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RELAÇÃO ENTRE A ATIVIDADE DE PROJETO E O DESENVOLVIMENTO
DA TECNOLOGIA NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS: INSERÇÃO DO
VALOR TECNOLÓGICO EM SISTEMAS DE GESTÃO DA QUALIDADE
Maria Julia de Moraes MESQUITA
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Construção Civil e Urbana do
Departamento de Construção Civil da Escola Politécnica da USP;
correio eletrônico: julia.mesquita@poli.usp.br .
Silvio Burrattino MELHADO
Prof. Dr. do Departamento de Construção Civil da Escola Politécnica da USP;
correio eletrônico: silvio.melhado@poli.usp.br .
RESUMO
O artigo tem como premissa discutir as relações entre as atividades de projeto e desenvolvimento
de tecnologia na construção de edifícios, imaginando o contexto de um empreendimento que
adota um sistema construtivo inovador com alteração da base produtiva.
Objetiva-se demonstrar a pertinência destes relacionamentos como uma das vertentes que
introduzem o Valor Tecnológico aos Sistemas de Gestão da Qualidade.
Assim, abordadas as temáticas supracitadas, é proposta uma organização do processo de projeto
voltada a estas premissas.
1. DESENVOLVIMENTO
Antes da abordagem da temática propriamente dita, é necessário colocar o que se entende por
‘desenvolvimento de tecnologia na construção de edifícios’ e pelo contexto de ‘um
empreendimento que adota um sistema construtivo inovador’.
O desenvolvimento de tecnologia na construção de edifícios está inserido no contexto mais
abrangente do conceito de inovação tecnológica no processo de produção de edifícios, que
segundo BARROS (1996) representa o “aperfeiçoamento tecnológico, resultado de atividades de
pesquisa e desenvolvimento internas ou externas à empresa, aplicado ao processo de produção
do edifício objetivando a melhoria de desempenho, qualidade ou custo do edifício ou de uma parte
do mesmo”. Desta maneira, o ‘desenvolvimento’ representa as atividades de pesquisa e estudo
para o aperfeiçoamento da tecnologia, lembrando que esta é associada à noção de conhecimento
desenvolvido em forma de pesquisa e/ou experiências práticas, bem como à análise e aplicação
dos seus resultados pragmáticos.
Cabe colocar que esta delimitação acerca da ‘tecnologia’ deve ser entendida não somente como
referida à tecnologia dos produtos (materiais, componentes e sistemas construtivos) e de
processos construtivos (tecnologia para a construção), mas também à tecnologia do processo do
empreendimento, compreendendo a ação e interações entre todos os agentes e processos
envolvidos no seu percurso: o processo do projeto, a gestão dos materiais e equipamento, dos
recursos humanos (RH) e o acompanhamento pós-entrega associado à assistência técnica.
Neste artigo, optou-se por focar empreendimentos que adotam sistemas construtivos inovadores
que significam uma alteração da base produtiva da empresa construtora, restringindo a
abordagem tecnológica à atividade de construção de edifícios.
A pertinência de se estar considerando um empreendimento que adota um sistema
construtivo inovador (tecnologicamente falando) surge em meio ao atual contexto
macroeconômico de mercado extremamente competitivo e clientes mais exigentes. O contexto
interno deste empreendimento seria o de empreendedores exigentes e decididos em relação ao
produto requerido, equipes de projetistas e execução não somente tecnicamente qualificadas,
mas também bem entrosadas e motivadas no que diz respeito à condução dos trabalhos.
Igualmente, os fornecedores de materiais e equipamentos, e todos os Recursos Humanos (RH)
envolvidos (administrativo e operacional) devem ser devidamente qualificados e motivados.
2. A RELAÇÃO ENTRE A ATIVIDADE DE PROJETO E O DESENVOLVIMENTO DE
TECNOLOGIA NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS.
Acredita-se serem duas as relações que delimitam a importância do processo de projeto para o
desenvolvimento de tecnologia na Construção de Edifícios: ‘o projeto como ferramenta para a
tecnologia’ (1a. relação) e ‘o projeto como veículo da tecnologia’ (2a. relação).
2.1. O projeto como ferramenta para a tecnologia
Entende-se o projeto do edifício como parte integrante à atividade do desenvolvimento de
tecnologia.
Esta relação é justificada inicialmente pela própria capacidade do projeto de influenciar o
desempenho do produto nas demais etapas do empreendimento e de sua vida útil (MELHADO,
1994). Tal fato implica que o projeto representa um instrumento de seleção tecnológica e que
portanto faz parte da atividade do processo de desenvolvimento de tecnologia.
Entendendo-se o processo de projeto como metodologia de antecipação, este pode representar
ferramenta para o desenvolvimento tecnológico ao configurar-se em instrumento que estuda e
aperfeiçoa soluções técnicas para a configuração final do edifício (projeto do produto) ou o
processo de sua execução (projeto para a produção).
Ilustram estas situações as simulações de configuração final do produto relativas à seu aspecto
espacial, de conforto ambiental ou resistência estrutural, utilizando-se do recurso de softwares
específicos. Também através do desenvolvimento dos sistemas prediais ou através de soluções
de como executar atividades ou métodos construtivos, o projeto está atuando como ferramenta
para o desenvolvimento de tecnologia, sendo a tecnologia envolvida associada ao próprio
desenvolvimento do projeto ou à etapa de construção do edifício.
2.2. O projeto como veículo da tecnologia
Esta relação é entendida como ao considerar o projeto como documento de registro e veiculação
da informação e ‘conhecimento-tecnologia’ para todos os agentes envolvidos em um
empreendimento: o empreendedor, os próprios projetistas, construtores, RH, fornecedores e
clientes externos (o consumidor final investidor ou usuário).
De acordo com MARTUCCI (1990) e BARROS (1996), o projeto é “parte constituinte do sistema
de informação da empresa, responsável pela transmissão do contudo tecnológico a ser
incorporado no processo de produção” (op. cit.).
Conseqüentemente, o projeto configura um instrumento indutor de tecnologia nos canteiros de
obras, uma vez que permite incorporar logo no início do processo de produção, as inovações
advindas dos setores de materiais e componentes, de equipamentos e respectivos
desenvolvimentos tecnológicos implícitos.
Destaca-se também o papel do projeto como elemento de informação ao associá-lo aos custos da
(má) circulação de informações, podendo influenciar até na execução de atividades específicas
em canteiro de obras que venham alterar as características do produto, engendrando também
custos na qualidade do produto.
Para finalizar, coloca-se que sob este ponto de vista da comunicação do conhecimento, o projeto
pode configurar base para o sistema de normalização. A partir do momento em que surgem
condições para a criação de um banco de dados de tecnologia construtivas ‘desenvolvidas’
durante o processo de projeto, estas configuram base para o estabelecimento de normas técnicas,
ainda em número insuficiente dentro do sistema de normalização brasileira.
2.3 Considerações do item 1
As relações descritas, consideradas dentro do processo de desenvolvimento tecnológico, estão
esquematizadas na Figura 1.
PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
PROJETO
como
VEÍCULO
PROJETO
como
FERRAMENTA
SA
Í
DAS:
TECNOLOGIA
APERFEIÇOADA
ENTRADAS:
TECNOLOGIA
CONHECIDA
DESENVOLVIMENTO
TECNOLÓGICO
strito sensu
Figura 1: Esquematização gráfica das relações entre projeto e desenvolvimento
tecnológico.
As razões que levam à necessidade de se estabelecer as relações descritas estão associadas ao
próprio papel que o processo de projeto representa dentro do processo de produção do edifício:
antecipar o resultado, seja este o produto (projeto do produto) ou a sua produção (projeto para a
produção); à necessidade da existência de um documento de registro do conhecimento
desenvolvido e por conseqüência, a Tecnologia desenvolvida; e por fim, à necessidade de um
instrumento que veicule e dissemine este ‘conhecimento-tecnologia’ desenvolvido para os demais
envolvidos no processo do empreendimento inovador, para que possa ser aproveitado em
experiências futuras, enfocando-se a base produtiva.
3. A INSERÇÃO DO VALOR TECNOLÓGICO EM SISTEMAS DE GESTÃO DA
QUALIDADE VIA RELAÇÃO PROJETO-DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
Os Sistemas de Gestão da Qualidade (SGQ), representam a gerência global determinante das
políticas de qualidade em organizações que, no caso em discussão, são configuradas por
empresas construtoras.
A partir do enfoque sistêmico da gestão da qualidade, no qual “a questão da qualidade passa a
abranger a empresa como um todo, tratando dos aspectos técnicos, administrativos,
organizacionais, e a depender não só da engenharia e estatística, mas também de exigências tais
como psicológicas, sociológicas, educação, economia, informática, ciências jurídicas e outras”
(GARCIA MESSEGER apud. PICCHI, 1993), obtém-se uma visão holística do desenvolvimento
das atividades da empresa.
Estes sistemas estão baseados na padronização dos procedimentos das etapas que configuram o
Processo de Produção da empresa construtora, sendo estes de:
Execução e/ou coordenação do projeto;
Execução do edifício;
Gestão de insumos e RH;
Controle para todos os procedimentos;
Assistência técnica; etc.
Todos estes procedimentos devem visar não somente a qualidade do produto final, mas também a
melhoria contínua do Processo de Produção.
No entanto, estes procedimentos ainda não representam instrumentos que asseguram a eficiência
de seus processos. O depoimento do Eng. Ércio Thomaz ilustra com clareza esta observação:
“investir em gestão da qualidade, em procedimentos, em documentos, não é mal, desde que visto
como forma de organização. O problema está em não agregar conhecimentos técnicos. Por
exemplo, hoje é muito comum grandes empresas tocarem uma obra como uma filial, como um
projeto independente, com gestão de recursos e gestão técnicas separadas. Sem problemas,
mas alguém precisa alinhavar o que não deu certo em uma obra e evitar nas outras” (THOMAZ,
2001).
Observa-se também, ao se considerar o processo construtivo propriamente dito, que os SGQ
podem muitas vezes, levar a perpetuação de procedimentos caracterizados ainda como
tradicionais que não agregam valor ao produtoi, e sim, apenas a qualidade final do produto.
Nestes casos, a necessidade de imprimir eficiência em seus processos está relacionada à
inserção do Valor Tecnológico (VT) aos processos de produção de edificações. Enfim, em
agregar conhecimento tecnológico desenvolvido em experiências anteriores.
Neste contexto descrito em relação aos SGQ, as relações discutidas no item 1 representam
justamente uma das maneiras de viabilizar a inserção do VT, um de seus indutores, assim como
exemplificado na Figura 2.
A
p
li
caç
ã
o
em:
VALOR
TECNOLÓGICO
INSERÇÃO DO VALOR TECNOLÓGICO EM SGQ
SGQ
EMPREENDIMENTOS
c/
SISTEMAS CONSTRUTIVOS
INOVADORES
R
e
l
ação
PROJETO-DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
INDUTORES
:
Figura 2: Inserção do Valor Tecnológico em SGQ através do Processo de Projeto.
A figura ilustra ainda que, uma vez inserido o VT em SGQ, este pode ser aplicado no contexto
especifico dos empreendimentos nos quais trabalha a empresa construtora, relação que será
abordada adiante, no item 3.
A figura delimita portanto um contexto no qual a consideração do VT em SGQ ocorre
especificamente em empreendimentos voltados para sistemas construtivos inovadores e com
alteração da base produtiva, tendo nas relações projeto-desenvolvimento tecnológico um dos
indutores para a viabilização desta consideração. Entende-se que as relações discutidas no item
1 representam portanto uma das maneiras de buscar esta integração entre o desenvolvimento
tecnológico e os SGQ.
4. A ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE PROJETO
A viabilização do processo de projeto dentro de moldes que viabilize o contexto delimitado na
Figura 2 está associada ao conceito de Planejamento da Qualidade.
Por quê?
Porque o Planejamento da Qualidade enfoca a especificidade do empreendimento e prima por
assegurar a qualidade dos produtos gerados, encontrando nos Planos da Qualidade sua
ferramenta de aplicação dentro dos SGQ. Os Planos da Qualidade representam, conforme a
norma NBR-ISO 10005, o “documento que especifica quais os procedimentos e recursos
associados devem ser aplicados, porque e quando, a um empreendimento, produto, processo ou
contrato específicos” (ABNT, 1997.
Assim, os PQs enfocam a aplicação dos conceitos da qualidade conforme o empreendimento em
questão, harmonizando os detalhes de organização inerentes nos sistemas de qualidade,
envolvendo o controle de projetos, a tecnologia dos processos construtivos, a qualidade dos
materiais e a execução da obra, bem como o uso e manutenção; de sorte que compatibiliza os
procedimentos utilizados em cada etapa.
Analogamente, os princípios do Planejamento da Qualidade para o Projeto devem ser elaborados
para balizarem o processo de projeto, considerando:
A abordagem básica do Projeto do Produto e do Projeto para a Produção – devem ser
integrados não somente entre si mas também com a própria etapa da execução do edifício;
A criação de banco de dados de tecnologia construtiva baseada nas experiências e
conhecimentos desenvolvidos;
O desenvolvimento de softwares de gerenciamento;
A integração das diversas disciplinas de projeto através da adequada coordenação,
podendo-se também lançar mão dos recursos de softwares específicos desenvolvidos;
A integração entre o processo de Projeto e demais etapas da cadeia do Processo de
Produção/Empreendimento – através dos profissionais de projeto e demais agentes
envolvidos;
A aplicação de metodologias, tais como a APOii, que viabilizam a retroalimentação ao
processo de projeto de informações sobre: a construtibilidade que o mesmo origina, o
desempenho do produto, a manutenção que origina e a satisfação geral do usuário para com
o mesmo; e,
A Análise Crítica que deve ser realizada a cada encerramento de um processo de projeto.
5. CONCLUSÃO
As reflexões e sugestões discutidas no artigo representam exemplos de questões a serem
consideradas no Planejamento da Qualidade para o Projeto, contribuindo para o aumento da
qualidade e do desenvolvimento tecnológico não somente para o processo de projeto, mas
também para todo o processo dos empreendimentos delimitados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Mércia M. S. Bottura. Metodologia para implantação de tecnologias construtivas
racionalizadas na produção de edifícios. Tese (Doutorado). São Paulo: EPUSP, 1996.
MARTUCCI, R. Projeto tecnológico para Edificações Habitacionais: Utopia ou Desafio? Tese
(Doutorado). São Paulo: FAUUSP, 1990.
MELHADO, S. B. Qualidade do projeto na construção de edifícios: Aplicação ao caso das
empresas de incorporação e construção. Tese (Doutorado). São Paulo: EPUSP, 1994.
THOMAZ, H. A Construção da Qualidade. Revista Techné. São Paulo: Pini, no. 54, Setembro
2001. entrevista pp. 22-24.
Notas:
i Tais como no processo de projeto, o desenvolvimento de disciplinas de projeto isoladamente uma das outras; ou, no
caso da etapa de execução, na montagem de fôrmas para concreto moldado in loco com formas de madeira serrada.
ii APO – Avaliação Pós-Ocupação.