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Extensão e educação socioambiental

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Abstract

O presente trabalho busca relatar as experiências do projeto de extensão em educação socioambiental, realizado pelo Grupo de Pesquisa “Convenção 169 e o Direito à Consulta Prévia, Livre e Informada” da Liga Acadêmica Verde Cabanagem em parceria com a Escola Superior de Advocacia do Pará. As atividades do grupo foram realizadas entre os anos de 2018 e 2020 e estiveram concentradas na promoção de debates, rodas de conversa e fóruns acadêmicos relacionados ao direito à consulta. A justificativa do projeto esteve relacionada com a necessidade de se promover conhecimento sobre o tema, especialmente em decorrência das recorrentes violações de direitos humanos e fundamentais de povos e comunidades tradicionais no Estado do Pará. Os encontros e os eventos realizados contribuíram significativamente para a construção de narrativas e bases teóricas de todos/as os/as participantes, encerrando suas atividades com o painel sobre direitos de povos e comunidades tradicionais no 41o Congresso Nacional da Advocacia Trabalhista.
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Extensão e educação socioambiental: a Convenção 169 e o direito à consulta prévia no
estado do Pará
Extension and socio-environmental education: Convention 169 and the right to prior
consultation in the state of Pará, Brazil
Ygor de Siqueira Mendes Mendonça
1
Thalyta Brandão de Campos
2
Estela da Conceição Gonçalves da Silva
3
RESUMO
O presente trabalho busca relatar as experiências do projeto de extensão em educação
socioambiental, realizado pelo Grupo de Pesquisa “Convenção 169 e o Direito à Consulta
Prévia, Livre e Informadada Liga Acadêmica Verde Cabanagem em parceria com a Escola
Superior de Advocacia do Pará. As atividades do grupo foram realizadas entre os anos de
2018 e 2020 e estiveram concentradas na promoção de debates, rodas de conversa e fóruns
acadêmicos relacionados ao direito à consulta. A justificativa do projeto esteve relacionada
com a necessidade de se promover conhecimento sobre o tema, especialmente em decorrência
das recorrentes violações de direitos humanos e fundamentais de povos e comunidades
tradicionais no estado do Pará. Os encontros e os eventos realizados contribuíram
significativamente para a construção de narrativas e bases teóricas de todos/as os/as
participantes, encerrando suas atividades com o painel sobre direitos de povos e comunidades
tradicionais no 41º Congresso Nacional da Advocacia Trabalhista.
Palavras-chave: Projeto de extensão. Educação socioambiental. Povos e Comunidades
tradicionais. Consulta prévia. Estado do Pará.
ABSTRACT
The present work seeks to report the experiences of the extension project in socio-
environmental education, conducted by the Research Group “Convenção 169 e o Direito à
Consulta Prévia, Livre e Informada of the Liga Verde Cabangem in partnership with the Pará
Higher School of Law. The groups activities were carried out between the years 2018 and
2020 and were focused on promoting debates, conversation circles and academic forums
related to the right to consultation. The project was justified by the need to promote
knowledge on the topic, especially due to the recurring violations of human and fundamental
rights of traditional peoples and communities in the State of Pará. The meetings and events
held contributed significantly to the construction of narratives and theoretical bases for all
participants, ending their activities with the panel on the rights of traditional peoples and
communities at the 41st National Congress of Labor Advocacy.
1
Doutorando em Direito Socioambiental e Sustentabilidade na Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
Brasil; professor substituto na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil; coordenador do Grupo de
Extensão Educação Socioambiental: A Convenção 169 e o direito à Consulta Prévia no estado do Pará
(ygoor.mendes@gmail.com).
2
Mestranda em Desenvolvimento Socioambiental pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade
Federal do Pará, Brasil; integrante do Grupo de Extensão Educação Socioambiental: A Convenção 169 e o
direito à Consulta Prévia no estado do Pará (thalyta.brandaoadv@gmail.com).
3
Graduada em Direito pelo Centro Universitário do estado do Pará, Brasil; integrante do Grupo de Extensão
Educação Socioambiental: A Convenção 169 e o direito à Consulta Prévia no estado do Pará
(esteella.g@gmail.com).
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Keywords: Extension project. Social and environmental education. Indigenous peoples and
traditional communities. Prior consultation. State of Pará.
INTRODUÇÃO
O direito à consulta prévia, livre e informada (CPLI) está essencialmente previsto na
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1989. Em linhas
gerais, esse direito estabelece que povos e comunidades tradicionais devem ser consultados
previamente sempre que medidas legislativas ou administrativas possam afetar seus modos de
vida, desenvolvimento e/ou subsistência. No Brasil, a referida Convenção foi aprovada pelo
Decreto Legislativo no 143/2002 (BRASIL, 2002), promulgada pelo Decreto Executivo no
5.051/2004 (BRASIL, 2004) e consolidada pelo Decreto 10.088/2019 (BRASIL, 2019).
Ocorre que, ainda que a consolidação desse direito formalize os direitos humanos e
fundamentais de povos e comunidades tradicionais, assim como o processo histórico de lutas
pela re-existência desses sujeitos no ordenamento jurídico nacional, o direito à CPLI vem
sendo recorrentemente violado. Afinal, a Convenção 169 determina que cabe aos governos a
realização dos processos consultivos, e o que se observa, na prática, é a realização da consulta
como mero canal de troca de informação.
Ademais, a Convenção 169 também não determina os meios pelos quais as consultas deverão
ser realizadas, dificultando a correta aplicação da CPLI e, consequentemente, do pleno
exercício dos direitos dos povos e comunidades tradicionais. A exemplo do que se trata,
destaca-se, desde já, a Portaria Interministerial 34 (BRASIL, 2012) e o decreto executivo
paraense 1969/2018 (PARÁ, 2018) que buscaram a regulamentação da consulta. Porém,
como será visto adiante, essas condutas, na verdade, tratam-se de uma tentativa de
uniformização da CPLI, afastando as especificidades e demandas próprias de cada povo ou
comunidade tradicional.
Em contracorrente a essas condutas desacertadas, os povos e comunidades tradicionais
passaram a criar seus próprios instrumentos de determinação dos procedimentos, etapas e
regras dos processos consultivos e das tomadas de decisão. Os Protocolos Autônomos de
Consulta Prévia (PACP) surgem, então, como instrumento de resistência ao (des)interesse
governamental em determinar adequadamente e nos termos da Convenção 169 o gozo do
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direito à CPLI. Porém, para o devido respeito e garantia inclusive desses instrumentos, há que
se pensar e promover espaços para discussões teóricas e empíricas sobre o assunto.
Nesse sentido é que o projeto de extensão em educação socioambiental
4
ganha importância. E
isso porque o que se buscou, durante o período de 2018 a 2020, foi a promoção de debates e
fóruns de discussões tanto com os povos tradicionais paraenses, quanto com a sociedade civil
e acadêmica a respeito do tema. Metodologicamente, o recorte no estado do Pará se justifica
pela promulgação do decreto executivo acima citado e também pelo papel das lideranças
indígenas e quilombolas paraenses na construção dos seus respectivos PAPC. O projeto teve 6
encontros, finalizando suas atividades no 41o Congresso Nacional da Advocacia Trabalhista
(CONAT).
Discussão teórica: breves apontamentos sobre a Convenção 169 da OIT e o direito à
CPLI
Criada em 1989, a Convenção 169 da OIT representou uma ruptura no viés integracionista
promovido pela antiga Convenção 107. Isso porque, nos termos de Souza Filho (2018), esta
última dispunha sobre a integração gradativa de seus sujeitos, refletindo o entendimento
vigente naquele momento histórico de que os grupos étnica e culturalmente diferenciados
eram atrasados em relação a sociedade nacional e deveriam integrar-se a ela. A superação
dessa doutrina da integração ocorreu, sobretudo, com a formalização da coexistência entre
os diversos grupos formadores da sociedade.
Assim, Araújo (2006) e Mendonça (2019) afirmam que a Convenção 169 é o primeiro
diploma internacional a tratar dignamente de povos e comunidades tradicionais. Essa
característica se justifica principalmente pela consolidação de direitos como autonomia,
participação e autodeterminação desses sujeitos. No Brasil, a referida Convenção teve seu
conteúdo normativo consolidado pelo decreto no 10.088/2019, que consolida atos normativos
editados pelo Poder Executivo Federal que dispõem sobre a promulgação de convenções e
recomendações da Organização Internacional do Trabalho (BRASIL, 2019, p. 1).
Além do mais, ao tratar de assuntos relacionados à dignidade humana de povos e
comunidades tradicionais, a consolidação da Convenção 169, no ordenamento jurídico
4
O presente trabalho adota o termo “socioambiental” para dar destaque ao protagonismo dos povos e
comunidades tradicionais e no sentido de buscar uma nota de afirmação desses sujeitos (MOREIRA, 2017, p.
16) na luta contra o mito do desenvolvimento.
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interno, fortalece como valor constitucional os diversos modos de vida e organização política,
social e cultural existentes no país (OLIVERA; ALEIXO, 2014). Esse raciocínio consolida o
que Maués (2004) e Piovesan (2018) propõem acerca da natureza material constitucional dos
tratados internacionais de Direitos Humanos, como é o caso da Convenção em comento.
Cabe destacar ainda o que Souza Filho (2019) aduz a respeito da aplicabilidade imediata na
Convenção no âmbito jurídico doméstico, isto é, do seu caráter autoaplicável que não
depende, portanto, de qualquer regulamentação específica para que passe a produzir os seus
efeitos. Dessa maneira, afirma-se que as normativas infraconstitucionais precisam estar em
conformidade com as diretrizes previstas na Convenção 169, sob pena de denúncia do Estado
à OIT (GARCIA, 2015). No entanto, o que se vê na prática são justificativas incabíveis para o
seu não cumprimento, em especialmente no que concerne ao direito à CPLI.
Em suma, o direito à CPLI prevê que os sujeitos da Convenção 169 devem ser consultados
previamente sempre que medidas legislativas ou administrativas possam afetar seus modos de
vida ou desenvolvimento. Previamente, inclusive, porque toda e qualquer consulta que seja
realizada para discutir apenas os reflexos das medidas e não a sua própria concepção
devem ser consideradas contrárias às diretrizes da referida Convenção. Afinal, segundo a
Comissão de Especialistas em Aplicações de Convenções e Recomendações da OIT
(CEACR, 2005), essa previsão normativa representa a pedra angular da Convenção, pois
legitima o próprio direito à diferença.
De igual maneira, os processos consultivos devem considerar o caráter apropriado das
consultas, de modo que sejam respeitados e levados em consideração os valores e costumes
próprios de cada povo ou comunidade tradicional. O objetivo com essa determinação é evitar
condutas paternalistas e assimilacionistas nos processos consultivos e nas tomadas de decisão.
E, para tanto, as consultas deverão ser realizadas sem qualquer interferência ou pressão
externa, a fim de afastar, também, a perspectiva do vício tutelar do Estado que Verdum (2006)
propõe.
Além disso, a partir da leitura do tratado é possível identificar que os sujeitos da Convenção
169 deverão “ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao
processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições
e bem-estar espiritual (BRASIL, 2019, p. 36). Por esse motivo, afirma-se que o direito à
CPLI visa garantir a igualdade no tratamento e de oportunidades no pleno exercício dos
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direitos humanos, preconizando um processo transformador no convívio social. Isso porque a
CPLI é, também, um instrumento de intermediação política entre os atores interessados nas
medidas objeto de consulta.
Sob este raciocínio, Mendonça (2019) defende que a CPLI deve ser entendida como um
instrumento de promoção da participação ativa dos sujeitos da Convenção 169 nos processos
consultivos e decisórios. Nesta perspectiva, o direito à consulta é interpretado como meio de
viabilizar a participação de povos e comunidades tradicionais nas tomadas de decisão, de
maneira a promover um espaço efetivo em que os interessados possam se manifestar em favor
dos seus direitos. O objetivo com este entendimento é evitar que as consultas sejam
participacionistas conforme propõem Mendonça (2019) e Steinbrenner et al. (2007), isto é,
que se revelem meramente formais ou pontuais.
No entanto, observa-se a utilização do direito à CPLI como mero canal de troca de
informações, inviabilizando o diálogo intercultural proposto por Santos (1997) na construção
do desenvolvimento nacional. Neste paradoxo de garantia e violações de direitos acaba
prevalecendo o que dispõe Gohn (2008, p. 443) sobre a troca de identidades políticas
construídas e tecidas em longas jornadas de lutas, por políticas de identidades construídas em
gabinetes burocratizados”. Assim, resta incontroversa a necessidade de se caminhar no
sentido de superar principalmente as lacunas normativas e os pontos controversos existentes
na Convenção 169.
Sobre este último ponto, e especificamente acerca da regulamentação do direito à CPLI, o
problema é que a Convenção 169 não prevê os meios pelos quais as consultas deverão ser
realizadas (GARCIA, 2015; MENDONÇA 2019). Afinal, nos termos do tratado, caberá ao
(des)compromisso dos governos o cumprimento efetivo desse direito. Com efeito, essa
omissão normativa resultou em tentativas infrutíferas de regulamentação do direito à CPLI no
país, a exemplo da Portaria Interministerial 35 no Brasil (BRASIL, 2012) e do Decreto
executivo nº 1.969/2018 (PARÁ, 2018) promulgado no estado do Pará, nos quais, em ambos
os casos, buscou-se a regulamentação da consulta como uma medida estatal que vem de
cima para baixo.
Por este motivo, regulamentar ou, melhor dizendo, uniformizar o direito à CPLI permeia a
lógica dos estados nacionais. Para Souza Filho (2019, p. 32), essa lógica reflete o momento no
qual os estados, para garantir algum direito ou estabelecer algum procedimento, indicam
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logo a redação de legislação específica, independentemente do contexto e das demandas
específicas por trás dessa urgência. Consequentemente, a uniformização da consulta não se
torna suficiente para lidar com as particularidades e demandas internas de cada povo
tradicional brasileiro, razão pela qual uniformizar a CPLI viola o próprio caráter apropriado
da consulta.
Neste contexto, surge a necessidade de se estabelecer instrumentos autônomos de livre
determinação dos povos tradicionais nas tomadas de decisão e, sobretudo, em substituição aos
modelos estatais infrutíferos de consulta. Ora, não que direito à CPLI precise de
complementação normativa para sua aplicação afinal, trata-se de um direito autoaplicável
mas, em virtude das lacunas da Convenção 169 e do descaso governamental para com a
garantia de direitos fundamentais de povos e comunidades tradicionais, entendeu-se pela
urgência na proteção da juridicidade desses povos. Por essas razões,
os povos começaram a pensar em como criar mecanismos que pudessem
construir e expressar a vontade coletiva e responder adequadamente às
consultas sobre temas preocupantes e que requerem decisões muito pensadas
e, em geral, sem possibilidade posterior de arrependimento. (SOUZA
FILHO, 2019, p. 36).
Sob esta ótica, os PACP surgem como uma alternativa aos entraves oriundos das lacunas
normativas presentes na Convenção 169. No Brasil, o primeiro PACP foi criado pelos
indígenas Wajãpi do Amapá e publicado no ano de 2014, intitulado Wajãpi oõsãtamy
wayvu oposikoa romõ ma ë (Protocolo de Consulta e Consentimento Wajãpi). Segundo dados
fornecidos pela Rede de Cooperação Amazônica (RCA, 2019), existem, atualmente, vinte e
seis protocolos brasileiros publicados, formalizando o caráter apropriado das consultas a
povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outros povos tradicionais.
Em linhas gerais, o PACP representa a formalização dos consensos internos dos sujeitos da
Convenção 169 acerca dos meios pelos quais as consultas deverão ser realizadas, levando em
consideração as formas próprias de organização e os modos tradicionais de tomadas de
decisão. Constituem, portanto, a definição explícita das regras autônomas dos procedimentos
de consulta, evidenciando as ferramentas operativas concernentes ao modo como o diálogo
com os estados será realizado. A RCA (2019, p. 1), considera o PACP como um caminho
para que os povos possam avançar no respeito aos seus direitos e obrigar o estado a cumprir
os compromissos assumidos internacionalmente de forma voluntária.
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Assim, o PACP surge em contraposição à tentativa de uniformização estatal do direito à
CPLI, que vem sendo conduzida na linguagem ideológica colonialista, aprofundando na
democracia instrumentos integracionistas e meios de dominação étnica e racial. Afinal, na
medida em que regulamenta a consulta de maneira específica, segundo os costumes, usos e
tradições de cada povo ou comunidade tradicional, garante-se o exercício dos direitos
humanos sem obstáculos ou discriminação.
Ocorre que para que os PACP possam ser devidamente elaborados e criados, os povos
tradicionais devem conhecer a fundo o conteúdo normativo da Convenção 169 e as
particularidades do direito à CPLI, o que, infelizmente, nem sempre é possível, tendo em
vista, por exemplo, a dificuldade no acesso aos territórios. Ademais, é de suma importância a
conscientização da sociedade civil a respeito do assunto. Por esse motivo, o projeto de
extensão em educação socioambiental contribuiu de maneira significativa para a promoção do
conhecimento sobre o direito à CPLI enquanto direito humano e fundamental de povos e
comunidades tradicionais.
Execução do projeto
O projeto de extensão em educação socioambiental foi criado no intuito de promover debates,
discussões e fóruns acadêmicos sobre a Convenção 169 e o direito à CPLI. Foi realizado
durante os anos de 2018 a 2020 e contou com a presença de graduandos, mestrandos e
doutorandos, além de lideranças tradicionais convidadas, como o líder indígena Mydjere
Kayapó e a líder quilombola Emanuela Cardoso. No total, seis encontros foram realizados e
as atividades se encerraram com o painel sobre direito de povos e comunidades tradicionais
no 41º CONAT.
A justificativa na criação do projeto estava ligada à necessidade de disseminar conhecimento
a respeito do conteúdo da Convenção 169 e das perspectivas e entraves na aplicação do
direito à CPLI, especialmente no estado do Pará. E isso porque no ano de 2018, várias
manifestações surgiram em decorrência da promulgação do decreto 1.969/2018 e a
consequente violação do direito à consulta e de suas especificidades. Sendo assim, com o
apoio da ESA/PA, a Liga Acadêmica Verde Cabanagem oportunizou a construção desse
diálogo e troca de saberes.
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Para além da presença dos membros efetivos do projeto, o primeiro encontro contou com a
participação do indígena Mydjere e da quilombola Emanuela, os quais representaram,
respectivamente, o povo kayapó e a comunidade quilombola do Abacatal. As lideranças
contribuíram com narrativas muito próprias e bonitas! sobre o direito à consulta e as
dificuldades na implementação desse direito. Emanuela também falou sobre o processo de
construção do PACP da sua comunidade, demonstrando a força da história, da oralidade e da
resistência contra a lógica desenvolvimentista que invisibiliza as demandas endógenas desses
sujeitos.
Por sua vez, o segundo encontro, realizado nas dependências do Centro Universitário do Pará
(CESUPA), contou com a participação da servidora da Secretaria de Estado de Meio
Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS), Haydée Marinho. Na oportunidade, as
perspectivas estatais foram apresentadas, de modo que foi possível compreender
exatamente onde o direito à CPLI se insere no âmbito do estado, e quais as dificuldades de se
implementar esse direito na prática e de relacioná-lo com questões como o licenciamento
ambiental. Estado e Academia caminharam juntos, ampliando os debates e as
problematizações.
No terceiro encontro, foi apresentada a possibilidade de o produto do projeto estar presente no
41º CONAT. As ideias iniciais estavam centradas na necessidade de se difundir conhecimento
sobre o direito à CPLI em eventos de tamanho alcance e de perspectivas tão distintas, já que o
evento estava essencialmente direcionado a advogados/as. Porém, e especialmente tendo em
vista que a Convenção 169 está vinculada à OIT, entendeu-se ser uma oportunidade única
para operacionalizar e disseminar as discussões até então realizadas.
O quarto encontro proporcionou o levantamento dos tópicos a serem tratados no evento em
comento, como também as discussões sobre as dinâmicas e estruturação do painel sobre
direitos dos povos e comunidades tradicionais. A partir das narrativas das lideranças
tradicionais, da representante da SEMAS e da bagagem teórica dos integrantes do projeto,
decidiu-se por oportunizar o espaço de fala aos que mais entendem sobre o direito à CPLI: os
povos e comunidades tradicionais. Na oportunidade, outros dois nomes de lideranças
tradicionais paraenses foram cogitados para integrar a mesa de abertura do evento.
Em paralelo aos encontros, dois membros do projeto tiveram trabalhos aprovados e
publicados no VIII Congresso Nacional de Direito Socioambiental, em Curitiba-PR, em que
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temas relacionados à CPLI e aos PACP foram devidamente apresentados. A quinta reunião,
então, antecedeu o Congresso e possibilitou a apresentação dos trabalhos no âmbito das
atividades da Liga Acadêmica Verde Cabanagem. Os debates possibilitaram conhecer como o
tema estava sendo tratado no país, além da relação entre a aplicação do direito à CPLI em
outros estados e no estado do Pará.
Por fim, o projeto finalizou suas atividades com o painel intitulado “Direito de povos e
comunidades tradicionais, o qual contou com a participação de lideranças da comunidade
quilombola e do povo indígena Kamaruara. Na ocasião, artefatos e produtos próprios foram
apresentados, mostrando um pouco da cultura tradicional paraense. Além disso, a mesa de
abertura do evento contou com grandes nomes da advocacia trabalhista brasileira, como
também com a liderança indígena Luana Kamaruara e a quilombola Vívia Cardoso.
O relato inicial das lideranças mostrou a importância de se promover debates sobre o direito à
CPLI, especialmente no estado do Pará, e ratificou as dificuldades no pleno exercício desse
direito frente ao (des)interesse governamental. Foi possível perceber a força na oralidade e a
beleza nas narrativas da Luana e da Vívia, as quais com certeza exerceram também o espaço
para passar a mensagem que o projeto, desde o início, sempre propôs: é preciso falar sobre o
direito à CPLI!”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto de extensão em educação socioambiental sobre a Convenção 169 e o direito à CPLI
buscou, durante os anos de 2018 e 2020, promover reflexões, debates e conscientizações
sobre o tema no estado do Pará. Ao contar com a participação de integrantes, tanto da
Academia, quanto de lideranças tradicionais paraenses, o alcance no compartilhamento das
informações relacionadas a esse direito humano e fundamental de povos e comunidades foi
fundamental para a conclusão das atividades. Afinal, também na ocasião do 41o CONAT, a
palavra da CPLI foi, enfim, disseminada.
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Aprovado em 29 de outubro de 2020.
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Este trabalho é uma análise do papel das instituições multilaterais e bilaterais de cooperação para o desenvolvimento na territorialização e desterritorialização das políticas indigenistas na América Latina. Procuro compreender como estas instituições operacionalizam seus objetivos de integração dos indígenas, articulando uma complexa rede de atores, governamentais e não governamentais, por meio dos quais disseminam idéias, noções, práticas e dinheiro. Foco minha atenção na Missão Andina, vista como manifestação do indigenismo integracionista clássico, e em duas experiências contemporâneas de etnodesenvolvimento, uma no Brasil e outra do Equador.
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Objetiva-se identificar as condições que tornem possível converter a conceituação e prática dos direitos humanos de um "localismo globalizado" num projeto emancipatório e cosmopolita. Argumenta-se que essa é uma questão que só pode ser adequadamente enfrentada da ótica da "hermenêutica diatópica" proposta neste artigo.The aim is to identify the conditions which allow the turning of the conceptualization and practice of human rights from a " globalized localism " into an emancipatory and cosmopolitan project. The point is that this question can be adequately faced only from the angle of a"¹dyatoptic hermeneutic' such as proposed in this article.
Aprova o texto da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais em países independentes
  • Brasil
  • Decreto
BRASIL. Decreto Legislativo nº 143, de 2002. Aprova o texto da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais em países independentes. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2002/decretolegislativo-143-20-junho-2002-458771-convencao-1-pl.html. Acesso em: 9 set. 2020.
Interministerial n.º 35, de 27 de janeiro de 2012
  • Brasil
  • Portaria
BRASIL. Portaria Interministerial n.º 35, de 27 de janeiro de 2012. Disponível em: http://cpisp.org.br/portaria-interministerial-no-35-de-27-de-janeiro-de-2012/. Acesso em: 9 set. 2020.
Entre discursos e práticas: as relações entre estados (pluri) nacionais e povos indígenas no Brasil e na Bolívia a partir do direito de consulta
  • T A Garcia
GARCIA, T. A. Entre discursos e práticas: as relações entre estados (pluri) nacionais e povos indígenas no Brasil e na Bolívia a partir do direito de consulta. 2015. Tese (Doutorado) -Programa de Pós-graduação em Estudos Comparados Sobre as Américas, Universidade de Brasília, Brasília, 2015.
Abordagens teóricas nos estudos dos movimentos sociais na América Latina
  • M Gohn
  • G Da
GOHN, M. da G. Abordagens teóricas nos estudos dos movimentos sociais na América Latina. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 439-455, set./dez., 2008. Doi: 10.1590/S0103-49792008000300003.
Dissertação (Mestrado) -Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido
  • Y Mendonça
  • S M De
MENDONÇA, Y. de S. M. Consulta prévia no estado do Pará: um estudo sob a perspectiva interdisciplinar da participação. 2019. Dissertação (Mestrado) -Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido, Universidade Federal do Pará, Belém, 2019.
Convenção 169 em disputa: consulta prévia, pensamento descolonial e autodeterminação dos povos indígenas. Natal
  • E C P Moreira
  • R Oliveira
  • M T Aleixo
MOREIRA, E. C P. Justiça socioambiental e direitos humanos: uma análise a partir dos direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. OLIVEIRA, R. M; ALEIXO, M. T. Convenção 169 em disputa: consulta prévia, pensamento descolonial e autodeterminação dos povos indígenas. Natal, 2014. Disponível em: http://www.29rba.abant.org.br/resources/ anais/1/1402003900_ARQUIVO_Oliveira&Aleixo29RBA-GT.48.pdf. Acesso em: 10 set. 2020.
Temas de direitos humanos
  • F Piovesan
PIOVESAN, F. Temas de direitos humanos. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
Protocolos de consulta prévia e o direito à livre determinação. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo
  • Souza
  • C F M Filho
  • De
SOUZA FILHO, C. F. M. de. et al. Protocolos de consulta prévia e o direito à livre determinação. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo; CEPEDIS, 2019.