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Dossiê Covid-19
Psicologia: Ciência e Profissão 2020 v. 40, e242819, 1-17.
https://doi.org/10.1590/1982-3703003242819
Uma Pandemia Viral em Contexto de Racismo Estrutural:
Desvelando a Generificação do Genocídio Negro
Paula Rita Bacellar Gonzaga1
1Universidade Federal do Sul da Bahia, BA, Brasil.
Vivane Martins Cunha2
2Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil.
Resumo: Para compreender o mundo contemporâneo é imprescindível voltar o olhar para a
colonização das Américas e a escravização dos povos indígenas e negros, pois esses processos
históricos e políticos construíram as estruturas das sociedades modernas. A partir da colonização
produziu-se a racialização dos corpos, que estabeleceu uma hierarquia de vida e de morte. Logo,
o racismo torna-se a base do direito de matar. O negro é fabricado como insígnia da morte,
sendo desumanizado e submetido à violência racial-colonial e também à de gênero. Este ensaio
se propõe a tecer reflexões sobre o modo como o racismo modula, e também é modulado, no
contexto pandêmico da Covid-19, além de salientar um contínuo histórico de violências raciais
que reencenam o passado colonial. Para isso, tomaremos como cerne do debate as experiências
das mulheres negras, haja vista que suas posicionalidades nas estruturas de poder permitem
observar e analisar as realidades sociais numa perspectiva contra-hegemônica e insurgente.
Dispor as experiências das mulheres negras enquanto lócus privilegiado de produção de
conhecimento sobre a realidade nacional brasileira alicerça o entendimento das consequências
do racismo no tecido social, assim como visibiliza resistências históricas ao Estado genocida.
Palavras-chave: Racismo, Pandemia da Covid-19, Mulheres Negras.
A Viral Pandemic in the Context of Structural Racism:
Unveiling Black Genocide
Abstract: Looking back towards the colonization of the Americas and the enslavement of
indigenous and black peoples is essential to understand the contemporary world, as these
historical and political processes built the structures of modern societies. The colonization
produced racialized bodies, establishing a life/death hierarchy. Thus, racism becomes the
foundation of the right to kill. The black is manufactured as a death insignia, dehumanized and
subjected to racial-colonial violence, as well as of gender. This essay aims to reflect how racism
modulates and is modulated in the context of the Covid-19 pandemic, besides highlighting a
historical continuum of racial violence that reenact the colonial past. To this end, black women’s
experiences comprise the core of the debate, as their role within the power structures allow us
to observe and analyze social realities from a counter-hegemonic and insurgent perspective.
By arranging black women’s experiences as a privileged locus of knowledge production on the
Brazilian reality, we may understand the consequences of racism based on the social fabric and
expose historical resistance to the genocidal state.
Keywords: Racism, Covid-19 pandemic, Black Women.
2
Psicologia: Ciência e Profissão 2020 v. 40, e242819, 1-17.
Una Pandemia Viral en el Contexto del Racismo Estructural:
Develando la Generificación del Genocidio de la Población Negra
Resumen: Para entender el mundo contemporáneo es fundamental mirar la colonización de
América y la esclavitud de los pueblos indígenas y de los negros, ya que estos procesos históricos
y políticos han construido las estructuras de las sociedades modernas. La colonización conllevó
la producción de una racialización de los cuerpos que estableció una jerarquía de vida y
muerte. Por tanto, el racismo se convirtió en la base del derecho a matar. El negro se fabrica
como insignia de la muerte, y es deshumanizado y sometido a violencia racial-colonial y de
género. Este ensayo tiene como objetivo reflexionar sobre la forma en que el racismo modula,
y también se modula, en el contexto pandémico de Covid-19, además de resaltar una historia
continua de violencia racial que recrea el pasado colonial. Para ello, tomaremos las vivencias de
las mujeres negras como eje del debate, dado que sus posiciones en las estructuras de poder nos
permiten observar y analizar las realidades sociales desde una perspectiva contrahegemónica
e insurgente. Disponer de las vivencias de las mujeres negras como un lugar privilegiado de
producción de conocimiento sobre la realidad nacional brasileña sustenta la comprensión de
las consecuencias del racismo en el tejido social, además de mostrar la resistencia histórica al
Estado genocida.
Palabras clave: Racismo, Pandemia de Covid-19, Mujeres Negras.
Por mortos ainda não enlutados: um país
sem memória e vítimas sem memoriais
Muito tem se dito acerca da necessidade de se
lembrar nominalmente das vítimas da pandemia da
Covid-19. São, no momento da escrita deste texto, mais
de 100 mil pessoas vitimadas fatalmente pelo novo
agente do coronavírus no território brasileiro. Essa
demanda por resguardar a memória é extremamente
legítima e nos convoca a pensar o luto em sua condi-
ção de elaboração do sujeito frente à própria mortali-
dade, assim como a importância de tecer memoriais às
vítimas de grandes tragédias, como forma de recupe-
rar o valor de cada indivíduo para sua família, para sua
comunidade e para nossa frágil ideia de humanidade
irmanada pela morte inevitável, mas, muitas vezes,
antecipada por relações desiguais, violentas, genoci-
das. Memoriais foram erigidos às vítimas do regime
nazista alemão, bem como para aquelas que sucum-
biram nos escombros das torres gêmeas, em 2001,
nos Estados Unidos da América, como um monu-
mento à vida dessas, mas também como marcadores
de momentos que podemos e devemos evitar reviver.
Na América Latina necessitamos de memoriais.
A organização das nações a partir do marco civilizató-
rio colonial instaurou a raça como princípio biológico
de hierarquização social, mas, principalmente, como
parâmetro de humanidade forjado a partir do modelo
branco, masculino e heterossexual (Carneiro, 2005;
Lugones, 2008). Sob o argumento da desumanização,
deu-se o genocídio de pessoas indígenas e negras,
essas sequestradas no continente africano e trazidas
para esse lado do oceano em navios de tortura onde
muitas pereceram pela dor, pela fome ou pelo deses-
pero (hooks, 2020). Logo, são mortes não enlutadas
publicamente porque sequer foram reconhecidas
como vidas pelo paradigma humanista branco oci-
dental, sendo corpos descartáveis para os regimes de
poder e de violência racial-colonial (Rodríguez, 2017).
O domínio colonial, fundado na classificação
racial, expandiu-se pelo mundo, tornando-se o novo
padrão de poder mundial que, ainda hoje, dita a dis-
tribuição de lugares e de papéis sociais nas estrutu-
ras de poder (Quijano, 2005), utiliza a raça enquanto
princípio organizador das relações de dominação e
do capitalismo global (Grosfoguel, 2018), assim como
determina as possibilidades de vida e desenha rotei-
ros de morte. Portanto, a colonialidade institui iden-
tidades e estabelece as proposições de quem deve
ou não viver; de quem deve ou não ser lembrada/o;
de quais vidas importam.
3
Gonzaga, P. R. B.,& Cunha, V. M. (2020). Uma pandemia viral em contexto de racismo estrutural.
A morte imposta se deu também na memória,
nos faltam registros de todas as centenas de etnias
indígenas que aqui viviam, bem como das inúmeras
nações de onde eram originárias as pessoas negras
de quem descendemos. Para essas etnias e nações,
que erigiram esse país, não há memoriais. Coube
aos povos originários a floresta regada pelo sangue
dos que resistiram e para o povo negro o Atlântico
onde foram sepultados nossos antepassados. Essa
história não contada, mal contada, recontada e aba-
fada, alimenta com migalhas os modos de subjetiva-
ção das/os herdeiras/os dessa tradição colonial de
morte e de apagamento. Sendo assim, o saqueamento
da memória e a violência silenciadora alicerçam o
genocídio indígena e negro ainda na atualidade.
Por conseguinte, construiu-se um imaginário
nacional em que as mazelas e as desigualdades sociais
são lidas como decorrências naturais do atraso civi-
lizatório dos povos racializados1, sendo esses consi-
derados inadaptados às sociedades modernas capi-
talistas. Desse modo, as expropriações e as violências
raciais-coloniais e pós-coloniais que tornam as vidas
indígenas e negras precárias, abjetas e desumanas
são páginas arrancadas da história. Apesar de histo-
ricamente resistirmos ao terror racial, continuamos
cotidianamente submetidas/os à violência racial-co-
lonial, seja no enaltecimento de personagens escravo-
cratas em monumentos e estátuas em vias públicas,
ou quando nos deparamos com políticas de Estado
neocoloniais que continuam a saquear e roubar ter-
ras indígenas e quilombolas. Como sublinha Kilomba
(2019, p.158), “a ferida do presente ainda é a ferida do
passado e vice-versa; o passado e o presente entrela-
çam-se como resultado”.
Tendo em vista a atemporalidade da ferida colo-
nial (Kilomba, 2019), necessitamos de memoriais na
América Latina que reconheçam o caráter político
das vítimas que tiveram suas vidas ceifadas por esco-
lhas de projetos de Estado sustentados em práticas
genocidas, desde os empreendimentos colonialis-
tas até sua roupagem atual de sucateamento dos
1 Leia-se indígenas e negros. O branco é construído no domínio colonial não como um corpo racializado, ao contrário disso, ele se
impõe enquanto modelo absoluto e universal de humanidade. Portanto, os racializados são os Outros que estão abaixou ou fora da
escala da humanidade.
2 Tratava-se de um último ato em que as/os escravizadas/os eram obrigadas/os a fazer antes de saírem definitivamente da África e
serem amontoadas/os em navios negreiros. Consistia em dar voltas em uma árvore e não olhar para trás, para que a memória das/
os africanas/os fosse apagada e o passado esquecido. Esse último ato é conhecido principalmente em Benin (Moreira& Pereti, 2020).
Utiliza-se no texto a árvore do esquecimento enquanto metáfora para se referir aos diversos mecanismos violentos de produção de apa-
gamentos, esquecimentos e silenciamentos da existência dos povos racializados que vivem nas Américas.
serviços de saúde, de fragilização dos direitos tra-
balhistas, de investida sob territórios e corpos por
meio da força destrutiva do Estado e seus agentes,
militares e paramilitares. Memoriais teriam, então, a
função social e política de tratar feridas históricas ao
forjar sociabilidades e subjetividades que propiciem
o enlutamento público, de modo a restituir a huma-
nidade tradicionalmente negada a suas vítimas, bem
como criar fissuras no pacto branco civilizatório
baseado em opressões raciais que resultam em assi-
metrias estruturais e mortes anunciadas.
Desse modo, torna-se preciso disputarmos a
construção da memória coletiva da atual pandemia
e não contarmos somente números, mas também
as histórias das pessoas que perderam suas vidas
pelo contágio da Covid-19 e pelos desdobramentos
adotados em razão da pandemia. Mais do que isso,
é urgente abrirmos outros caminhos que nos façam
dar voltas inversas na árvore do esquecimento2, tão
nutrida e enraizada nesse país, para visibilizar o con-
tínuo entrelaçamento entre o passado colonial e a
cotidianidade que segue a selecionar desproporcio-
nalmente, a depender da cor da pele e/ou etnia, os
corpos destinados às valas comuns, as mortes que
provocam comoção pública e as vidas que mobilizam
a proteção da sociedade e do Estado. Assim, é possí-
vel ampliar a compreensão que as mortes decorren-
tes da atual pandemia da Covid-19 não acontecem
somente nos hospitais, pois a histórica exposição à
morte pela falta de moradia, trabalho, alimentação,
saneamento básico e de acesso à saúde, agravadas
pela crise sanitária em curso, subtraem ainda mais a
possibilidade de vida de parte significativa dos povos
indígenas e negros.
Como salienta Mbembe (2017, p.241), “os acon-
tecimentos não se inscrevem na memória como his-
tória, senão no seguimento de um trabalho especí-
fico, psicológico e social, isto é, simbólico”. Em vista
disso, investimos aqui na psicologia como agente
enunciador e propositor de transformação, num exer-
cício disruptivo com os enunciados que insistem na
4
Psicologia: Ciência e Profissão 2020 v. 40, e242819, 1-17.
reiteração de ficções poderosas como a neutralidade
e a democracia racial, ambas instrumentos essenciais
para a manutenção das relações de poder que corro-
boram com o extermínio simbólico, epistemológico,
psíquico e físico dos povos indígenas e negros. A partir
da Psicologia social, comprometida com a dirimição
das relações exploratórias e desiguais que devem ser
alvo de nossas intervenções, propomos neste texto
um memorial analítico que registre os nomes de algu-
mas das inumeráveis vítimas do racismo estrutural
em meio à maior crise sanitária de que temos registro
e que seguem sendo os corpos alvejados pela omissão
e pela ação estatal. A escrita da nossa história está em
curso, a muitas e corajosas mãos, bem como a história
do saber psicológico que se vê provocado a repensar
suas práticas de cumplicidade com o racismo.
Navegando em águas passadas:
a instrumentalização da pandemia
como ferramenta eugenista
Em meio à pandemia da Covid-19, alguns atores
sociais afirmam que estamos no mesmo barco, uma
versão adaptada do mito da democracia racial e sua
falaciosa pretensão de que somos um só povo e sofre-
mos dos mesmos males. Porém, como estamos no
mesmo barco se o acesso ao atendimento médico e
a medicamento da população preta e parda, 69,5% e
67,8% respectivamente, é menor do que a população
branca, de 74,8% (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, 2015)? Como estamos no mesmo barco,
se 11,9% de pessoas pretas e 11,4% de pardas afirma-
ram que já se sentiram discriminadas nos serviços de
saúde, em contraposição a 9,5% de pessoas brancas
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015)?
Como estamos no mesmo barco, se a taxa de mortali-
dade de bebês indígenas cresceu 12% somente em um
ano após o desmonte do Programa Mais Médicos3 pelo
governo federal em 2019 (Fellet, 2020)? Como estamos
no mesmo barco, se as pessoas indígenas e negras são
as principais vítimas da Covid-19, além de suas vidas
tornarem-se ainda mais precárias pela crise econô-
mica decorrente da atual pandemia (Organização das
Nações Unidas, 2020)?
3 É um programa criado pelo Ministério da Saúde, em 2013, em parceria com estados e municípios, tendo como um dos seus principais
objetivos levar mais médicas/os a regiões onde há escassez dessas/es profissionais.
4 Durante a campanha eleitoral de Jair Messias Bolsonaro, era recorrente a aparição do subtenente do Exército Hélio Fernandes Barbosa
Lopes, homem negro de pele retinta, ao lado do então candidato à presidência, vestindo a camisa com o referido slogan: “minha cor é o Brasil”.
Para além do campo da saúde, navegamos por
um abismo racial que não nos deixa esquecer que
podemos até remar pelas mesmas águas, mas o
racismo distribui desigualmente os recursos necessá-
rios para velejarmos. Por isso, precisamos lembrar de
cada uma das vítimas da Covid-19 e admitir que boa
parte delas é vítima não apenas do novo agente do
coronavírus, mas, principalmente, do racismo estru-
tural que coloca pessoas indígenas e negras em posi-
ções de maior vulnerabilidade, aumentando a susceti-
bilidade ao contágio daquelas que têm menor acesso
às possibilidades de prevenção e tratamento; além de
acentuar fragilidades, inseguranças e desamparo na
obtenção de meios de sobrevivência quem àqueles
que já se encontravam alijados de direitos básicos.
Em vista disso, é importante demarcarmos rei-
teradamente que nunca estivemos no mesmo barco,
pois comumente em períodos de aprofundamento de
crises econômicas e/ou política, como temos viven-
ciado no Brasil, são fortalecidos os meios de contro-
les sociais e ideológicos com o objetivo de distorcer
realidades históricas, e o não reconhecimento das
consequências do racismo é um componente crucial
nesse processo, tal como Abdias Nascimento discorre
em seu livro O genocídio do negro brasileiro: processo
de um racismo mascarado, publicado em 1978
(Nascimento, 1978/2017).
Desde 2013, enfrentamos no Brasil um cenário
de acirramento da crise econômica, política e insti-
tucional que propiciou a eleição do atual presidente
do país, Jair Messias Bolsonaro. Esse governo encon-
trou um campo fértil para o avanço de políticas de
precarização da vida e do fortalecimento de uma
plataforma genocida que investe ostensivamente no
aparelhamento do Estado às Forças Armadas. Logo,
intensificaram-se os discursos políticos e de parcela
da sociedade de desqualificação das vidas indígenas e
negras, ao mesmo passo em que o Estado recusa ouvir
as vozes daquelas/es vitimadas/os pelo racismo e/ou
amparar a construção e/ou manutenção de políticas
públicas na compreensão das desigualdades socior-
raciais. O slogan “minha cor é o Brasil”4, utilizada
durante a campanha eleitoral do atual Presidente da
República, vende uma imagem desracializada do país
5
Gonzaga, P. R. B.,& Cunha, V. M. (2020). Uma pandemia viral em contexto de racismo estrutural.
que objetiva invisibilizar as marcas do racismo no
tecido social, reforçando a ficção de que todas/os usu-
fruem dos mesmos acessos e privilégios que essa terra
tem a ofertar, a despeito do contínuo derramamento
de sangue indígena e negro em seu solo.
Por consequência, há um desmonte gradativo
da produção de informação a partir do não preen-
chimento do quesito raça/cor em registros oficiais
de órgãos estatais, além da não divulgação de dados
já existentes. Em relação à pandemia, a maioria dos
estados imprimiu uma cortina de fumaça que oculta
e/ou deturpa informações etnorraciais das/os infec-
tadas/os pela Covid-19, assim como suas vítimas
fatais. Essa escolha política permite identificar ao
menos dois pontos relevantes para analisar os mean-
dros sofisticados de sustentação de políticas genoci-
das no Brasil. O primeiro relaciona-se à intenção de
apagar o retrato do país que revela as desigualda-
des sociorraciais amplificadas pela atual pandemia.
O racismo estrutural modula os determinantes sociais
envolvidos no processo de saúde-adoecimento, ins-
tituindo um continuum que desde o Brasil colônia
mata o povo negro de “doença da pobreza”, “doenças
negligenciadas” e “doenças evitáveis” (Jesus, 2020),
tal como ocorre com os povos indígenas.
Para auxiliar no entendimento da dimensão da
assimetria racial no Brasil, podemos destacar a água
potável, direito humano universal basilar para a sus-
tentação da vida, como uma amostra expressiva da
iniquidade social e do racismo ambiental. O Censo de
2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística, identificou que mesmo a população
negra (51%) sendo maior que a população branca
(48%), há uma sobrerrepresentação negra (61%) sem
cobertura no abastecimento de água potável, em con-
traposição à população branca (37%) (Jesus, 2020).
Verificou-se também que o abastecimento de água
em terras indígenas pela rede geral de distribuição era
de apenas 33,6% (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística,2010). A violação desse direito fundamen-
tal geralmente sedimenta outras vulnerabilidades
que são cumulativas, tais como a falta de saneamento
básico e de moradia adequada.
5 Dispõe sobre medidas urgentíssimas de apoio aos povos indígenas em razão do novo coronavírus (Covid-19).
6 O Partido Democrático Trabalhista (PDT) denunciou Jair Messias Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional (TPI) por crime contra
humanidade devido a suas ações e omissões em relação à pandemia da Covid-19.
7 Dispõe sobre o preenchimento do quesito raça/cor nos formulários dos sistemas de informação em saúde, publicada no Diário Oficial
da União na edição de 2 de fevereiro de 2017.
Ao desconsiderar os contextos de desigualdades
sociorraciais da sociedade brasileira, tais como as
mencionadas acima, o Estado não se sente coibido
em reiterar sua posição de desprezo às vidas indíge-
nas e negras, tal como ocorreu nos vetos presidenciais
no Projeto de Lei nº 1142/20205 (Neide, 2020) que
obrigava o Estado a promover o acesso universal à
água potável, de distribuir cesta básica e material de
higiene, limpeza e desinfecção para aldeias e comuni-
dades indígenas, além de garantir a oferta emergencial
de leitos hospitalares e de unidade de terapia inten-
siva (UTI) e a aquisição ou disponibilização de venti-
ladores e de máquinas de oxigenação sanguínea, entre
outras proposições interditas. Evidencia-se, então,
um consistente quadro político-epidemiológico
que compõe o controle racializados dos corpos
(Jesus,2020) e a fomentação de itinerários de mortes
devido à desproteção do Estado traçados no passado
colonial que ainda segue a pavimentar o presente dito
democrático. A violência racial-colonial deixou como
legado uma sucessão de sofrimentos que não causa
como resposta “nem tomada de responsabilidade,
nem solicitude, nem simpatia e nem sequer a pie-
dade” (Mbembe, 2017, p.13) com os corpos que são
rotineiramente deixados para morrer.
Desse modo, o ocultamento do abismo racial
é um importante artifício utilizado para limpar as
mãos sujas de sangue do Estado e escamotear seus
traços genocidas, com o intuito de se desresponsa-
bilizar, inclusive criminalmente6, pela potenciali-
zação da exposição à morte dos povos indígenas e
negros; sendo esse o segundo ponto a ser destacado.
Considerando o descumprimento da Portaria nº 3447
(Brasil, 2017) do Ministério da Saúde que tornou
obrigatório, em 2017, o preenchimento do quesito
raça/cor nos formulários dos sistemas de informa-
ção em saúde, várias ações judiciais foram movidas
no país com o objetivo de reverter tal apagamento
racial das informações sobre a contaminação e a
mortalidade pela Covid-19, tendo o protagonismo de
organizações da sociedade civil, entre elas do movi-
mento negro. Além disso, outras radiografias da atual
crise sanitária têm sido implementadas por iniciativas
6
Psicologia: Ciência e Profissão 2020 v. 40, e242819, 1-17.
não governamentais que buscam reverter a persis-
tente subnotificação de casos, disputar narrativas em
defesa das memórias das vítimas, além de visibilizar e
buscar fortalecer suas estratégias de resistência frente
ao descaso estatal, tais como a Plataforma de monito-
ramento da situação indígena na pandemia do novo
coronavírus (Covid-19) no Brasil (Covid-19 e os Povos
Indígenas, 2020) e o Observatório da Covid-19 nos
Quilombos (Instituto Socioambiental& Coordenação
Nacional de Articulação das Comunidades Negras
Rurais Quilombolas, 2020).
O que apresentamos até o momento é apenas
uma pequena parte de um cenário muito amplo que
há mais de 500 anos esfacela as possibilidades e as
potencialidades da existência de vidas indígenas e
negras nesse país. Sendo assim, entre barcos, canoas e
porões de navio, seguimos navegando por um abismo
racial. Sem os mesmos recursos para navegar em suas
águas, nesse momento ainda mais revoltosas, a morte
é sempre dada como um horizonte próximo e inevitá-
vel para pessoas indígenas e negras, principalmente
as residentes em favelas e periferias. As ações e as
omissões do Estado frente à sobrerrepresentação de
mortes de pessoas indígenas e negras pela Covid-19
nos convocam a refletir se a atual pandemia foi inte-
grada às suas trincheiras de guerra de matriz euge-
nista, de modo a acelerar processos de eliminação de
corpos tidos como indesejáveis, desvelando, assim,
o possível uso político do novo agente do coronavírus
na produção de uma limpeza social.
Desse modo, quem está sendo protegida/o se as
remoções de ocupações urbanas, as operações poli-
ciais em favelas e as ações de garimpeiros em terras
indígenas aumentaram durante a atual pandemia?
Quem está sendo protegida/o se Lucas Morais da
Trindade, 28 anos de idade, condenado a 5 anos e
10 meses de prisão por portar aproximadamente
10 gramas de maconha, teve três pedidos de habeas
corpus negados e perdeu a vida em um presídio ao
contrair a Covid-19? Quem está sendo protegida/o se
o trabalho doméstico em muitos estados está inserido
como serviço essencial, tirando vidas de mulheres tra-
balhadoras como Socorro Freitas? Os questionamen-
tos são inesgotáveis e somente reforçam a constatação
que o racismo retira a humanidade de vidas indígenas
e negras, destituindo-as de proteções sociais mínimas
contra as variadas formas de violações e de violências
que recaem em seus corpos. Logo, parte significativa
das narrativas de proteção da Covid-19 são como
coletes salva-vidas moldados somente para caber em
alguns corpos.
A pandemia não é uma problemática que possa-
mos isolar das bases hierárquicas sob as quais cons-
truímos a sociedade brasileira, por isso seus efeitos
são marcadamente atravessados por gênero, raça,
classe e geração, sendo inúmeros os contornos que
podemos assumir para exemplificar essas reverbera-
ções. Neste texto, optamos por compreender como
cenas de continuidade histórica são significativas
na composição das vítimas fatais do novo agente do
coronavírus e também os desdobramentos da pan-
demia e das medidas de prevenção, tal como o isola-
mento social, afetam a vida das mulheres negras.
Cleonice, Marta, Mirtes e Miguel:
Em nome da mulher, da mãe e do filho
Em 17 de março, o Rio de Janeiro teve sua pri-
meira vítima fatal da pandemia da Covid-19. A repe-
tição de manchetes que identificavam uma empre-
gada doméstica infectada pela patroa que havia
voltado de uma viagem à Itália provocaram a filósofa
Djamila Ribeiro a escrever em sua coluna à Folha de
São Paulo sobre a solidão institucional que vitimou
até pós-morte essa trabalhadora (Ribeiro, 2020).
Apagada por significantes coloniais ainda tão caros às
nossas relações de trabalho, a empregada doméstica
é recorrentemente reduzida a um lugar de objeto da
casa, propriedade da família, sem nome. O trabalho
doméstico é uma instituição da colonialidade e se
repete mundo afora pela exploração de mulheres con-
sideradas inferiores por se distanciarem do marco da
branquitude. Shohat (2002) compreende que a impo-
sição da limpeza como tarefa fatalmente relegada
àquelas que não são brancas e recorrentemente são
alvo de ofensas racistas sobre seu cheiro, sua higiene,
sua cor, são formas de perpetuação de uma lógica hie-
rárquica racial sobre a pressuposição de quem deve
viver da repetição da manutenção da vida de outrem
sem identidade, privacidade e direitos.
No Brasil, a figura da empregada doméstica é
considerada um emblema da suposta superioridade
das classes abastadas. Como indica Quijano (2005),
a hierarquização do trabalho pelo critério de superio-
ridade racial relegou aos negros e indígenas a escravi-
dão e a servidão, respectivamente, e ainda na atuali-
dade os alijam dos cargos de melhor remuneração e
prestígio social. Góes, Ramos e Ferreira (2020) denun-
ciam que se o distanciamento social é a principal
7
Gonzaga, P. R. B.,& Cunha, V. M. (2020). Uma pandemia viral em contexto de racismo estrutural.
medida de proteção, cabe pensar quem poderá ficar
protegido, haja vista que as pessoas negras são maio-
ria em trabalhos informais e de baixa remuneração
que, em larga medida, continuaram funcionando
durante a pandemia, como o setor do comércio,
do transporte, da indústria e do serviço doméstico.
De acordo com a presidenta da Federação
Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad),
Creuza Maria Oliveira, as mulheres negras são expos-
tas a condições mais precárias de trabalho devido à
inserção precoce no mercado de trabalho, dificuldade
de acessar o ensino formal e por serem mães jovens8.
A análise da presidenta da Fenatrad cabe à história da
carioca Cleonice Gonçalves que trabalhava desde os
13 anos de idade como empregada doméstica e aos
63 anos foi contaminada em exercício de sua função
laboral ao ser convocada a trabalhar na casa da patroa
diagnosticada com Covid-19. Cleonice é a primeira
vítima fatal da pandemia no Rio de Janeiro, nosso car-
tão postal nacional, e as condições que levaram à sua
morte caracterizam o nosso país em sua gênese estru-
turalmente racista e sexista. A perpetuação da tradi-
ção escravocrata de exploração de mulheres negras
no âmbito do trabalho doméstico é um dos exem-
plos mais fidedignos do racismo estrutural. Gonzales
(1984) indica que apenas duas funções são outor-
gadas às mulheres negras na sociedade brasileira:
domésticas e mulatas, ambas ramificações das figuras
coloniais da mãe preta e da mucama. A reprodução
da mulher negra como aquela que deve prover ilimi-
tadamente o cuidado, ainda que sob parca remunera-
ção, tem sido reforçada na literatura, nas produções
audiovisuais e em publicações reificantes do racismo
científico que reforçam a ideia dessas como seres bio-
logicamente programados à sujeição.
No Rio de Janeiro, Cleonice foi a primeira, mas,
infelizmente, não foi a última. Acompanhamos ao
longo dos últimos meses o posicionamento de pre-
feitos, governadores e até mesmo do Presidente da
República de que o trabalho doméstico deve ser con-
siderado um trabalho essencial. Sem dúvida a manu-
tenção da vida – alimentação, higienização da casa,
das roupas – é um trabalho imprescindível, valioso e
ininterrupto. No entanto, a delegação de atividades
domésticas para outrem a custo de arriscar a vida
dessa pessoa é considerar o próprio conforto supe-
rior à existência daquele que o serve. O estado do
8 Informações disponibilizadas no site oficial do Governo Brasileiro: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2528.pdf
Pará, por exemplo, decretou que o trabalho domés-
tico fosse considerado essencial enquanto se anun-
ciava a ausência de vagas nos hospitais da capital.
Ora, mas para onde irão as empregas domésticas
vitimadas pela pandemia e impelidas a seguir traba-
lhando? Cleonice Gonçalves morreu num hospital
municipal, era usuária do Sistema Único de Saúde
(SUS), assim como a maior parte das trabalhadoras
domésticas, e a exposição ao risco se deu no ambiente
de trabalho. A solidão institucional a que Djamila
Ribeiro se refere é a iniquidade da justiça em não
considerar a empregada doméstica enquanto traba-
lhadora cujos direitos devem ser protegidos frente ao
patrão, haja vista que nossa tradição colonial insiste
em colocá-la como recurso disponível aos que habi-
tam as casas grandes atuais, recursos que podem ser
explorados, emprestados e substituídos.
Mayorga (2013) já sinalizava em 2013 que a
Psicologia é uma profissão majoritariamente femi-
nina e branca, portanto, realizada por mulheres que
para manter o exercício do trabalho comumente dele-
gam o cuidado da casa e das/os filhas/os a trabalha-
doras domésticas, essas preponderantemente negras.
No contexto da pandemia, em que o direciona-
mento dos protocolos internacionais de prevenção a
Covid-19 é de ficarmos em casa em isolamento social,
o Correio Braziliense noticiou que o Conselho Federal
de Psicologia registrou entre março e abril de 2020,
51.747 solicitações para exercício online da profissão
(Lima& Cardim, 2020), esse número é maior do que
todas as solicitações da história do sistema Conselhos,
que somadas chegavam até então a 30.677. Não sabe-
mos, no entanto, qual a porcentagem entre essas psi-
cólogas que para atender remotamente solicitou que
outra mulher deixasse suas/seus filhas/os, sua segu-
rança e atravessasse a cidade em transportes públicos
para cuidar de suas casas e de suas crianças.
De acordo com Lugones (2008), um dos ordena-
mentos do sistema de gênero moderno/colonial é a
organização de um continuum de desumanização das
mulheres pelo critério racial, sendo as mulheres bran-
cas desumanizadas em associação com os animais
domésticos e pequenos e as mulheres negras e indí-
genas com animais selvagens e perigosos que devem
ser domesticados e explorados. Para hooks (2020),
o imperativo da domesticação das mulheres negras se
detinha na possibilidade delas se rebelarem e fazerem
8
Psicologia: Ciência e Profissão 2020 v. 40, e242819, 1-17.
uso do lugar de proximidade da família e das crianças
brancas para criar movimentos insurgentes contra a
escravidão. A autora indica que o sucesso do escravista
estava associado à conduta passiva e obediente das
pessoas que ele negociava como objetos e, portanto,
era preciso aterrorizar suficientemente as mulheres
negras para que elas fossem satisfatoriamente explo-
radas pelas famílias brancas no serviço doméstico,
nas plantações e no cuidado com as/os herdeiras/os
da casa grande. Os resquícios e as reminiscências de
lógicas de subjugações coloniais, tais como as rela-
tadas, constituem a base formativa de nossos modos
de subjetivação e seguem produzindo efeitos na
atualidade, em que mulheres negras são compreen-
didas como mais fortes, mais aptas ao trabalho bra-
çal e mais propensas a aguentar situações adversas.
No contexto da pandemia, essa disposição racial de
lugares sociais opera como demarcador de quem deve
ou não ser colocado em risco, de quem deve ou não
ser protegido, de quem pode ou não ficar em casa.
Marta Maria Santana trabalhava na casa do pre-
feito de Tamandaré desde 2014, e sua filha, Mirtes
Renata, passou a trabalhar para a mesma família em
2018. Ambas foram contaminadas pelo novo agente
do coronavírus e como Mirtes revelou à imprensa,
mesmo assim elas não foram afastadas do trabalho:
Marta ficou na casa de praia cuidando dos filhos dos
patrões, inclusive do neto Miguel, e Mirtes voltou
para Recife acompanhando seus empregadores. No
dia 2 de junho, de acordo com a sobrinha de Mirtes,
Miguel pediu à mãe para acompanhá-la no trabalho,
pois estava com saudades dela por causa do tempo
que tinham ficado em cidades distintas (Britto &
Santos, 2020). Nesse mesmo dia, Mirtes desceu do
apartamento, localizado no quinto andar de um pré-
dio residencial em bairro nobre de Recife, para aten-
der o pedido da patroa de passear com o animal de
estimação dela. Para isso, Mirtes solicitou à patroa
que olhasse seu filho por aqueles poucos minutos
enquanto executava a tarefa demandada. Entretanto,
quando voltou ao prédio, Mirtes escutou o porteiro
dizendo que alguém tinha caído e, ao se direcio-
nar ao local da queda, identificou seu filho Miguel,
ainda vivo. Em desespero, gritando por socorro e
pedindo ajuda, Mirtes em nenhum momento sol-
tou a coleira do cachorro, posse de sua patroa sob
sua responsabilidade.
Miguel caiu de um andar ao qual ele só teria
acesso pelo elevador de serviço, outra velha tradição
do racismo estrutural, toque de segregacionismo que
compõem devidamente os enquadramentos dessa
tragédia/crime que remota uma ordem colonial ainda
vigente. Miguel foi acompanhado até o elevador pela
patroa de Mirtes e foi deixado ali à própria sorte;
ao sair do elevador, ele encontrou a queda de apro-
ximadamente 35 metros, por um acesso que só exis-
tia pelo elevador de serviço. A queda foi fatal para o
menino que apenas tinha iniciado a vida. Enquanto
acontecia essa tragédia/crime que dilacerou uma
mãe e ceifou a vida de uma criança negra em tão tenra
idade, a patroa seguia fazendo suas unhas com uma
manicure domiciliar, outro serviço executado majo-
ritariamente por mulheres negras e também consi-
derado essencial durante a pandemia pelo governo
federal. Miguel será reconhecido como mais uma
vítima da pandemia da Covid-19? Será reconhecido
como mais uma vítima do racismo que mata crianças
e jovens negros todos os dias nesse país? Logo, o que
se apresenta como essencial é alimentar a branqui-
tude em sua demanda imprescindível de ser servida
e cuidada em suas necessidades básicas? Ou prevenir
que pessoas como Cleonice, Marta, Mirtes e Miguel
sucumbam ao novo agente do coronavírus e às iniqui-
dades sociorraciais?
Corroborando com o que nos indica Collins
(2016), Mirtes reconhece que qualquer gentileza que
possa ter experienciado nos anos de serviço domés-
tico nada mais foram do que um mecanismo de
mantê-la suficientemente disposta a colaborar com
as necessidades de seus empregadores. Após tomar
conhecimento das imagens dos vídeos de segurança
do prédio, que mostram a patroa deixando seu filho
sozinho no elevador, Mirtes pede justiça e reconhece
que se fosse o contrário ela estaria presa enquanto
a pessoa que estava responsável por seu filho teve
uma série de benefícios garantidos e, em rede nacio-
nal, afirmou que sentia ter feito tudo que estava a
seu alcance (Isto é, 2020). A construção dos modos
de subjetivação da branquitude está calcada em sua
onipotência, ao passo que no caso da mulher branca
ela se funda também no recurso sempre disponível
de sua fragilidade (Carneiro, 2005; Lugones, 2008,
Collins,2016). Vestida de branco, com um crucifixo no
pescoço e falando em tom brando, a patroa encarnou
a representação da pureza e da inocência que o sis-
tema de gênero moderno/colonial forjou à sua ima-
gem e semelhança. Ali, sem máscaras, a branquitude
afirma que confia na justiça, pois essa tem sua cor e
9
Gonzaga, P. R. B.,& Cunha, V. M. (2020). Uma pandemia viral em contexto de racismo estrutural.
sua cara. Para a mãe de Miguel, a ausência perpétua
de seu filho foi orçada em vinte mil reais, valor da
fiança. Essa história é parte de uma repetição histó-
rica que ainda hoje concebe vidas negras como dis-
pensáveis, descartáveis, não humanas. O racismo é
pandêmico e não tem critério geracional de risco.
Ser mãe de uma criança negra é ter sempre em pauta
a sobrevivência de sua prole diante de um Estado que
foi estruturado sem admiti-las como humanas.
De acordo com hooks (2020), assim como a vio-
lência sexual foi utilizada como mecanismo de tortura
das mulheres negras no sistema escravocrata desde a
travessia, as crianças negras foram instrumentaliza-
das como meio de tortura psicológica para suas mães.
Para essas mulheres, a maternidade não foi dignifi-
cada como algo louvável, mas, sim, percebida como
experiência a ser explorada como meio de tortura psi-
cológica e física.
A quantidade de mulheres que morreram durante
o parto ou o número de natimortos jamais será
conhecido. Mulheres negras com crianças a bordo
de navios negreiros eram ridicularizadas, menos-
prezadas e tratadas com desprezo pela tripulação
de escravizadores. Com frequência, os escraviza-
dores violentavam crianças para assistir ao sofri-
mento da mãe. Em seu relato pessoal sobre a expe-
riência a bordo de um navio negreiro, os Weldon
contaram um episódio em que uma criança de
9 meses foi açoitada continuamente por se recusar
a comer. Como o espancamento não fez a criança
comer, o capitão ordenou que a colocassem em pé
dentro de uma panela de água fervendo. Depois
de, sem sucesso, tentar outros métodos de tortura,
o capitão jogou a criança no chão, provocando
sua morte. Não suficientemente satisfeito com
esse ato sádico, ele mandou que a mãe jogasse a
criança ao mar. A mãe se recusou, mas foi espan-
cada até ceder (hooks, 2020, p.42-43).
Essa história não ficou restrita aos navios, nem
tampouco relata um caso isolado. A construção
romântica de maternidade que o cristianismo ociden-
tal produziu para docilizar as mulheres brancas não
se estendeu às mulheres não brancas que foram desu-
manizadas ao redor do mundo pela incisiva colonial.
Associadas a figuras míticas, demoníacas, hiperssexu-
alizadas e bestiais, mulheres indígenas, negras, ára-
bes e asiáticas foram reduzidas a corpos exploráveis,
violáveis, animalescos (Shohat, 2002; Carneiro, 2005;
Lugones, 2008; Chicangana-Bayona & González
Sawczuk, 2009), corpos que representam, no imagi-
nário moderno/colonial, a antítese da figura branca,
virginal e marianista de mãe.
Queiroga (1988) constata em suas análises que
no Brasil escravocrata era recorrente que os escravi-
zadores anunciassem o aluguel de mulheres negras
logo após o parto para amamentação, dispondo do
corpo delas como objeto de sua propriedade e des-
tituindo-as da convivência com seus filhos em prol
dos lucros que esse tipo de transação possibilitava.
Desse modo, a maternidade, instituição compulso-
riamente definida como parâmetro identitário para
as mulheres, foi e segue sendo uma das experiências
que o racismo nega direta e indiretamente às mulhe-
res negras e indígenas nesse país.
No Brasil contemporâneo, tortura-se mulheres
em serviços nos quais deveriam ser ofertados saúde,
cuidado e acolhimento. São modos institucionaliza-
dos de tortura a negação da analgesia, de acompa-
nhante na hora do parto, toques excessivos, humilha-
ções pautadas em pressuposições sobre a vida sexual,
mutilações desnecessárias; sendo essas violências
relativizadas em máximas racistas que reiteram a
desumanização de mulheres não brancas por meio da
afirmação que essas suportam mais dor, que são mais
fortes e que carregam crianças ilegítimas – crianças
como as que outrora foram sacrificadas em alto mar,
depois nas plantações e hoje são sacrificadas indire-
tamente com o sucateamento das políticas de saúde,
de educação, de assistência e de moradia e direta-
mente em decorrência da ação do Estado, como
ocorre em operações policiais em favelas.
Edméia, Bruna: Mães em luto,
em luta, em busca de justiça
Para as mulheres negras, parir e maternar um
menino negro no Brasil é conviver constantemente
com o medo, com a insegurança, com a apreensão do
que é um desfecho recorrente para esses jovens e de
algum modo também para elas. Onze jovens, dentre os
quais sete adolescentes, foram levados do sítio onde
estavam em Magé por um grupo de homens armados
que se identificaram como policiais. Era 26 de julho
de 1990 e eles não foram encontrados desde então.
Esse episódio, conhecido como a Chacina de Acari,
dá início a um novo capítulo na vida das mulheres
que eram mães desses onze jovens, ali cada uma delas
10
Psicologia: Ciência e Profissão 2020 v. 40, e242819, 1-17.
adquire uma nova identidade, Mãe de Acari, mães em
luta e em luto. Em contextos nos quais o terrorismo
é estatal, Mãe é uma identidade política. Edméia da
Silva Euzébio, mãe do adolescente Luiz Henrique da
Silva Euzébio, uma das vítimas da chacina de Acari,
desde o desaparecimento de seu filho, assumiu o pro-
pósito de lhe fazer justiça. Juntamente com Vera Lúcia
Flores Leite, mãe de Cristiane Souza Leite, e Marilene
Lima de Souza, mãe de Rosana Souza Santos, criaram
o movimento Mães de Acari que denunciou a nível
local, nacional e internacional a Chacina de Acari
como uma violação de Direitos Humanos enquanto
reivindicavam respostas acerca de onde estavam
suas/seus filhas/os.
A mãe que busca justiça por sua/seu filha/o ou
o corpo da/o sua/seu filha/o cuja morte é presumida
é uma imagem familiar a nós, latino-americanas/os,
porque as desigualdades estruturais e a naturalização
da violência impôs para muitas mulheres o luto pre-
coce por suas/seus filhas/os. Edméia da Silva Euzébio,
ao investigar de modo independente o desapareci-
mento de seu filho, mesmo sob ameaça de morte
e da negação do Estado em protegê-la, tornou-se
também – como muitas outras mães – vítima do
Estado que promoveu, ocultou ou anistiou o assas-
sinato de seu filho. Dois anos após a Chacina de
Acari, em 1993, Edméia da Silva Euzébio foi assas-
sinada em via pública. Sete sujeitos foram indi-
ciados como réus, entre esses seis policiais milita-
res, o processo por sua vez, ainda não foi julgado
(Agência Brasil, 2020). A pergunta que fez Edméia
se tornar uma vítima também segue sem resposta:
o que aconteceu com os onze jovens que desaparece-
ram no episódio conhecido como a Chacina de Acari?
Os vinte e um anos de regime militar, nos quais
torturas, execuções, sequestros, estupros e uma série
infindável de violências tornaram-se institucional-
mente parte da rotina dos agentes do Estado, não foi
um episódio isolado na história do Brasil. Ao contrá-
rio disso, representou um episódio coerente com a
história de autoritarismo e de violência desse país.
As práticas dos oficiais durante os anos da ditadura
são reproduções de práticas perpetradas por escravi-
zadores, colonizadores, capatazes e todos aqueles que
acreditavam na autoridade de subjugar o outro pela
eliminação de seu senso de humanidade. Esse modo
de funcionamento subjetivo-político não se encerra
com a redemocratização. Como indica Adorno
(1995), o que se observa nos anos subsequentes é a
sistemática violação de Direitos Humanos por parte
de policiais, principalmente por meio do abuso de
populações desprovidas de proteção legal, tais como
os grupos discriminados racialmente, crianças e ado-
lescentes, trabalhadoras/os rurais e defensoras/res de
direitos humanos implicadas/os na causa ambiental,
muitas/os delas/es negras/os e indígenas.
A Chacina de Acari no início da década de 1990
antecede episódios igualmente trágicos e que fize-
ram com que essa ficasse conhecida como a Era
das Chacinas. A chacina da candelária, a chacina de
Vigário Geral e a chacina do Carandiru são eventos
que denotam o habitus naturalizado de extermínio da
população negra por agentes do Estado. Esse modo de
funcionamento se mantém nos anos 2000 e tem em
um de seus episódios mais graves o que ficou conhe-
cido como os Crimes de Maio:
Entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, no estado
de São Paulo, policiais e grupos paramilitares de
extermínio promoveram um dos mais vergonho-
sos escândalos da história brasileira. Em uma
cínica e mentirosa “onda de resposta” ao que se
chamou na grande imprensa de “ataques do PCC”,
foram assassinadas no mínimo 493 pessoas –
que hoje constam entre mortas e desaparecidas.
Há estudos, no entanto, que apontam para um
número ainda maior de assassinatos no período,
considerando ocultações de cadáveres, falsifica-
ções de laudos e outros recursos utilizados por tais
agentes públicos violentos. Um acontecimento
terrível, em suma, que vitimou sobretudo jovens
pobres – negros e afro-indígena-descendentes –
executados sumariamente por policiais e gru-
pos de extermínio ligados ao estado. Dos quais,
é importante se ressaltar, não há sequer um caso
de policiais que tenham sido devidamente inves-
tigados, julgados e punidos conforme a própria lei
orienta (Mães de Maio, 2011, p.18).
O sistema de gênero moderno/colonial que orga-
nizou hierarquicamente o valor da vida a partir da
naturalização de ficções como raça e gênero (Lugones,
2008) segue com sucesso promovendo o extermínio
físico, psíquico, epistemológico, simbólico e político
de pessoas negras (Carneiro, 2005). No intuito de
visualizar os contornos atuais do projeto eugenista
de branqueamento pela eliminação do povo negro,
defendemos que é essencial compreender que esse é
11
Gonzaga, P. R. B.,& Cunha, V. M. (2020). Uma pandemia viral em contexto de racismo estrutural.
estruturalmente generificado. Observemos a massifi-
cação da esterilização de mulheres negras como meio
de evitar que esse grupo populacional fosse maioria
no Brasil (Damasco, Maio,& Monteiro, 2012), estra-
tégia interseccionalmente racista, classista e generifi-
cada, tal como o genocídio de jovens negros.
O extermínio de jovens negros por forças militares
e paramilitares é um crime substancialmente racia-
lizado e generificado que se mantém como prática
efetiva do projeto eugenista da sociedade brasileira
ao longo do tempo e que não se encerrou na Era das
Chacinas, nem com o absurdo dos Crimes de Maio,
haja vista os dados apresentados no Atlas da Violência
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada& Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, 2019, p.49):
Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídios foram
indivíduos negros (definidos aqui como a soma
de indivíduos pretos ou pardos, segundo a clas-
sificação do IBGE, utilizada também pelo SIM),
sendo que a taxa de homicídios por 100 mil
negros foi de 43,1, ao passo que a taxa de não
negros (brancos, amarelos e indígenas) foi de
16,0. Ou seja, proporcionalmente às respectivas
populações, para cada indivíduo não negro que
sofreu homicídio em 2017, aproximadamente,
2,7 negros foram mortos.
As vítimas de homicídio têm nome, mas rara-
mente esses são ditos em voz alta. O assassinato de
jovens negros já era uma pandemia silenciada que
vitima milhares de pessoas todos os anos. Perdemos,
desse modo, uma grande parte da geração de homens
negros devido ao risco de serem homens e negros
num país que construiu uma perversa cadeia asso-
ciativa sobre eles. De acordo com Kilomba (2019,
p.130): “O racismo não é biológico, mas discursivo.
Ele funciona por meio de um regime discursivo, uma
cadeia de palavras e imagens que por associação
se tornam equivalente”. No Brasil a associação da
negritude à criminalidade tem produzido estraté-
gias efetivas de extermínio do povo negro, a maioria
delas pelas mãos dos agentes do Estado em nome da
falaciosa “guerra contra as drogas”. Nesse sentido,
a cadeia de associação Preto-Pobre-Favelado-
Traficante-Criminoso-Violento-Temível-Perigoso-
Inimigo tem tido como principal efeito o genocídio
da juventude negra brasileira a partir da ação de
policiais que entendem qualquer corpo negro mas-
culino como um alguém a ser combatido.
Marcus Vinicius tinha 14 anos de idade e estava
indo para escola quando foi alvejado na comunidade
da Maré, em junho de 2018. Sua mãe, Bruna Silva,
trabalhadora doméstica, diz que em seus últimos
momentos o filho lhe dizia que foi o blindado que
havia atirado nele e questionava: “eles não viram que
eu tava com roupa da escola?” (Betim, 2018). Bruna
Silva, após ter que enterrar seu filho, iniciou sua luta
por justiça e levava na mão a farda escolar manchada
com o sangue do garoto. Não demorou muito tempo
para que uma nova luta se impusesse a ela, a saber:
o combate à vinculação de notícias falaciosas que
acusavam Marcus Vinicius de ser traficante. Mesmo
tendo perdido a vida, é o adolescente que precisa de
defesa e não seus assassinos. Logo, a saga de Bruna
Silva é pela justiça e também pelo direito de resguar-
dar a memória do filho que encontrou a morte no
caminho da escola. Se boa parte do Brasil descobriu
o medo de sair de casa e encontrar a morte pelo con-
tágio do novo agente do coronavírus, a juventude
negra no Brasil conhece esse temor de outros tempos.
Ser negro e periférico parece ser suficiente para ser
considerado um envolvido no tráfico de drogas e logo
um alvo justificável da ação policial, independente-
mente da idade.
Como resgata Vieira (2012), o Tráfico de Drogas é
tipificado pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT) e pela regulamentação do decreto nº 6.481,
de junho de 2008, como uma das piores formas de
trabalho infantil, assim como a escravidão, a explo-
ração sexual e o recrutamento para lutas armadas.
No entanto, apenas o tráfico é motivo para que o ado-
lescente seja considerado alvo de penalização e não
de proteção do Estado. No Brasil, a suposta guerra às
drogas é fator recorrente nas justificativas acerca das
mortes perpetradas por agentes do Estado em exercí-
cio da função. O alegado envolvimento com o tráfico
de drogas das vítimas é instrumentalizado como ate-
nuante para o fato de que eles foram vitimados sem
julgamento. Ou seja, a presunção do envolvimento de
um jovem negro em muitos casos implica em pena
capital instantânea em qualquer esquina desse país.
Na pandemia, mesmo com as orientações de
reclusão domiciliar e de isolamento social, os jovens
negros não estão mais seguros. Como divulgado
pela Rede de Observatórios da Segurança (2020),
entre 15 de março e 19 de maio de 2020 foram
12
Psicologia: Ciência e Profissão 2020 v. 40, e242819, 1-17.
monitoradas 209 operações no estado do Rio de
Janeiro, com 69 mortes. Só no mês de abril houve
58% mais mortes nessas operações do que no mesmo
período no ano anterior (Ramos, Paiva, & Nunes,
2020). Quem está sendo protegida/o se o adoles-
cente João Pedro Matos Pinto, de apenas 14 anos
de idade, foi assassinado numa dessas operações,
enquanto brincava com seus primos dentro da casa
de seu tio? Quem se sente protegida/o quando sabe
que suas/seus filhas/os podem ser levadas/os sem
seu consentimento e aparecer sem vida dias depois?
A crise sanitária escancara o absurdo do racismo ins-
titucional brasileiro. Por mais que haja comoção em
torno do caso de João Pedro, não há surpresa tam-
pouco tempo para o luto. Apenas dois dias depois da
morte de João Pedro, João Victor Gomes da Rocha, de
apenas 18 anos de idade, foi alvejado numa opera-
ção policial na Cidade de Deus. O conselheiro tutelar
que acompanhou o pai no reconhecimento do corpo
disse que o jovem tinha saído pra comprar uma pipa.
No momento do tiroteio, o grupo Frente Cidade de
Deus estava fazendo uma campanha de distribui-
ção de 200 cestas básicas para famílias da comuni-
dade que vivem a pandemia agravada pela falta de
comida, água limpa e saneamento (Aidar, 2020),
revelou pelo Twitter que sofreu intimidação e ame-
aças pelos policiais que faziam a operação, mesmo
tendo justificado a razão de sua presença no local.
No dia seguinte à morte de João Victor, o ven-
dedor ambulante e estudante Rodrigo da Conceição
foi morto em uma ação policial em frente ao Colégio
Estadual Reverendo Hugh Clarence Tucker no Morro
da Providência, onde estava prevista a distribuição de
50 cestas básicas arrecadadas pela própria comuni-
dade escolar (Almeida, 2020). Rodrigo, que fazia parte
dessa comunidade escolar, foi descrito pelos pro-
fessores como um jovem de óculos grossos que sen-
tava próximo ao quadro para poder copiar a matéria.
Contudo, esse mesmo jovem foi indicado pelos poli-
ciais como um suspeito, sendo baleado e, em seguida,
levado na viatura a contragosto das/os moradoras/
es que acreditavam que Rodrigo ainda estaria vivo.
De acordo com Adorno (1995), a população não con-
fia nas instâncias de justiça no Brasil, levando à exis-
tência de um grande vazio institucional produzido
pela falta de credibilidade de que os agentes públicos
estejam de fato a serviço e proteção da sociedade.
Ao se organizar para distribuir cestas bási-
cas, denunciar os excessos da polícia militar e
contar quem realmente eram os jovens reduzi-
dos ao estigma da criminalidade, comunidades
de pessoas negras reivindicam o direito ao luto e
a funerais ainda não realizados. Impedidos pelo
racismo antes mesmo que a pandemia extinguisse
nossa prática de ritualizar a morte. Os jovens de
Acari nunca foram encontrados, muitas das víti-
mas dos Crimes de Maio ainda estão desapare-
cidas. No Brasil, o extermínio não ocorre apenas
quando localizamos um corpo, pois saber que foi
levado pela polícia já inspira projeções pessimis-
tas e a desolação do impedimento de poder velar
seus mortos, lembrar de suas histórias e escrever
seus nomes em mármore, madeira ou concreto.
Isto é, escrever seus nomes sobre a insígnia da sau-
dade e não do extermínio.
Sobre uma viagem em águas revoltas
A imagem de George Floyd, um homem negro
de 46 anos de idade, sendo sufocado por um policial
branco em Minneapolis, no dia 25 de maio de 2020,
disparou pelo mundo afora como uma fagulha para
milhões de pessoas negras sufocadas diariamente
pelo racismo que foi imposto aos povos não brancos
pelo marco civilizatório colonial. Em meio à pande-
mia de uma doença que compromete o sistema res-
piratório e que tem como principal artifício de con-
trole respiradores mecânicos, a voz de George Floyd
dizendo que não conseguia respirar nos faz lembrar
de muitas outras vozes que tiveram o ar roubado.
Uma mulher negra de 51 anos de idade, sem o
nome revelado por medo de retaliações, dias após
o assassinato de George Floyd, foi agredida por um
policial em São Paulo, que repetindo a imagem de
violência que aconteceu nos Estados Unidos, ajo-
elhou-se em seu pescoço, impedindo-a de respi-
rar. Diferentemente de 381 pessoas mortas, entre
janeiro a abril desse ano no estado de São Paulo em
decorrência de intervenções de agentes da segu-
rança pública (Arcoverde, 2020), a referida vítima
sobreviveu a esse ato genocida. Contudo, os discur-
sos oficiais seguem a tratar casos como esse como
exceção na prática policial. Claudia Ferreira da Silva,
mulher negra de 38 anos de idade, foi baleada por
policiais em uma operação no Morro da Cegonha e,
em seguida, arrastada pela viatura da Polícia Militar
do Rio de Janeiro, no dia 16 de março de 2014.
Toda essa cena foi filmada e amplamente divulgada,
mas os autores de tal crime nunca foram penalizados.
13
Gonzaga, P. R. B.,& Cunha, V. M. (2020). Uma pandemia viral em contexto de racismo estrutural.
A violência brutal destinada às pessoas negras
é uma violência gratuita que acontece “não por
causa do que fazem, mas por causa de quem são,
ou melhor, de quem não são” (Vargas, 2017, p.96),
instaurando, desse modo, um estado contínuo de
terror racial. São tantas histórias não contadas de
sufocamento de vidas negras que acontecem nesse
país desde a travessia forçada de africanas/os pelo
Atlântico no período da colonização, submetendo,
a partir de então, o povo negro a condições de vida
em que o ar se torna permanentemente rarefeito,
levando à morte simbólica, social e física.
Portanto, falta-nos ar quando uma mulher
negra é estuprada e/o morta por seu companheiro.
Falta-nos ar quando um adolescente negro é bale-
ado rumo a escola. Falta-nos ar quando um homem
negro é assassinado na frente de sua família a
caminho de um chá de bebê. Falta-nos ar quando
o Sistema Único de Saúde (SUS) é precarizado.
Falta-nos ar quando não se tem água potável e
segurança alimentar na casa de inúmeras famílias
negras. Falta-nos ar quando uma mulher negra tem
sua vida colocada em risco por não ter direito ao
aborto legal e seguro. Falta-nos ar quando é negado
o direito à moradia. Falta-nos ar quando uma jovem
travesti negra é encontrada morta embaixo de um
viaduto. Logo, nos faltará ar enquanto o racismo for
a base de sustentação de todas as formas de opres-
são desse país.
Há séculos o racismo se estrutura em nossa
sociedade provocando violações de direitos, violên-
cias e mortes diárias a pessoas negras, não se redu-
zindo, portanto, a atos isolados que ganham breves
holofotes das grandes mídias e, em alguns casos,
parca e temporária comoção social. É importante
questionar o que a atual pandemia revela e a quem,
tendo em vista as significativas manifestações públi-
cas de espanto frente ao racismo e suas consequên-
cias, impulsionadas pela circulação das imagens do
assassinato de George Floyd.
Em um país autoritário e violento como o Brasil,
atos racistas ainda são comumente vistos com olha-
res de desconfiança, de surpresa e/ou interpreta-
dos como um deslize individual. Isso obstaculiza o
enfrentamento ao racismo estrutural por novamente
esvaziar a historicidade da opressão racial de modo
a fragmentar o sofrimento negro e a individuali-
zar questões que são coletivas. Consequentemente,
reforça a naturalização da violência impelida ao
corpo negro, além de relativizar o sofrimento negro
e o afastar da lembrança (Flauzina, 2017), produ-
zindo apagamentos que nos impede de simbolizar e
politizar a nossa história. Por isso, escrevemos aqui
um memorial de palavras, no qual nomes que insis-
tem em ocultar da história oficial, sejam registrados
como vítimas da colonialidade e do racismo estrutu-
ral, ambos potencializados no contexto de crise sani-
tária que vivemos.
Mesmo sufocadas pelo sistema de gênero
moderno/colonial, as mulheres negras têm proje-
tado suas vozes nos espaços públicos, movimentado
estruturas sociais ao contar suas histórias e partilhar
seus saberes, além de resistido com seus corpos as
incursões genocidas do Estado. A crise sanitária em
curso tem visibilizado a complexidade das experiên-
cias das mulheres negras a partir de suas posiciona-
lidades nas estruturas de poder, haja vista que elas
compõem um dos grupos sociais mais impactados
pela pandemia da Covid-19, ao mesmo tempo em
que assumem posições de protagonistas em ações de
prevenção e cuidado de suas famílias e comunidades.
Contudo, não se trata de romantizar histórias
que são talhadas com letras de dor e de sangue e/
ou reproduzir cegueira geradas pelas lentes do
racismo patriarcal que tratam as experiências das
mulheres negras como sobrenaturais e as desenham
como guerreiras que tudo aguentam e suportam
(Akotirene, 2018). É a urgência pela sobrevivência
que mobiliza a força das mulheres negras, advinda
de experiências concretas de um passado marcado
pela escravização (Davis,2016) que se reencena no
presente. É premente a construção de formas cole-
tivas de redistribuição do peso da responsabilidade
depositada sobre os ombros das mulheres negras
pelo cuidado e preservação das comunidades negras
em diáspora. Isso implica na necessidade de criar e/
ou potencializar outras configurações de subjetivi-
dades, sociabilidades e poder que criem frestas nas
estruturas racistas e patriarcais, além de tensionar
o Estado que desde o Brasil colônia segue a ofertar
políticas de migalhas, jogando à deriva alguns botes
salva-vidas e regurgitando discurso salvacionista,
frente ao naufrágio que ele mesmo arquitetou.
Há muitos desafios a serem enfrentados, haja
vista que ainda estamos profundamente mergu-
lhadas/os em uma pandemia que já demonstrou a
emergência de um fenômeno que não é apenas bio-
lógico, mas também social e político, cujos efeitos
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Psicologia: Ciência e Profissão 2020 v. 40, e242819, 1-17.
provavelmente irão perdurar por um tempo indeter-
minado. Alguns dizem que estamos vivenciando o
novo normal, outros anseiam que voltemos à norma-
lidade perdida. É sabido que em ambos os contextos
não há lugar seguro para as vidas negras. Por isso,
é urgente gerar novas fagulhas e mobilizar a raiva
e o ódio que a falta de ar nos provoca para projetar
com radicalidade o antigo e atual sonho de liberdade
9 Disponível em: https://arquivoradical.wordpress.com/2017/01/21/os-usos-da-raiva-mulheres-respondendo-ao-racismo/.
negra. Para Audre Lorde (1981), a raiva é potencial-
mente útil para gerar mudanças pessoal e institucio-
nal, em suas palavras a “raiva é cheia de informação
e energia”9. Almejamos que a raiva fomente a nossa
imaginação e ação política, nos levando, inclusive,
ao rompimento de aderências irrefletidas a epistemo-
logias patriarcais, brancas e ocidentais pautada numa
racionalidade genocida que nega nossa existência.
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Professora Assistente na Universidade Federal do Sul da Bahia, Doutoranda em Psicologia Social na Universidade
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E-mail: paularitagonzaga@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-7095-5345
Vivane Martins Cunha
Doutoranda em Psicologia na Universidade Federal de Minas Gerais. Vinculada ao Núcleo de Ensino, Pesquisa e
Extensão Conexões de Saberes, Belo Horizonte – MG. Brasil.
E-mail: cunha.vivane@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-5125-2529
Endereço para envio de correspondência:
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Presidente Antônio Carlos,
6627, sala 2005, Pampulha. CEP: 31270-901. Belo Horizonte – MG. Brasil.
Recebido 28/08/2020
Aceito 28/08/2020
Received 08/28/2020
Approved 08/28/2020
Recibido 28/08/2020
Aceptado 28/08/2020
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Gonzaga, P. R. B.,& Cunha, V. M. (2020). Uma pandemia viral em contexto de racismo estrutural.
Como citar: Gonzaga, P. R. B.,& Cunha, V. M. (2020). Uma pandemia viral em contexto de racismo estrutural:
Desvelando a generificação do genocídio negro. Psicologia: Ciência e Profissão, 40, 1-17.
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How to cite: Gonzaga, P. R. B.,& Cunha, V. M. (2020). A viral pandemic in the context of structural racism:
Unveiling black genocide. Psicologia: Ciência e Profissão, 40, 1-17. https://doi.org/10.1590/1982-3703003242819
Cómo citar: Gonzaga, P. R. B.,& Cunha, V. M. (2020). Una pandemia viral en el contexto del racismo estructural:
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