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Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na consolidação de ativismos interseccionais

Authors:

Abstract

Neste artigo, baseado em investigação etnográfica realizada entre 2015 e 2019, discuto os impactos das relações entre movimentos sociais na consolidação de um ativismo interseccional. Trata-se de uma análise das redes nas quais atua o Aos Brados, um coletivo LGBTI, negro e da periferia fundado há mais de 20 anos em Campinas (São Paulo, Brasil). Aqui, demonstro como o grupo, ao circular por uma teia que conecta atores e movimentos distintos, passa a aderir e ressignificar noções e práticas políticas que circulam em tal rede. Ao analisar as atividades culturais que passaram a realizar a partir de 2008, evidencio a importância das relações entre ativismos na consolidação de uma identidade política coletiva e de um modo de atuar que valoriza as interseccionalidades, fato pouco explorado pela literatura sobre movimento LGBTI, em particular, e sobre movimentos sociais, de modo geral. Black, LGBTI and from the Favelas: The Impact of the Relationships between Movements in the Consolidation of Intersectional Activisms Abstract: In this article, based on an ethnographic investigation carried between 2015 and 2019, I address the impact of the relationships between social movements in the consolidation of an intersectional activism. The analysis is centered on the political networks of a black, peripheric and LGBTI organization: Aos Brados; founded in 1998 in Campinas (São Paulo, Brazil). Here, I demonstrate how, while moving through a web that connects different movements, the group reframes notions and practices circulating in this network. Through the analysis of the cultural activities that the group organizes since 2008, I reveal the significance of the relationships between social movements in the strengthening of a collective political identity and a form of acting that invests in intersectionality; a fact underexplored in the literature. Keywords: Social Movements, LGBTI Movement, Black Movement; Intersectional Activism
Negros, LGBTI e periféricos:
o impacto das relações entre
movimentos na consolidação
de ativismos interseccionais
4.
Negros, LGBTI e periféricos:
o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
Por Vinícius Zanoli*
Resumo: Neste artigo, baseado em investigação etnográca realizada entre 2015 e 2019, discuto os
impactos das relações entre movimentos sociais na consolidação de um ativismo interseccional.
Trata-se de uma análise das redes nas quais atua o Aos Brados, um coletivo LGBTI, negro e da
periferia fundado há mais de 20 anos em Campinas (São Paulo, Brasil). Aqui, demonstro como o
grupo, ao circular por uma teia que conecta atores e movimentos distintos, passa a aderir e res-
signicar noções e práticas políticas que circulam em tal rede. Ao analisar as atividades culturais
que passaram a realizar a partir de 2008, evidencio a importância das relações entre ativismos na
consolidação de uma identidade política coletiva e de um modo de atuar que valoriza as intersec-
cionalidades, fato pouco explorado pela literatura sobre movimento LGBTI, em particular, e sobre
movimentos sociais, de modo geral.
Palavras chave: Movimentos Sociais; Movimento LGBTI; Movimento Negro; Ativismo Interseccional.
Black, LGBTI and from the Favelas: The Impact of the
Relationships between Movements in the Consolidation
of Intersectional Activisms
Abstract: In this article, based on an ethnographic investigation carried between 2015 and 2019, I
address the impact of the relationships between social movements in the consolidation of an in-
tersectional activism. The analysis is centered on the political networks of a black, peripheric and
LGBTI organization: Aos Brados; founded in 1998 in Campinas (São Paulo, Brazil). Here, I demon-
strate how, while moving through a web that connects different movements, the group reframes
notions and practices circulating in this network. Through the analysis of the cultural activities
* Antropólogo, doutor em Ciências Sociais na área de Estudos de Gênero e mestre em
Antropologia Social, ambos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Brasil. Autor do livro Bradando contra todas as opressões! Ativismos LGBT, negros,
populares e periféricos, (ed. Devires, 2020). Tem interesse na área de Antropologia
da Política e experiência de pesquisa com movimentos sociais, movimento LGBT e
movimento negro no Brasil, com foco nas relações entre movimentos e nas interse-
cções Estado-ativismo. Contato: vzanoli@gmail.com.
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that the group organizes since 2008, I reveal the signicance of the relationships between social
movements in the strengthening of a collective political identity and a form of acting that invests in
intersectionality; a fact underexplored in the literature.
Keywords: Social Movements, LGBTI Movement, Black Movement; Intersectional Activism.
Cómo citar este artículo: Zanoli, Vinícius (2020). Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações
entre movimentos na consolidação de ativismos interseccionais. Revista Controversia, 215, 111-157.
Fecha de recepción: 22 de febrero de 2020
Fecha de aprobación: 13 de junio de 2020
Introdução
Além de seu potente uso na teoria social contemporânea, a abor-
dagem interseccional tem extravasado os limites das universida-
des, chegando, cada vez mais, às ações coletivas. Os ativismos
recentes no Brasil têm sido marcados pelo uso de categorias como “in-
terseccionalidade” ou pelo “combate a todas as formas de opressão”
(Rios, Perez, e Ricoldi, 2008; Zanoli, 2020). A literatura contemporânea
sobre a temática acentua a importância dos feminismos negros e o papel
das jovens negras em fazer com que o discurso político que se atenta à
inter-relação entre opressões ultrapasse os limites da “sociedade civil”,
isto é, de formas tradicionais de ativismo que apostam em mudanças
“democráticas” a partir de relações menos contenciosas com setores
estatais (Alvarez, Jeffrey, Thayer, Baiocchi, e Laó-Montes, 2017). Além
disso, ressaltam o investimento em uma política que articula as redes e
as ruas e que dá menos importância às relações com instâncias gover-
namentais (Gomes, 2019, Rios e Maciel, 2017-2018).
As diferentes abordagens interseccionais levam em conta as conexões e
relações entre distintas marcas de diferença, seus impactos em modos
como as desigualdades são conguradas e a maneira como tais dife-
renças estruturam distintos contextos políticos e sociais (Brah, 1996,
Crenshaw, 1989). Por esse motivo, o termo tem sido aplicado também
por outras formas de ativismo para descrever suas clivagens políticas
115Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
(Rios e Maciel, 2017-2018). Assim, sujeitos ligados ao movimento LGBTI,
por exemplo, principalmente quando marcam sua relação com ativismos
negros e feminismos negros, mas também com sujeitos que transitam
por outros movimentos sociais, passam a empregar essa terminologia.
Outros, mesmo que não tenham aderido ao uso do termo, têm ressaltado
a importância de lutar contra distintas formas de opressão (Bulgarelli,
2018, Facchini, 2018, Zanoli, 2020).
Ademais, estudos recentes ressaltam o aumento das relações ativistas
que resultam em aprendizados e trocas (Lopes e Heredia, 2014). Eles
sublinham também que, com o passar do tempo, movimentos tidos
como mais gerais, como sindicatos e partidos políticos, passaram a
conter em suas estruturas secretarias e setoriais ligados a movimentos
denominados de “identitários” ou “culturais”, como movimentos femi-
nistas, negros e LGBTI, por exemplo.
Este artigo procura contribuir com essa literatura, partindo da análise
das conexões entre as relações políticas, modos de atuação, produção
de signicado e o contexto político. Tal empreitada foi realizada a partir
de uma etnograa com foco no Aos Brados – um grupo ativista LGBTI,
negro e da periferia1 que, desde Campinas,2 atua a partir de uma rede
que conecta ativismos LGBTI, negros, populares e periféricos, como:
comunidades religiosas de matriz africana, grupos ativistas culturais
1 Neste artigo, periferia é uma categoria êmica, isto é, uma categoria produzida pelos
próprios interlocutores. No Brasil, esse termo tem sido utilizado para se referir a
regiões urbanas geralmente afastadas do centro da cidade. Esses locais são também
costumeiramente mais pobres e carecem de uma série de equipamentos e políticas
públicas. Algumas vezes, o termo é utilizado por meus interlocutores como sinô-
nimo de favela. No estado de São Paulo, o uso político do termo está fortemente
associado à literatura marginal, ao movimento hip-hop e à politização da ideia
de cultura de periferia (Nascimento, 2011).
2 Metrópole com mais de um milhão de habitantes situada no estado de São Paulo,
no Sudeste brasileiro, distando pouco mais de 100 km da capital do estado.
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negros e da periferia, coletivos LGBTI, partidos políticos, centrais sindi-
cais, dentre outros.3
Busco contribuir com a compreensão das trocas e aprendizagens entre
movimentos sociais, sublinhando que esse processo foi inuenciado
por relações estabelecidas entre movimentos, principalmente quando
da proliferação de políticas participativas durante o governo Lula (2003-
2011). Nesse período, foram criados ou consolidados uma série de
canais de interlocução entre Estado e ativismo e no qual militantes
passaram a compor os quadros da administração pública em distintos
níveis (Aguião, 2018, Feitosa, 2019, Gomes, 2019, Mello, Walderes, e
Maroja, 2012, Rios, 2014). O período é marcado também pela prolifera-
ção de organizações que tratam de questões que perpassam mais de um
campo movimentista, pela consolidação de um discurso de combate a
todas as formas de opressão e pelo compartilhamento de pautas entre
movimentos sociais tidos como distintos. Portanto, se em meados dos
anos 1970, discussões sobre gênero, sexualidade e raça em partidos
políticos, sobre sexualidade no movimento negro e sobre raça e racis-
mo no movimento LGBTI eram vistos por alguns como “separatismo”
(Gonzalez, 1982, MacRae, 1990), na atualidade, elas se mostram cen-
trais à existência de tais movimentos.
Uma das hipóteses da pesquisa da qual resulta este artigo é a de que,
hoje, estamos acompanhando não apenas uxos horizontais do fe-
minismo nos quais, discursos e práticas produzidas no bojo dessa
forma de ativismo têm extravasado os limites do próprio feminismo,
bem como daquilo que tem sido conceituado como “sociedade civil”
(Alvarez, 2014) –; é possível que outros movimentos sociais, como o
movimento negro, por exemplo (Lima, 2020), estejam passando por um
processo parecido, o que pode ajudar a explicar essa intensa circulação
entre eles.
3 Os dados foram produzidos, principalmente, por meio de observação participante
realizada entre 2015 e 2018, com o objetivo de mapear a rede de atores com
os quais o Aos Brados se relaciona, bem como as frentes e campos movimentistas
nos quais se insere. Realizei também análise documental no acervo do grupo e
entrevistas em profundidade com fundadores e membros atuais.
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Sônia Alvarez (2014) e seus colaboradores (2017) propõem que pen-
semos além do que tem sido conceituado enquanto “sociedade civil”,
visto que esse termo é limitante em dois sentidos. Em primeiro lugar,
porque foi construído, muitas vezes, em oposição ao Estado e, como
a literatura recente nos mostra, essa abordagem não condiz com a
realidade concreta, nem no Brasil, nem na América Latina. Em segundo
lugar, porque limita o modo como pensamos formas de atuação menos
institucionalizadas, como os ativismos online e o uso de mídias digitais,
além de formas tidas enquanto “menos cívicas”, como protestos não
pacícos, por exemplo. Ou seja, podemos pensar nesse extravasamento
dos discursos e práticas, tanto em direção ao Estado (verticalmente)
quanto para outras direções, dentro e fora dos limites do que tem sido
conceituado como “sociedade civil”. Ademais, Alvarez (2014) propõe
também que o que temos chamado de movimentos sociais são “cam-
pos discursivos de ação” que englobam uma gama de atores distintos
relacionados por meio de “redes político-comunicativas” que “se entre-
laçam em malhas costuradas por cruzamentos entre pessoas, práticas,
ideias e discursos (Alvarez, 2014, p. 18)”. Desses campos, fazem parte
tanto atores institucionais quanto atores menos institucionalizados.
Além disso, ela ressalta que o que ui por redes em um “campo” pode
vir de relações e coligações com outros campos movimentistas.
Neste artigo, proponho que o debate recente sobre o que tem sido cha-
mado de especicidades” denominado aqui de ativismo intersecional
– tem negligenciado o papel dos movimentos sociais na construção des-
sas “redes político-comunicativas”, dando ênfase ao papel do Estado,
não apenas enquanto principal interlocutor dessas redes, mas também
como principal articulador. A pesquisa aqui apresentada demonstra que
existem outros fatores para além do papel estatal, como os sujeitos
que atuam em mais de um movimento social e que fundam grupos,
frentes ou redes que articulam esses distintos movimentos em sua atu-
ação política, como é o caso do Aos Brados. Ou seja, não só o Estado,
mas esses sujeitos ligados a diversos movimentos sociais têm papel
central na consolidação de redes que conectam distintas formas de ati-
vismo e que fazem circular repertórios e enquadramentos especícos.
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consolidação de ativismos interseccionais
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Aqui, a partir da atual forma de atuação do grupo, as apresentações
culturais,4 exploro o modo pelo qual seus ativistas, ao circularem por
campos discursivos de ação que articulam políticas variadas – como a
política LGBTI, o hip-hop, a luta contra o racismo e a conservação da
cultura e a tradição negra –, mobilizam um conjunto de repertórios5
de atuação que é aprendido no contato com esses campos. Portanto, se,
como aponta Tilly (1993), é na e por meio da luta que os repertórios
de atuação são aprendidos e atualizados, é por meio do envolvimento
dos ativistas do Aos Brados nesses distintos campos discursivos de ação
que as atividades culturais6 são forjadas enquanto forma de luta. Tais
atividades dizem respeito à segunda fase de atuação do Aos Brados,
que se iniciou em 2008, quando o grupo passou a ter um contato mais
orgânico com o que chama de ativismo cultural negro.
O olhar para tais atividades segue na esteira de debates da antropologia
política brasileira, que tem ressaltado a importância da compreensão do
“ponto de vista nativo na política”. Essa compreensão nos permite não
apenas pensar como a política é pensada e vivida, mas também como
se constitui a partir de relações em nível local (Palmeira e Barreira,
2004). Assim, ao apresentar as mudanças na forma de atuar do grupo,
o artigo procura compreender as próprias noções êmicas de cultura,
buscando, a partir disso, demonstrar o impacto das relações entre os
ativistas – sem desconsiderar as relações com o Estado – nos modos de
atuar e de dar sentido à luta que circulam pela rede analisada. Ainda
4 Neste artigo, as categorias êmicas serão grafadas em itálico. Ainda assim, nem
todas serão objeto de escrutínio da análise, apenas que seu uso mais corrente por
parte dos ativistas será demarcado. Quando forem analisadas, isso será ressaltado
no texto.
5 Apresento a denição mais adiante no texto.
6 A diferença entre atividade cultural e apresentação cultural está no modo como são
realizadas e organizadas: as atividades culturais são eventos que congregam uma
série de apresentações culturais, como danças, performances de drag queens, entre
outros. Esse termo é empregado por outros grupos que se concebem enquanto
ativistas culturais para descrever suas atividades, geralmente com uso de música e
apresentações artísticas (Giesbrecht, 2011b).
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que o uso da ideia de cultura não seja uma novidade no que diz res-
peito ao movimento negro (Silva, 2009), ela passou a ser explorada por
ativistas LGBTI apenas recentemente e a análise de seus usos por essa
forma de ativismo ainda é incipiente (Braz, 2014). Aqui, ao tomar as
atividades culturais como a principal forma de atuação do Aos Brados,
procuro demonstrar como elas são uma das expressões do ativismo
interseccional do grupo, que relaciona não apenas repertórios, mas
também enquadramentos advindos do movimento negro e dos movi-
mentos culturais de periferia e ressignica suas próprias maneiras de
atuar e de dar sentido à luta.
Considerando as discussões acima, o artigo foi organizado da seguinte
maneira: na próxima seção, apresento alguns dos conceitos fundamen-
tais empregados; em seguida, reitero que as relações entre movimento
negro e movimento LGBTI não são fenômenos recentes, contudo, foram
pouco trabalhadas pela literatura; depois, realizo um debate crítico com
trabalhos recentes sobre ativismo LGBTI, demonstrando que, ao procurar
entender processos de “especicação” do sujeito político do movimen-
to, esses trabalhos privilegiam as relações entre movimento e Estado,
dando pouca relevância às relações entre os ativismos, o que pode
deixar de lado um dos principais fatores que leva ativistas a fundarem
grupos voltados a tais “especicidades”; na sequência, apresento duas
das atividades realizadas pelo Aos Brados, demonstrando como, a par-
tir delas, o grupo aciona repertórios de atuação presentes no movimen-
to negro, ao mesmo tempo que ressignica outros que já empregava.
Definindo conceitos fundamentais
O conceito de repertório foi primeiramente empregado por Charles Tilly
em 1977 para descrever formas de ação coletiva (Bringel, 2012). De
acordo com Tilly, “a palavra repertório identica um conjunto limitado
de rotinas que é aprendido, compartilhado e traduzido em ações por
meio de um processo relativamente deliberado de escolhas (Tilly 1993,
Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
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p. 264, tradução minha)”.7 Ainda que tenha sofrido mudanças ao longo
da carreira de Tilly, o conceito se manteve fortemente ligado a ideias
que representam movimentos sociais enquanto ações coletivas con-
tenciosas. Como uma série de autores tem ilustrado, essa ideia está
ligada a perspectivas que compreendem movimentos sociais e Estado
como opostos (Banaszak, 2005). Entretanto, estudos recentes têm indi-
cado que movimentos sociais estão envolvidos em complexas relações
com agências governamentais e funcionários públicos (Abers, Silva, e
Tatagiba, 2018, Alvarez, 2014, Alvarez, Jeffrey, Thayer, Baiocchi, e Laó-
Montes, 2017, Zanoli, 2020).
Desse modo, seguindo as discussões de Sonia Alvarez (Alvarez, 2014),
movimentos sociais são compreendidos aqui como “campos discursi-
vos de ação” formados por sujeitos que ocupam posições tanto dentro
quanto fora do aparelho estatal. Ademais, parto de discussões que
apontam para a necessidade de adaptação do conceito de repertório.
Assim, como proposto por Rebecca Abers, Lizandra Seram e Luciana
Tatagiba (2014), além de repertórios contenciosos é possível falar em
repertórios colaborativos. Nesse sentido, pode-se compreender o termo
como uma metáfora que se refere a formas de ação de maneira ampla.
Portanto, tomo repertórios como um conjunto de formas de atuação
utilizado por ações coletivas para propor, pressionar por, ou realizar
mudanças sociais, políticas e culturais baseadas em projetos e visões de
mundo dos ativistas. Procuro demonstrar assim, como as relações entre
os ativismos têm impacto não apenas nos repertórios empregados, mas
também como essas relações e a utilização e adaptação de repertórios
mais empregados por outros movimentos sociais impactam no modo
como os ativistas dão sentido à luta.
Para dar conta desses processos de produção de signicado, os estudos
de movimentos sociais têm utilizado, principalmente, a “perspectiva
7 Original: “the word repertoire identies a limited set of routines that are learned,
shared, and acted out through a relatively deliberate process of choice.”.
121
dos frames”, ou “enquadramentos”.8 David Snow, Burke Rochford, Jr.,
Steven K. Worden e Robert Benford (1986) desenvolveram tal perspecti-
va sob inuência da abordagem interacionista simbólica acerca dos fra-
mes empreendida por Goffman (1974). Como nos demonstram alguns
de seus fundadores, essa abordagem passou a ser central na análise da
produção de sentidos por parte dos movimentos sociais (Benford e Snow,
2000, Snow, Benford, McCammon, Hewitt, e Scott, 2014). Podemos
denir um frame como modos de denir demandas, projetos e objetivos
de movimentos sociais (Abers, Seram, e Tatagiba, 2014). Cabe ressal-
tar ainda, que este trabalho leva em conta as críticas de Alvarez (2014)
à ideia de “processos de enquadramento”. Para essa autora, essa pers-
pectiva analisa a produção de sentido em meio aos movimentos sociais
apenas a partir de sua faceta estratégica, isto é, buscando convencer
outros sujeitos de que sua causa é legítima. Esse modo de olhar para
os enquadramentos esquece que os sentidos são disputados no interior
das redes político-comunicativas e que eles não são produzidos apenas
com o objetivo de conquistar resultados políticos, sendo também fruto
das vivências dos sujeitos que compõem os movimentos e do fato de
que ativistas são produtores de conhecimento sobre suas próprias rea-
lidades (Gomes, 2019).
Finalmente, um terceiro conceito importante para esta discussão é a
ideia de “estrutura de oportunidades políticas”. Segundo Donatella della
Porta e Mario Diani (2006), os debates acerca desse conceito foram
desenvolvidos por pesquisadores ligados à teoria do processo políti-
co (TPP). Como tais pesquisadores apontam, essa perspectiva “presta
atenção mais sistemática ao ambiente político institucional em meio ao
qual os movimentos sociais operam (della Porta e Diani, 2006, p. 16,
tradução minha).9 Segundo Abers, Silva e Tatagiba (2018):
8 Não há consenso na tradução do termo para o português, alguns cientistas sociais
preferem o uso do termo em inglês, outros têm optado por traduzi-lo.
9 Original: “pays more systematic attention to the political and institutional environ-
ment in which social movements operate.”
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A síntese da contribuição teórica da TPP para análise do contexto político
se expressa no conceito de estrutura de oportunidades políticas (EOP),
através do qual (sobretudo em sua dimensão “estrutural”) se buscava iden-
ticar e analisar condições político-institucionais que afetariam de maneira
abrangente e generalizada processos de construção, ação e resultados dos
movimentos sociais (Abers, Silva, e Tatagiba, 2018, p. 24).
Desse modo, o conceito de estrutura de oportunidades políticas nasceu
dessas preocupações, ao procurar compreender como o ambiente polí-
tico inuencia ações coletivas. Contudo, muitas vezes, essa literatura,
como apontam Abers, Silva e Tatagiba (2018), ao se preocupar com
o contexto político, acaba tomando-o apenas como um conjunto de
forças que permitem ou constrangem a atuação dos movimentos so-
ciais. Frequentemente, isso é feito sem levar em conta o próprio papel
dos movimentos sociais na conformação de certos contextos políticos.
Assim, ainda que continue utilizando tal noção, levo em conta as crí-
ticas acima citadas. Portanto, como proponho aqui, é possível pensar
nas próprias relações entre os ativismos como uma das oportunidades
políticas que fomentou a consolidação do que chamo aqui de ativismo
interseccional.
Aproximações e distanciamentos
A literatura sobre movimento LGBTI no Brasil ressalta o surgimento do
grupo Somos de São Paulo e do jornal Lampião da Esquina, em 1978,
como importantes marcos do nascimento dessa forma de ativismo (Fac-
chini, 2005, MacRae, 1990). Cabe ressaltar que, em seu início, o que
chamamos hoje no Brasil de movimento LGBTI era denominado por
seus ativistas de Movimento Homossexual Brasileiro (MHB). Durante
os anos iniciais dessa forma de ativismo, compreendia-se que a catego-
ria “homossexual” seria abrangente o suciente para denir os sujeitos
123
políticos que compunham o movimento.10 O referido ano marca tam-
bém a fundação do Movimento Negro Unicado (MNU), uma impor-
tante aliança nacional de combate ao racismo articulada por uma série
de organizações e com a participação de renomados intelectuais negros
do período, como Lélia Gonzalez e Abdias do Nascimento (Gonzalez,
1982, Pereira, 2008).
O ano de fundação não é o único fato que conecta o Somos ao MNU.
MacRae (1990) ressalta que ambos os movimentos eram aliados
importantes e chama atenção para o fato de que a primeira participa-
ção do Somos em uma passeata ocorreu em 1979, no dia Nacional da
Consciência Negra, organizado pelo MNU. Essa participação teria sido
instigada por um membro do Somos que fazia parte da organização
trotskista Convergência Socialista (CS), uma das correntes políticas que
fundou o Partido dos Trabalhadores (PT) e, mais tarde, o Partido Socia-
lista dos Trabalhadores Unicado (PSTU). MacRae entende as relações
entre o movimento negro e o movimento homossexual como fruto da
inuência do Lampião da Esquina e da própria CS. Rios (2014) também
ressalta a importância da esquerda brasileira, principalmente da CS e da
revista Versus, na consolidação do MNU no período.
Apesar disso, Edward MacRae (1990) e Lélia Gonzalez (1982) reforçam
que setores dessa vertente política compreendiam as questões de movi-
mentos como o homossexual, o negro e o feminista como secundárias.
Por isso, acreditavam que elas deveriam ser tratadas apenas depois de
conquistadas as transformações sociais e econômicas com foco na clas-
se trabalhadora. Pelo fato de serem acusados por alguns de dividir a
10 Apesar disso, tensões internas existiam e sujeitos políticos como as mulheres
lésbicas lutaram para que sua identidade fosse inserida na sigla do movimento
(MacRae, 1990). Como demonstra Facchini (2005, 2018), essa sigla é instável e está
em transformação constante: o MHB passou a ser chamado de Movimento de Gays
e Lésbicas e, mais recentemente, de movimento LGBTI (de lésbicas, gays, bissexu-
ais, travestis, transexuais e intersexo). Aqui, adoto LGBTI por ser a sigla mais usual
pela maioria dos ativistas em período recente, sendo também a forma que o Aos
Brados passou a adotar em período posterior a nalização da pesquisa de campo.
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classe trabalhadora, MacRae também acredita que muitos dos grupos
tidos como minoritários se uniram estrategicamente, buscando fazer
frente a essas acusações.
Com o m do Lampião e do Somos, os anos 1980 marcam o início de
uma nova fase do movimento LGBTI, caracterizada pela redução nu-
mérica dos grupos ativistas e pelo combate à epidemia de HIV/Aids
(Facchini, 2005). Uma das mais importantes organizações desse perí-
odo foi o Triângulo Rosa do Rio de Janeiro, conhecido por liderar a
campanha pela inclusão da não discriminação por orientação sexual na
Constituição de 1988 (Câmara, 2002).
O número de organizações LGBTI voltou a crescer durante os anos 1990.
Nessa fase, sob o impacto das políticas de combate à epidemia de HIV/
Aids, parcela considerável dos grupos assumiu o formato de ONGs,
engajando-se em parcerias com o Estado na implementação, avaliação
e execução de políticas públicas. Outra característica desse período fo-
ram os processos de multiplicação e especicação do sujeito político do
movimento, que são centrais a discussão aqui empreendida.
A multiplicação pode ser representada pela metáfora da “sopa de letri-
nhas”, que se refere à proliferação de orientações sexuais e identida-
des de gênero representadas na sigla do movimento (Facchini, 2005).
Já especicação diz respeito a formulação de sujeitos políticos que não
estão associados apenas às referidas orientações sexuais e identidades
de gênero, mas a outras marcas de diferença, como raça classe, gênero
e sexualidade. O termo tem sido utilizado pela literatura brasileira para
denir o que eu chamo de ativismo interseccional. Essa ideia deriva
do discurso de ativistas ao apontarem que suas questões especícas
como mulheres, como negros, ou como periféricos, por exemplo, são
deixadas de lado ou pouco discutidas no que chamam de movimento
hegemônico. Esse processo se insere naquilo que Hall (2001) dene
como “diferente lógica da diferença”. Nela, ao invés de pautar-se em
identidades totais e fechadas em si mesmas que se diferenciam através
125
do “ou”, a aposta está na “potencialidade de um e”, o que signica a
lógica da junção preferivelmente à lógica binária” (Hall, 2001, p. 156).
Essa aposta no “e” baseia-se na ideia de que identidades são cons-
tantemente negociadas a partir das posicionalidades que os sujeitos
assumem. Como demonstra Djamila Ribeiro (2017), não se trata de um
separatismo, mas de chamar atenção para a não universalidade dos
sujeitos que um movimento diz representar.11
Ademais, no âmbito das políticas públicas, esse debate está pautado em
discussões em torno da transversalidade e de leituras em torno de abor-
dagens interseccionais12, impactando no surgimento de grupos e redes
tidos como especícos. No entanto, ela é fruto também, como argumen-
ta Muñoz (1999), da própria realidade dos sujeitos aqui estudados, que
por serem LGBTI, periféricos e negros e atuarem em mais de um campo
movimentista, precisam negociar suas diversas posicionalidades.
Desse modo, desde o surgimento do Somos até os dias atuais, tensões
relativas às articulações entre relações de poder, diferenças e desigual-
dade se zeram presentes. No começo dos anos 1980, questões relacio-
nadas a gênero e a raça resultaram em cisões no Somos, originando o
Grupo Lésbico-Feminista e o Grupo de Negros Homossexuais (MacRae,
1990). Nos anos 2000, redes e grupos ativistas voltadas ao que se con-
11 Como proponho em meu livro (Zanoli, 2020), para além da “lógica da junção”, en-
contrei também operando uma “lógica das alianças” pautadas no que chamei da
potencialidade do “mas”. Esta, para além de investir nas intersecções entre marcas
da diferença e nas diferentes posicionalidades (ou seja, a referida potencialidade do
“e”), dedica-se também a construir alianças entre sujeitos que, ainda que de modos
diferentes e desiguais, compartilham condições de precariedade entre si (Butler, 2018).
12 Como nos mostra Aguião (2018), esses são dois conceitos em disputa no uso de ati-
vistas LGBTI em sua relação com o Estado no Brasil. Muitas vezes, transversalidade
aparece como uma leitura ativista das discussões acerca das interseccionalidades.
Em outras, seu uso é feito de modo mais ou menos estratégico, com o objetivo de
criticar o suposto academicismo do termo interseccionalidade. Em outros contex-
tos, a ideia de transversalidade diz respeito a diálogos entre órgãos do governo que
lidam com questões distintas, esses “diálogos transversais” teriam como objetivo
produzir políticas públicas mais ecientes.
Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
Controversia 215126
vencionou chamar de “especicidades” emergiram, como a Rede Afro
LGBT, criada em 2005, (Santos, 2015) e o Candaces (Coletivo Nacional
de Lésbicas Negras Feministas Autônomas), fundado em 2007. No que
diz respeito aos grupos, além do próprio Aos Brados, destaco a criação
do Conexão G, na favela da Maré, no Rio de Janeiro (Lopes, 2011).
Relações Ativistas
Ainda que a fundação de alguns grupos date do início do movimento,
há poucos estudos abordando tal temática. A maioria chega a descrever
a existência de grupos de LGBTI negros, por exemplo, mas não os toma
como foco. Um dos poucos trabalhos que narra o surgimento de um
desses grupos é o de MacRae (1990), que relata uma cisão no Somos
que dá origem ao Negros Homossexuais em 1980. Para este autor, as re-
lações do Somos com o movimento negro e com o movimento feminista
inuenciaram a cisão que deu origem tanto ao Negros Homossexuais,
quanto ao Grupo de Ação Lésbico-Feminista. Em sua discussão sobre a
constituição da “identidade homossexual”, MacRae argumenta que, nas
reuniões de “identicação” do Somos, ao compartilhar as experiências
de preconceito que seus membros sofriam, o grupo produzia o que se-
ria uma “comunidade de iguais”. Contudo, esse processo só era possível
graças ao apagamento de outras diferenças e desigualdades, como as de
raça e gênero, por exemplo. Por isso, o relacionamento do grupo com o
movimento negro e o movimento feminista levou alguns dos membros
a questionar posturas racistas e machistas dos membros do Somos, ou
seja a questionar a ideia de que o grupo seria uma “comunidade de
iguais”. Isso acabou por resultar nas referidas cisões.
É importante ressaltar que esses ativistas não eram críticos apenas ao
racismo presente no movimento homossexual, mas também a posturas
homofóbicas do MNU. Nesse sentido, é interessante notar como a circu-
lação dos ativistas que fundaram o Negros Homossexuais em ambos os
movimentos foi importante para a consolidação de uma postura crítica
que buscasse relacionar suas realidades enquanto homossexuais e ne-
gros, fato que também me foi ressaltado por uma série de interlocutores
127
durante a realização da pesquisa. Segundo MacRae, o grupo teve vida
curta, mas foi importante na concretização de outros grupos negros
LGBTI que surgiram posteriormente, como o Adé-Dudu, fundado em
1981 em Salvador.
Já trabalhos recentes, como o de Sílvia Aguião (2018), problematizam
disputas internas do movimento LGBTI a partir da mobilização de ideias
em torno das “especicidades”, porém, não tratam propriamente das
relações entre o que tem sido denido como ativismos distintos. Aguião
chega a discutir a utilização de ideias relacionadas à soma de opressões
e menciona também disputas ocorridas em conferências versando so-
bre quais sujeitos políticos do movimento seriam mais vulneráveis. No
entanto, tais disputas são compreendidas pela autora mais como fruto
das relações do movimento LGBTI com o Estado, do que como produto
de intensas relações ativistas. Isso se deve, principalmente, porque sua
pesquisa trata de um momento particular na história do movimento
marcado pelo reconhecimento por parte do Estado de parcela das de-
mandas advindas dos movimentos sociais.
Ademais, Aguião – seguindo as discussões de Paulo Vítor Leite Lopes
(2011) sobre um grupo ativista LGBTI da favela da Maré no Rio de
Janeiro – propõe que essas disputas e os processos de cisão delas re-
sultantes seriam produto das relações com o Estado. Tanto para ela
quanto para Lopes, o que explicaria o processo de especicação seria o
fato de que, com o aumento da interlocução com o Estado, os grupos
teriam que disputar entre si não apenas por nanciamento, mas tam-
bém por capital político. Nesse sentido, um coletivo teria mais chance
de sucesso, se aderisse à gramática estatal que era pautada em noções
como transversalidade e interseccionalidade. É interessante notar que,
frequentemente, esses trabalhos problematizam pouco como o próprio
aumento das relações entre os ativistas pode ter sido motor das pres-
sões que zeram com que a gramática da transversalidade e das inter-
seccionalidades fosse adotada pelo Estado. Isto é, pensam em como os
ativistas se adequam às linguagens do Estado, mas não discutem as
possibilidades de o oposto também acontecer.
Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
Controversia 215128
De fato, parte considerável dos trabalhos sobre movimento LGBTI, bem
como aqueles que tratam da trajetória do movimento negro ou de ou-
tras formas de ação coletiva que têm se relacionado politicamente e se
movido pela teia que essa pesquisa busca analisar, parece tratar pouco
das relações ativistas, tendo como foco principal as relações com o
Estado. Principalmente no que diz respeito a estudos que tratam do
período inaugurado com a redemocratização. Talvez, em momentos an-
teriores, isso fosse possível porque esses próprios movimentos tenham
investido fortemente nessas relações com o Estado e, em consequência,
em uma gramática estatal. Contudo, um olhar sobre os movimentos so-
ciais que não tenha como foco as relações ativistas pode não dar conta
dos processos políticos pelos quais passam as formas de ação coletiva
no Brasil, visto que sozinhas as relações com o Estado não explicam o
surgimento de grupos como o Aos Brados, nem as trocas entre os ati-
vismos. Ademais, eles também deixam de fora uma série de grupos e
coletivos que, mesmo no período das relações intensas com o Estado,
não aderiram à atuação junto a órgãos e agências governamentais.
O que a pesquisa aqui realizada mostra é que, se as relações com o
Estado têm importância nas categorias mobilizadas e nos repertórios de
atuação empregados pelos movimentos sociais, no caso do Aos Brados
– e possivelmente de uma série de grupos que não tiveram sucesso em
ou não tinham como objetivo a atuação junto ao estado –, as conexões
com coletivos de “outros movimentos sociais”13 também são centrais na
constituição dos repertórios de atuação. Ademais, a pesquisa aponta para
uma mudança nas relações entre ativismos, nas quais tem havido um
crescente processo de trocas e aprendizagens, que é uma das estruturas
de oportunidades para a ascensão de um enquadramento (frame) que va-
loriza o combate a todas as formas de opressão e as interseccionalidades.
Esta pesquisa lida com ativistas que tiveram parte importante do iní-
cio de sua atuação política no movimento LGBTI e, portanto, trata da
13 Coloco o termo entre aspas, porque tento demonstrar como o Aos Brados, na reali-
dade, atua em todos esses movimentos.
129
multiplicação de seu sujeito político. Ela se insere também em esforços
de compreensão de um contexto mais amplo no qual os movimentos
sociais, a partir de sua relação com o Estado, com partidos políticos, e
pelas relações que estabeleceram entre si, passaram também a assumir,
cada vez mais, um discurso e uma prática que se volta à luta contra
distintas formas de opressão. Assim, o olhar para a trajetória do Aos
Brados em seus vinte anos de existência me permite preencher lacunas
nas discussões sobre as relações entre movimento negro e movimen-
to LGBTI. Contudo, seu principal objetivo é contribuir para o debate
acerta das conexões entre redes de relação, oportunidades políticas, e a
produção e adoção de repertórios e enquadramentos. Portanto, uma das
hipóteses que perpassa este texto é a de que a mudança nas estruturas
de oportunidade e nas redes de relação estão fortemente associadas à
adoção de novos repertórios e enquadramentos ou a reinterpretação
de antigas formas de fazer política a partir do novo contexto. Contudo,
ressalta-se o papel fundamental das relações entre distintas formas de
ativismos, bem como das próprias organizações ativistas, em pressio-
nar o governo para que suas demandas sejam atendidas, incluindo a
adoção de uma gramática que valoriza ideias como interseccionalidade
e/ou transversalidade.
De “LGBTI periférico” a “LGBTI negro e periférico”
O Aos Brados pode ser denido como um grupo formado por sujeitos
que se compreendem ou são compreendidos a partir de diferentes orien-
tações sexuais e identidades de gênero que compõe o acrônimo LGB-
TI.14 Pesquisas sobre esse movimento brasileiro têm chamado a atenção
para as disputas internas e discussões políticas resultantes do papel
que homens gays ocupam em organizações e grupos LGBTI (Facchini,
2005, MacRae, 1990). Essas tensões têm resultado em acusações de
que o movimento seria GGGG (Bulgarelli, 2018). Nessa substituição,
ativistas lésbicas, transexuais, travestis, intersexo e bissexuais criticam
14 Contudo, não tive contato com nenhum militante intersexo nem soube da partici-
pação de militantes que assim se identicam no grupo.
Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
Controversia 215130
a centralidade dos homens gays no movimento, bem como os proces-
sos pelos quais as demais identidades são apagadas. Já o Aos Brados,
desde sua fundação, tem mulheres como guras centrais: as principais
lideranças eram lésbicas (Lúcia e sua companheira, Ana), que eram
também as editoras do Jornal Aos Brados, uma das principais formas de
atuação do grupo em sua primeira fase. Após o término de sua relação
e do afastamento de Ana do grupo, em 2008, Lúcia continuou sendo
uma importante liderança, dividindo esse papel com outras mulheres,
sendo elas, na atualidade, Joana e Camila.
Como Lúcia ressalta, ela é uma mulher negra, lésbica e gorda, com
pouco mais de 40 anos de idade, uma lésbica negra e caminhoneira que
pisa forte, em suas próprias palavras. Com voz grave e cabelos raspa-
dos ou muito curtos, é possível dizer que ela tem uma performance de
gênero que tende para o que se entende como “masculino”. Em suas
apresentações públicas, é também comum que ela ressalte o fato de ser
periférica, petista (liada ao Partido dos Trabalhadores) e religiosa de
matriz africana. Joana é uma mulher cis negra, com cerca de 50 anos
de idade, que atua como funcionária pública em uma escola municipal
de um bairro periférico da cidade. Ela passou a atuar no grupo por
intermédio de Lúcia, que foi sua companheira durante boa parte da
realização desta pesquisa, e de Marcelo, seu irmão. Em nenhum mo-
mento, Joana expressou sua compreensão no que diz respeito à sua
orientação sexual. Quando passou a se engajar nas reuniões do grupo,
em meados de 2014, ela se denia como uma aliada dos LGBTI e ressal-
tava sua participação como um apoio a seu irmão, que é gay. Mais tar-
de, contudo, passou a se relacionar com Lúcia e a se apresentar como
militante. Camila é uma ativista transexual. Ela é negra e também pos-
sui cerca de 50 anos de idade, é enfermeira e tem um cargo em um gran-
de e prestigioso hospital da cidade. Dentre as atuais lideranças do gru-
po, ela é a única com ensino superior completo. Ela teve seus primeiros
contatos com o Aos Brados em meados dos anos 2000 e passou a atuar
no grupo de maneira mais orgânica por volta de 2013. Ainda que Lúcia
compartilhe suas responsabilidades com Joana e Camila, ela ainda é
131Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
considerada pelos membros como a principal gura de liderança. É ela
quem geralmente é convidada a falar sobre o grupo em espaços como
mesas, debates, ocinas e workshops.
No que diz respeito à composição do Aos Brados, o número de membros
variou muito no decorrer dos anos. Em 2016, o grupo contava com um
bom número de ativistas, com cerca de vinte a trinta pessoas circulando
mensalmente pelas reuniões. Dentre eles, naquele momento, a maioria
era formada por jovens gays que atuavam ou aspiravam atuar como
drag queens.15 Recentemente, o grupo tem sido formado por não mais
que oito pessoas, sendo que algumas delas frequentam muito pouco as
reuniões, ajudando esporadicamente em algumas das atividades. Além
dos membros “mais ociais”, o grupo conta também com uma extensa
rede de parceiros e de ativistas que atuavam mais ativamente no pas-
sado e que, hoje, colaboram com a organização e realização de suas
atividades. É também comum que sujeitos que estiveram no grupo
no passado, apesar de não participarem das reuniões e frequentarem
muito pouco as atividades organizadas pelo Aos Brados, se apresentem
como membros do grupo.
Em relação às mudanças no número de pessoas, tanto em 2014, quan-
do conheci o Aos Brados, quanto em 2016, havia um grande número
de homens gays e uma presença reduzida de mulheres lésbicas e de
mulheres transexuais. Isso é interessante, pois, como apontaram três
entrevistadas que estão no grupo desde seus primórdios, até meados de
2008, mulheres lésbicas e bissexuais sempre estiveram muito presentes,
chegando algumas vezes a ser maioria entre os militantes. Na atualida-
de, o Aos Brados tem voltado a contar com um número equivalente de
pessoas do gênero masculino e feminino. É importante ressaltar que,
mesmo nesses momentos em que o grupo carecia de presença feminina
15 Dentre esses jovens, havia duas pessoas que, em diferentes momentos, se conce-
biam como travestis e, em outros, como homens gays.
Controversia 215132
marcante, era comum que Lúcia fosse considerada uma liderança im-
portante, sendo sempre consultada nas tomadas de decisão.16
Essa digressão sobre a composição do grupo nos mostra como é com-
plexo traçar uma espécie de perl sociológico do Aos Brados e de seus
integrantes. Isso ocorre porque as pessoas têm movimentos de apro-
ximação e de afastamento, tornando difícil denir os sujeitos que são
considerados membros e aqueles considerados parceiros ou colabora-
dores. Mesmo assim, é importante mencionar que muitos dos sujeitos
que transitaram pelo Aos Brados se identicavam ou eram identicados
como negros. Grande parte deles habitava bairros considerados perifé-
ricos, afastados do centro da cidade e encontrava-se em condições pre-
cárias de trabalho, em sua maioria trabalhando de maneira informal.
Havia também um grande número de desempregados. A composição
etária era heterogênea, em uma faixa que varia dos 18 aos 50 anos de
idade. Esses dados são relevantes porque demonstram que essas condi-
ções de precariedade são também importantes para compreender a alta
variação no número de membros presentes nas atividades, bem como a
participação esporádica daqueles que se encontravam em maior estado
de vulnerabilidade nanceira.17
O Aos Brados surgiu em 1998, a partir de desavenças de alguns mili-
tantes que faziam parte do Identidade, grupo ativista mais antigo em
16 É importante ressaltar também que essa inconstância no número de ativistas está
ligada a desavenças pessoais. Embora tenha existido pessoas que deixaram o grupo
por discordâncias políticas, a maioria dos casos que acompanhei foi motivada por
questões pessoais. O caso mais emblemático foi o de Ana, que era companheira de
Lúcia e deixou o Aos Brados depois que a relação das duas terminou. Devido as
dimensões do artigo, não é possível explorar essas questões aqui. Ainda que não
fosse o foco da pesquisa, explorei algumas delas em meu livro (Zanoli, 2020).
17 Ademais, diferentemente de outros coletivos com os quais o Aos Brados se rela-
ciona – tanto do movimento negro quanto do movimento LGBTI –, o acesso dos
ativistas ao ensino superior ainda é tímido. A maioria dos jovens havia cursado o
ensino médio ou parte dele, mas poucos chegaram a cursar a faculdade. Camila é
a única militante atuante no grupo que possui um diploma de ensino superior. Já
Lúcia e Marcelo são estudantes universitários, cursando Ciências Sociais e Psicolo-
gia, respectivamente.
133Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
atividade na cidade. Esses militantes, liderados por duas ativistas lés-
bicas, Lúcia e Ana, organizaram-se em torno da publicação de um pe-
riódico, o Jornal Aos Brados (JAB), criado como uma crítica ao modo
de atuação do Identidade. A criação do JAB estaria ligada ao foco do
Identidade na utilização da internet para se comunicar com redes e gru-
pos ativistas nacionais e internacionais. Para os membros do Identidade
que viriam a fundar o Aos Brados, isso excluía os LGBTI periféricos que
tinham pouco ou nenhum acesso a internet. Assim, ao romperem com
o Identidade, criaram uma publicação com o objetivo de alcançar os
LGBTI periféricos excluídos da internet. Esse jornal era distribuído pe-
los próprios ativistas em comunidades carentes e, além de contar com
matérias sobre direitos de LGBTI, discutia questões ligadas a direitos
trabalhistas, a movimentos de moradia, dentre outros.
Em seus primeiros anos de atuação, o Aos Brados não se denia como
um grupo negro, mas como um grupo LGBTI periférico. Entretanto, isso
não signica que a discussão racial não estivesse presente. Na verdade,
desde seu surgimento, a ampla maioria dos participantes e fundadores
era composta por LGBTI negros. Contudo, havia a ideia no grupo de
que a categoria periferia, ou periférico, abarcava também a discussões
sobre racismo.
O trabalho de produção do jornal uniu mais pessoas em torno do Aos
Brados, o que os levou a buscar um lugar para se encontrar. Mobili-
zando suas redes de ativismo ligadas aos movimentos de moradia e
ao Partido dos Trabalhadores (PT), as fundadoras conseguiram uma
sala na sede da Central Única dos Trabalhadores (CUT) de Campinas.
As relações com a CUT e o PT e a atuação no Orçamento Participati-
vo de Campinas18 em 2002, são ressaltadas pelos interlocutores como
impulsionadores da busca pela institucionalização, bem como pela
18 Lúcia foi a primeira conselheira a representar os homossexuais na temática da cida-
dania no Conselho do Orçamento Participativo de Campinas. Segundo o Jornal Aos
Brados, trata-se da primeira vez que o movimento LGBTI organizado participava de
um conselho de OP.
Controversia 215134
diversicação de sua atuação. Nesse momento, além de atuar a partir
do jornal, o grupo passou a realizar também intervenções em comu-
nidades periféricas, as atividades sociais. Essas intervenções consis-
tiam principalmente em debates sobre direitos LGBTI, denominadas de
Brados Papo. Como reitero alhures (Zanoli, 2020), assim como aconte-
ce na atualidade com a relação do grupo com o movimento negro, os
repertórios de atuação com foco na periferia tinham forte inuência dos
sindicatos, dos movimentos de moradia e dos movimentos periféricos
dos quais alguns dos membros do grupo também faziam parte.
Em 2008, o grupo estabeleceu alianças com o ativismo cultural negro e,
a partir disso, repensou algumas de suas atividades, passando a atuar
principalmente através do que seus ativistas denominam de atividades
culturais. Além disso, o grupo, que até então se via como periférico,
passou a se autodenominar como LGBTI, negro e periférico. É impor-
tante ressaltar, contudo, que essa mudança não foi uniforme: além do
afastamento de alguns membros justamente nesse período, dentre os
que se mantiveram desde a fundação e passaram por essas mudanças,
há aqueles que consideram a discussão da negritude muito importante,
mas ressaltam que a periferia seria uma categoria identitária central; já
os sujeitos que passaram a participar do grupo depois de 2008 ressal-
tam a negritude como uma marca, em alguma medida, mais central na
constituição da identidade política do grupo.
Esse momento inaugura uma nova fase, na qual o contato com o mo-
vimento negro e o aumento da circulação de alguns dos membros por
atividades organizadas por coletivos desse movimento não impactou
apenas no modo de se identicar do grupo, mas também em seu modo
de atuar. Nas próximas seções, ao abordar as atividades culturais, pro-
curo demonstrar como o grupo se apropria de repertórios e gramáticas
que circulam no movimento negro, reinterpretando seu próprio modo
de atuar, bem como o modo de dar sentido à essa atuação.
135
As atividades culturais
No período de realização da pesquisa, o Aos Brados foi responsável
pela criação e realização de diversas atividades culturais. Aqui, analiso
duas delas: a Feijoada da Diversidade (ou Fejuka19 da Diversidade) e
o Pedal@ Bicha, ambas com foco em apresentações que sintetizam o
que o grupo compreende como sendo uma cultura LGBTI, negra e pe-
riférica. Dessa atividades apenas a Feijoada continua sendo realizada
anualmente, tendo sua primeira edição realizada em 2013. Já o Pedal@,
foi organizado como parte das comemorações do Mês da Diversidade
Sexual de Campinas entre 2011 e 2016. Desde 2016, depois de uma cisão
na Associação da Parada do Orgulho LGBTI de Campinas, o grupo tem
tido diculdade em angariar apoio político e nanceiro para a realiza-
ção do evento.
De modo geral, a maior parte dos eventos faz uso de apresentações
artísticas variadas, congregando música, dança e performances de drag
queens. Essas apresentações são tidas pelo grupo como as manifesta-
ções culturais que, em conjunto, produzem o que denem como cultura
LGBTI, negra e periférica. A discussão acerca da necessidade de sua rea-
lização se utiliza de argumentos ligados à falta de representatividade de
sujeitos LGBTI negros em periféricos em espaços tidos como de cultura
LGBTI, como as Paradas do Orgulho, bem como da falta de representa-
tividade LGBTI em espaços de cultura negra e periférica. O combate às
distintas formas de opressão se daria não apenas a partir da denúncia
da falta de representatividade, mas também da ocupação desses espa-
ços por sujeitos LGBTI, negros e periféricos, ou seja, lutando para que
esses sujeitos fossem, de fato, representados nesses espaços.
A construção das atividades segue um mesmo padrão. Os primeiros
passos costumam ser as reuniões de organização para a escolha da
data e do local do evento. O Aos Brados tem preferência por escolher
19 Fejuka é um termo coloquial para se referir à feijoada.
Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
Controversia 215136
lugares que sejam diretamente associados a uma de suas bandeiras de
luta, como: a Praça Bento Quirino, associada a sociabilidade de jovens
LGBTI (Mascarenhas Neto, 2020, Pelúcio e Duque, 2013); o Largo do
Rosário, praça que é palco da concentração de diversas manifestações
políticas em Campinas; ou ruas como a Francisco Glicério e a Barão
de Jaguara, de circulação restrita para negros até meados do século XX
(Giesbrecht, 2011a). O grupo costuma também organizar seus eventos
em dois tradicionais espaços de cultura negra de Campinas: a Casa de
Cultura Tainã e a Fazenda Roseira.20
No que diz respeito ao nanciamento, as atividades têm sido organi-
zadas em parceria com a Prefeitura Municipal de Campinas (PMC),
principalmente com a Secretaria de Cultura. Além dela, uma série de
parceiros são mobilizados, destaco: a Comunidade de Jongo Dito Ribei-
ro (CJDR), a Frente de Mulheres Negras e Campinas e Região (FMNCR),
vereadores e membros liados ao PT e ao Partido Socialismo e Liberdade
(PSOL), a CUT e sindicatos da cidade.
Além de promover atividades sobre o Jongo,21 como o Pisa na Tradição,
a CJDR é responsável por uma série de projetos culturais, como a Feijo-
ada das Marias do Jongo – que celebra as mais velhas da comunidade,
congregando apresentações artísticas e o oferecimento de feijoada aos
visitantes –, o Arraial Afro-Julino e o Sou África em Todos os Sentidos
um conjunto de atividades artísticas e culturais com o objetivo de
valorizar a estética e a cultura afro-brasileira. O local é sede também
do Centro de Referência Jongueiros do Sudeste e da Pós-Graduação em
Matriz Africana, que oferece cursos de especialização em que se privi-
legiam não apenas formas de conhecimento acadêmicos, mas também
saberes tradicionais.
20 Para uma análise que problematiza as relações entre ativismo e espaço da cidade,
conra Mascarenhas Neto e Zanoli (2019).
21 Expressão cultural negra característica do Sudeste brasileiro. A literatura sobre o
tema aponta diversas semelhanças entre o Jongo e práticas culturais de povos ban-
tos (Abreu, 2018).
137Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
Já a FMNCR se articulou a partir dos esforços ligados à organização da
Marcha Nacional de Mulheres Negras Contra o Racismo e pelo Bem-
Viver, realizada em 2015.22 Entre 2015 e 2018, o coletivo organizou di-
versas atividades: como debates, passeatas, workshops, etc.; era res-
ponsável também por uma atividade cultural realizada mensalmente: o
Sarau das Aliadas, que costumava acontecer na Casa de Cultura Tainã
aos domingos. Nele, parceiras e parceiros da Frente declamavam poe-
sia, cantavam rap, dançavam, etc. Dentre os coletivos que faziam parte
da Frente, estava o próprio Aos Brados, que trazia seus militantes para
participar das atividades, principalmente com apresentações artísticas
de mulheres trans e drag queens.
O processo de organização dos eventos do Aos Brados, assim como os
de seus diversos parceiros, tem início meses antes de sua realização,
com o protocolo de um pedido de apoio à PMC. Nele, reitera-se a im-
portância das atividades a serem realizadas. Nota-se, que as parcerias
entre o Aos Brados e a PMC diferem da maioria daquelas realizadas por
outros coletivos LGBTI. Ainda nos anos 1990, os programas de enfren-
tamento à epidemia de HIV/Aids foram centrais na consolidação das
relações entre o movimento LGBTI e o Estado e na institucionalização
do movimento (Facchini, 2005). Desse modo, as políticas de saúde fo-
ram, pelo menos até meados dos anos 2000, importantes canais de
interlocução entre o Estado e movimento. O caso campineiro não é
muito diferente: nele, as políticas de enfrentamento à epidemia de HIV/
Aids foram centrais na institucionalização do Identidade, coletivo mais
antigo em atividade em Campinas. Já o Aos Brados teve pouco interesse
em atuar desse modo.
Esse enfoque tem levado o grupo a adotar gramáticas que circulam
no campo das políticas culturais, principalmente aquelas voltadas às
comunidades tradicionais e comunidades negras. Assim, no documento
22 A marcha foi uma iniciativa de distintos coletivos de mulheres negras do país e
ocorreu em Brasília (Gomes, 2019).
Controversia 215138
enviado à prefeitura, reitera-se que a feijoada é preparada de modo
ritual e ressalta-se a importância da realização do evento, uma vez que
promove o encontro de jovens LGBTI, negros e periféricos com suas
raízes e tradições. Nos diversos pedidos de apoio preparados todos os
anos, é recorrente a armação de que devido ao preconceito sofrido por
esses jovens, eles tendem a ter pouco contato com suas raízes e tradi-
ções e que pode afetar sua autoestima. Assim, o próprio reencontro de
LGBTI negros com suas raízes e sua ancestralidade é tomado como uma
das ferramentas pela qual se lutaria ao mesmo tempo contra o racismo
e a LGBTfobia.
No caso do Aos Brados, o investimento nas políticas culturais e a
utilização de sua gramática estão relacionados, principalmente, à cir-
culação de alguns ativistas por espaços de cultura negra. Alguns deles
já possuem histórico de apoio nanceiro e institucional obtidos a partir
de políticas culturais, colaborando com que seus membros conheçam
os meandros da burocracia institucional relacionados a tais políticas,
principalmente no que diz respeito ao Programa Pontos de Cultura23 e
ao ProAC.24 Alguns desses grupos têm parte de suas atividades nancia-
das por editais ligados à cultura, o que possibilita que parcela de seus
membros atue prossionalmente dentro dos coletivos. O investimento
do Aos Brados nas políticas culturais, dentre outros motivos, se dá pelo
entendimento de que é necessário que suas atividades sejam nancia-
das para possibilitar uma atuação prossional na promoção da cultura
LGBTI, negra e periférica; na inclusão de jovens LGBTI negros e perifé-
ricos no mercado artístico; bem como, no combate ao racismo, LGBTfo-
bia e classismo. Assim, o Aos Brados tem buscado se prossionalizar
23 Iniciativa do Ministério da Cultura durante a gestão de Gilberto Gil, no
governo Lula. Os pontos de cultura são coletivos ou entidades culturais
que tem reconhecimento do governo Federal e apoio nanceiro para sua
atuação.
24 O ProAC (Programa de Ação Cultural) é mantido pela Secretaria de Cultura
do Governo do Estado de São Paulo que, através de distintas iniciativas,
fomenta a produção cultural no estado.
139Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
para poder concorrer também nos editais públicos citados anteriormen-
te. Essa prossionalização consiste, principalmente, em participar de
atividades de formação organizadas por coletivos negros que já foram
agraciados com nanciamentos nos referidos editais.
Assim, nota-se que, ainda que existam conitos, menos do que uma
competição mais acirrada, como parece sugerir parte da literatura,
vemos relações de cooperação entre os movimentos. Ressalto, por
exemplo, o fato de que, para alguns coletivos do movimento cultural
negro, o Aos Brados é uma espécie de represente dos LGBTI negros, o
que faz com que o grupo seja instigado a concorrer em mais de edital,
tanto aqueles voltados a manifestações culturais negras, quanto aqueles
direcionados a manifestações culturais LGBTI. Estes últimos, no caso
do estado de São Paulo, foram criados a partir da pressão de ativistas
por meio da Conferência Estadual LGBTI e sugerem um aprendizado de
outros coletivos LGBTI com movimentos que já contavam com fomento
à cultura, como os povos tradicionais e a população negra. Tendo isso
em mente, passemos agora à breve descrição da primeira dessas ativi-
dades, o Pedala Bich@.
Pedala Bich@ - a pedalada da diversidade
Campinas era conhecida, no passado, pela crueldade dos senhores de
escravos, pela recusa em aceitar a abolição da escravidão e pela restri-
ção da presença de pessoas escravizadas e de pessoas negras livres nos
espaços públicos. Mais tarde, a cidade passou por transformações ur-
banas marcadas pela expulsão da população negra das regiões centrais
para as periferias (Martins, 2016; Giesbrecht, 2011a). Com o objetivo de
não permitir que esses processos de exclusão caíssem no esquecimento,
o Aos Brados criou o pedala Bich@. O evento costumava acontecer aos
domingos e, em suas primeiras edições, consistia em duas partes: um
passeio ciclístico pelo centro da cidade e apresentações em um palco no
Largo do Rosário. Entre 2011 e 2015, o passeio circulava por importantes
ruas da história de segregação racial de Campinas: a Francisco Glicério
Controversia 215140
e a Barão de Jaguara. A primeira, nomeada em homenagem a um abo-
licionista, tinham uma de suas calçadas restritas a pessoas brancas até
meados do século XX. As proibições na Barão de Jaguara eram ainda
piores: na rua em questão, pessoas negras livres, assim como aquelas
escravizadas, eram proibidas de transitar. Martins (2016) reitera que,
ainda que essas restrições tenham acabado legalmente com a abolição
da escravidão, a segregação se manteve. Desse modo, como reiterado
na abertura do evento: ocupar essas ruas com corpos negros, periféricos
e LGBTI é um ato político.
Geralmente, aqueles participantes do evento que não traziam suas
bicicletas esperavam o m do passeio ciclístico aglomerados em volta
do palco no Largo do Rosário. Lúcia era a apresentadora. Em 2015,
em seu discurso de abertura que antecedeu as apresentações, ela lem-
brou que pessoas negras e pobres continuavam não sendo bem-vindas
nas cercanias do centro. Além disso, enfatizou que LGBTI, por serem
potenciais vítimas de violência, se vêm privados de seu direito de de-
monstrar afeto em público, salientando que o Brasil é o país que mais
mata LGBTI no mundo. Com isso, ela destacava a necessidade de que
mais pessoas ocupassem as ruas junto ao Aos Brados para combater a
segregação espacial imposta a LGBTI, negros e periféricos. Ela criticou
também as políticas de gentricação que transformaram antigas vizi-
nhanças negras tradicionais em bairros brancos e elitizados.
Em 2016, último ano de realização do pedala Bich@, Lúcia introdu-
ziu os artistas que se apresentariam no show de encerramento, em
sua maioria, drag queens. Em cada uma das edições acompanhadas,
ao apresentar os artistas, a ativista enfatizava suas origens periféricas,
nomeando os bairros de onde vêm. Essa é uma estratégia comum nos
eventos que o Aos Brados realiza e nos organizados por seus parceiros,
como o Sarau das Manas e o Sarau das Aliadas, por exemplo. Geral-
mente, ela é utilizada para marcar a origem periférica dos artistas, ou,
ainda, suas conexões com ativistas negros ou LGBTI. Ela costuma reite-
rar também que artistas LGBTI negros e periféricos são constantemente
141
excluídos do mercado de entretenimento, principalmente se decidem
realizar performances associadas à cultura negra. Assim, os eventos
eram também apontados como possibilidades de divulgação dos traba-
lhos para artistas LGBTI, negros e periféricos. Essa divulgação é enten-
dida como uma das ferramentas que o grupo possui para lutar contra
distintas formas de opressão, uma vez que, ao trazer artistas, o grupo
lutava contra a invisibilização desses sujeitos.
Naquele ano, a atividade foi realizada na Estação Cultura, um projeto
mantido pela Secretaria de Cultura de Campinas em uma antiga e desa-
tivada estação de trem da cidade. A relocação aconteceu em decorrên-
cia de obras nas ruas pelas quais o evento circulava. Em um primeiro
momento, a mudança foi vista como um problema. Entretanto, logo foi
repensada como algo positivo: os ativistas decidiram ressaltar que esta-
vam realizando sua atividade na Casa do hip-hop, um movimento parceiro
e que, por isso, deveriam aproveitar tal parceria. Foi proposto, então,
que as performances dialogassem mais com o hip-hop. E que, para
tal, além de trazer apresentações da rapper feminista Luana Hansen,
era preciso também que as drag queens incluíssem o hip-hop em suas
performances.
Essa proposta não foi feita sem discussão. Em uma das reuniões, alguns
ativistas lembraram que, ainda que se tratasse de um aliado do Aos
Brados, o hip-hop é muitas vezes apontado como uma cultura mascu-
lina e heterossexual.25 Assim, ao ocupar a Casa do Hip-hop, a proposta
do grupo era mostrar que LGBTI também produzem hip-hop e cultura
de periferia. Desse modo, através de suas atividades culturais, como o
Pedala Bich@, além de produzir o que compreende como sendo uma
cultura LGBTI, negra e periférica, o Aos Brados se engaja na disputa de
signicados associados a certos espaços. Em seu formato original, o
25 Apesar de seu caráter político, Félix (2005) ressalta que muitas das letras no hip-hop
podem ser consideradas machistas. Ademais, Luana Hansen, no documentário Cinco
Vezes Luana, destaca o preconceito que sofre no meio musical do rap por ser mulher.
Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
Controversia 215142
Pedala Bich@ foi pensado para disputar o espaço por meio da ocupação
e da rememoração de histórias de segregação. Quando o grupo moveu
a atividade para a Estação Cultura, seus ativistas se engajaram em uma
disputa espacial distinta: ao apresentar artistas LGBTI realizando per-
formances associadas à cultura hip-hop, os ativistas do grupo disputam
signicados associados à cultura hip-hop, ao fazerem isso na Casa do
Hip-hop, eles também disputam signicados associados àquele espaço.
A partir da descrição do Pedala é possível apontar que o Aos Brados
opera a partir da junção de repertórios de atuação característicos de
dois dos movimentos sociais dos quais faz parte: o movimento LGBTI e
o movimento negro. As apresentações de drag queens e as passeatas já
constam algum tempo no repertório de atuação do movimento LGBTI,
popularizadas principalmente pela realização das Paradas do Orgulho
em todo país. Igualmente, a denúncia da violência e da negação do
direito de ocupar o espaço público é comumente levantado nas Paradas
e em outros protestos do movimento, como os beijaços, por exemplo.
As passeatas também são repertórios importantes do movimento negro
no Brasil. Flávia Rios (2012) ressalta que, além das próprias passeatas,
recentemente, outro importante repertório do movimento negro tem
sido a disputa pelas narrativas do passado. Em sua análise da Marcha
Noturna pela Democracia Racial, organizada na capital paulista des-
de 1996, ela compreende a passagem dos manifestantes por espaços
especícos da cidade como uma “encenação da história”, na qual re-
memoram fragmentos que vão do período escravocrata à fundação do
MNU e reescrevem a história a partir da importância e centralidade das
lideranças negras na luta contra o racismo. Igualmente, militantes do
movimento negro de Campinas ressaltaram a importância da ressigni-
cação da história negra e dos espaços negros da cidade. Nesses eventos,
a principal discussão dizia respeito à recuperação da memória espa-
cial da população negra da cidade por duas vias: lembrar os espaços
dos quais eram segregados, além de rememorar espaços positivos à
comunidade negra local, como antigas casas de personalidades negras,
143
centros de cultura, terreiros de umbanda e candomblé, espaços de lazer
e sedes de organizações políticas.
Portanto, o que vemos na atuação do Aos Brados com o Pedala Bich@ é
a junção de repertórios de atuação do movimento negro e do movimen-
to LGBTI, que são ressignicados a partir do que o grupo dene como
suas bandeiras de luta. Isto é, ao construir uma ponte entre pautas dos
movimentos dos quais faz parte, o Aos Brados reenquadra questões
caras e reinterpreta repertórios vindos de ambos a partir desses enqua-
dramentos. Assim, negros e LGBTI são apresentados a partir da privação
ao direito de estar no espaço público por meio de uma caminhada que
busca ressignicar tais espaços de exclusão a partir de sua ocupação.
Flávia Rios (2012) nota que o movimento negro brasileiro, ainda que
inuenciado por estratégias e discursos advindos do exterior, adaptou
tais estratégias e discursos ao âmbito local. De modo semelhante, essas
junções e reenquadramentos são adaptações que o Aos Brados faz desses
repertórios que circulam nas redes ativistas dos quais o grupo faz parte.
Fenômeno que resulta das posicionalidades (Hall, 2001) dos ativistas do
grupo que, por circularem em distintos campos movimentistas, atuam a
partir de um engajamento crítico – ou desidenticações (Munõz, 1999)
– com os repertórios dos movimentos nos quais se engajam.
Para dar continuidade à discussão, passemos agora a uma breve descri-
ção da Feijoada da Diversidade.
Feijoada da Diversidade
Outra atividade central no calendário do Aos Brados é a Feijoada da
Diversidade. Entre 2013 e 2016, ela foi realizada nas dependências
da Fazenda Roseira. Desde 2017, tem acontecido na sede campineira do
Sindicato Unicado dos Petroleiros de São Paulo. Contudo, aqui, é nas
versões realizadas na Fazenda que me atenho, com foco nas edições de
2015 e 2016.
Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
Controversia 215144
O sol começava a se por quando Jane, uma jovem drag queen que
atuava no Aos Brados, e Carlos, seu namorado e bailarino, foram anun-
ciados por Lúcia, apresentadora da edição da feijoada de 2015. Ao ritmo
de um cavaquinho, o primeiro a subir ao palco foi Carlos, que vestia
calça, paletó e chapéu brancos, além de um pano vermelho em volta da
cintura, representando Zé Pelintra. Com passos lentos que lembravam
uma espécie de transe, ele dançava segurando uma vassoura ao som
da música com mesmo nome da entidade. Assim que a terceira estro-
fe foi cantada, a canção deu lugar a “O Canto da Cidade”, de Daniela
Mercury, e Jane subiu ao palco utilizando vestido e turbante brancos.
Seu objetivo era representar uma girante. Assim que ela acabou de
dublar os trechos da letra: “a cor dessa cidade sou eu, o canto dessa ci-
dade é meu”, a música mudou novamente, para outra canção de Daniela
Mercury, “Ilê Pérola Negra”, um tributo ao bloco afro soteropolitano Ilê
Ayê. Em uma mudança brusca, Jane, que tirou o vestido branco e o tur-
bante, revelou um maiô cravejado de pedras, passando a dançar samba.
Não foi à toa que a performance de Jane abriu o conjunto de apresen-
tações de drag queens naquela noite. Na umbanda, “seu Pilintra26
é uma das representações mais populares de Exu, caracterizado por
terno branco, gravata vermelha, cravo na lapela [e] chapéu caído na
testa” (Magnani 1991, p. 47). Magnani reitera também que apesar de
ser muitas vezes equivocadamente associado ao mal, Seu Zé Pelintra é
uma gura heroica que socorre os necessitados. Como me relatou Lúcia
mais cedo naquele dia, Exu, o mensageiro dos orixás, é o responsável
por trazer as deidades do continente africano em celebrações ligadas
ao candomblé. Portanto, a homenagem a Seu Zé Pilintra era também
uma tributo a Exu e funcionava como um pedido de proteção e uma
demonstração de respeito à entidade.
A letra da música faz referência ao “canto e à dança negra” e ao e ao
bloco afro soteropolitano Ilê Aiyê. Além disso, trata-se de um axé, in-
cluído no rol de ritmos associados à tradição negra que o Aos Brados
26 Por se tratar de uma divindade de caráter popular, a graa de seu nome pode variar.
145Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
utiliza em seus eventos. Essa não foi a única vez que Jane apresentou
seu repertório de músicas associadas à cultura negra em uma atividade
do Aos Brados. Na edição de 2016 da Fejuka da Diversidade, vestindo
um maiô com franjas e uma peruca com cabelos escuros levemente
encaracolados, ela sambou ao som de “Se acaso você chegasse”, na
voz de Elza Soares. No m dessa apresentação, a artista ressaltou seu
orgulho em homenagear uma cantora preta.
Ao terminar suas apresentações nas atividades do Aos Brados, Jane faz
publicações emotivas em sua página no Facebook, agradecendo a opor-
tunidade e ressaltando que adora apresentar divas negras e a própria
cultura negra. Assim como outros jovens do grupo, em conversas infor-
mais, ela me confessou que é evangélica, religião na qual algumas ver-
tentes consideram que práticas religiosas africanas ou afro-brasileiras
são relacionadas ao demônio, mas que acredita ser importante apresen-
tar ritmos musicais e letras que valorizam traços da cultura negra como
o candomblé, por exemplo.
Além de Jane, outra drag queen do Aos Brados se apresentou no evento:
Júlia, uma das poucas que não se considera negra.27 Em sua apresen-
tação, ela vestia roupas brancas: um turbante e uma saia longa, repre-
sentando uma baiana. A música dublada foi “O Canto das três raças”,
composta por Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro e imortalizada na
voz de Clara Nunes.28 A versão dublada por Júlia era a interpretada por
27 Ainda que não se perceba como negra, em certo evento, quando ela armou ser
branca, algumas mulheres negras presentes contestaram tal colocação, argumen-
tando que ela era uma pessoa negra com a pele clara.
28 Clara Nunes construiu parte de sua carreira musical utilizando referencias do can-
domblé e da umbanda, tendo se convertido para essa última religião. Para Bakke
(2007), a diferença entre Nunes e outros sambistas dos anos 1970 estava no fato de
que ela não apenas incorporou em seus trabalhos uma iconograa que faz referên-
cia às religiões afro-brasileiras, mas discutia abertamente sua pertença à umbanda.
(Bakke, 2007). A cantora é uma gura tão representativa na umbanda que uma
casa de culto na cidade de Sorocaba, no estado de São Paulo, a homenageia. Como
ressaltado no documentário A tal guerreira” de Marcelo Caetano, nesse templo,
Clara é cultuada como Iansã
Controversia 215146
Ellen Oléria, cantora negra que tem despontado na música brasileira e
muito valorizada pelo Aos Brados. Percebe-se que Nunes aprece como
uma referência à umbanda. Assim, se a própria feijoada servida no
evento e preparada de modo ritual é acionada ao mesmo tempo como
uma referência ao candomblé de modo particular, e à cultura negra de
modo geral. Nas apresentação de Jane e Júlia, seu Zé Pilintra e Clara
Nunes são mobilizados, ao mesmo tempo, como referentes à umbanda
e à cultura negra.
Em 2016, Júlia foi também a apresentadora da feijoada, antes de nali-
zar o evento ela disse algumas palavras:
Antes de mais nada, eu gostaria de agradecer a Fazenda Roseira por nos
receber novamente nesse ano. Como vocês devem saber, é sempre um
prazer trabalhar com vocês. Eu gostaria de dizer que esse espaço aqui é
muito importante para nós. Não que eu esteja criticando as casas noturnas
onde trabalho, anal, são elas que pagam meu salário. Contudo, aqui nós
temos o direito de criar, temos o direito de apresentar canções brasileiras e
canções que celebram a cultura afro-brasileira.
Como Rubens Mascarenhas Neto (2020) nota, as jovens drag queens de
Campinas circulam por redes que conectam ativistas e pessoas ligadas
ao empresariado GLS29 da região. Suas apresentações em atividades do
movimento LGBTI são vistas tanto como ativismo, uma vez que não
costumam receber nenhum cachê, quanto como oportunidades de di-
vulgação de seu trabalho e de conquistar, com isso, melhores posições
no mercado de entretenimento. Ainda que exista algum espaço para
experimentações nas apresentações realizadas em casas noturnas, ao
atuar nas atividades do Aos Brados, muitas das artistas tendem a in-
vestir em uma estética que valorize a negritude, em detrimento de uma
estética embranquecedora mais presente nas boates.
29 Sigla para: gays, lésbicas e simpatizantes. O termo é utilizado para se referir ao
mercado segmentado voltado à população LGBTI no Brasil (França, 2012).
147
Além disso, em se tratando de uma atividade que busca produzir o
que se entende por uma cultura LGBTI, negra e periférica, essas drag
queens, que são muitas vezes tidas como o símbolo máximo do que
seria a cultura LGBTI, podem realizar performances com músicas em
português e, principalmente, personicar cantoras brasileiras negras,
ou músicas de origem afro-brasileira, como o samba, costumeiramente
desprezado nos shows realizados nas boates. Além do investimento em
estéticas negras ou africanas e em ritmos afro-brasileiros como o sam-
ba, ou afro-americanos como o R&B, as apresentações das drag queens
costumam ser inuenciadas também pelas religiões de matriz africana,
como o candomblé e a umbanda.
A utilização de uma estética ligada às religiões de matriz africana está
diretamente associada a importância do candomblé e da umbanda nas
redes ativistas pelas quais o Aos Brados circula. Essas religiões são
tidas como centros importantes na armação da identidade negra e
no contato com a ancestralidade. Não se trata de uma questão circuns-
crita ao movimento local. Como aponta Flávia Rios (2014), setores do
movimento negro têm valorizado as religiões de matriz africana desde
meados dos anos 1970, ressaltando sua importância na armação da
identidade negra. Assim, não é incomum que as artistas se vistam com
roupas que fazem referência a algum orixá, ou homenageiem um espí-
rito guia, como seu Zé Pilintra.
Ademais, Giesbrecht (2011b) ressalta também a importância da música
e da dança como símbolos diacríticos do que se compreende como cul-
tura afro no ativismo local. Em sua análise de grupos culturais afro30 em
Campinas, ela ressalta que o que garantia um caráter afro a tais ativi-
dades eram apresentações musicais de origem negra ou afro-brasileira.
Esse seria o caso, por exemplo, do Arraial Afro-Julino, organizado pela
30 Grupos culturais afro era o termo utilizado durante a pesquisa de Érica Giesbrecht
pelos mesmos atores que têm se denido como ativistas culturais negros em minha
pesquisa.
Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
Controversia 215148
CJDR. Segundo a antropóloga, apesar da origem europeia, as apresen-
tações culturais afro eram mobilizadas pelo grupo como modo de res-
signicar suas festas juninas.
Em artigo sobre o que chama de movimentos “afro-culturais”, Ana
Cláudia Cruz da Silva (2009) se propõe a discutir a noção êmica
de cultura desses grupos. Seu objetivo é entender se existe uma visão
que relaciona a cultura à política. A partir de material comparativo so-
bre três coletivos, Silva propõe que é possível falar de um continuum
de interpretações. Em uma das pontas, estaria a ideia que vê na cultura
um meio para a prática política, na outra, a cultura seria um m em si
mesma. Neste caso, a luta para continuar “fazendo cultura” acaba por
politizar a própria cultura. No caso aqui estudado, é possível armar
que o Aos Brados opera uma ideia de cultura que a pensa em relação
à política e que estaria em uma posição intermediária do continuum
proposto por Silva.
Além das apresentações de drag queens o evento conta com apresen-
tações de outras artistas, em sua maioria LGBTI, negros e periféricos,
mas há também espaço para que parceiros do grupo que não se com-
preendam como LGBTI. No geral, tais atividades podem ser denidas
como manifestações negras ou manifestações periféricas. Ressalto aqui
as apresentações da rapper lésbica e feminista Luana Hansen, com mú-
sicas que denunciam o machismo, o racismo e a lesbofobia, além de
uma série de artistas LGBTI negros locais que buscam oportunidades
para divulgar seu trabalho. Ademais, o evento costuma contar também
com rodas de jongo e apresentações de grupos culturais da cidade que
cantam samba, hip-hop, além de outras manifestações tidas como tra-
dicionalmente negras.
A partir das atividades aqui apresentadas, podemos notar um forte in-
uência do movimento negro não apenas na adesão de um discurso
ligado à cultura, mas nas próprias formas de atuar e na identidade
política do grupo. Ou seja, além de valorizar a cultura como política, o
149Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
grupo passou também a dialogar com o movimento e a repensar certas
atividades como culturais, como é o caso das apresentações de drag
queens, que já eram realizadas desde seu surgimento. Não obstante, o
contato com o movimento negro foi central em processos subjetivos a
partir dos quais alguns dos integrantes do grupo passaram a se com-
preender também enquanto negros. Ademais, vemos também um forte
investimento na estética como forma especíca de combater o racismo
em meio a LGBTI e a LGBTIfobia em meio aos demais sujeitos políti-
cos com os quais se relaciona. Portanto, podemos dizer que existe um
aprendizado mútuo. Isto é, o grupo, ao “emprestar” certos repertórios
do movimento negro, os remodela com o objetivo também de “ensinar”
esse movimento discussões provenientes do movimento LGBTI.
Conclusão
Ao analisar as relações que dão origem à mudança na identidade
política e na forma de atuar do Aos Brados, procurei demonstrar como
a cultura passa a gurar no repertório político de um grupo que se com-
preende como LGBTI, negro e periférico. Fato que ocorreu em 2008,
quando seus ativistas começaram a ter fortes conexões com o movimen-
to cultural negro. Por esse motivo, ao invés de oferecer uma denição
teórica do conceito de cultura, procurei analisar os signicados êmicos
que a noção assume. Realizar tal tarefa implica compreender o processo
por meio do qual o Aos Brados produz o que compreende como sendo
uma cultura LGBTI, negra e da periferia.31
Como procurei demonstrar, ao mesmo tempo em que o grupo procura
lutar pelo direito de jovens LGBTI negros e periféricos de atuarem no
mercado de entretenimento e em outros espaços de cultura por meio do
que entendem como práticas culturais – cantos, danças, performances
de drag queens –, o que pode ser denido como uma luta pelo direi-
to de fazer cultura, os ativistas lutam também contra diversas formas
31 Para uma discussão mais detalhada acerca dos usos políticos do conceito de cultura
conferir: Zanoli (2020) e Giesbrecht (2011a, 2011b).
Controversia 215150
de opressão com suas apresentações culturais. Segundo eles, as práti-
cas culturais têm como objetivo tanto a consolidação e a armação da
identidade de sujeitos LGBTI, negros e periféricos, como o combate à
homofobia, ao racismo e a outras formas de opressão.
No caso da homofobia, por exemplo, esse combate é feito ao mostrar
que artistas LGBTI também valorizam a cultura negra em suas apresen-
tações. Outra forma importante de luta contra a homofobia são ativida-
des que mostram homens gays se montando de drag, o que apresentaria
a cultura LGBTI (o ato de fazer drag) a pessoas que não a conhecem
e desmisticaria ideias associadas à homossexualidade. o combate
ao racismo ocorre pela própria denuncia da falta de representatividade
negra em palcos voltados à cultura LGBTI. Do mesmo modo, a arma-
ção da identidade negra ocorre nos diversos momentos em que o grupo
coloca LGBTI em contato com traços da cultura negra e colabora com o
reconhecimento de sua identidade como LGBTI negros.
É importante apontar que, assim como o próprio investimento nas po-
líticas culturais, essa ideia de que a cultura seria política circula nas
redes do movimento negro nas quais o Aos Brados atua. Não é à toa,
por exemplo, que o termo êmico empregado em sua denição é ativis-
mo cultural negro. Além disso, assim como no caso do Aos Brados, na
maioria das atividades nas quais estive presente, existia uma discussão
sobre o caráter político dos eventos realizados por grupos como a CJDR
e os coletivos que atuam na Casa de Cultura Tainã, que, segundo meus
interlocutores, tinham como objetivo central o combate ao racismo.
Tanto Flávia Rios (2014), quanto Nilma Lino Gomes (2019) ressaltam a
importância de debates relacionados à cultura e à estética negra na ar-
mação da identidade negra e no combate ao racismo. Rios, por exem-
plo, ressalta que ele tem estado presente desde meados dos anos 1970.
Contudo, Gomes reitera que, a partir dos anos 2000, há uma politização
da estética e do corpo negro que é distinta de processos semelhantes
ocorridos em períodos anteriores. Ela relaciona essa nova fase às diver-
sas mudanças políticas ocorridas no período e ao processo de absorção,
151Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
por parte do Estado, de algumas das demandas do movimento negro.
Tais demandas, traduzidas em políticas públicas, contribuíram com o
processo que Amauri Mendes Pereira (2008) chama de “enegrecimento
da política”, marcado, dentre outras coisas, pela criação da Secretaria
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), em 2003, e
pela consolidação das políticas de reserva de vagas para pessoas ne-
gras e indígenas em universidades públicas, denominadas “cotas”. Na
mesma direção, houve, pelo menos na primeira década dos anos 2000,
um aumento do investimento nas políticas culturais, incluindo aquelas
ligadas ao que meus interlocutores chamam de ativismo cultural negro.
Esse investimento está diretamente ligado a essa mudança mais ampla
e ao fato de que setores do movimento negro tenham investido na cul-
tura como forma de fazer política (Silva, 2009).
Por outro lado, como nos mostra Gomes (2009), os discursos e práticas
produzidos em meio ao movimento negro e, principalmente, no bojo
dos feminismos negros têm extravasado o que a literatura da ciência
política têm costumeiramente denido como “sociedade civil”, atingindo
setores antes não organizados da sociedade. Na mesma direção, minha
pesquisa de doutorado (Zanoli, 2020) aponta para caminhos semelhantes
no que diz respeito ao movimento LGBTI. Portanto, assim como auto-
res ligados aos estudos de movimento LGBTI, (Facchini, 2018, França,
2012), Gomes mostra a importância da internet e do mercado na con-
solidação de discursos e na disseminação de práticas, principalmente
aquelas ligadas a estéticas políticas e à armação da identidade negra,32
ressaltando que parte desse discurso tem sido produzido fora dos con-
textos ativistas tradicionais, mas sem, necessariamente, deixar de se
relacionar com eles.
32 Por vezes, Gomes faz uso do termo “negros em movimento”, que também apare-
ce nos trabalhos de Gleicy Mailly da Silva (2017, 2018) sobre empreendedorismo
negro. Nesses trabalhos, Silva ressalta a adesão desses sujeitos a discursos políti-
cos em torno da negritude, sem que eles, necessariamente, se compreendam como
parte do movimento negro. Seus interlocutores, preferem ser compreendidos
como “negros em movimento”.
Controversia 215152
Neste artigo, a partir de um foco na atuação do Aos Brados, um coletivo
LGBTI, negro e da periferia que atua em uma grande cidade do interior
do estado de São Paulo, no Sudeste brasileiro, analisei as mudanças
na identidade institucional do grupo, procurando problematizar abor-
dagens recentes acerca do que a literatura brasileira tem chamado de
“especicação do sujeito político do movimento”. Demonstrei que o
grupo, ao se relacionar com o movimento negro, sobretudo com coleti-
vos que se denem como culturais, passou a repensar não apenas sua
identidade política, chamando atenção à sua negritude, mas também
a incorporar formas de atuação empregadas por esses coletivos. Nesse
sentido, proponho que esse processo de “especicação” do sujeito polí-
tico é, de fato, inuenciado por políticas mais amplas fomentadas pelo
Estado, como a promoção de políticas públicas que valorizam as inter-
seccionalidades. Contudo, reitero também que as relações ativistas são,
elas mesmas, importantes oportunidades políticas na consolidação de
um ativismo interseccional.
Referências
Abers, Rebecca; Silva, Marcelo e Tatagiba, Luciana (2018). “Movimentos so-
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Negros, LGBTI e periféricos: o impacto das relações entre movimentos na
consolidação de ativismos interseccionais
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Youth climate movements have increasingly adopted an intersectional approach to activism, highlighting how diverse social categories (inter alia, race, gender, social class, sexuality) intersect with power structures and systems of oppression. This article explores the educational value of practices of intersectionality as they unfold in activists’ everyday lives, both within the climate movement and in its relationship with other movements. Drawing on multi-sited ethnographic data from young climate activists belonging to the School Strike for Climate chapters in Portugal’s two largest cities (Porto and Lisbon), we account for both private and public activist events—such as activists’ meetings, school occupations, and protest actions—and the connections with other activist causes, including feminist, anti-fascist, pro-housing, and LGBTQI+ rights. We show that intersectionality in youth collective action translates into: (i) a political commitment to anchor the climate struggle in systemic injustices that affect minoritized groups and non-normative identities, and (ii) a pragmatic strategy to uphold the public relevance and reach of youth climate mobilization. Simultaneously, our data reveal how the intersectional framework in climate activism translates into informal educational experiences that are significant for political socialization and collective learning, challenging conventional pedagogical processes and hegemonic education systems. This article contributes to expanding traditional notions of education, emphasizing the importance of climate activism as localized political spheres that promote opportunities for participatory learning, aimed at co-constructing just, democratic, and inclusive futures.
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Resumo: A interseccionalidade entrou na agenda de pesquisas acadêmicas sobre gênero, raça e classe social, bem como nas mobilizações sociais do Brasil contemporâneo. Contudo, os estudos nacionais se concentraram mais no termo enquanto categoria analítica, sem se deter ao uso político e social da mesma. O desafio desse artigo é analisar os significados da interseccionalidade em mobilizações contemporâneas no país. Para tanto, expõe três pesquisas que tratam do tema, cujos resultados apontam para a emergência de uma nova geração de ativismo portadora de nova linguagem contenciosa, que passa a expressar de forma mais evidente as articulações entre o feminismo e o antirracismo com vistas a problematizar as múltiplas formas de opressão social. Palavras-chave: interseccionalidade; feminismo; antirracismo; movimentos sociais. Intersectionality in Contemporary Brazilian Mobilizations Abstract: Intersectionality has entered the agenda of academic research on gender, race and social class, as well as social mobilization in contemporary Brazil. Nevertheless, Brazilian research is concentrated on the term as an analytic category, without focusing on its political and social use. The goal of this article is to analyze the meanings of intersectionality in contemporary mobilizations in the country. For that purpose, the study discusses three research projects that deal with the theme, whose results point to the emergence of a new generation of activism with a new contentious language which expresses in a more open manner the articulations between feminism and anti-racism in an attempt to problematize the multiple forms of social oppression.
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Resumo O presente trabalho visa apresentar os resultados de uma pesquisa conduzida no Centro Estadual de Combate à Homofobia de Pernambuco. Através de entrevistas realizadas com membros e ex-membros do órgão, investigo como ele atua para minimizar a violência contra a população LGBT. Com base neste objetivo, analisei o perfil dos profissionais do equipamento, levantei informações a respeito dos serviços ofertados e verifiquei os avanços e os desafios daquela política pública. Parte significativa desses profissionais era de egressos do Movimento LGBT que realizavam atendimento interdisciplinar e atividades formativas e destacaram, como avanços, a aproximação com outros setores públicos, a visibilidade da temática LGBT e o número de atendimentos contabilizados e, como desafios, o contexto LGBTfóbico do território pernambucano, a LGBTfobia institucional e a estrutura insuficiente do Centro.
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O presente artigo busca refletir a respeito das relações entre empreendedorismo e engajamento político, observadas a partir da Feira Preta, um evento organizado anualmente na cidade de São Paulo e que tem como objetivo promover atividades de cultura e comércio voltadas à comunidade negra. Constituídas a partir da conjunção de redes de solidariedade entre sujeitos, em sua maioria com ensino superior, engajados em coletivos culturais e/ou identificados como empreendedores, tais interações têm sido estimuladas por um conjunto de transformações político-econômicas dos últimos vinte anos. Atentando para esse cenário etnográfico, chamo atenção, portanto, para o modo como o mesmo tem constituído formas renovadas de reconhecimento e trocas culturais, promovendo a emergência de novos atores econômicos e políticos no contexto nacional. Interessa-me, particularmente, compreender as diferentes lógicas econômicas em ação, que têm articulado reivindicações e novos sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo, bem como, identificar os limites desse campo de possibilidades.
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In this article, we address the processes of the production of places, identities, and cultures through analysing performances of activists from Aos Brados, in their political activities throughout Campinas, a 1 million inhabitants city located in the state of São Paulo, Brazil. Aos Brados is an activist group formed by Black LGBT people from the favelas whose main activities in the last ten years have been cultural activities. Focusing on the activities made by Aos Brados members in cultural centres and public spaces throughout Campinas, we discuss how, in such presentations, the group disputes meanings associated with the places and cultures that these places claim to represent. We sustain that it can be seen as a process of disidentification in which Aos Brados reshapes meanings associated with places and cultures, producing Black LGBT Culture from the favelas. The discussion results from shared questions in two different research concerning the effects of the intersections of race, gender, class, and sexuality on the political identity of Black LGBT activists and on the performances of young drag queens. The methodology employed congregated participant-observation and in-depth interviews.
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Concepts as culture and politics, as well as forms of classification derived from them as 'to be polític' or 'to be cultural', are used by social actors and conform their organizations and forms of performance in a singular way. From a comparative analysis among ethnographic searches about groups of Bahia (Brazil) organized on the basis of relations with what is called black culture, the proposal of this article is to reflect on the positions and conceptions of their leaders in relation to the concepts of culture and politics and, consequently, on what it means to be activist in each one of them. The ethnographic approaches and the comparison among them turn the practice of cultural groups more intelligible by refusing the explanations based in their 'lacks': of political consciousness, sense of collectivity, social change proposals etc.