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Turismos, sustentabilidades e pandemias: incertezas e caminhos possíveis para planejamento turístico no horizonte da Agenda 2030

Authors:

Abstract

O debate crítico sobre o turismo, seus significados contemporâneos e seus efeitos no contexto de uma sociedade em crise, em razão da insustentabilidade do modelo de desenvolvimento vigente, têm inspirado inúmeras pesquisas acadêmicas nos últimos anos. Esse tema vem também adquirindo centralidade no contexto da Pandemia da Covid-19. Com base nesses antecedentes, esse ensaio teórico, baseado em pesquisa bibliográfica e documental, objetiva problematizar o turismo enquanto objeto de pesquisa e investigar, no plano de políticas públicas globais os principais caminhos delineados a partir da Rio 92, bem como discutir alternativas possíveis para o planejamento turístico, no pós-pandemia da Covid-19, considerando o horizonte da Agenda 2030. Por meio da análise realizada pode-se afirmar que o tema da sustentabilidade no turismo vem sendo prioritariamente abordado em pesquisa e políticas públicas, pela via operacional do mercado, embora as nuances socio ambientais e éticas associadas a esse debate sejam cada vez mais evidentes em uma projeção de futuro, o que pressupõe novas epistemologias para apreensão desse fenômeno complexo contemporâneo.
Turismos, sustentabilidades e pandemias: Incertezas e caminhos possíveis
para planejamento turístico no horizonte da Agenda 2030
Tourisms, sustainabilities and pandemics: uncertainties and possible paths for tourism
planning within the horizon of the 2030 Agenda
Turismos, sostenibilidades y pandemias: incertidumbres y posibles caminos para la
planificación turística en el horizonte de la Agenda de 2030
Marta de Azevedo Irving
1
André Meyer Coelho
2
Thaiane Oliveira Arruda
3
Artigo convidado - Edição especial Turismo e Pandemia Covid-19
Resumo: O debate crítico sobre o turismo, seus significados contemporâneos e seus efeitos no contexto de uma
sociedade em crise, em razão da insustentabilidade do modelo de desenvolvimento vigente, têm inspirado
inúmeras pesquisas acadêmicas nos últimos anos. Esse tema vem também adquirindo centralidade no contexto
da Pandemia da Covid-19. Com base nesses antecedentes, esse ensaio teórico, baseado em pesquisa bibliográfica
e documental, objetiva problematizar o turismo enquanto objeto de pesquisa e investigar, no plano de políticas
públicas globais os principais caminhos delineados a partir da Rio 92, bem como discutir alternativas possíveis
para o planejamento turístico, no pós-pandemia da Covid-19, considerando o horizonte da Agenda 2030. Por
meio da análise realizada pode-se afirmar que o tema da sustentabilidade no turismo vem sendo prioritariamente
abordado em pesquisa e políticas públicas, pela via operacional do mercado, embora as nuances socio ambientais
e éticas associadas a esse debate sejam cada vez mais evidentes em uma projeção de futuro, o que pressupõe
novas epistemologias para apreensão desse fenômeno complexo contemporâneo.
Palavras-chave: Turismo. Sustentabilidade. Pandemia. Agenda 2030.
Abstract: The critical debate about tourism, its contemporary meanings and its effects in the context of a society
in crisis, due to the unsustainability of the current development model, have inspired numerous academic
research in the recent years. This theme has also acquired a key importance in the context with the Covid-19
Pandemic. Considering this background, this theoretical essay, based on bibliographic and documental
research, aims to problematize tourism as an object of research and investigate, in the global public policy plan,
the main paths outlined since Rio 92, as well as to discuss possible alternatives for tourism planning in the post-
pandemic period, considering the 2030 Agenda´s horizon. Through the proposed analysis, it can be affirmed that
the thematics concerning tourism sustainability has been primarily addressed in research and public policies
through a market bias, although the socio-environmental and ethical nuances associated with this debate are
increasingly evident, considering a future perspective approach, which requires new epistemologies for the
apprehension of this contemporary complex phenomenon.
Keywords: Tourism. Sustainability. Pandemic. Agenda 2030.
Resumen: El debate crítico sobre el turismo, sus significados contemporáneos y sus efectos en el contexto de
una sociedad en crisis, debido a la insostenibilidad del modelo de desarrollo actual, han inspirado muchas
investigaciones académicas en los últimos años. Este tema también ha adquirido centralidad en el contexto de la
Pandemia Covid-19. Basándose en estes antecedentes, este ensayo teórico de investigación bibliográfica y
documental, tiene como objetivo problematizar el turismo como objeto de estudios e investigar, en el plan global
de políticas públicas, los principales caminos esbozados desde la Río 92, y además discutir posibles alternativas
para la planificación turística, en el periodo pos-Pandemia de la Covid-19, teniendo en cuenta el horizonte de la
Agenda 2030. Por medio del análisis realizado se puede afirmar que el tema de la sostenibilidad en el turismo
1
Formação/curso: Doutorado em Ciências pela USP (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SÃO PAULO USP, São Paulo SP, Brasil).
Instituição: Professora na UFRJ (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ, Rio de Janeiro RJ, Brasil). E-mail:
marta.irving@mls.com.br
2
Formação/curso: Doutorando no Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do Instituto de
Economia (PPED) da UFRJ (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ, Rio de Janeiro RJ, Brasil). Instituição:
Professor na FGV - Fundação Getulio Vargas. E-mail: andre.m.coelho@gmail.com
3
Formação/curso: Bacharel em Turismo e Mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social. Instituição: Universidade
Federal do Rio de Janeiro. E-mail: oliverthai@hotmail.com
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se ha abordado principalmente en la investigación académica y las políticas públicas a partir de una
perspectiva operativa del mercado, aunque los matices socioambientales y éticos asociados a este debate sean
cada vez más evidentes en una proyección del futuro. Esto presupone nuevas epistemologías para la
aprehensión de este complejo fenómeno contemporáneo.
Palabras clave: Turismo. Sostenibilidad. Pandemia. Agenda 2030.
1 Introdução
O debate crítico sobre o turismo, seus significados contemporâneos e seus efeitos no contexto
de uma sociedade em crise têm inspirado inúmeras pesquisas acadêmicas nos últimos anos. Nesse
movimento, os efeitos recentes da Pandemia da Covid-19 têm também contribuído de maneira
pedagógica e emblemática para iluminar as inúmeras faces desse tema polissêmico e complexo,
permeado por diversas contradições e embates de ideologias que caracterizam a própria
contemporaneidade.
Esse debate está ancorado ainda no reconhecimento de que a Pandemia da Covid-19 resulta da
insustentabilidade dos modos de ser e existir em sociedade que, por sua vez, são consequências de
engrenagens de produção e consumo que caracterizam as dinâmicas industriais e s-industriais, nas
quais o significado de natureza vem sendo decodificado apenas como insumo para o crescimento
econômico e, o de cultura, como insumo para nutrir a indústria cultural”. Nesse sentido, o turismo,
em sentido convencional, tem representado uma via privilegiada para a concretização e consolidação
dessas percepções.
Não por acaso o turismo vem sendo traduzido nos últimos anos prioritariamente na literatura
especializada e nas narrativas de políticas públicas como atividade econômica, segundo uma
perspectiva operacional e/ou instrumental de análise, segundo um viés claramente orientado pelos
interesses do mercado. Essa tendência se evidencia em políticas públicas desde as concepções
originais que passaram a orientar o próprio setor, conforme expressas nos documentos norteadores da
própria Organização Mundial do Turismo (OMT), a partir da década de 1960. (WTO, 1999; UNWTO,
2018). Mas, nos últimos anos, e principalmente a partir da década de 1990, parece também evidente
uma mudança de tom nas narrativas das agências das Nações Unidas (entre as quais, a OMT) com
relação ao próprio significado de desenvolvimento, o qual passa a agregar, progressivamente, a
multidimensionalidade que caracteriza o processo a partir do reconhecimento das nuances éticas e
socioambientais envolvidas.
No plano acadêmico, em particular, essa tendência parece também irreversível, mas esse
movimento é lento, enfrenta resistências de toda ordem e por essa razão não tem sido ainda capaz de
desmistificar a leitura reducionista predominante sobre o turismo. Nesse sentido, o contexto da
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Pandemia da Covid-19 tem iluminado, de maneira espetacular, a necessidade de se desconstruir esse
viés reducionista de análise sobre o fenômeno turístico a partir de um sentido de urgência, que resulta
da necessidade de transformação da sociedade e também de ressignificação do próprio turismo nos
próximos anos, em novas bases. Por essa razão, o turismo precisaria ser também decodificado
academicamente em suas múltiplas nuances, nas sutilezas que caracterizam esse fenômeno
contemporâneo que é complexo e que não responde apenas à lógica do mercado.
A Pandemia da Covid-19 vem reafirmando cada vez mais esse sentido de urgência com
relação aos riscos crescentes à própria sobrevivência humana, o que vem colocando em xeque a
própria engrenagem econômica nos moldes vigentes centrados em falsas certezas, como a
inexorabilidade dos recursos naturais e a convicção de que tudo e todos estão, permanentemente, sob
controle. Ao contrário, a experiência da Pandemia trouxe para a o primeiro plano da reflexão um
importante alerta: a realidade é permeada por inúmeras incertezas que caracterizam a sociedade
contemporânea. E, nessa perspectiva, o turismo talvez tenha sido o fenômeno contemporâneo que
melhor tenha traduzido esse debate.
Não se pode negligenciar, nesse contexto, que o tema da sustentabilidade está impresso de
maneira irreversível nessa reflexão pulsante sobre a dinâmica contemporânea, sendo também central
em qualquer exercício crítico de projeção de cenários para o desenvolvimento, como previamente
discutido na literatura especializada (RATTNER, 1999; JACOBI, 2003; GADOTTI, 2008; PIERRON,
2009; JATOBÁ et al. 2009; VEIGA, 2010; BOFF, 2012; LOUREIRO, 2012, 2014; IRVING;
OLIVEIRA, 2012; IRVING, 2014, entre outros). Nessa linha de argumentação, Pierron (2009)
reafirma que as sociedades contemporâneas precisam ter a coragem de enfrentar um desafio
fundamental: o de articular natureza e história. Nesse caso, para o autor, o compromisso com as
premissas do desenvolvimento sustentável pode ser a saída para que a humanidade encontre caminhos
para se contrapor a um modelo de desenvolvimento tecnológico e alienante, que resulta de suas
próprias escolhas.
Porém, o próprio campo de reflexão sobre sustentabilidade é complexo e contraditório como
anteriormente discutido (IRVING; OLIVEIRA, 2012; IRVING, 2014) e, por essa razão, vem
inspirando um debate teórico controverso, permeado por diferentes nuances ideológicas, percepções
de mundo e posturas éticas.
Apesar disso e diante da percepção da gravidade dos riscos à própria sobrevivência humana
decorrentes da insustentabilidade dos modos de vida da sociedade contemporânea, com efeitos no
presente e no futuro, o contexto da Pandemia vem contribuindo para reafirmar um senso de gravidade
e urgência, no sentido de cidadania planetária. Assim, pensar em sustentabilidade(s) no turismo(s), no
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contexto da(s) pandemia(s) exige uma reflexão no plural.
Não se pode desconsiderar, nessa breve reflexão, que muitos pesquisadores vêm alertando a
sociedade, em geral, para o risco crescente de pandemias nos próximos anos. Um documento recente
do IPBES (2020) reafirma a dinâmica de uso e ocupação do solo e do aquecimento global como
causas potenciais de pandemias. Segundo essa mesma fonte, as pandemias estão se tornando cada vez
mais frequentes. No entanto, as estratégias usuais dirigidas ao equacionamento desse problema estão,
em geral, centradas no combate a doenças em termos de ações baseadas em tecnologia e saúde
pública. Ocorre que a emergência de pandemias resulta da própria dinâmica das atividades humanas.
Além disso, segundo essa mesma fonte, as causas são as mesmas que estão na origem do aquecimento
global ou da perda da biodiversidade e envolvem os padrões de uso e ocupação do solo, a expansão e
intensificação agrícola, o comércio e consumo de animais selvagens, entre outras. Em outras palavras,
as pandemias resultam das rupturas das dinâmicas ecológicas e dos padrões insustentáveis de
produção e consumo, que caracterizam o modo de vida das sociedades atuais. Nesse caso, o caminho
para conter esse processo nos próximos anos é enfrentar esses problemas diretamente, tendo em vista a
estimativa de ocorrência de 5 novas doenças de origem viróticas a cada ano, cada uma delas com
potencial de expansão para novas pandemias. (IPBES, 2020)
Vale lembrar que a Pandemia da Covid-19 representa uma ilustração exemplar e atual de
situações que aconteceram inúmeras vezes no passado, mas que podem ser cada vez mais recorrentes
no futuro, em resposta à ruptura das dinâmicas da natureza, que decorre do atual modelo de
desenvolvimento e, principalmente, em razão da histórica cisão entre sociedade e natureza, condição
que caracteriza a própria contemporaneidade. Nesse caso, o foco de reflexão em planejamento turístico
em uma projeção realista de cenários não pode ser apenas a Pandemia da Covid-19, mas as pandemias
(no plural) que podem estar por vir e que podem ser inevitáveis se as causas do problema não forem
enfrentadas diretamente. Assim, ressignificar o turismo em novas bases não é apenas desejável, mas
essencial na dinâmica de incertezas que caracteriza o presente e que estará certamente influenciando
novos comportamentos e caminhos para o desenvolvimento no contexto pós Pandemia.
Nesse caso, por que abordar o turismo também no plural? Porque talvez esse seja um dos
fenômenos mais visíveis, multifacetados e complexos da contemporaneidade “iluminados” pelo debate
sobre sustentabilidade no contexto da Pandemia da Covid-19. E são muitas as questões a ele dirigidas,
que são frequentemente entendidas como tabus pelo mercado e que vem sendo apenas perifericamente
consideradas nas pesquisas acadêmicas. Algumas dessas questões essenciais permanecem sem
resposta e merecem uma reflexão mais aprofundada como, por exemplo: Por que, para quem e até
quando podem ser validadas as estratégias de planejamento turístico nos moldes atuais? Quem ganha e
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quem perde nessa ciranda? Como projetar tendências diante de tantas incertezas? O que esperar desse
“novo turista” nesse novo “anormal”? A quem caberá o custo das externalidades socioambientais
decorrentes do processo? Quais os caminhos a serem adotados para o turismo, em bases sustentáveis,
no contexto de uma sociedade capitalista?
Com base nesses antecedentes e nas inquietações anteriormente expressas, esse ensaio teórico,
baseado em pesquisa bibliográfica e documental, objetiva inicialmente problematizar o turismo como
objeto de pesquisa, argumentando em favor da necessidade de construção de novas epistemologias
para a apreensão desse objeto complexo. A partir desse exercício acadêmico, na conexão com o debate
sobre sustentabilidade, se busca mapear os caminhos de políticas públicas que vêm inspirando novas
leituras sobre o turismo e discutir possíveis alternativas para o planejamento turístico no contexto Pós
Pandemia da Covid-19 e no horizonte da Agenda 2030. Com essa orientação, o artigo está estruturado
em cinco seções, além dessa introdução. Na primeira seção se busca problematizar o turismo como
objeto de pesquisa e a partir do resgate de argumentos previamente publicados em Panosso Netto e
Castillo Nechar (2014), Fragelli (2018) e Fragelli et al. (2019) e advogar em favor do paradigma do
Pensamento Complexo (MORIN, 2000, 2001, 2015), como via possível para a decodificação crítica
desse fenômeno contemporâneo. A segunda seção objetiva discutir brevemente a controversa noção de
sustentabilidade no turismo, a partir dos argumentos de Irving et al. (2005), Irving (2018a) e alguns
autores de referência nessa reflexão. Na terceira seção se pretende mapear e descrever de que maneira
a temática da sustentabilidade no turismo vem sendo expressa em políticas públicas globais entre
1992, momento da realização Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (ou Rio 92, como ficou conhecida), principal marco de referência nesse debate e
2015, quando foi pactuada a Agenda 2030 (UN, 2015a), também no âmbito das Nações Unidas. A
quarta seção se dirige a um exercício preliminar para a identificação de temas relevantes e para o
delineamento de caminhos desejáveis em planejamento turístico, no horizonte da Agenda 2030 e no
contexto pós Pandemia da Covid-19. Na última seção se busca sintetizar os argumentos construídos
nesse ensaio e alinhar algumas inquietações que poderão inspirar novas pesquisas em turismo, pela
perspectiva crítica no futuro.
2 Turismo fenômeno Complexus? Em busca de novas epistemologias
Muitos são os autores, no campo do turismo, que vêm reiteradamente, nos últimos anos,
argumentando a favor do desenvolvimento de bases teóricas e metodológicas que possam inspirar a
construção de novas epistemologias capazes de decodificar esse fenômeno complexo e multifacetado.
Não caberia nesse breve ensaio um aprofundamento sobre esse conjunto de argumentações
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discutidas na literatura especializada. Entretanto, se buscará, a seguir, a partir da compreensão do
turismo como fenômeno contemporâneo complexo, o resgate de um exercício acadêmico previamente
publicado (FRAGELLI, 2018; FRAGELLI et al., 2019), que defende a tese de uma nova via
epistemológica para a sua abordagem, o paradigma do Pensamento Complexo (MORIN, 2000, 2001;
2015).
Algumas inquietações justificam essa proposta. Em primeiro lugar, partindo-se do
reconhecimento de que o turismo se configura, na contemporaneidade, como um fenômeno de alcance
global, sendo no entanto produzido a partir da articulação de dinâmicas sociais, econômicas, culturais,
ambientais, políticas e simbólicas e estas, por sua vez, desencadeiam novas articulações que tendem a
reconfigurar realidades locais nas quais esse fenômeno se desenvolve, como interpretá-lo apenas pela
via reducionista do mercado a partir de uma perspectiva positivista de análise? E como justificar que a
produção de conhecimento relacionada a esse campo se baseie ainda em grande parte em informações
estratégicas (dados) e sua descrição, conforme discutido por Morrisset (2012)? A insistência em
perspectivas utilitaristas centradas nos aspectos objetivos e quantificáveis do fenômeno, com ênfase
em sua dimensão econômica, que têm sido claramente priorizadas em termos de produção acadêmica,
tende a dificultar ainda mais a compreensão do turismo enquanto fenômeno multidimensional
complexo. Da mesma maneira e apesar de certo consenso a respeito de as pesquisas mais críticas sobre
o fenômeno turístico estarem, em geral, vinculadas às denominadas Ciências Humanas e Sociais,
estudos nesse campo são também relativamente recentes (TRIBE, 2010; SAMPAIO, 2013).
É evidente que as estimativas otimistas de projeções econômicas promissoras e crescentes para
o “setor” anteriormente à Pandemia pareciam justificar a interpretação do turismo predominantemente
pela perspectiva operacional e como segmento de mercado. Nesse caso, não se pode negligenciar que
a OMT, em 2018, por exemplo, estimava a circulação de mais de um bilhão de turistas movimentando
cerca de um trilhão e meio de dólares, com estimativas e projeções na marca de dois bilhões de turistas
até 2030, considerando-se apenas o fluxo internacional (UNWTO, 2018). É também interessante notar
que, naquele momento limitada atenção era dirigida aos riscos globais que poderiam colocar em xeque
até mesmo o próprio turismo. Porém como explicar que as projeções otimistas e crescentes para o
“setor” até o início da Pandemia não tenham sido capazes de sequer prever os riscos que estavam por
vir, mesmo diante de tantas evidências em relação à insustentabilidade dos modos de ser e existir na
sociedade contemporânea? Essa lacuna interpretativa parece resultar diretamente da leitura
reducionista e simplista sobre o turismo que, apesar de todas as evidências em sentido contrário,
insiste em decodificá-lo apenas como um segmento econômico pela perspectiva do mercado.
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Mas, conforme anteriormente discutido, o turismo é um fenômeno complexo e
multidimensional, de alcance global, mas que se materializa localmente. Assim, representa também a
expressão de um fenômeno que se configura na articulação entre o local e o global (MORRISSET,
2012; FRAGELLI, 2018; FRAGELLI et al., 2019). Nesse caso traduz dinâmicas econômicas, mas
também socioculturais, ambientais, políticas, geopolíticas e éticas no contexto de um mundo em crise.
E se essas conexões não forem decodificadas em sua complexidade, a pesquisa acadêmica (e sua
tradução em políticas públicas) não poderá avançar.
Isso significa dizer que, no plano acadêmico, a insistência em abordagens apenas operacionais,
monolíticas e disciplinares que fragmentam a sua leitura e desqualificam e despolitizam o debate perde
completamente o sentido diante da complexa realidade de um mundo em crise. Por essa razão,
alternativas teóricas e metodológicas na pesquisa em turismo são fundamentais para que se possa
transcender essa superfície mais visível, tangível e quantificável do fenômeno, no sentido de viabilizar
perspectivas mais amplas de análise, capazes de iluminar a sua multidimensionalidade, conforme
previamente discutido em diversas publicações anteriores sobre o tema em foco. (IRVING et al.,
2016; FRAGELLI, 2018; FRAGELLI et al., 2019).
Importante enfatizar, nesse sentido, que muitos autores nos últimos anos têm contribuído para
essa reflexão sobre a dinâmica de produção de conhecimento em turismo em novas bases (PANOSSO
NETTO et al., 2011; IRVING et al., 2016; PANOSSO NETTO; CASTILLO NECHAR, 2014;
TRIBE, 2008; 2010; MOESCH, 2002; MORISSET, 2012: SAMPAIO, 2013, entre outros), buscando
inspirar alternativas para as concepções monológicas e simplificadoras que têm orientado os debates
nesse campo.
Essa leitura crítica sobre a epistemologia do turismo vem sendo um dos focos prioritários de
pesquisa de Panosso Netto e Castillo Nechar (2014) que inspiram os argumentos defendidos nesse
ensaio. Em uma publicação de referência, os autores discutem as correntes mais significativas no
processo de produção de conhecimento em turismo e defendem a importância de novos caminhos com
esse objetivo, em contraposição à perspectiva positivista que tem orientado os estudos turísticos desde
a sua origem. Nesse sentido os autores enfatizam a necessidade de desenvolvimento de estudos
críticos, em sintonia com os argumentos de diversos outros pesquisadores nesse campo pulsante,
contraditório e ainda em construção, como Tribe (2008), que reconhece ser essa uma importante
lacuna em pesquisa.
Panosso Netto e Castillo Nechar (2014) enfatizam também que nem sempre os conhecimentos
produzidos são sólidos ou tem um mínimo de “vida útil”, sendo a crítica em turismo um caminho
ainda marginal no plano da pesquisa. Sendo assim, os autores reafirmam como essenciais estudos de
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turismo com esse enfoque e que possam contribuir para propor soluções aos problemas mal resolvidos
pela corrente positivista, defendendo um maior engajamento do pesquisador na realidade investigada.
Isso porque a produção de conhecimento não é livre de interferência, como defende a corrente
positivista. Além disso, segundo os autores, a perspectiva crítica permite a investigação sobre os
interesses ocultos inerentes ao processo e as ideologias que se expressam no cotidiano do fazer
acadêmico, uma vez que por meio dela é possível buscar compreender, construir, interpretar e produzir
um sentido novo e um novo significado com relação ao objeto de estudo em questão.
Por essa via, segundo os autores, a interpretação da realidade se efetiva por meio de processos
de reflexão que se baseiam na relação entre teoria e práxis. Assim, a epistemologia crítica do turismo
não se sustenta em sistemas científicos, linguísticos, filosóficos, matemáticos, estatísticos ou
metodológicos universalmente comprovados, rigorosos ou validados e nem na visão pós-moderna,
centrada no individualismo ou na fragmentação do conhecimento que vem decodificando o turismo a
partir de seu significado operacional e/ou funcional. A epistemologia crítica do turismo, ao contrário,
busca a transformação da realidade, a partir a captação da realidade em transformação e da formação
de sujeitos sociais ativos, capazes de transformar positivamente a realidade vivenciada.
Essa leitura e diversas outras que a reafirmam têm contribuído significativamente para inspirar
a construção de novas epistemologias para o turismo, que buscam transcender a via cartesiana
convencional e que vêm inspirando um debate mais qualificado sobre o tema nos últimos anos.
Nesse sentido, a via paradigmática do Pensamento Complexo, desenvolvida desde meados do
século XXI (MORIN, 2000, 2001, 2015), poderia representar uma alternativa interessante para a
interpretação do turismo. Isso porque emerge exatamente do reconhecimento das limitações do
paradigma cientificista e positivista, principalmente com relação ao seu viés reducionista e disjuntivo
(que caracteriza a ciência na modernidade) e que vem influenciando a produção de conhecimento no
campo de turismo desde a sua origem. Contudo, é importante enfatizar que, como via epistemológica,
o Pensamento Complexo não pretende invalidar as contribuições resultantes do pensamento científico
e moderno, mas avançar na interpretação da complexidade que envolve a realidade a partir do
reconhecimento das limitações da visão cartesiana de mundo. Nesse sentido, para Morin, “[...] o
problema da complexidade é, antes de tudo, o esforço para conceber um [desafio] incontornável que o
real lança sobre a nossa mente” (2001, p. 176).
Com base nessa premissa, o autor argumenta a favor de uma proposta epistemológica que se
inspire no reconhecimento e na rearticulação dos saberes, dos objetos e dos fenômenos em permanente
interconexão. Segundo ele, “[...] tudo se entrelaça para formar a unidade da complexidade; porém a
unidade do complexus não destrói a variedade e a diversidade das complexidades que o teceram”
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(MORIN, 2001, p. 188). Partindo desse pressuposto, Morin (2000, 2001, 2015) pretende delinear
caminhos para a apreensão da complexidade, ou ainda, das complexidades que caracterizam os
fenômenos contemporâneos. Nessa trajetória, reafirma a dialogicidade entre as partes e o todo, e do
todo com as partes em um processo dinâmico, no qual o pesquisador se libera do compromisso de
argumentações científicas lineares, reducionistas e fragmentadas. Isso porque no Pensamento
Complexo são reconhecidos os “resíduos” historicamente negligenciados pela ciência clássica e que
são frequentemente descartados como não-científicos. Nesse caso, sob essa via interpretativa, a
incerteza, a desordem, a contradição e a pluralidade, tanto quanto a ordem, a coerência e a
singularidade representam elementos constitutivos das relações que são ao mesmo tempo antagônicas
e complementares entre si. (MORIN, 1977; 2001). Nessa leitura está também implícito o
reconhecimento do inacabado e da incompletude de qualquer conhecimento. Porém, conforme
argumentado anteriormente, a via do Pensamento Complexo não pretende substituir o paradigma
cientificista por outro, mas “[...] exercer um pensamento capaz de lidar com o real, de com ele dialogar
e negociar” (MORIN, 2015, p. 6). Por essa razão, esse não pode ser entendido como um paradigma
consolidado a ser traduzido como modelo científico hermético, mas um convite para que a realidade
possa ser interpretada em sua complexidade.
Por todas essas razões, o paradigma do Pensamento Complexo pode representar uma via
epistemológica inovadora para a interpretação de inúmeras questões da contemporaneidade, como
aquelas relacionadas ao próprio turismo.
Para contribuir para esse exercício acadêmico, em favor do paradigma do Pensamento
Complexo como via epistemológica, alguns de seus pressupostos estão sintetizados pedagogicamente a
seguir no Quadro 1, em suas conexões potenciais com a interpretação do turismo entendido como
fenômeno contemporâneo complexo.
Quadro 1. Matriz-Síntese contendo os pressupostos associados ao Pensamento Complexo em seus
rebatimentos para a interpretação do turismo
Pressupostos
Articulações possíveis com a interpretação do turismo
Universalidade/
Singularidade
O turismo compreendido em suas múltiplas dimensões enquanto fenômeno de
amplitude, de alcance global e globalizante e, simultaneamente, em suas
especificidades e singularidades no plano local. Nesse caso, não poderia ser estudado
sem que essas articulações sejam explicitadas e apreendidas, com a salvaguarda de
serem evitadas generalizações totalizantes ou especializações relativizantes, que
tendem a inviabilizar a sua compreensão enquanto episteme.
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Reconhecimento
e Irreversibilidade
do tempo
O turismo compreendido como um fenômeno historicamente localizado, no sentido
de temporalidade a ele associada, mas também em sua contextualização em termos
da dinâmica socioeconômica, ambiental, ética e política.
(Re)ligação
O turismo compreendido enquanto expressão de campos de força, dinâmicas e
interconexões associados. Nesse caso, apreendido como fenômeno multidimensional
e interpretado dialogicamente a partir de leituras inter e transdisciplinares, visando a
rearticulação do que tem sido historicamente compartimentado pela lógica
disciplinar, em decorrência da hegemonia do paradigma cientificista.
Organização
e auto-organização
O reconhecimento de que para além do princípio cientificista da ordem, as
inconstâncias e as controvérsias constituem os fenômenos, embora sejam
negligenciadas pelo enfoque paradigmático positivista dominante no campo do
turismo. Sendo assim, os estudos em turismo devem considerar as controvérsias
relativas às próprias teorizações elaboradas e/ou propostas em seu conjunto
epistemológico.
Causalidade complexa e
endoexocausalidade
As causalidades mútuas e inter-relacionadas que constituem o fenômeno do turismo
devem ser consideradas em sua interpretação, que deve transcender as causalidades
lineares que caracterizam o paradigma cientificista. Isso implica no reconhecimento
e na explicitação das relações de causalidade endógenas e também nas interferências
exógenas que podem contribuir para reconfigurar e ressignificar o fenômeno
turístico.
Dialógica
ordem-desordem-
O turismo interpretado por meio de uma perspectiva dialógica, a partir da qual os
processos que envolvem ordem e desordem possam ser articulados na apreensão do
fenômeno. Nesse caso, o turismo decodificado por meio de uma via não-positivista,
na qual se reconhece que os fenômenos antropossociais não podem ser entendidos
apenas tendo a ordem como pressuposto. Sendo assim, se busca a integração da
desordem, do acontecimento, do aleatório e do singular na tradução do fenômeno.
Distinção
As limitações inerentes ao princípio da disjunção cientificista precisariam ser
ultrapassadas, articulando-se as relações entre as partes e o todo nos processos de
produção de conhecimento. Isso implica em fazer emergir e buscar integrar ao
processo as múltiplas dimensões constituintes do turismo, o que não seria possível
sob a égide do paradigma cientificista e nem sob a perspectiva sistêmica
(funcionalista) que ainda tem dominado a investigação acadêmica nesse campo.
Relação entre
pesquisador e objeto de
pesquisa
As nuances na relação entre o observador e o objeto observado/concebido no campo
são essenciais em estudos turísticos. No caso da pesquisa social, especificamente,
essa tende a ser uma condição essencial, uma vez que o próprio objeto de estudos,
sob essa perspectiva, é concebido e construído a partir do olhar do observador e dos
inúmeros atores sociais que compõem a dinâmica associada ao fenômeno.
Implicação do sujeito
A apreensão e a interpretação dos fenômenos e objetos pela perspectiva do
paradigma positivista se baseiam no distanciamento entre sujeito e objeto, o que não
acontece na prática. Esse equívoco está no centro de inúmeras distorções,
principalmente no Campo das Ciências Humanas e Sociais. Assim, a produção de
conhecimento sobre o turismo deve ser capaz de fazer emergir as subjetividades
envolvidas no processo.
Afirmação da
trinalidade do ser e da
existência
O reconhecimento das dimensões física, biológica e, principalmente, antropológica
que constituem os sujeitos envolvidos nos processos que caracterizam esse fenômeno
é fundamental para a sua compreensão. As visões limitantes, decorrentes das
tendências de formalização e quantificação que caracterizam o paradigma cartesiano
simplificador, não permitem a leitura realista dos processos antropossociais que
caracterizam o turismo.
TURISMOS, SUSTENTABILIDADES E
PANDEMIAS: INCERTEZAS E CAMINHOS
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Fonte: Adaptação com base em Fragelli (2018); Fragelli et al., (2019); tendo por inspiração Morin (2000, 2001 e 2015).
Por todas as razões mencionadas e considerando o turismo como um campo de conhecimento
em construção, compreendido como “[...] um acontecimento instituinte, pois tem como motor as
práticas sociais em seu tempo sócio-histórico” (BENI; MOESCH, 2016, p. 27), enquadrá-lo segundo o
modelo cientificista monolítico seria abdicar da possibilidade de se buscar apreender as
multidimensionalidades que o caracterizam. Por essa razão, embora seja ainda limitado o
desenvolvimento de construções teórico-epistemológicas a partir de bases e abordagens próprias do
turismo como campo do conhecimento (MOESCH, 2002; DENCKER, 2007, entre outros), esse parece
um desafio essencial para a apreensão e a decodificação do turismo como fenômeno emblemático da
contemporaneidade no contexto pós Pandemia da Covid-19.
É também importante enfatizar que, nesse movimento, tanto em termos de produção
acadêmica como no plano das narrativas de políticas públicas, o turismo vem sendo progressivamente
ressignificado. Assim, em 2018 (e, portanto, anteriormente à Pandemia da Covid-19), a própria
Organização Mundial do Turismo, fortemente orientada por uma ideologia de mercado, já havia
redefinido o turismo como “[...] um fenômeno econômico e social”
4
(UNWTO, 2018), o que parece
traduzir progressivamente essa tendência também no discurso oficial. E, embora não seja possível
afirmar que as intencionalidades expressas nas narrativas oficiais se traduzam efetivamente em
estratégias reais com esse direcionamento e/ou nas institucionalidades envolvidas, esse parece ser um
caminho sem volta no plano das políticas públicas, principalmente diante do reconhecimento das
graves consequências que derivam da insustentabilidade dos modos de vida na sociedade
4
Grifo das autoras. Disponível em <http://www2.unwto.org/content/why-tourism>. Acesso em: 20 abr. 2018.
Autonomia/
Dependência
A leitura das subjetividades envolvidas no processo não inviabiliza o fazer científico.
Isso porque a autonomia da ciência se constrói por meio da dinâmica auto-eco-re-
organização. E nessa linha de argumentação, o turismo representa um fenômeno que
se constitui da/na cocriação, em conexão com o ambiente (biofísico, social, cultural,
histórico e político) e segundo um fluxo dinâmico de autonomia e dependência.
Discursividade
complexa
Reconhecer as contradições que constituem o turismo tende a ser fundamental para a
sua compreensão. A apreensão das assimetrias, dos valores, das singularidades
culturais, das subjetividades e intersubjetividades envolvidas é, portanto, essencial
para a compreensão do fenômeno que é complexo, traduz a dinâmica de inúmeros
campos de disputa e ideologias e narrativas contraditórias.
Dialogicidade
O turismo deve ser interpretado de maneira dialógica, a partir da articulação dos
princípios de inteligibilidade do pensamento complexo em macroconceitos nos quais
também possam ser reconhecidas as noções duais que possam emergir dessas
interconexões, de maneira complementar e até mesmo antagônica. Sendo assim, as
perspectivas monológicas, disjuntivas e excludentes vinculadas ao pensamento
cientificista de interpretação desse fenômeno precisariam ser superadas.
TURISMOS, SUSTENTABILIDADES E
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POSSÍVEIS PARA PLANEJAMENTO TURÍSTICO
NO HORIZONTE DA AGENDA 2030
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contemporânea, com efeitos diretos na própria dinâmica turística. Assim, a sustentabilidade do e no
turismo constitui um tema chave para orientar o debate acadêmico sobre o fenômeno nos próximos
anos e também para inspirar políticas públicas no cenário Pós Pandemia da Covid-19.
3 Turismos e sustentabilidades: balizamento conceitual também no plural
Diante da crise contemporânea, expressa em todas as suas nuances no contexto da Pandemia
da Covid-19, o debate sobre sustentabilidade no turismo adquire uma importância basilar. Uma nova
concepção de desenvolvimento turístico em bases sustentáveis e segundo uma perspectiva ética e
cidadã, baseada em uma visão estratégica de médio e longo prazos, requer, por pressuposto, um
movimento de ruptura epistemológica na interpretação do próprio fenômeno turístico e sua
decodificação em políticas públicas. Com esse intuito, se busca contextualizar brevemente, a seguir,
de que maneira a noção de sustentabilidade se traduz no debate sobre o turismo, a partir de argumentos
previamente construídos e publicados em Irving et al (2005) e Irving (2018a).
Esse exercício parte da reflexão sobre princípios e valores éticos no contexto de um mundo
em crise, permeado por incertezas de toda ordem e confrontado com graves riscos em uma projeção de
futuro. Nesse caso, o planejamento turístico, pela perspectiva qualificada como “sustentável”,
principalmente em um contexto pós Pandemia da Covid-19, precisaria responder a esse sentido de
urgência, segundo um novo paradigma de desenvolvimento orientado pelo reconhecimento da
dinâmica mutante do Sistema Mundo e pela compreensão de que essa transformação necessária se
opera na perspectiva de uma Comunidade de Destino, que se materializa na dinâmica pulsante da
Terra Pátria (MORIN; KERN,2002).
Contudo, o campo da sustentabilidade representa também um terreno contraditório,
permeado por inúmeras nuances ideológicas e distintas percepções da realidade. Também por essa
razão, para alguns autores (RATTNER, 1999; GADOTTI, 2008; BOFF, 2012; IRVING; OLIVEIRA,
2012; IRVING, 2014; LOUREIRO, 2012; 2014, entre tantos outros) a noção de sustentabilidade
traduz um sentido que transcende o debate ambiental ou a mera intenção de resposta funcional aos
riscos evidentes de uma sociedade em crise. Isso implica, por pressuposto, em uma crítica direta aos
modos de existência da sociedade contemporânea e se traduz como ideia força, em um horizonte
incerto, em contraposição aos modos de produção e consumo que caracterizam as sociedades
industriais e pós-industriais que estão na origem da insustentabilidade do modelo vigente de
desenvolvimento.
No âmbito das narrativas oficiais das Nações Unidas, o termo sustentabilidade deriva, na
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origem, da discussão sobre desenvolvimento sustentável que, por sua vez, emerge de maneira evidente
no plano global, a partir do documento intitulado O Nosso Futuro Comum (CMMAD, 1988). Nesse
documento emblemático são reafirmados os efeitos perversos do modelo vigente de desenvolvimento.
Nele é também formulado um convite à construção de caminhos capazes de se contrapor aos
crescentes riscos derivados da insustentabilidade desse processo, conforme já vinha sendo debatido
desde 1972, no âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada
em Estocolmo. Desde então e em função do reconhecimento do agravamento progressivo dos riscos à
própria sobrevivência planetária, a discussão sobre sustentabilidade vem adquirindo cada vez mais
visibilidade.
Entretanto, essa noção vem sendo constantemente e cada vez mais ressignificada por meio
de novos contornos teóricos, a partir da incorporação de inúmeras nuances socioambientais associadas
não apenas ao compromisso de proteção da natureza, mas também de democratização de
oportunidades e acesso a padrões dignos de qualidade de vida. Por todas essas razões, discutir
sustentabilidade passou a implicar necessariamente em uma reflexão ética e política profunda e,
portanto, em um sentido de cidadania planetária.
Nesse movimento e principalmente a partir dos desdobramentos da Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, popularmente conhecida como Rio 92 (principal
marco internacional nesse debate), têm sido inúmeras as tentativas de conceituação para o que se
denomina como turismo sustentável na literatura especializada. Butler (1999), no final da década de
1990, por exemplo, tenta construir uma espécie de “Estado da Arteem relação a essa noção e, para
ele, a dificuldade em se definir turismo sustentável deriva exatamente das inúmeras controvérsias
relacionadas ao próprio conceito de desenvolvimento sustentável. Para o autor, essa afirmação é
claramente ilustrada pela proposta conceitual inicial e excessivamente abstrata da OMT para o turismo
sustentável na mesma década, logo após a Rio 92 (WTO, 1993). Na ocasião, turismo sustentável foi
definido, pela instituição, como aquele que atende às necessidades dos turistas e das regiões anfitriãs,
ao mesmo tempo em que busca fortalecer as oportunidades para o futuro. Contudo, narrativas vagas e
abstratas como essa, segundo o autor, podem dificultar a sua compreensão e, por consequência, a sua
operacionalização na práxis turística.
Nessa cronologia, em 1995, uma outra definição é proposta pela OMT (WTO, 1995a), e,
segundo Irving et al. (2005), nela o turismo sustentável é entendido como uma modalidade de turismo
ecologicamente sustentável de longo prazo e economicamente viável, assim como ética e socialmente
equitativa para as comunidades locais. Segundo essa perspectiva, em tese, o turismo se desenvolveria
a partir do reconhecimento da dinâmica socioambiental em escalas local, regional e global,
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respeitando-se a condição de vulnerabilidade que caracteriza muitas destinações turísticas. Em outras
palavras, seria o turismo entendido a partir de uma perspectiva ética, na integração das dimensões
econômica, social, ambiental e cultural que o compõem e que possa se perpetuar, indefinidamente,
segundo a proposta de Ceballos-Lascurain (1996). Traduzido para o contexto atual, um turismo que
pudesse ser mantido em tempo e espaço, segundo um compromisso intergeracional na integração entre
passado, presente e futuro, tendo como pressuposto um sentido de continuidade e de renovação.
(IRVING, 2018).
No entanto, a ênfase dos autores de referência sobre o debate no âmbito das políticas
públicas globais se dirige à proposta da UNEP (2005a), que afirma que o turismo sustentável não
representa uma forma especial ou um segmento de turismo, porque todas as iniciativas de turismo
deveriam ser, em tese, sustentáveis. Também por essa razão, o turismo, em bases sustentáveis, não
poderia ser orientado apenas pelas prioridades e demandas do mercado. E mesmo que essa leitura
possa parecer, a princípio, utópica, o compromisso ético com as questões socioambientais do
desenvolvimento e com as gerações futuras no contexto de uma sociedade em crise, tende a ser um
caminho sem volta em planejamento turístico, principalmente quando se considera o contexto da
Pandemia da Covid-19, a qual parece não deixar dúvidas sobre essa afirmação.
Nesse sentido, Lamic (2008), na publicação Turismo durável: Utopia ou realidade, aborda o
turismo enquanto prática cidadã e discute os dois principais eixos que estão no cerne das contradições
sobre o significado de turismo sustentável. Para ele, as contradições associadas a esse debate decorrem
de duas vertentes analíticas: a primeira, com foco na leitura sobre o desenvolvimento, que vincula a
rentabilidade em curto prazo a uma economia sem compromisso em relação aos efeitos induzidos pelo
processo, negando até mesmo eventuais impactos negativos dele decorrentes. A segunda perspectiva
analítica, em sentido oposto, se baseia exatamente no reconhecimento das implicações globais do
turismo, partindo do pressuposto que a economia não mais pode representar a única prioridade no
processo. Nesse embate, significados e ressignificações sobre o turismo vão sendo construídos, se
sobrepondo ou se contrapondo entre avanços e retrocessos. Mas haveria alguma dúvida possível no
horizonte pós Pandemia da Covid-19? E, independentemente do debate teórico que caracteriza as
controvérsias nesse campo, como avançar na direção de caminhos inovadores para o planejamento
turístico, em bases sustentáveis no contexto pós Pandemia da Covid-19? E como vem se traduzindo
esse debate pulsante no plano de políticas públicas globais dirigidas à sustentabilidade no turismo?
4 Regatando caminhos de políticas públicas globais para se pensar a sustentabilidade no turismo
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Considerando os antecedentes brevemente discutidos, inúmeros têm sido os esforços (não
sem embates, contradições, dissensos e conflitos) no campo da sustentabilidade, no plano global, para
o enfrentamento dos efeitos da crise contemporânea, principalmente após a Rio 92, um marco sem
precedentes para a reflexão sobre sustentabilidade, com importantes desdobramentos também nas
políticas públicas de turismo e em suas nuances no plano da diplomacia contemporânea.
Vale mencionar que, anteriormente à Pandemia da Covid-19, o turismo era ainda defendido
por alguns como a “indústria que mais crescia no mundo”, a partir de projeções de expansão quase que
indefinidas para o século XXI e os dados da OMT até 2019 pareciam confirmar essa tendência, apesar
dos claros cenários de incertezas nos planos socioambiental e geopolítico.
Mas a Pandemia parece ter colocado essa certeza em xeque. E, se até 2019 as estratégias de
políticas públicas dirigidas ao planejamento do setor se baseavam prioritariamente nas estimativas
otimistas que previam aumentos crescentes de fluxos, deixando para o segundo plano questões centrais
como os impactos decorrentes do processo, o contexto da Pandemia parece ter desmistificado essa
tendência. Desse modo, o foco da reflexão passou subitamente a ser como lidar com os riscos e as
incertezas em âmbito econômico, mas também social, ambiental, político e geopolítico, e quais as
estratégias e salvaguardas necessárias para o planejamento turístico diante dos efeitos inegáveis da
crise civilizatória.
Assim, se desde a década de 1990 tem-se avançado lentamente no debate sobre
sustentabilidade no turismo no sentido de reconhecimento das “sutilezas” envolvidas e seus efeitos, o
contexto da Pandemia parece estar definitivamente contribuindo para que novas questões sejam
incorporadas tanto à pesquisa acadêmica, como às narrativas oficiais de políticas públicas. Mas é
importante mencionar que, na mesma década, mesmo antes do alcance global das redes sociais,
Ceballos-Lascuráin (1996) havia observado algumas tendências interessantes no caso do turismo,
como a diversificação do setor por meio da especialização progressiva do perfil do turista; o aumento
de interesse pelas denominadas “férias de atividade”, em contraposição ao turismo convencional
passivo de “sol e praia”; a ampliação de interesses dos países desenvolvidos pelas culturas “exóticas”
e a busca por áreas naturais menos impactadas, como resultado da sensibilização global por temas
ambientais e/ou ligados à natureza. Assim, para o autor, a discussão ética sobre desenvolvimento
turístico estaria conectada com a proposta de um tipo de turismo a ser desenvolvido e gerenciado, de
maneira que o mesmo pudesse se perpetuar indefinidamente. Mas como esse movimento viria a ser
traduzido em políticas públicas e dispositivos de alcance internacional a partir da Rio 92?
Com essa intenção e para que se possa pensar em caminhos futuros para o planejamento
turístico em bases sustentáveis no contexto pós Pandemia da Covid-19, pretende-se resgatar e
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descrever, no Quadro 2, a seguir, uma retrospectiva sobre algumas das principais políticas públicas
globais e/ou documentos orientadores para a discussão do compromisso de sustentabilidade no turismo
entre 1992 (IRVING, 2018a) e 2017, quando a OMT publicou o documento Turismo e os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: caminho para 2030 (UNWTO, 2017b), em
resposta aos compromissos pactuados no âmbito da Agenda 2030 (UN, 2015a).
Quadro 2. Matriz-síntese relativa aos principais dispositivos globais na interface com a reflexão sobre
sustentabilidade no turismo no pós Rio 92
Documento
Síntese/Objetivos
Agenda 21 para a Indústria
de Viagem e Turismo para o
Desenvolvimento Sustentável
(WTO, 1995a)
O documento explicita diretrizes para o desenvolvimento sustentável com base na Agenda
21 para os governos e organizações comerciais representativas e também para as empresas,
sendo identificadas áreas prioritárias para orientar as ações do setor.
Códigos Ambientais de
Conduta para o Turismo,
(UNEP, 1995)
O documento busca apresentar, sistematizar e divulgar os códigos existentes e fornece
algumas diretrizes para outros que possam ser elaborados no futuro.
Carta do Turismo
Sustentável (WTO, 1995b)
Este foi o primeiro pacto para o turismo sustentável construído no âmbito da OMT após a
Rio 92, inspirado nos princípios da Agenda 21. Nele são definidas as bases de um plano de
ação para o turismo sustentável, a ser desenvolvido por todos os países-membros da ONU.
Carta Internacional do
Turismo Cultural (UNESCO,
1999)
Nesse documento é enfatizado o desenvolvimento turístico, em harmonia com o respeito e
a valorização tanto do patrimônio cultural quanto das culturas vivas das comunidades
autóctones. Este código reafirma o direito ao turismo e à liberdade dos deslocamentos
turísticos, além do compromisso de promoção do ordenamento turístico equitativo,
responsável e sustentável, em benefício de toda a sociedade.
Carta do Turismo
Sustentável + 20 (UNWTO,
2015)
Neste documento são considerados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
adotados pelas Nações Unidas em 2015, como oportunidade para o desenvolvimento
turístico de forma inclusiva e sustentável. São também reconhecidos os impactos negativos
do turismo com relação aos recursos naturais e culturais, os desequilíbrios e desigualdades
sociais e o risco de terrorismo em muitos destinos turísticos. Nesse documento o turismo é
considerado uma via potencial para a paz e a tolerância planetárias.
Turismo e os Objetivos de
Desenvolvimento
Sustentável: caminho para
2030 (UNWTO, 2017)
A Agenda 2030 estabelece os novos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e
implica, por pressuposto, em um novo paradigma de desenvolvimento, segundo uma nova
ética, orientada pelo combate à forme e redução das desigualdades sociais, considerando a
compreensão da dinâmica de códigos e valores culturais e o compromisso com a proteção
da natureza e sua manutenção para as gerações atuais e futuras. Nesse documento é
enfatizado o potencial do turismo para contribuir direta e/ou indiretamente para todos os 17
ODS e, em especial, para o crescimento, produção e consumo sustentáveis e o uso
sustentável de oceanos e recursos marinhos.
Fonte: Adaptação de Irving et al. (2016) e Irving (2018a)
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Muito embora o exercício proposto na matriz anterior se baseie no recorte temporal a partir
de 1992 pelas razões mencionadas, não se poderia deixar de enfatizar que ainda na década de 1980 e,
portanto, anteriormente a à Rio 92, a OMT já havia publicado a Declaração de Manilha, com ênfase
nos valores social, cultural, econômico, ambiental e político do turismo, considerando os
compromissos de proteção e melhoria de diversos componentes do ambiente humano, a partir do
entendimento de serem esses fundamentais para o desenvolvimento harmonioso do turismo.
Contudo, o ponto de partida para a ação internacional rumo à sustentabilidade no turismo
parece ter resultado diretamente dos efeitos da Rio 92 e, em particular, da Agenda 21, acordada
naquela ocasião e que definiu, como prioridade para o alcance da proposta de desenvolvimento
sustentável, o estabelecimento, a adoção e a implementação de códigos de conduta para a indústria,
entre inúmeros outros pactos delineados para orientar um novo modelo de desenvolvimento para o
século XXI. Com base nessa perspectiva, a OMT publicou a Agenda 21 para a Indústria de Viagem e
Turismo para o Desenvolvimento Sustentável (WTO, 1995a), na qual foram definidas diretrizes para
orientar governos e demais organizações da sociedade com esse objetivo. Nela foram também
identificados alguns eixos prioritários de ação para subsidiar um futuro programa de turismo
sustentável no plano global.
Entretanto, evidentemente, iniciativas como essas só poderiam avançar a partir de um
processo de mudança comportamental e uma ética institucional cidadã, uma vez que o
desenvolvimento turístico depende claramente da qualidade do conjunto do patrimônio natural e
cultural de uma dada localidade com potencial turístico. Da mesma forma, para tal, seria necessário
admitir que o turismo gera impactos significativos tanto no ambiente natural como no social, o que
exigiria, por pressuposto, a construção de Códigos de Ética a ele dirigidos. Assim, ainda na década de
1990, a UNEP (1995) publicou um documento intitulado Códigos Ambientais de Conduta para o
Turismo, com o objetivo de compilar, sistematizar e divulgar os códigos existentes e fornecer
diretrizes para outros documentos com esse objetivo no futuro. Ou seja, imediatamente após a Rio 92,
inúmeras iniciativas com esse objetivo passaram a ser colocadas em andamento, no sentido de
promover práticas sustentáveis no turismo, no plano do Sistema das Nações Unidas.
Nesse movimento inspirado pela Rio 92, em 1995, foi pactuada a denominada Carta de
Lanzarote (ou Carta de Turismo Sustentável), resultante da Conferência Mundial de Turismo
Sustentável, naquela mesma cidade, quando se discutiu a tendência de expansão global do turismo de
massa, com consequências diretas na ampliação da pobreza e na segregação social, principalmente nos
países subdesenvolvidos (WTO, 1995b). Com esse reconhecimento, na ocasião, foram acordados
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princípios e objetivos para orientar o desenvolvimento do turismo em bases sustentáveis.
5
Nesse
documento, em um real esforço de articulação interinstitucional no plano global, foi enfatizada a
necessidade de se desenvolver o turismo a partir do compromisso de conservação do “capital natural e
cultural”, especialmente no caso das áreas protegidas. Da mesma maneira, foi reafirmada a
preocupação em se considerar como pressuposto para a conservação e a gestão patrimonial a
integração entre natureza e cultura. Além disso, buscou-se traduzir nesse documento a compreensão
do turismo como caminho possível para o desenvolvimento sustentável, na articulação entre as
dimensões natural e cultural envolvidas no processo.
Ao final de década de 1990 foi publicada ainda a Carta Internacional para o Turismo
Cultural (UNESCO, 1999)
6
, em articulação com o documento Base para a Ação, que enfatizou a
necessidade de integração de valores culturais no planejamento social e econômico, e a realização de
uma ação transversal capaz de promover a integração entre as organizações vinculadas ao turismo e
entre elas e aquelas de competência na gestão de patrimônio natural e cultural, buscando-se a
salvaguarda da diversidade cultural e do direito de manifestação cultural das populações autóctones
e/ou tradicionais.
No mesmo ano foi também pactuado o Código Mundial de Ética para o Turismo: por um
turismo responsável (WTO, 1999)
7
, referência desde então nesse debate, que reafirma o direito ao
turismo e à liberdade dos deslocamentos turísticos, além do compromisso de promoção do
ordenamento turístico equitativo, responsável e sustentável, em benefício de toda a sociedade.
Assim, na década de 1990, foram traçados, no plano do Sistema das Nações Unidas, alguns
dos principais parâmetros éticos para o desenvolvimento do turismo em bases sustentáveis, os quais
passaram a inspirar, nos anos seguintes, novas narrativas para a interpretação do turismo como
fenômeno global contemporâneo.
Não se pode negligenciar, nessa breve retrospectiva, a influência dos denominados Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio (ou as denominadas Metas do Milênio) pactuados em 2000 e
projetados para se pensar o desenvolvimento no horizonte de 2015 (UN, 2000). Esses objetivos
priorizaram as questões sociais do desenvolvimento, com uma ênfase central nos compromissos de
redução da pobreza e combate à fome, que passaram a exigir novos alinhamentos também no plano
das políticas setoriais de turismo, em função do reconhecimento dos graves riscos sociais decorrentes
do modelo vigente de desenvolvimento. Na esteira dessas narrativas, alguns anos depois, em 2005, a
5
Isso ocorreu por meio da uma parceria entre a UNESCO, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o Centro de
Patrimônio Mundial da Comissão Europeia, a Divisão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e a própria Organização
Mundial do Turismo.
6
Pelo Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS), vinculado à UNESCO.
7
O documento foi um resultado de um amplo processo de consulta aos vários segmentos da sociedade.
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UNEP publicou o documento Integrando Sustentabilidade em Negócios: Um Guia de implementação
para Coordenadores de Turismo Responsável (UNEP, 2005b), de forma a traduzir as premissas do
desenvolvimento sustentável para os agentes responsáveis e/ou coordenadores de instituições do setor
turístico, no sentido de orientar suas práticas cotidianas.
Dez anos depois, em comemoração aos vinte anos da Conferência Mundial de Turismo
Sustentável (Lanzarote), a Carta de Turismo Sustentável +20 (UNWTO, 2015) expressou alguns dos
avanços obtidos nesse processo, que teve início, de maneira mais evidente a partir da década de 1990.
Esse documento reafirmou com clareza a visão do turismo como vetor de transformação social e via
potencial para a geração de benefícios às comunidades locais, buscando fomentar iniciativas
inovadoras e assegurar as salvaguardas dirigidas à proteção do patrimônio natural e cultural. Nessa
Carta se fez ainda referência ao significado da própria experiência turística. Além disso, na Carta de
Lanzarote +20 se passou a defender a integridade dos “tesouros do planeta”, em um sentido ético e de
responsabilidade planetária
8
.
Sendo assim, uma mudança progressiva vem sendo observada no viés narrativo que orienta o
discurso oficial de políticas públicas setoriais de turismo, possivelmente em resposta ao
reconhecimento dos efeitos da crise contemporânea e também traduzidos nas demais políticas públicas
globais. Não por acaso, no âmbito das Nações Unidas, 2017 foi declarado como o Ano Internacional
do Turismo Sustentável.
Os últimos anos têm sido também emblemáticos para o reconhecimento do agravamento da
crise global, em termos de aumento da pobreza, da desigualdade social, da emergência climática, da
erosão da biodiversidade, dos riscos crescentes associados à segurança hídrica e alimentar, e das
inúmeras tensões econômicas, políticas e geopolíticas que transformam a sociedade contemporânea
em uma espécie de “bomba relógio”. Assim, em 2015 foram também acordados, no âmbito das
Nações Unidas, a Agenda 2030 (UN, 2015a) e o Acordo de Paris (UN, 2015b).
O Acordo de Paris teve o objetivo de alertar a sociedade global para a urgência, em termos
de mudança no paradigma de desenvolvimento, ao advogar uma economia de baixo carbono e padrões
sustentáveis de produção e consumo. A Agenda 2030 se traduz nos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS)
9
que, em seu conjunto, expressam as dimensões econômica, social e ambiental do
desenvolvimento e buscam orientar um plano de ação global para se pensar o futuro do planeta,
considerando como pressupostos a prosperidade, a paz universal e a liberdade a partir do
8
Esta leitura contrasta claramente com o texto da Carta de Lanzarote de 1995, no qual natureza e cultura são interpretadas como “capital”,
com base na lógica mercadológica vigente à época, que esteve na base da concepção daquele documento, conforme discutido anteriormente.
9
Este pacto foi firmado com ênfase em dezessete dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, sendo os mesmos traduzidos em 169 metas,
sob o legado dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que buscaram concretizar principalmente avanços sociais para uma sociedade
mais justa.
TURISMOS, SUSTENTABILIDADES E
PANDEMIAS: INCERTEZAS E CAMINHOS
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reconhecimento de que a erradicação da pobreza constitui, na atualidade, o maior desafio global a ser
enfrentado, sendo um compromisso indispensável para que se possa alcançar o desenvolvimento
sustentável.
Assim, nessa breve retrospectiva de políticas públicas globais, merece atenção o documento
recente da Organização Mundial de Turismo (OMT), em parceria com o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD), intitulado em português, Turismo e os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável: caminho para 2030 (UNWTO, 2017b), que tem como objetivo discutir
as oportunidades e desafios para o turismo nesse contexto. Esse documento aborda, dentre outros
temas, a governança no turismo, as expectativas com relação ao setor privado e os mecanismos de
financiamento para o turismo sustentável. Porém, nele são expressas algumas contradições evidentes
com relação ao próprio significado de sustentabilidade adotado para orientar a narrativa. No primeiro
capítulo, por exemplo, o foco se dirige às oportunidades e desafios “para o crescimento do turismo”
em bases sustentáveis, mas é enfatizada também a necessidade de aprimoramento do processo de
governança. No segundo, dedicado ao setor privado, o texto se concentra nas tendências para a
competitividade no setor, com uma ênfase evidente dirigida à questão da ecoeficiência e aos aspectos
operacionais e de logística em turismo, embora o tema da hospitalidade seja também abordado. Assim,
defende-se, contraditoriamente, a necessidade de uma postura ética e democrática, ainda que um dos
focos prioritários se dirija à competitividade no setor como caminho para que se possa alcançar o
denominado turismo sustentável na práxis turística. O terceiro capítulo, por sua vez, tem como foco os
mecanismos de financiamento necessários para assegurar esse direcionamento, enfatizando a
necessidade de que as alternativas com esse objetivo extrapolem aquelas em andamento por meio das
estratégias convencionais, no âmbito da Cooperação para o Desenvolvimento. Assim, embora o
documento reconheça o papel do turismo para o alcance direto e/ou indireto dos novos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável e enfatize alguns deles como prioritários, ele expressa um evidente viés
mercadológico para a interpretação do turismo, o que se traduz em contradições claras sobre a própria
leitura de sustentabilidade e sua tradução em práticas de fato sustentáveis no plano do
desenvolvimento turístico a médio e longo prazo.
Não se pode negligenciar, nessa análise, que esse documento foi publicado anteriormente à
Pandemia da Covid-19. Por essa razão, naquele momento, como seria de se esperar, parecia expressar,
em termos de planejamento turístico, as mesmas premissas que vêm historicamente orientando o setor,
apoiadas na crença de seu crescimento indefinido. Mas, dessa vez, as narrativas oficiais foram
construídas permeadas por nuances de ecoeficiência, em “adequação/adaptação” às tendências globais
expressas na articulação com a Agenda 2030.
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Assim, pode-se afirmar que, embora as dimensões socioambientais e éticas envolvidas no
debate sobre sustentabilidade venham sendo progressivamente internalizadas nas narrativas oficiais de
políticas públicas globais dirigidas ao turismo desde 1992, esse processo expressa inúmeras
contradições e se constrói sob o efeito de inúmeras ideologias em disputa, entre idas e vindas e
segundo as principais tendências globais. Sendo assim, levando-se em consideração esse campo de
forças, como projetar caminhos para o planejamento turístico, segundo uma perspectiva ética, no
contexto pós Pandemia da Covid-19 e no horizonte da Agenda 2030?
5 Projetando caminhos para a práxis turística no horizonte da Agenda 2030 e no contexto pós
Pandemia da Covid-19
Por todas as razões anteriormente discutidas, o primeiro passo para se projetar caminhos para
o turismo no horizonte da Agenda 2030 parece ser admitir que a discussão ética sobre
desenvolvimento turístico será inevitável nos próximos anos, principalmente no contexto pós
Pandemia da Covid-19 e na nova condição de “anormalidade” que caracteriza as incertezas dos anos
que estão por vir.
Isso porque o turismo induz transformações irreversíveis nas dinâmicas socioculturais,
ambientais e políticas, mas também é diretamente influenciado por elas para a sua concretização.
Além disso, o turismo pode representar um fator indutor de exclusão social, concentração de renda e
degradação ambiental se as questões de sustentabilidade em sentido amplo não forem internalizadas
em planejamento turístico. Mas, inversamente a esta tendência, o turismo pode também contribuir
efetivamente para a melhoria de qualidade de vida, para a redução das desigualdades sociais e para
salvaguardar a integridade do patrimônio natural e cultural, dependendo das premissas éticas adotadas
para o seu desenvolvimento. Nesse caso, a Agenda 2030 precisa ser entendida como um instrumento
pedagógico que traduz um pacto global por vezes excessivamente otimista, mas também contraditório
por representar a resultante de um campo de disputas, no contexto de uma sociedade capitalista
baseada em modos de produção e consumo, por pressuposto, insustentáveis.
Ainda assim, como dispositivo internacional de políticas públicas, ela tende a contribuir para
dar visibilidade às questões globais que estão no cerne do debate e também aos riscos que afetam toda
a sociedade planetária. E, por essa razão, pode representar uma via interessante para orientar ações de
políticas públicas dirigidas ao desenvolvimento em bases sustentáveis, em um claro cenário de crise
civilizatória. E, no caso específico do turismo, esse pode ser um exercício construtivo para o futuro
próximo. Para apoiar esse argumento, a seguir, no Quadro 3, se pretende, sintetizar um breve exercício
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da releitura de caminhos possíveis para a práxis turística, em conexão com os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (IRVING, 2018b).
Quadro 3. Matriz Síntese com as conexões possíveis entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (UN,
2015a) e a práxis turística
ODS
Conexões possíveis com a práxis turística
1. Acabar com a pobreza em todas as suas
formas, em todos os lugares:
A redução da pobreza, reconhecida como o maior problema a ser
enfrentado na atualidade implica, em tese, em sociedades mais
justas, com melhor distribuição de renda e oportunidades, além do
reconhecimento e respeito às diferenças. O turismo pode
representar, neste caso, uma importante via com esse
direcionamento se o seu desenvolvimento tiver como pressupostos
orientadores valores éticos capazes de influenciar novas práticas
empresariais, da gestão pública, da sociedade em geral e novos
comportamentos do próprio turista.
2. Acabar com a fome, alcançar a
segurança alimentar e melhoria da nutrição
e promover a agricultura sustentável:
Este compromisso pressupõe a integração das políticas públicas de
turismo com as políticas agrícolas, sociais e de desenvolvimento
regional, privilegiando a agricultura familiar, a economia circular e
de proximidade e a própria ressignificação do meio rural na sua
relação com as cidades. Isso implica na valorização dos modos de
vida e da cultura das populações rurais, assim como no fomento à
produção familiar orgânica e na adoção de novos comportamentos
de residentes e turistas, baseados em escolhas sustentáveis, como
inspirações essenciais para novas propostas de turismo rural e/ou
turismo de base comunitária. .
3. Assegurar uma vida saudável e
promover o bem-estar para todos, em todas
as idades:
A questão do bem estar e da vida saudável vem sendo discutida
nos últimos anos como um caminho essencial para a construção de
sociedades sustentáveis e para o enfrentamento da condição do
“mal estar contemporâneo” que resulta das incertezas da crise
civilizatória. Nesse caso, o turismo pode representar uma via
potencial indutora de vida saudável, bem-estar e de encontros na
diferença, embora esse seja um tema apenas marginalmente
tratado em planejamento turístico.
4. Assegurar a educação inclusiva,
equitativa e de qualidade, e promover
oportunidades de aprendizagem ao longo
da vida para todos:
O acesso à educação de qualidade constitui o primeiro requisito
para o exercício de cidadania e para a construção de sociedades
sustentáveis. Nesse sentido, o turismo pode representar uma via
privilegiada e lúdica de aprendizagem, uma oportunidade para os
encontros na diversidade e na natureza, na articulação entre o local
e o global, em uma perspectiva de formação cidadã. Inversamente,
a própria qualidade da experiência turística depende da condição
de educação e como essa se expressa na dinâmica sociocultural e
nos padrões de hospitalidade, em nível local.
5. Atingir a igualdade de gênero e o
empoderamento de todas as mulheres:
A mulher tem papel central na dinâmica familiar e também na
indução de novos comportamentos. Por essa razão, seu
engajamento em projetos turísticos tende a ser essencial para a
mobilização dos jovens e para o equacionamento das questões de
saúde e educação, que são fundamentais para o desenvolvimento
de iniciativas turísticas em bases sustentáveis. O protagonismo
feminino e a igualdade de gênero representam assim premissas
para o êxito de iniciativas turísticas.
6. Assegurar a disponibilidade e a gestão
O turismo depende da disponibilidade hídrica e da própria
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ODS
Conexões possíveis com a práxis turística
sustentável da água e saneamento para
todos:
qualidade da água, mas impacta perigosamente essa dinâmica, seja
pela pressão da demanda ou pelos seus efeitos diretos em termos
das pressões exercidas sobre os serviços de captação de água e
saneamento. Esse contexto ilustra com clareza um paradoxo ético
central para o debate relacionado à sustentabilidade no turismo e
exige novas perspectivas de planejamento no que se refere à gestão
da água e, sobretudo, ao direito de acesso à água de qualidade.
7. Assegurar o acesso à energia fiável,
sustentável, moderna e a preço acessível a
todos:
A urgência de estratégias para a transição energética, a própria
garantia do direito de acesso à energia e a questão do consumo
energético constituem temas centrais no debate sobre
sustentabilidade também no turismo, principalmente em razão do
Acordo de Paris (UN, 2015b). Sendo assim, projetos turísticos que
se desenvolvam sem essas salvaguardas, além de serem
insustentáveis em médio e longo prazos, tendem a estar sujeitos a
sérios riscos, em razão da emergência de novos padrões de
comportamento do próprio turista na escolha de destinos e também
de restrições legais crescentes no horizonte pós Pandemia da
Covid-19.
8. Promover o crescimento econômico
inclusivo e sustentável, emprego pleno e
produtivo e trabalho decente para todos:
Este objetivo, a princípio contraditório em uma economia de
mercado, traduz os desafios a serem superados nos próximos anos
para o enfrentamento da condição crescente de desigualdade social
no plano global. Nesse caso, o turismo pode representar, em tese,
uma via para o delineamento de caminhos criativos para
economias de baixo carbono, capazes de gerar “empregos verdes”,
no contexto de uma sociedade sustentável. Importante enfatizar
que as crescentes desigualdades sociais têm representado uma das
principais causas para o aumento dos fluxos migratórios e
enrijecimento das fronteiras nacionais e, por consequência, para a
interrupção e/ou diminuição de fluxos e receitas turísticas por
razões geopolíticas.
9. Construir infraestruturas resilientes,
promover a industrialização inclusiva e
sustentável e fomentar a inovação:
O setor turístico tende a gerar pressão sobre as infraestruturas
existentes, mas é também indutor de infraestrutura e dinamização
dos espaços onde se desenvolve e, nesse caso, tem um importante
papel também nos processos de inovação e na mudança de
mentalidade e comportamento dos segmentos da economia que
tende a favorecer e/ou impactar, direta e/ou indiretamente. Assim,
em tese, pode contribuir para a disseminação de novas práticas que
envolvam a economia e o uso de energias renováveis e materiais
recicláveis, a economia de água e energia, além da difusão de
tecnologias para o reaproveitamento de subprodutos decorrentes
do processo e para a geração de “empregos verdes”, em uma
perspectiva de baixo carbono, conforme pactuado no Acordo de
Paris (UN, 2015b).
10. Reduzir a desigualdade dentro e entre
países:
A condição de desigualdade tende a gerar graves tensões sociais
que podem ser consideravelmente potencializadas pelo turismo
nos moldes vigentes e esse contexto está também na origem dos
próprios riscos ao seu desenvolvimento. Assim, o turismo,
ressignificado em bases sustentáveis, pode constituir-se como um
importante via para a redução das desigualdades sociais, se
conduzido a partir de um sentido de responsabilidade
compartilhada diante do reconhecimento dos efeitos da crise
civilizatória, cuja face mais perversa em uma sociedade capitalista
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ODS
Conexões possíveis com a práxis turística
é a desigualdade e a concentração de renda ou de oportunidades
para alguns, em detrimento da maior parte da população global.
11. Tornar as cidades inclusivas, seguras,
resilientes e sustentáveis
O processo crescente de urbanização coloca as cidades e seu
significado no centro da discussão ética sobre sustentabilidade no
turismo. Nessa discussão, uma questão-chave se refere à qualidade
de vida urbana, na qual se inclui o tema da segurança que tem
afetado e colocado em risco, em inúmeros contextos, o próprio
avanço do setor. A construção de cidades sustentáveis vem se
tornando, assim, um movimento global por meio do denominado
C40, uma rede com esse objetivo, que envolve as cidades mais
importantes do mundo e que progressivamente vem influenciando
novas práticas em planejamento urbano e induzindo novas
escolhas de destinos turísticos.
12. Promover a produção e o consumo
sustentáveis:
A reflexão crítica sobre os modos de produção e consumo e a
busca por novas dinâmicas em bases sustentáveis, estão no centro
do debate ético contemporâneo. Assim, novos comportamentos
em prol de escolhas mais responsáveis e o combate ao desperdício,
bem como práticas para a minimização de resíduos e sub produtos
do desenvolvimento constituem pré-requisitos para a construção
de sociedades sustentáveis, sendo o trade turístico central nesse
processo Além disso, a emergência de perfis dos denominados
“turistas cidadãos” tem induzido novos comportamentos em
termos de consumo também no caso do turismo.
13. Assegurar medidas urgentes para
combater as mudanças climáticas e os seus
impactos:
Os riscos decorrentes do aquecimento global como uma das
consequências mais visíveis dos modos de produção e consumo
insustentáveis que caracterizam a sociedade contemporânea
reconhecidos desde a Convenção das Mudanças Climáticas (UN,
1992a) representam um dos principais desafios a serem
enfrentados no horizonte de 2030. Nesse sentido, o Acordo de
Paris (UN, 2015b) define caminhos possíveis capazes da apoiar a
transição para uma economia de baixo carbono. Nesse sentido,
diversos projetos e programas vêm sendo desenvolvidos nos
últimos anos em planejamento turístico, de forma a garantir que o
turismo possa se desenvolver como um catalisador de
transformações e comportamentos sociais necessários, na
perspectiva de construção de sociedades sustentáveis. Da mesma
forma os resultados do aquecimento global representam uns sérios
entraves ao próprio turismo
14. Conservar, de forma sustentável, os
oceanos, mares e recursos marinhos para o
desenvolvimento sustentável
As dinâmicas ecológicas nas zonas marinha e costeira
condicionam e são condicionadas, sobretudo, pelos modos de vida
a elas associados e pelas intervenções que nelas ocorrem. Assim, o
turismo afeta e é influenciado diretamente por essas dinâmicas.
Esses ambientes, que estão no centro do interesse turístico, se
caracterizam por uma elevada biodiversidade sob forte ameaça,
que constitui prioridade global no âmbito da Convenção sobre
Diversidade Biológica (UN, 1992b). Nesses ambientes, o turismo
caracterizado pela tipologia de “sol e praia” tem gerado inúmeros
impactos perversos, não apenas com relação aos riscos de extinção
de diversas espécies e degradação de ecossistemas frágeis, mas
também nos modos de vida das populações ali residentes,
normalmente excluídas do processo. Essa prática turística
insustentável precisaria, assim, ser substituída por novas
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ODS
Conexões possíveis com a práxis turística
alternativas, centradas em estratégias de valorização da
sociobiodiversidade local, a partir de estratégias de articulação
entre natureza e cultura.
15. Proteger, restaurar e promover a
utilização sustentável dos ecossistemas
terrestres, gerir as florestas de forma
sustentável, combater a desertificação,
travar e reverter a degradação da terra e
estancar a perda de biodiversidade:
A Convenção sobre Diversidade Biológica (UN, 1992b)
estabeleceu como objetivos a proteção e o uso sustentável da
biodiversidade de forma equitativa e responsável. Contudo, o
turismo, nos moldes atuais, é ainda entendido como “consumidor
de naturezas e culturas”. Nesse caso, a natureza é destituída de seu
valor intrínseco, passando a ser decodificada pelo mercado
turístico apenas como atrativo, o que está na origem de inúmeros
riscos à sociobiodiversidade em ambientes terrestres. Mas ao
contrário das tendências atuais, o turismo pode representar, no
futuro, uma via para a reconexão entre natureza e cultura,
contribuindo para induzir mudanças comportamentais dirigidas à
proteção da sociobiodiversidade.
16. Promover sociedades pacíficas e
inclusivas para o desenvolvimento
sustentável, conceder o acesso à justiça
para todos e construir instituições eficazes,
responsáveis e inclusivas em todos os
níveis:
As graves condições de desigualdade e exclusão social no mundo
têm sido responsáveis por inúmeras tensões que, por sua vez, estão
na origem de um contexto de insegurança e incertezas no plano
global, o que tem influenciado o aumento dos fluxos migratórios e
o fechamento progressivo de inúmeras fronteiras nacionais, com
impactos crescentes e evidentes na dinâmica do próprio turismo.
Nesse caso, o turismo poderia contribuir para induzir novos
comportamentos, capazes de transformar a própria sociedade e se
reinventar como uma via possível para a construção de sociedades
pacíficas, mais tolerantes, justas e sustentáveis.
17. Fortalecer os meios de implementação
e revitalizar a parceria global para o
desenvolvimento sustentável:
Meios de implementação à altura da complexidade dos desafios
representados pelos ODS implicam em novas formas de
governança, parcerias e dinâmicas institucionais, globais, além da
transversalidade em políticas públicas. Sendo assim, as políticas
públicas de turismo, por razões óbvias, não podem estar à margem
desse movimento. Como indutor de mudanças e transformação
social, consumidor de espaços e de patrimônio, o turismo não
pode mais ser decodificado em políticas públicas setoriais, sem
que sejam consideradas as dimensões sociais, ética, política e
geopolítica que envolve. Sendo assim, os meios de implementação
com esse direcionamento devem estar dimensionados em sintonia
com a complexidade que caracteriza esse fenômeno global.
Fonte: Adaptado de Irving (2018b)
Importante mencionar ainda que, segundo a OMT (UNWTO, 2017) o turismo tem papel
essencial para a implementação da Agenda 2030, porque representa aproximadamente um décimo do
PIB mundial e dos empregos diretos e indiretos gerados no plano global. Mas, para a OMT, três ODS
são mencionados com maior destaque para o turismo: os ODS 8, 12 e 14. O ODS 8 porque busca
promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, além do emprego pleno e
produtivo e do trabalho decente para todos. Nesse caso, o turismo é reconhecido como uma das forças
motrizes para o crescimento econômico global. No caso do ODS 12, que incide sobre padrões
sustentáveis de produção e consumo, o argumento defendido é que o turismo pode funcionar como via
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potencial para incentivar boas práticas com esse objetivo, seja pela perspectiva do “consumidor” ou
das organizações envolvidas no setor. No caso do ODS 14, o argumento que o justifica parte do
reconhecimento de que o turismo costeiro e marítimo gera um importante impacto global,
principalmente no caso de Estados Insulares que dependem de ecossistemas marinhos saudáveis.
Nesse caso, o desenvolvimento turístico nesses ambientes deveria estar em sintonia com um processo
de gestão integrada da zona costeira, no sentido de contribuir para conservar e preservar ecossistemas
frágeis e funcionar como caminho para promover a denominada “economia azul”.
Mas por que a priorização desses ODS em detrimento dos demais? Provavelmente pelo viés de
mercado que inspira essa narrativa, embora o exercício da matriz anterior tenha ilustrado,
pedagogicamente, algumas das inúmeras e potenciais interfaces diretas e/ou indiretas do turismo com
todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, quando este é decodificado por meio das
dimensões socioambientais, éticas e políticas envolvidas, conforme anteriormente discutido e
defendido nesse ensaio.
A matriz anterior ilustra ainda que, na perspectiva de planejamento turístico, é fundamental
que no plano da ação governamental sejam incentivadas iniciativas de planejamento regional integrado
e uma ação transversal em políticas públicas. Isso porque a abordagem fragmentada de políticas
públicas dirigidas ao turismo tem resultado, com frequência, em uma distorção de interpretação sobre
as diferentes faces do fenômeno e como ele se expressa no lugar turístico e na própria relação local-
global.
6 Sintetizando o debate: entre tendências e incertezas pós Pandemia da Covid-19
Estimativas recentes da OMT (UNWTO, 2020), baseadas em projeções globais apoiadas na
dinâmica de fechamento de fronteiras e nos inúmeros riscos associados às dinâmicas das viagens, em
função da Pandemia, indicam, globalmente, a perda de mais de 100 milhões de empregos e 1 trilhão
de dólares em termos de impacto econômico, uma vez que, segundo esse documento, 1 bilhão de
turistas deixarão de circular pelo mundo. E, com as inúmeras incertezas que permeiam esse novo
cotidiano e considerando ainda o agravamento provável da crise sanitária nos próximos meses, essas
estimativas podem ser ainda superiores àquelas anteriormente previstas. Reconhecendo uma redução
de 80% na dinâmica de viagens, com relação ao período anterior à Pandemia, a sua recuperação
dependerá, certamente, de uma série de acordos internacionais e protocolos a serem estabelecidos por
governos nacionais e subnacionais. Da mesma forma, como resultado dos efeitos da Pandemia tendem
a ser evidentes, globalmente no plano de políticas públicas, mudanças de rumo, no sentido de
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redefinição de prioridades e delineamento de estratégias emergenciais para a recuperação da economia
e no turismo, especificamente, esse movimento não será diferente.
No documento da OMT intitulado em português Diretrizes Globais para o Reinício do
Turismo (UNWTO, 2020) são delineadas algumas recomendações para a recuperação do turismo nos
próximos anos. Segundo essa fonte parece evidente que a ênfase será dirigida à proteção de empregos,
às questões de segurança pública, à manutenção das atividades de empresas de pequeno e médio
porte, à gestão das fronteiras e à necessidade de harmonização de protocolos sanitários com o apoio de
novas tecnologias. O documento reconhece, ainda, ser o tema da sustentabilidade estratégico para o
processo de retomada do turismo no contexto pós Pandemia. Esse caminho parece, portanto,
irreversível diante do que representou e vem representando a Pandemia também como oportunidade
de reflexão sobre os próprios modos de existir em sociedade. Mas de que maneira o debate complexo e
polissêmico sobre sustentabilidade será traduzido em planejamento turístico? Essa é uma questão que
merece reflexão.
Nesse sentido, Kock et al. (2020) discutem também que, em algum momento futuro, a
Pandemia talvez possa ser controlada, que as barreiras às viagens possam ser suspensas e que a
circulação de turistas possa ser reestabelecida globalmente. Mas, segundo os autores, são ainda
inúmeras as incertezas sobre -o que de fato poderá acontecer no período pós Pandemia. Também por
essa razão os impactos econômico, social e ambiental desse período prolongado de estagnação
econômica só poderão ser estimados efetivamente após o (re)início das viagens no plano global.
Entretanto, em qualquer hipótese parece inegável que o contexto da Pandemia resultará em mudanças
comportamentais significativas dos turistas, com consequências diretas em suas escolhas. Nesse caso,
não se pode minimizar que o tempo de confinamento em todo o mundo também representou uma
oportunidade ímpar para a reflexão sobre o próprio modo de funcionamento da sociedade
contemporânea e, talvez nesse movimento, horizontes mais sustentáveis tenham passado a compor o
“cardápio” do desejo coletivo. Assim, nesse cenário de incertezas e na perspectiva de reconstrução das
bases de um novo sistema mundo e da emergência possível de um perfil de “turista cidadão”, o
turismo precisará ser ressignificado e as políticas públicas com esse objetivo, integralmente revistas.
E, se anteriormente à Pandemia, a opção de viagem ou a escolha de um “destino turístico”
resultava principalmente de um balanço entre imaginários previamente construídos, custos e condições
de infraestrutura e/ou entretenimento, nos tempos que virão essas escolhas poderão traduzir outros
parâmetros associados à própria qualidade da experiência turística. Por conseguinte, escolhas
resultantes de uma reflexão profunda que passa a agregar, progressivamente na relação
custo/benefício, riscos e desconfortos de toda ordem, como a complexidades de protocolos sanitários,
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as restrições migratórias e também as salvaguardas socioambientais, a partir do reconhecimento do
turismo como indutor de impactos graves e de amplo alcance, como o aquecimento global, a erosão da
biodiversidade e o agravamento dos processos de exclusão e desigualdade social, entre tantos outros
problemas que a pandemia vem contribuindo para tornar ainda mais visíveis.
Assim, o “novo turista” (até aqui tão negligenciado em planejamento turístico), em termos de
suas escolhas, passa a adquirir centralidade no debate. Isso porque mais do que um mero viajante nas
estatísticas turísticas, esse tende a atuar, cada vez mais, como protagonista de um processo de
transformação social e, por essa razão, estará no centro da dinâmica turística nos tempos que virão.
Interessante mencionar nesse sentido que, em 2017, antes mesmo da Pandemia, o Instituto de Turismo
Responsável (RTI) e a Fundação Intermundial haviam lançado o Manifesto do Viajante
Responsável (RTI/FI, 2017), em articulação com a Agenda 2030. Esse documento representa, assim,
um exemplo recente de iniciativas possíveis nessa direção, a partir do próprio movimento social, que
poderão contribuir para influenciar novos comportamentos e práticas sustentáveis no turismo no
contexto pós Pandemia da Covid-19.
Vale ressaltar que, para além dos turistas, as populações residentes em localidades turísticas
têm e terão as suas vidas diretamente e irreversivelmente afetadas pelo processo. Sendo assim, não
podem ser interpretadas apenas como obstáculos aos interesses do trade turístico, como tem sido a
lógica do processo, pois elas são as reais protagonistas no turismo. E se não estiverem no centro das
estratégias de planejamento, o turismo continuará a funcionar como um consumidor ávido e perverso
de naturezas e culturas, em resposta direta aos interesses do mercado. No entanto, essa parece ser uma
opção inviável para o trade turístico em um cenário pós Pandemia da Covid-19, devido às razões
anteriormente discutidas, as quais colocam em risco o próprio segmento, mesmo considerando a
perspectiva de mercado.
Com relação ao trade turístico, especificamente, outro alerta parece também fundamental na
reflexão ética sobre sustentabilidade no horizonte pós Pandemia da Covid-19: natureza e cultura não
são apenas insumos para o processo são as matrizes de funcionamento da sociedade. Sem natureza
viva ou cultura pulsante não há turismo. Há deslocamento e viagem apenas, mas a “engrenagem
turística” não se sustenta, principalmente em um contexto de crise civilizatória e em tempos de
incertezas nos pós Pandemia.
Não menos importante nesta reflexão ética é o papel da própria academia na decodificação
desse fenômeno complexo e seus desdobramentos, assim como na formulação e implementação de
políticas públicas. A leitura cartesiana de mundo e as barreiras disciplinares enrijecidas constituem
graves obstáculos para se pensar o turismo em bases sustentáveis, como teoricamente argumentado na
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primeira parte desse ensaio. Turismo não é disciplina é fenômeno complexo contemporâneo, que
envolve inúmeras dimensões econômicas, sociais, ambientais, éticas, políticas, geopolíticas e
simbólicas. Assim, insistir na leitura acadêmica do turismo apenas pela perspectiva disciplinar,
operacional e/ou restrita à sua dimensão econômica, tende a contribuir, inevitavelmente, para agravar a
visão distorcida sobre o fenômeno, principalmente diante dos riscos e incertezas que o contexto da
Pandemia iluminou de forma pedagógica como nunca antes. Nesse sentido, diante de tantas tensões,
incertezas e questões sem resposta, para se pensar a sustentabilidade no turismo pós Pandemia da
Covid-19, parece fundamental que se compreenda que nada será como antes e o turismo precisaria de
fato se reinventar.
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... The motivations of new tourist profiles also play a role in fostering tourism development in these locations. As highlighted by de Azevedo Irving et al. (2020), "civic-minded" tourists tend to act with increasing sensitivity, seeking social transformation in the places they visit. Similarly, Veloso et al. (2021) support this notion by asserting that tourists are cultivating more ethical and sustainable profiles to enhance social responsibility in their travels. ...
... Consequently, tourism is intricately linked, both directly and indirectly, to all 17 SDGs. Specifically, the UNWTO identifies three SDGs that directly address tourism, namely, SDGs 8, 12, and 14, aiming to foster a more sustainable, inclusive, and responsible form of economic growth that contributes to global economic prosperity (UNWTO 2017;IPEA 2018;de Azevedo Irving et al. 2020). ...
... 2024, 14, 36 7 of 17 development strategy, giving visibility to social equality, in order to accelerate the progress of the 17 SDGs (Schwab and Malleret 2020;da Silva and Maracajá 2021). de Azevedo Irving et al. (2020) state that "tourism can also effectively contribute to improving quality of life, reducing social inequalities and safeguarding the integrity of natural and cultural heritage, depending on the ethical premises adopted for its development." According to the authors, the protagonism of the 2030 Agenda and the 17 SDGs results in international public policy action that contributes to the global issues present in the context of the debates on the subject and also the risks that affect global society as a whole. ...
Article
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Community-based tourism (CBT) operates on a paradigm of community self-governance wherein traditional communities assume the role of instigators and protagonists in the realm of tourism within their territories. Within this framework, CBT emerges as a means of realizing the sustainable development goals (SDGs) articulated in the United Nations’ Agenda 2030, outlined in 2015. The present study aims to compare three TBC communities with the SDG criteria and their contribution to the 2023 Agenda. To achieve this aim, we employed a methodological approach rooted in case study, leveraging secondary sources and adopting a qualitative methodology. The principal findings underscore that the three scrutinized CBT communities—Tekoá-Pirá, Chã de Jardim, and Amucafé, located in Brazil—directly contribute to the attainment of seven SDGs and indirectly influence two others. As prospective research avenues, we advocate exploring additional initiatives and implementing empirical studies to delve more profoundly into the realities of these communities.
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A massificação turística potencializa os impactos ambientais nas zonas costeiras, principalmente com a ascensão do Turismo de Sol e Praia. Os altos níveis de concentração humana resultam no crescimento desenfreado dos padrões de produção e consumo, e no consequente despejo de resíduos sólidos no ambiente natural. O objetivo deste estudo é analisar a percepção dos prestadores de serviços turísticos que trabalham na Praia de Ponta Negra, no Rio Grande do Norte, sobre a problemática dos resíduos sólidos e refletir acerca dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. Para tanto, utilizou-se como metodologia a pesquisa descritivo-exploratória, com abordagem metodológica quantitativa. Quanto aos procedimentos metodológicos, empregou-se a pesquisa bibliográfica e de campo. Para alcançar os objetivos propostos, foi aplicado um questionário in loco com 30 prestadores de serviços turísticos que atuam no local. Os resultados demonstram que a Praia de Ponta Negra está sendo impactada negativamente com o descarte inadequado dos resíduos sólidos, provenientes de sua utilização em massa, que acarretam em diversos problemas ambientais, dentre eles a atração de vetores de doenças, como os roedores.
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We are increasingly confronted with external factors that affect or promote sustainable tourism development. The pandemic triggered by COVID-19 has shown that to effectively manage uncertainty, it is essential to include perceived risk as a predictor variable. This study analyses residents′ support for sustainable tourism development in low-density territories and proposes a model that takes into account several known antecedents for this support (community attachment, community involvement, economic dependence, local government management of tourism, tourism impact) and gives relevance to the perception of risk, largely ignored in academic studies and from the residents′ perspective. A structured questionnaire was used for data collection, applied to a sample of 250 residents from Lamego-Portugal, a low-density territory. The data was analysed using the Structural Equation Modelling (SEM). The results show that perceived risk (associated with COVID) significantly affects the perceived costs of tourism, but has no direct influence on residents′ support for sustainable tourism development. This support is positively affected by community involvement, economic dependence, local government management of tourism and perceived costs. The results also show that community involvement and local government management of tourism have a positive impact on perceived benefits. The results can help tourism professionals strengthen sustainable tourism development programmes.
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Apesar da insustentabilidade do modelo de desenvolvimento vigente, o ecoturismo pode ser concebido sob uma perspectiva de oportunidades, capaz de fomentar estratégias de desenvolvimento territorial sustentável. As potencialidades do turismo podem contribuir para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial os ODS 1, 8 e 12. O objetivo deste artigo é identificar o ecoturismo como potencial de desenvolvimento territorial sustentável para a Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, Brasil. Os procedimentos metodológicos constituíram-se de revisão bibliográfica e estudo de campo, realizado com atores envolvidos diretamente no setor de turismo. Os resultados apontam que o ecoturismo pode ser uma alternativa de desenvolvimento territorial sustentável, por conciliar a relação dicotômica entre preservação do meio ambiente e desenvolvimento, embora aponte para a necessidade de melhorias na infraestrutura de recepção e visitação e na necessidade de conscientização coletiva dos atores sociais voltadas ao turismo sustentável como forma de atrair turistas que buscam, além do ecoturismo, conhecimento e experiência comunitária.
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Resumo Compreender a recepção de visitantes como uma prática social que ratifica o discurso de resistência dos povos originários abre espaço para a compreensão do fenômeno turístico por meio de inserção da dimensão política como perspectiva de análise. Assim, este estudo analisa a recepção de visitantes como um elemento de visibilidade e resistência por parte da comunidade Potiguaras do Catu no Estado do Rio Grande do Norte (RN)/Brasil. Para tanto, foi necessário percorrer diversos caminhos indo desde levantamento bibliográfico físico e na World Wide Web (WWW), à observação em mídias sociais e participante in loco por meio da vivência das experiências ofertadas na comunidade. Os resultados apontaram que há uma articulação de alguns grupos residentes locais que traz em seu bojo o discurso da existência de povos originários no RN, contradizendo, inclusive, aos discursos hegemônicos, da promoção institucional do turismo no estado, localizando, portanto, o ato de recepcionar como um discurso político de resistência.
Article
This paper aims to describe the dynamics of co-creation and co-destruction between different actors in the interactive value formation (IVF), in a service ecosystem, at its meso, macro and mega levels of aggregation, in the ecotourism sector during the Covid-19 pandemic. Four propositions were postulated: use of information, resources integration, feedback, and engagement. Research was divided into two phases: fuzzy-set Qualitative Comparative Analysis analysis (fsQCA) and interview content analysis, through case studies in Brazilian ecotourism destinations. Resources integration is a crucial pillar for the outcome of IVF during the service encounter phase. For post-service meeting phase, feedback emerges as a protagonist for the IVF result consolidation.
Chapter
This study aims to point out what measures were adopted at the local level to face the pandemic caused by COVID-19. The challenge of the current context lies in the pressures from the trade-off between the reopening of economic activities of a municipality in which tourism is the only economic activity and the recommendations for isolation and social distancing, except essential services. Utilizing documentary and content analysis, this study enabled the authors to consider the locus defined in the case study as a municipality of atomized governance, prioritizing economic aspects to the detriment of socio-environmental and socio-cultural aspects in the constituent phases of the crisis management modus now conferred and (re)adapted. Moreover, sustainable planning that proposes and harmonizes the recovery of the local tourism industry with the precepts of sustainability advocated by the United Nations was absent, given the impacts caused by COVID-19 in the post-pandemic scenario.
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Tourism represents a complex contemporary phenomenon that involves economic, social, environmental, ethical, political and symbolical dimensions and, for its interpretation, a multidimensional and interdisciplinary approach is essential, mediated by a critical political perspective. Nevertheless, tourism public policies are predominantly developed through a market or an economic bias, dissociated from other sectorial policies which tend to mask some essential issues in tourism planning. Based on these assumptions, this article aims to investigate, preliminarily, the global trends in terms of public policies aimed at the conservation of biodiversity, in its articulation with tourism, with emphasis on protected areas. The qualitative research was carried on based on bibliographic and documental analysis, considering the timeframe between 1992 - agreement by the Convention on Biological Diversity (CBD) - and 2019, year before the official Covid 19 Pandemic announcement. Evident efforts, at the global level, are recognized from the CBD, agreement, to articulate conservation of biodiversity and tourism public policies. However, this movement is still incipient in view of the growing risks to biodiversity and the urgency for tourism development on a sustainable basis, in the Post Covid 19 Pandemics context.
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Studies across the social sciences are making increasing use of an evolutionary perspective. Yet, despite its potential, the application of evolutionary psychology in tourism research is scant. Evolutionary psychology is arguably one of the most useful approaches to understanding the effects of the Coronavirus pandemic on the tourist's psyche. This research highlights, explains, and empirically demonstrates the vast untapped potential of this perspective for post-COVID-19 tourism research. The authors develop an Evolutionary Tourism Paradigm, which is based on biological epistemology and theory to address questions in post-COVID-19 tourism research. This paradigm is brought to life through a developed ocean and islands model, and its utility for future research endeavors on the Coronavirus pandemic is empirically demonstrated in two studies.
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strong> Resumo O presente artigo parte da observação de que os estudos turísticos estão passando por uma revisão das teorias desenvolvidas até o momento e das novas propostas que têm sido criadas nos últimos anos. A pesquisa em turismo ainda não conseguiu construir marcos conceituais estáveis e há carência de continuidade e complementaridade entre os estudos realizados, sendo estes, em grande maioria, com viés positivista. Isso ocorre, entre outros motivos, pelo desconhecimento de estudos realizados nos primórdios do desenvolvimento do turismo enquanto objeto de investigação. Além disso, há o desprezo quase que generalizado, por parte da corrente intelectual dominante, por tudo o que não seja publicado em língua inglesa. Essa crise dos estudos do turismo é reflexo de uma crise maior, que se manifesta em quatro aspectos principais: 1) a crise da universidade, 2) a crise na filosofia, 3) a crise dos valores culturais, humanos, morais e éticos e 4) a crise dos valores históricos. Os autores concluem que para construir tal conhecimento crítico nos estudos turísticos, será necessário basear-se nos valores e alicerces da Filosofia e da Epistemologia, caso contrário o conhecimento pouco avançará e ficará limitado às vontades e desejos de grupos “proprietários” do conhecimento turístico. Palavras-chave: turismo; crise; estudos críticos; filosofia; epistemologia. Abstract The starting point of this paper is the observation that studies in tourism have been through a review of the theories developed so far and that new proposals have emerged in recent years. Research in tourism has yet to be able to build steady conceptual boundaries and there is a lack of continuity and complementarity among studies, which bring mostly the positivist perspective. That happens, among other reasons, due to the unawareness of studies undertook in the early ages of tourism as an object of investigation. Furthermore, the majority of the intellectual mainstream disregards everything not published in English. This crisis in tourism studies is itself a reflex of a larger crisis manifested in for main aspects: 1) the crisis of universities, 2) the crisis in Philosophy, 3) the crisis of cultural, human, moral and ethical values, and 4) the crisis of historical values. The authors conclude that, in order to build such a critical knowledge in tourism studies, it is necessary to make use of values and principles from Philosophy and Epistemology, otherwise there will be no advances and tourism knowledge will be kept restrained by those who “own” it. Keywords : tourism; crisis; critical studies; philosophy; epistemology. Resumen El presente artículo parte de la observación de que los estudios turísticos están pasando por una revisión de las teorías desarrolladas hasta ahora y de las nuevas propuestas que han surgido en los últimos años. La investigación en turismo todavía no consiguió construir marcos conceptuales estables y hay una falta de continuidad y complementariedad entre los estudios realizados, teniendo una gran mayoría de ellos un sesgo positivista. Eso ocurre, entre otros motivos, por el desconocimiento de los estudios realizados en los inicios del desenvolvimiento del turismo en cuanto objeto de investigación. Además, existe el desprecio cuasi generalizado, por parte de la corriente intelectual dominante, por todo lo que no se publique en inglés. Esta crisis de los estudios de turismo constituye el reflejo de una crisis mayor, que se manifiesta en cuatro aspectos principales: 1) La crisis de la universidad. 2) La crisis en la filosofía. 3) La crisis de los valores culturales, humanos, morales y éticos. 4) La crisis de los valores históricos. Los autores concluyen que, para construir tal conocimiento crítico en los estudios turísticos, será necesario basarse en los valores y fundamentos de la Filosofía y de la Epistemología; en caso contrario, el conocimiento avanzará poco y se limitará a las voluntades y deseos de los grupos “propietarios” del conocimiento turístico. Palabras clave: t urismo; crisis; estudios críticos; filosofia ; epistemología. </p
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The article takes the publication, in 2009, of The Sage Handbook of Tourism Studies and The Sociology of Tourism: European Origins and Developments – two anthologies that review how tourism has been studied in the social sciences – as an opportunity to discuss the traditions represented and defended in each of these books, namely: a transatlantic Anglophone tradition, and a European continental one. Some of the main tendencies are identified, so as to propose, in the end, the “rematerialization” of tourism studies through the adoption of a local point of view that focuses on the practices, but is also sensitive to the asymmetries that are visible (or not) from the ground.
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The topic of sustainable tourism has emerged in the last decade as a result of discussions from the report Our Common Future. This paper reviews the development of the term, beginning with a discussion of the confusion arising from the imprecise and conflicting definitions of the concept, and the need to distinguish between sustainable tourism and the development of tourism on the principles of sustainable development. The paper then reviews the environmental focus of discussions of sustainable tourism and argues for the need to ensure that the concept includes and is applied to the human environment as well as the physical environment. Attention then shifts to problems of carrying capacity, control of tourism development, and the relevance of the term to mass or conventional tourism. The paper concludes with a discussion of the future direction of sustainable tourism and the likelihood of development moving in this direction.
Article
L'humanité doit désormais collaborer, pas simplement pour survivre, mais pour une qualité de la vie fondée sur des valeurs universelles qui protègent l'équilibre délicat de la vie qui est notre protection… La biodiversité est un terme clinique, technique pour qualifier cet équilibre de la vie dont nous dépendons. Nous, peuples autochtones, disons que nous faisons partie de cette vie ; ainsi ce que vous appelez des »ressources » sont pour nous des relations. Tout est dans la façon dont on les considère. Les peuples autochtones ont quelque chose à apporter à cette équation pour la survie… Nous avons des objectifs et des devoirs communs et, je vous le dis, vous qui êtes à la tête de cet immense espoir des peuples du monde, vous les Nations unies, vous devriez travailler à la paix avec nous et non pas contre nous. Nous vous le disons, tant que vous ferez la guerre contre Etenoha (la Terre mère), il ne pourra jamais y avoir de paix. » Le chef Oren Lyons de la nation Onondaga et de la Confédération iroquoise 1 Le concept de développement durable qui est objet d'importants investissements tant théoriques que pratiques, se fonde actuellement sur trois dimensions essentielles à savoir la solidarité sociale, l'efficacité économique et la responsabilité écologique. Ne réaffirmant pas l'importance de la dimension culturelle, le développement durable ne se présente pas comme un processus de civilisation permettant à chacun de nous de s'unir aux autres humains dans une dynamique d'échange de bonnes pratiques, de tolérance, de solidarité et de responsabilité afin de répondre aux besoins des générations actuelles sans toutefois hypothéquer ceux des générations futures. En partant des exemples puisés dans la réalité francophone négro-africaine, nous essayons de montrer que la socialisation des communautés locales à la compréhension des problématiques de développement durable passe par une reconnaissance de leur diversité culturelle créatrice et par un processus inéluctable d'interculturalité. D'où l'urgence d'interculturaliser le développement durable.
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Como definir sustentabilidade e assim possibilitar, em última análise, a prevenção de crimes contra o ambiente? São muitas as variáveis em jogo, e sempre haverá uma brecha em que se apoiar para cometer atos ilícitos. No entanto, em Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor, José Eli da Veiga afirma que a falta de uma definição clara de sustentabilidade não pode (e não deve) impedir medidas restritivas por parte do poder público. Um assunto atual de ampla discussão em vários segmentos da sociedade civil moderna.
Article
This article critically analyses the territories and tribes of tourism studies, an aim which initially divides into two objectives. The first of these is an epistemological enquiry which focuses on the nature and the structure of the field. The second objective is a sociological one which focuses on the culture and practices of academics in the field. However whilst this traditional distinction can bring some clarity to an initial understanding of tourism studies, additional insights into the complexity and dynamics of the field are obtained by adding a further layer of analysis. Here actor-network theory is deployed to link relevant objects and reveal academic networks.