de performance e boa parte da atividade
recente está na área eletrônica. Muita música gerada com a eletrônica
analógica era, por acaso e não sistemicamente, microtonal (com notáveis
exceções, como as obras de Stockhausen), já que muitas vezes era mais fácil
permitir frequências arbitrárias do que travar os osciladores em frequências
fixas. A eletrônica digital, por outro lado, permite uma precisão e uma
fixação de ajustes sem precedentes42.
Reforçando a tese do potencial dos sistemas digitais, Larry Polansky (apud ROADS,
2015: 223, tradução nossa) afirma que
A flexibilidade computacional da síntese digital torna possível experimentar
livremente com estratégias adaptativas de afinação. Para começar, um
computador pode memorizar as notas que foram tocadas. Este conhecimento
contextual permite re-afinar em tempo real, a fim de redefinir a nota
fundamental para a qual todos os intervalos são re-afinados, permitindo
assim a modulação microtonal de tonalidades43.
Ainda, segundo Wendy Carlos, “esta é a primeira vez que existe uma instrumentação
suficientemente potente e conveniente para tornar prática a ideia de qualquer timbre possível,
em qualquer afinação possível, com qualquer temporalidade possível44 […]” (CARLOS, 1987: 31,
41 “The electronic medium facilitates microtonal composition. With software synthesis in particular, any tuning is as
easy to achieve as exactly as any other tuning” (ROADS, 2015: 237).
42 “Why the interest in new tunings? One contributing factor is technological: computers and microprocessor-controlled
instruments have alleviated the problem of performance difficulty, and a good portion of the recent activity is in
the electronic arena. Much music generated with analog electronics was incidentally and unsystematically microtonal
(with notable exceptions such as Stockhausen’s works), since it was often easier to allow arbitrary frequencies than
to lock oscillators to fixed ones. Digital electronics, by contrast, permit unprecedented precision and fixity of tuning”
(KEISLAR et al., 1991: 174).
43 “The computational flexibility of digital synthesis makes it possible to experiment freely with adaptive tuning
strategies. To begin with, a computer can keep track of what notes have been played. This contextual knowledge
enables retuning in real time in order to reset the root note to which all intervals are retuned, thereby enabling
microtonal key modulation” (POLANSKY apud ROADS, 2015: 223).
44 “This is the first time instrumentation exists that is both powerful enough and convenient enough to make practical
the notion: any possible timbre, in any possible tuning, with any possible timing […]” (CARLOS, 1987: 31).
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RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
tradução nossa). Apesar disso, Carlos destaca a presença dominante do temperamento igual
em círculos de criação de Electronic Dance Music (EDM), como apontado por Hart (2016: 242).
Todavia, a composição com suporte tecnológico digital inaugura outros problemas.
São problemas culturais, não mais de natureza técnica. Um deles é a prontidão de acesso
e geração de som, que facilmente pode relegar questões formais e estruturais importantes
para o compositor. Essa “facilidade” de hoje trouxe grandes soluções, como os rápidos
processamentos de sinal ou a possibilidade de diversas horas de gravação de áudio – e,
consequentemente, várias horas de edição –, como sabemos que acontece na composição
de música concreta e paisagem sonora. Mas, nessa prontidão e rapidez, emergiram
alguns vícios, como exemplificado no conceito de marca tecnográfica ou ação forte,
de Rodolfo Caesar (2016: 239):
A “ação forte” de dispositivos para a manipulação e a transformação de
sons ocorre quando, impondo demasiadamente seus efeitos característicos,
induzem compositores a acreditar que os resultados obtidos resultam de sua
própria criatividade. O mesmo pode ser dito sobre o uso exagerado desses
dispositivos, marcando sons e eventos com uma presença sobrepujante.
Nesse sentido, é comum encontrarmos compositores emergentes entusiasmados pelas
facilidades das tecnologias atuais de software, principalmente aquelas com interface gráfica
para usuários. Fica evidente, em alguns casos, o problema da ação forte: o vazamento da
tecnologia e consequente impregnação na obra. Peter Manning já apontava para essa ação forte,
ao descrever o “estilo Ircam” criado em Paris (MANNING, 2006: 82).
Ademais, também verificamos como problemático o fato de o compositor muitas vezes
dispensar horas de trabalho na confecção do seu instrumental tecnológico, isto é, torna-se
o luthier de seus próprios sons, além de compositor (no sentido tradicional do métier), mais
uma vez distanciando-o da rotina tradicional composicional, como a imersão em questões
contrapontísticas, formais e orquestrais – no sentido amplo desses termos, é claro. Dentro
dessa atmosfera, desse ambiente, a microtonalidade corre o risco de ficar em stand by.
Seria interessante para os compositores retomarem essa discussão e desenvolverem uma nova
consciência em relação a essas questões, pois nos parece que a preocupação com a afinação
musical foi um problema dado como resolvido na atualidade. Além disso, a possibilidade
de manipular sons com softwares comerciais contribuiu para o afastamento do compositor
em relação à tradição de organização das alturas, e o colocou em uma complicada posição
passiva em relação à criação (a convenção MIDI e os plug-ins estilo Melodyne são bons exemplos
desse “assentamento”).
A comunidade de compositores há de passar por um período fértil de experimentação
com novas alturas, uma vez que o mundo digital possibilita isso com muita facilidade. O período
de pesquisa já está maduro o suficiente, possibilitando maior fluência nos processos de ensaios
e descobertas. Fala-se muito hoje de microtonalidade como técnicas estendidas, ou às vezes de
microtonalidade no sentido de atingir batimentos, efeitos, mas raramente falamos em termos
de estrutura harmônica. Não se trata de “levantar a bandeira” para esta causa, mas é incomum
na dita música nova encontrarmos discussões e exemplos nessa área. Isso se dá, possivelmente,
pela redução nos currículos de disciplinas como contraponto e análise, e o aumento de disciplinas
como edição e síntese sonora. Estamos hoje formando um compositor diferente, com novos
conhecimentos (o que é excelente), porém correndo o risco de perder uma herança do mundo
instrumental. Afinal, “[…] ninguém perde nada ao estudar as regras dos diferentes estilos de
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RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
contraponto”
45
(COELHO DE SOUZA, 2020: 13, tradução nossa). Sabemos que compositores
como Berio, Stockhausen e Harvey, por exemplo, trouxeram suas habilidades de estruturação
musical em obras instrumentais para o mundo da eletroacústica. Como diria Adorno (1993: 410),
temos que cuidar para não nos tornarmos uma geração alérgica à organização das alturas,
na tentativa de evitar uma postura conservadora. É justamente o contrário, pois entendemos
que o enfrentamento causa discussão. De forma complementar, Curtis Roads nos provoca
afirmando que (2015: 233, tradução nossa):
Nos livros didáticos tradicionais, a construção de padrões de alturas
melódicas é às vezes tratada como um subproblema de harmonia. Em
contraste, a música eletrônica se abre a uma vasta gama de expressões
quando trata a construção melódica a partir da perspectiva mais ampla
da microtonalidade, das tensões entre os campos estáveis e flutuantes, do
continuum do ruído de passo e do continuum da harmonia-timbre. Ou seja,
considerar a altura como uma qualidade variável e emergente, em vez de
uma constante estável, constrói a noção de melodia dentro de um contexto
mais amplo. Uma enorme oportunidade se apresenta. Como Varèse (1925)
observou: “Se a história nos ensinou uma coisa, é que o compositor que foi
censurado pela ausência de melodia é talvez o que mais a desenvolveu”.
[A ideia de] Melodia está morta; vida longa à melodia.46
Por outro lado, a música eletroacústica possibilitou também que diversos artistas
sem experiência com notação e teoria musical – justamente sem a tradição composicional da
escola instrumental – pudessem compor. Segundo Rodolfo Coelho de Souza (2020: 8-9), há
uma atual mudança na prática composicional ao utilizar mais a prática sonora eletroacústica,
em vez de delegar tudo para o processo de notação musical (e, por consequência, também ao
conhecimento de teoria musical tradicional). Outro exemplo é o próprio Traité des objets musicaux,
de Pierre Schaeffer (2017), que foca na questão do objeto musical, ou seja, uma atitude que
busca emergir uma linguagem (coerência) das próprias características do som. Laura Zattra
explica (2005: 3, tradução nossa), por exemplo, que
[…] [Schaeffer] faz um catálogo de objetos sonoros (solfejo) através de cinco
operações: tipologia, morfologia, caracterologia, análise, síntese. Tipologia
e morfologia são complementares: a morfologia indica a qualidade do
som (descrição: massa, harmonia tímbrica, dinâmica, grão, sedução, perfil
melódico, perfil da massa), a tipologia classifica-a (segundo alguns critérios:
massa/factura, duração/variação, equilíbrio/originalidade)47.
45 “[…] nobody loses anything by studying the rules of different styles of counterpoint” (COELHO DE SOUZA, 2020: 13).
46 “In traditional textbooks, the construction of melodic pitch patterns is sometimes treated as a sub-problem of
harmony. In contrast, electronic music opens up to a vast range of expression when it treats melodic construction from
the broader perspective of microtonality, tensions between stable and fluctuating pitches, the pitch-noise continuum,
and the harmony-timbre continuum. That is, considering pitch as a variable and emergent quality rather than a stable
constant construes the notion of melody within a broader context. A huge opportunity awaits. As Varèse (1925)
observed: ‘If history has taught us one thing, it is that the composer that one has reproached for absence of melody is
perhaps the one that has developed it the most.’ Melody is dead; long live melody” (ROADS, 2015: 233).
47 “He makes a catalogue of sounds objects (solfège) through five operations: typology, morphology, characterology,
analysis, synthesis. Typology and morphology are complementary: morphology indicates the quality of sound
(description: mass, timbre harmony, dynamics, grain, allure, melodic profile, mass profile), typology classify it (according
to some criteria: mass / facture, duration / variation, equilibrium / originality)” (ZATTRA, 2005: 3).
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RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
Há em Schaeffer um pouco da “alergia” da qual fala Adorno, pois o desejo de exploração
do novo, próprio da época do pós-guerra com o ressurgimento da música nova na Europa, acaba
muitas vezes por rejeitar uma trajetória passada. E é justamente nessa curta adolescência da
música eletroacústica que surgem problemas de música e linguagem.
O problema da microtonalidade dentro deste ambiente é também um problema de
linguagem musical. O conceito de Kadenzklang de Helmut Lachenmann nos ajuda a ilustrar
isso (TSAO, 2014: 217). Com a adoção de inúmeros novos sistemas de afinação, a redefinição
de uma linguagem como expressividade ficou pendente, isto é, estamos desprovidos de uma
linguagem microtonal, e cada compositor compõe seu próprio esperanto. Resultado disso foi
a pulverização dos microtons como meros adornos, ornamentos, de uma nota fundamental
alicerçada a uma estrutura tonal (a tendência de frequentemente usarmos o gesto de cadência,
conforme Lachenmann), assim como acontece parcialmente em Mortuos Plango, Vivas Voco.
Outra forma de observar esta obra de Jonathan Harvey é sob a ótica de Roads: “As harmonias
microtonais podem tornar-se tão complexas que se transformam em timbre e texturas.
Com tantas peças em entonação livre, fica claro que o tom nem sempre precisa estar alinhado
à grade de uma escala fixa ou entonação”48 (ROADS, 2016: 237, tradução nossa), como é o caso
em Mortuos Plango. Nessa questão, Stockhausen foi talvez mais radical. Encontrou na linguagem
serial uma solução para organizar seu novo material, como visto em Studie II. O mundo serial
permite uma estrutura artificial, mas com potencial para emergir lógica e ordem. A respeito da
lógica na música serial, Adorno trata dessa estratégia como uma espécie de desidentificação
quando analisa as ações de Pierre Boulez:
[…] seu instinto parece levá-lo [Boulez] em direção à composição em
segmentos. Uma tal reorganização da estrutura musical de acordo com
as leis imanentes do material, à medida que se desdobra, alteraria também
toda a linguagem da música. Mesmo as pequenas articulações mais sutis
seriam o resultado de pequenas diferenciações dentro da série, juntamente
com diferenciações igualmente tênues das várias formas da própria série,
e a música serial não teria mais que falar como se sua sintaxe fosse aquela
que herdou da tonalidade49 (ADORNO, 1993: 413, tradução nossa).
É nesse mesmo sentido que Stockhausen apresenta uma possível solução ao problema
de linguagem em música microtonal eletroacústica.
Finalizando, a tecnologia musical encerrou o problema de performance com diferentes
afinações. Com os recursos disponíveis para a música eletroacústica hoje, podemos assumir
que atingimos uma certa liberdade de expressão, fluência e execução de alturas. Nesse sentido,
nos perguntamos se devemos simplesmente abolir a necessidade de se classificar uma obra
eletroacústica enquanto microtonal (ou não). Faz sentido, hoje, alimentarmos essa polaridade?
Caberia mais, talvez, argumentarmos hoje sobre a amplitude da estrutura de afinação de uma
obra, em vez de simplesmente sustentarmos a polaridade entre temperamento igual versus
48 “Microtonal harmonies can become so complex that they mutate into timbre and texture. With so many pieces in free
intonation, it is clear that pitch need not always be aligned to the grid of a fixed scale or intonation” (ROADS, 2016: 237).
49 “[…] his instinct seems to lead him toward composition in segments. Such a reorganization of the musical structure
according to the immanent laws of the material, as it unfolds, would also alter the entire language of music.
Even the subtlest small articulations would be the result of tiny differentiations within the series, along with equally fine
differentiations of the various forms of the series itself, and serial music would no longer have to speak as if its syntax
were the one it inherited from tonality” (ADORNO, 1993: 413).
OPUS v.26, n.3, set./dez. 2020 22
RIBEIRO; NEIMOG. Impasses no uso de estruturas microtonais na composição eletroacústica
microtonalismo? Enquanto compositores no início do século – como Varèse e Busoni, por exemplo –
profetizavam sobre a implosão do sistema temperado, foi com a música de John Cage que
caminhamos para além de uma simples “evolução”, pois foi com ele que houve a incorporação do
completo ruído como material musical. Concomitantemente, tivemos com Pierre Schaeffer uma
atração com aquilo que ficou conhecido como objeto sonoro, que abraçou na composição musical
os sons em suas totalidades. Entretanto, essa libertação de Cage e Schaeffer evita, ainda, uma
discussão em relação ao problema original, isto é, em referência à organização de estruturas
microtonais. Seria radical demais mencionarmos novamente a alergia abordada por Adorno,
mas o acaso e o ruído geram, muitas vezes de forma colateral, sonoridades microtonais. Há de
se encontrar novas soluções para estruturar isso. Contudo, esperamos ter elucidado com esta
pesquisa as diferentes perspectivas acerca da microtonalidade, em especial aquela empregada
na música eletroacústica, que, como mencionado anteriormente, é muitas vezes tida como ponto
pacífico na história da música. Entretanto, entendemos que a música eletroacústica digital está
apenas em seus primórdios, e, quem sabe, o século XXI não ficará conhecido também como um
renascimento e resgate da exploração da microtonalidade.
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Felipe de Almeida Ribeiro é doutor em Composição Musical (Ph.D.) pela State University of New York at
Buffalo (Estados Unidos), onde estudou composição e computação musical sob a orientação de Cort Lippe. É
mestre pela University of Victoria (Canadá) estudando composição com Dániel Péter Biró e Gordon Mumma, além
de computação musical com Andrew Schloss. Sua música tem sido executada e premiada em festivais e salas de
concerto nos Estados Unidos, Canadá, Espanha, Alemanha, Hungria, Brasil, Inglaterra, México, Argentina. Atualmente
é professor na Universidade Estadual do Paraná e realizou estágio de pós-doutorado com bolsa da Alexander
von Humboldt Stiftung na Hochschule für Musik, Theater und Medien Hannover (Alemanha), sob supervisão de
Ming Tsao. É líder do Grupo de Pesquisa Núcleo Música Nova (Unespar), membro do Laboratório de Música,
Sonologia e Áudio (LaMuSA), editor da Revista Vórtex e coordenador geral do SiMN (Simpósio Internacional
de Música Nova). Site: http://www.almeida-ribeiro.com/. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4490-6755.
E-mail: felipe.ribeiro@unespar.edu.br
Charles K. Neimog, natural do interior do Espírito Santo, é mestrando em Interartes e Música pela UFJF orientado
pelo Prof. Dr. Luiz Castelões. Desenvolve pesquisa sobre as teorias de anação de Harry Partch, Erv Wilson e
Ben Johnston, propondo organizá-las a partir das teorias de Iannis Xenakis no ambiente do OpenMusic. É bacharel em
Composição e Regência pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (2018) e tem curso em Liderança Comunitária
com ênfase em Música pela Associação Diacônica Luterana (2014). É membro do Grupo de Pesquisa Núcleo Música
Nova (CNPq) e COMUS (Grupo de Pesquisa de Composição Musical da UFJF). Desenvolve pesquisa com ênfase em
anação, matemática e música e composição assistida por computador (CAC). Atua nas áreas de composição, música
eletroacústica e musicologia. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9780-0041. E-mail: charlesneimog@outlook.com
Thesis
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In this research, we will present ways of organizing pitches from Just Intonation through Iannis Xenakis’ Theory of the Sieves. We will focus on Harry Partch’s Just Intonation with the Diamond-Tonality, on the Tuning system used by Ben Johnston in the string quartets no. 2 and no. 3, in the Moment of Symmetry by Erv Wilson, and finally in the Combination Product-Set also by Erv Wilson. Subsequently, we will focus on the use of Sieves Theory to control the Just Intonation within our compositional context. After this theoretical part, we will introduce the libraries OM-JI and OM-Sieves, which facilitates the incorporation of Just Intonation and Sieves Theory in OpenMusic/OM-Sharp environment. Finally, we will share the compositional processes of the Arabesque | 19 11 97.
Article
Full-text available
The ongoing paradigm shift from traditional methods of teaching music composition towards new approaches based on computer technology for sound production is the main focus of the article. The paper reviews the evolution of teaching methods throughout the Classical, Romantic and Modern periods, demonstrating how certain standard practices from former ages, based on the professional profile of the Chapel-Master, become theoretical golden principles for subsequent periods. After the French Revolution the traditional method of individual practical exchange between master and disciple was upgraded at the Conservatory. Classes for groups of students required a new approach based on theory abstraction. Although none of these teaching methods have been abandoned up today, a new paradigm appears when the tools of computer technology became widespread. An unpredictable equilibrium between the traditional methods and the new techniques of computer-assisted or computer-generated music composition tends to emerge.
Article
Full-text available
O presente trabalho busca compreender a relação entre o compositor de música eletroacústica e o desenvolvimento dos instrumentos eletroacústicos, em especial a influência dos sintetizadores na música gerada. Adentramos especialmente na prática de patching, recurso que facilita o uso por omitir do músico conhecimentos avançados de eletrônica e programação em sintetizadores modulares de tensão controlada e softwares. A pesquisa tem como base os relatos de Robert Moog (apud KETTLEWELL, 2002), Donald Buchla e Miller Puckette (apud CHADABE, 1997), assim como os estudos de Peter Manning (2013) e Joel Chadabe (1997), e as obras de Karlheinz Stockhausen, Luigi Nono, Morton Subotnick e Philip Manoury. Tem como principal objetivo refletir sobre o papel do compositor de hoje e os desdobramentos poéticos na prática de música eletroacústica.
Chapter
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Experimental Affinities in Music brings together diverse artistic, musicological, historical, and philosophical essays, enhancing a broad discourse on artistic experimentation, and exploring various experimental attitudes in music composed between the thirteenth and twentieth centuries. The golden thread running through the different chapters is the quest for inherently experimental musical practices, a quest pursued from interrogating, descriptive, or challenging perspectives, and always in relation to concrete music examples. Experimental is taken as an adventurous compositional, interpretive, or performative attitude that can cut across different ages and styles. Affinities suggest connectors and connections, convergences, contiguities, and adjacencies that are found in and through a diversity of approaches and topics. The texts share a common genesis: the lectures of the International Orpheus Academies for Music and Theory convened by Luk Vaes (2011) and Paulo de Assis (2012, 2013). The affinities found in this volume include essays by Lydia Goehr, Felix Diergarten, Mark Lindley, Martin Kirnbauer, Edward Wickham, Lawrence Kramer, Hermann Danuser, and Thomas Christensen, as well as interviews with pianist Leon Fleisher, with pianist-composer Frederic Rzewski, and with composer Helmut Lachenmann. (publishing partner ‘Orpheus Institute’)
Article
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Book
One of the twentieth century's most important musical thinkers, the author did pioneering work in multiple fields, including computer music, tuning theory, and algorithmic and computer-assisted compositions. This book is a collection of the author's hard-to-find writings arranged, edited, and revised by the self-described “composer/theorist.” Tenney argued that “a new kind of music theory is needed which deals with the question of what we actually hear when we listen to a piece of music, as well as how or why we hear as we do.” His collection, which spans the years from 1955 to 2006, constitutes one of the most important bodies of music-theoretical thought of the twentieth century. Each article in this volume asks how new and radical musical ideas might emerge from how we hear. Selections focus on his fundamental concerns—“what the ear hears”—and include thoughts and ideas on perception and form, tuning systems and especially just intonation, information theory, theories of harmonic space, and stochastic (chance) procedures of composition.
Article
In the 1950s, using electronic devices to make music seemed a new paradigm for composers eager to remove the effects of interpretation on their relationship with their audience. The promise was that compositional ideas could be directly made into sound with the help of a technician whose task it was to carry out instructions. By making a new realization of Stockhausen’s Studie II, composed in 1954, I interrogate many of the original techniques and practices, and show that there are many sites which require interpretation and raise issues of performance practice. The implication of these discoveries is that there may be advantages to an analysis of early electronic music of the 1950s and 1960s from the perspective of the practice of instrumental music, and that where there are references to ‘technicians’, great care should be taken to understand and appreciate the range of musical skills often required by such individuals. This approach to realization also raises serious questions about the ontology of electronic music.
Thesis
GENDY3 (1991) von Iannis Xenakis (1922-2001) ist ein Stück computergenerierter Musik. Doch es ist mehr als bloße "Computermusik". GENDY3 ist die Kulmination von Xenakis' lebenslanger Suche nach einer "Automatisierten Kunst": eine Musik, die vollständig durch einen Computeralgorithmus erzeugt wird. Als extremes Beispiel einer rein algorithmischen Komposition ist GENDY3 in einem streng mathematischen Sinne eine berechenbare Musik: jeder Aspekt ihrer Klanggestalt ist durch die algorithmischen Prozedur namens "Dynamische Stochastische Synthese" ("Génération Dynamique Stochastique", oder kurz GENDYN) bestimmt. Das GENDYN-Projekt, das vom Autor 1995/96 mit einem Forschungsaufenthalt am CEMAMu, dem damaligen Forschungsinstitut des Komponisten bei Paris, begonnen wurde, nutzt diese Berechenbarkeit, um die Idee von GENDYN weiterzuentwickeln und zu dokumentieren, um ihre verschiedenen Implikationen zu verstehen und sie für weitere Forschung und Produktion zugänglich zu machen. Zu diesem Zweck hat der Autor die Dynamische Stochastische Synthese in einem Programm namens "Das Neue GENDYN-Programm" implementiert, das zusätzlich zum "Komponieren" von GENDY3 in Echtzeit auch den algorithmischen Kompositionsprozeß anschaulich und steuerbar macht, und dadurch neue Perspektiven sowohl in computergestützter Musikwissenschaft als auch in der Schaffung neuer Computermusik eröffnet. Zum Zwecke der musikalischen Analyse wurde GENDY3 vollständig resynthetisiert. Die Simulation der Entstehung von GENDY3 "in vitro" mit Hilfe des Neuen GENDYN-Programms erlaubt die systematische Erforschung des "Entscheidungsraumes" des kompositorischen Modells und trägt damit zu einem vertieften Verständnis sowohl seines Potentials als auch seiner Grenzen bei, sowie zu einem Verständnis der komplexen Interaktion zwischen "Erfordernissen des Materials" und künstlerischer Freiheit, im Rahmen derer der Komponist seinen Weg zu finden hatte. Die Untersuchung von GENDYN-Kompositionen provoziert viele grundlegende Fragen zu Berechnung, musikalischem Hören und Verständnis, zum Schaffensprozeß, Interaktion und der Ästhetik von Computermusik. Es wird gezeigt, daß Xenakis, anders als viele seiner Kollegen, keinerlei Ambitionen hatte, überkommenes musikalisches Denken mit dem Computer zu modellieren. Statt dessen realisierte er seine klanglichen Vorstellungen in einem abstrakten physikalischen Modell der Dynamik von Schalldrucksverläufen, das auf einer höheren Stufe musikalische Strukturen als emergente Epiphänomene hervorbringt. Dieser ungewöhnliche Ansatz macht das Medium der elektroakustischen, algorithmischen Musik, d.h. die Physik des Klanges, sowie die Berechenbarkeit des musikalischen Klangs zum Thema des künstlerischen Schaffens selbst. Dieser Ansatz scheint dem Autor mehr für die Grundlegung einer "echten" Computerkunst zu taugen als der weitverbreitete Ehrgeiz, menschliche Kreativität durch den Computer nachzuahmen und damit eine künstliche "Schöne Neue Welt" der Musik mit dem Computer zu schaffen.
Article
The original tape of Karlheinz Stockhausen's Studie II (1954) bears visible and audible traces of the compositional process. Beyond this, the materiality and functioning principles of that recording medium guide compositional decisions and even prejudice the serial organization of the musical work. For this reason, a differentiation between the written composition of Studie II and its subordinate realization proves to be problematic. All the more important is the fact that most of the published recordings of Studie II are base on an authorized, reworked version from 1983, which audibly deviates from the realization of the original tape through the use of, among other things, equalizers and reverberation.