ArticlePDF Available

nação brasileira entre a cruz e a espada: apontamentos sobre a atual (re)construçao de uma identidade nacional supremacista no Brasil

Authors:

Abstract

Prestes a completar duzentos anos como Estado independente, o Brasil se depara atualmente com um horizonte pouco propício a celebrações em torno de um passado em comum e de um futuro a compartilhar. Abalado em suas instituições fundamentais, o país submerge numa crise econômica e sociopolítica marcada pela crescente instrumentalização política do ódio e de diversas formas de discriminação. Nesta nação de horizontes nebulosos, sucessivos ataques têm sido feitos às formulações sobre a identidade nacional que buscam articular um passado e um futuro nacional abertos à diversidade. No lugar de uma construção identitária que se afirma plural, ressurge no horizonte brasileiro o horror das teses históricas exclusivistas e supremacistas sobre o que seria a nacionalidade
A NAÇÃO BRASILEIRA ENTRE A CRUZ E A
ESPADA: APONTAMENTOS SOBRE A ATUAL
(RE)CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE
NACIONAL SUPREMACISTA NO BRASIL
André Nicacio Lima1
RESUMO: Prestes a completar duzentos anos como Estado independente, o Brasil se
depara atualmente com um horizonte pouco propício a celebrações em torno de um
passado em comum e de um futuro a compartilhar. Abalado em suas instituições funda-
mentais, o país submerge numa crise econômica e sociopolítica marcada pela crescente
instrumentalização política do ódio e de diversas formas de discriminação. Nesta nação
de horizontes nebulosos, sucessivos ataques têm sido feitos às formulações sobre a iden-
tidade nacional que buscam articular um passado e um futuro nacional abertos à diversi-
dade. No lugar de uma construção identitária que se arma plural, ressurge no horizonte
brasileiro o horror das teses históricas exclusivistas e supremacistas sobre o que seria a
nacionalidade.
PALAVRAS-CHAVE: História do Brasil; Nacionalismo; Identidade nacional;
Discriminação racial.
THE BRAZILIAN NATION BETWEEN THE
CROSS AND THE SWORD: NOTES ON THE
CURRENT (RE)CONSTRUCTION OF A
SUPREMACIST NATIONAL
IDENTITY IN BRAZIL
1 André Nicacio Lima é Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. E-mail:
andrenicacio@gmail.com
DOI 10.20396/temáticas.v27i54.12336
16 André Nicacio Lima
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
ABSTRACT: Brazil is about to complete two hundred years as an independent state.
Nevertheless, it faces an unlikely horizon in regards to the celebration of a common
past and a future to share. The country has its fundamental institutions shaken and
plunges into an economic and sociopolitical crisis, which is marked by the growing
political instrumentalization of hatred and various forms of discrimination. In this
nation of uncertain horizons, successive attacks have been made against national identity
formulations that seek to articulate a national past and a future that is opened to diversity.
Instead of the construction of an identity that asserts itself as plural, the horror of the
exclusivist and supremacist historical theses about nationality reemerges in the Brazilian
horizon.
KEYWORDS: Brazilian History; Nationalism; National identity; Racial discrimination.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é apresentar alguns caminhos para a crítica
das narrativas supremacistas sobre o passado brasileiro que vêm ganhando
um grande público no país. O escopo da análise inclui livros que se
tornaram best-sellers, além de vídeos acessados por centenas de milhares de
pessoas na Internet. Trata-se de autores que vêm defendendo uma revisão
da história brasileira, partindo da deslegitimação das formas até então
consagradas de construção do conhecimento histórico - em especial, o
lugar ocupado pelas universidades e pelos historiadores prossionais na
produção deste conhecimento. No artigo, dedicarei maior atenção a dois
episódios da série “Brasil - A Última Cruzada”, realizada pela organização
Brasil Paralelo (2017), que atualmente exerce inuência na política cultural
e educacional do país. Também analiso brevemente os discursos históricos
presentes nas obras, artigos e entrevistas de Leandro Narloch (2011a;
2011b), autor que vem tentando pautar as políticas públicas a respeito da
produção de materiais didáticos, ameaçando levar às salas de aula sua visão
marcadamente racista da sociedade brasileira.
A conclusão principal desta análise é que estamos diante de uma
atualização, em linguagem sedutora, de teses autoritárias e supremacistas
do século XIX brasileiro. Trata-se de uma constatação preocupante para o
futuro do país e da humanidade, principalmente se este tipo de narrativa se
consolidar em currículos escolares e nas políticas culturais e educacionais
17A nação brasileira entre a cruz e a espada:...
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
do Estado brasileiro, num contexto de crise profunda na economia, na
sociedade e na política.
O REVISIONISMO BRASILEIRO
Ao longo da última década, produções brasileiras que atingem
grandes públicos vêm construindo a fantasmagoria de uma “história
ocial” diante da qual oferecem narrativas de uma “história paralela”,
supostamente encoberta ou silenciada até então. O que chamam de
“história ocial” corresponde, via de regra, à historiograa produzida nas
universidades, que tem sido desacreditada por organizações e ideólogos
da chamada “nova direita”, com destaque para organizações como Brasil
Paralelo (2017) e para indivíduos como Leandro Narloch (2011a).
As estratégias de falsicação histórica adotadas por Narloch
foram apontadas por alguns historiadores, e nada têm de inovadoras
(PRADO, 2011; RODRIGUES, 2018; dentre outros). Suas obras
selecionam acontecimentos ou personagens que tenham valor simbólico
para movimentos políticos ou sociais aos quais o autor se opõe, e elaboram
narrativas provocativas a respeito delas. Seus alvos preferenciais são as
histórias e ancestralidades indígenas, negras e hispano-americanas, além de
personagens reivindicadas pela esquerda política.
Como descreve Maria Lígia Prado, em sua resenha do “Guia
Politicamente Incorreto da América Latina”, o autor se utiliza de dois
expedientes básicos para fazer com que seus argumentos pareçam
sustentados em trabalho historiográco sério. O primeiro deles é o de “se
apropriar de uma fonte bibliográca contestada e corroída por suspeitas
e apresentá-la ao leitor brasileiro como dedigna e isenta”. O segundo
“refere-se ao mecanismo de utilização de uma fonte bibliográca de
prestígio para referendar ou legitimar conclusões bastante diferentes”
daquelas de seus livros. (PRADO, 2011). Na denição do historiador
Aldair Rodrigues (2018), o “revisionismo populista” de Narloch é
“seletivo, interessado, simplicador, formulado e consumido de acordo
com a propensão ideológica do seu produtor e do seu leitor, constituindo
uma espécie de história à la carte”.
18 André Nicacio Lima
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
Leandro Narloch costuma esquivar-se das críticas a seu método
armando que sua obra não é mais que uma “provocação”, destituída de
pretensões de se tornar uma narrativa acreditada sobre a história do Brasil.
Contudo, ele tem insistido na tentativa de inuenciar as políticas públicas
relativas à produção de materiais didáticos, especialmente no sentido de
livrar esta produção das preocupações com a promoção da igualdade racial
e de gênero.
Por exemplo, em artigo publicado no dia 11 de janeiro de 2019, na
revista Crusoé, Narloch (2019) arma que “uma mudança nos editais não
é só necessária, é urgente”. Neste e em outros textos, o autor revela nítida
pretensão de levar ao sistema de ensino suas “provocações”, tornando-as
parâmetro de conhecimento histórico difundido sob a chancela do poder
público.
Por sua vez, as produções da organização Brasil Paralelo (2017) se
apresentam desde o princípio como sendo mais do que mera “provocação”.
Na abertura de sua série sobre a origem do Brasil, o narrador assevera
que “você está prestes a assistir uma narrativa séria sobre a sua história”.
Os vídeos são tecnicamente bem produzidos e se utilizam de linguagens
clássicas de documentários, com entrevistas de supostos especialistas
diante de estantes cheias de livros, mescladas por fontes iconográcas
diversas e pela voz suave de um narrador.
Os objetivos da organização Brasil Paralelo não se reduzem à
divulgação de determinada visão de história, mas também ao envolvimento
dos espectadores no nanciamento e produção de novos materiais. Além
disso, os realizadores prometem aos que contribuem nanceiramente o
ingresso em “um grupo fechado, onde vamos nos conhecer e planejar
um futuro em conjunto”. Trata-se, portanto, de uma organização política
voltada para o engajamento de pessoas em torno de determinadas teses
históricas, que são apresentadas como a verdade oculta sobre o passado
nacional brasileiro.
A faceta mais conhecida e mais debatida do revisionismo histórico
recente é a disputa em torno da memória do regime militar estabelecido
pelo golpe de 1964. Justamente neste campo de disputa, a organização
Brasil Paralelo tem sido a iniciativa revisionista de maior sucesso de
19A nação brasileira entre a cruz e a espada:...
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
público no país, com o lme “1964: O Brasil Entre Armas e Livros”. Para
tanto, seus realizadores contaram com uma rede de lealdades políticas que
articulam a “nova direita” brasileira, e também com ampla divulgação por
autoridades do Estado brasileiro, a começar pelo ocupante da presidência
da República.
Porém, o escopo do revisionismo histórico brasileiro é muito
mais amplo que o saudosismo e a revalorização do golpe de 1964. Ele
inclui eventos internacionais, como no caso da tese do nazismo como
movimento “de esquerda”, que tem deixado muitos europeus (inclusive
os neonazistas) bastante perplexos (RODRIGUES, 2018). Outro caso
diz respeito às releituras da Guerra do Paraguai que miram na caricatura
de Solano López para acertar na imagem de Hugo Chávez e de Nicolás
Maduro, retomando velhos estereótipos sobre os “caudilhos” hispano-
americanos e seus regimes políticos bárbaros (NARLOCH, 2011b)2
Não se trata apenas de impropérios jogados contra adversários
políticos de ocasião. Como veremos agora, na mira dos ataques do
revisionismo brasileiro estão quase sempre a história, a memória e a
dignidade humana de populações historicamente discriminadas no país.
As mesmas que seguem na mira de snipers, milicianos e pistoleiros, que
estão sendo fortemente armados neste momento. O sucesso de narrativas
supremacistas sobre a história do Brasil deve nos preocupar principalmente
porque vivemos este contexto, muito especíco, de organização do ódio e
recrudescimento da violência racial.
REVISIONISMO E SUPREMACISMO
Quando se trata de contar qual é a origem da nação brasileira,
as produções do Brasil Paralelo não apresentam pesquisas ou reexões
originais. Seus vídeos são uma atualização de narrativas sobre a história do
Brasil que foram formuladas no século XIX e início do século XX, e que
foram repetidas à exaustão nos manuais escolares e na produção cultural
brasileira desde então.
2 Para uma crítica da história incorreta da América Latina propagada pelo autor (PRADO,
2011).
20 André Nicacio Lima
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
No fundamental, o Brasil apresentado como “paralelo” é o
mesmo Brasil que era ensinado nas escolas na geração de nossos avós
ou bisavós. Para começar a percebê-lo, basta comparar a série com um
manual escolar de história de meados do século XX. Lá estão Cabral e sua
esquadra “do Descobrimento”, com sua missão civilizadora. Lá estão as
imagens da Primeira Missa, as da Corte no Rio de Janeiro e as do Grito do
Ipiranga. Lá está o heroísmo do caráter português, a indolência do caráter
indígena, lá está a escravidão “adocicada” de negros, cujo caráter estaria
de antemão adaptado a uma condição servil. Trata-se de mentiras antigas,
mas muito perigosas, em contexto de crise, porque alimentam horizontes
supremacistas de futuro.
Nomeio supremacistas as teses históricas que descrevem a diversidade
humana em termos de inferioridade e superioridade, e constroem suas
narrativas de forma a enaltecer a vitória dos pretensamente superiores
sobre os pretensamente inferiores. Em certos casos, tais teses buscam
desumanizar setores da sociedade, que são apresentados como elementos
do mundo natural, ou como agentes puramente braçais da reprodução
social, destituídos de vida moral, cultural ou intelectual. É este o caso
da abordagem das sociedades indígenas do passado como elementos de
uma paisagem sem história, como se os europeus tivessem encontrado
na América um território intocado por mãos humanas. Também é este o
caso da redução da experiência negra no Brasil à condição de mão-de-obra
escravizada, que desconsidera as trajetórias de conquista de autonomias
e liberdades durante a vigência do regime escravista e fecha os olhos às
subjetividades negras ao longo de mais de trezentos anos.
Atuando em diversas frentes, o revisionismo não deixa de ter um
núcleo coeso em suas narrativas quando se trata de explicar como o Brasil
se formou como uma nacionalidade. Seu o condutor é o entendimento
da história do Brasil como prolongamento glorioso de uma idealizada
“civilização europeia” ou “ocidental”, que incorpora outras culturas e
ancestralidades na condição de contribuintes secundários, rearmando
sempre sua condição subalterna. Tal o condutor não é concebido de
maneira original por esses ideólogos da “nova direita”, mas recuperados
de uma tradição historiográca nacionalista existente no Brasil desde o
século XIX, que é marcadamente supremacista em sua visão de mundo.
21A nação brasileira entre a cruz e a espada:...
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
Sua origem está no século XIX, o século da História e, não por
coincidência, o século das nações e do nacionalismo. Como assinalam
os principais intérpretes do fenômeno, o surgimento das nações e
do nacionalismo envolveu uma reorganização do passado no sentido
de legitimar a reivindicação política de uma comunidade política no
presente (VILAR, 1982; HOBSBAWM, 1990; BALAKRISHNA, 2000;
ANDERSON, 2008). Não se tratava de um grupo de historiadores-
ideólogos que partilhavam um mesmo projeto, mas de tendências muito
diversas de invenção de passados nacionais, nas quais tiveram papel crucial
teses supremacistas sobre a diversidade das sociedades humanas.
Na Europa Ocidental, essas teses interessavam tanto à expansão
colonialista, quanto à legitimação interna dos novos Estados, diante de
um proletariado que reivindicava, com cada vez mais força, um horizonte
internacionalista. Fora da Europa Ocidental, em países tão diferentes
quanto o Brasil, a Turquia, a África do Sul e o Japão, o nacionalismo
exterminista europeu foi apropriado por elites que voltaram os instrumentos
ideológicos de inferiorização do outro contra populações internas ou
próximas de seus territórios. Houve naquele tempo quem compreendesse
a nação como um projeto aberto a múltiplas culturas e ancestralidades,
mas esta era a contracorrente do processo. Muitas das teses nacionalistas
do século XIX - em especial, as que hoje têm sido recuperadas em vários
países - têm como horizonte o genocídio.
O nacionalismo historiográco de base étnica ou racial é um
problema longamente debatido em termos éticos pelos que exercem
o ofício. O compromisso em não submeter o passado aos critérios de
um projeto político exclusivista de comunidade nacional é levado a
sério para a legitimidade do conhecimento histórico em diversos textos
de formação produzidos durante ou depois da experiência das guerras
mundiais, como nos manifestos da revista Annales, na “Apologia da
História”, de Marc Bloch (2001), e no livro “Sobre História”, de Eric
Hobsbawm (1997). Historiadores das mais diversas tendências políticas
têm mantido um consenso estável a respeito do fato de que a História
não deve desumanizar nem negar o direito à memória e à ancestralidade
a ninguém, ainda que os avanços se mostrem insatisfatórios num quadro
22 André Nicacio Lima
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
de forte resistência às políticas de promoção da igualdade racial. Por mais
críticas ao supremacismo que sejam as formulações que apresentemos,
nós, pesquisadores prossionais brasileiros ainda somos quase todos
brancos, e o problema do avanço das narrativas supremacistas reforça a
necessidade de mudar este quadro.
VARNHAGEN E A NAÇÃO BRASILEIRA
O Brasil surgiu como uma identidade nacional ao longo da primeira
metade do século XIX, como resultado de um processo conituoso de
busca por superação da crise do Antigo Regime no âmbito do império
português. Resumidamente, os regimes políticos tradicionais colapsaram
na chamada Era das Revoluções (1776-1849) e em seu lugar se armaram,
como grande novidade política, os Estados cuja legitimidade estava
intrinsicamente ligada à “nação”. A princípio, “nação” era uma noção
política ligada ao local de nascimento, mas bastante marcada pelo
cosmopolitismo do Século das Luzes e pelas teorias liberais de poder,
que se tornaram hegemônicas naquele período. Contudo, ao longo das
revoluções e das experiências de construção de Estados com regimes
constitucionais, o cosmopolitismo iluminista passou a conviver cada vez
mais com discursos e movimentos organizados de caráter nacionalista,
com objetivos e ideologias bastante variados, mas que tinham em comum a
tentativa de armar sua nação como uma entidade histórica dotada de uma
trajetória singular. (VILAR, 1982; HOBSBAWM, 1990; BALAKRISHNA,
2000; ANDERSON, 2008)
Neste contexto, as histórias nacionais foram construídas de
forma a justicar a existência de um Estado nacional no presente, ou
então de reivindicá-la para um futuro próximo. A identidade nacional se
fundamenta, em grande medida, em narrativas históricas, que tornou a
invenção de passados nacionais um importante campo de disputa política.
Como arma Antony Smith (2000), a construção das nacionalidades teve
dentre seus principais protagonistas os historiadores, na mesma época em
que a História ganhava status de disciplina cientíca.
23A nação brasileira entre a cruz e a espada:...
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
No caso do Brasil, o autor mais inuente do nacionalismo
historiográco oitocentista foi Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-
1878), que redigiu a História Geral do Brasil, a História da Independência, dentre
outras obras. Varnhagen (1870) foi um dos principais responsáveis pela
criação das cenas que hoje compõem o imaginário dos brasileiros sobre sua
origem nacional (nem que seja em suas versões satíricas). Narrativas como
a do desembarque de Cabral, a da Primeira Missa no Brasil e a do Grito do
Ipiranga devem muito a suas obras. Trata-se de um historiador intimamente
ligado ao poder imperial, tendo sido agraciado com o título de visconde
de Porto Seguro depois de uma longa atuação como diplomata a serviço
do Império e como reconhecimento por sua contribuição à historiograa.
A escolha de Porto Seguro para o título era uma referência ao local do
desembarque de Pedro Álvares Cabral, narrativa que Varnhagen (1870)
ajudou a consolidar.
O supremacismo de Varnhagen (1870) nada tinha de velado ou sutil.
Diferentemente de outros intelectuais de sua época, Varnhagen (1870) era
explícito em defender a supremacia europeia, branca, cristã e monárquica
como parâmetro de sua escrita da história nacional. Tanto é assim que
dedicou todo o prefácio da História Geral do Brasil a justicar o genocídio
indígena no passado, no presente e no futuro da nação. No texto, ele
rebateu longamente as críticas de “lantropos” defensores de “selvagens”
e explicou que indígenas e africanos não cabiam nos feitos ancestrais
dos brasileiros pela mesma razão que não cabiam no futuro nacional. O
supremacismo de sua leitura do passado era consciente e coerente com
o projeto que defendia para o futuro. Seus argumentos eram diretos no
sentido de armar a inferioridade cultural dos povos não-europeus e a
necessidade de imposição cultural violenta por parte dos brancos. Este e
outros textos do autor são pontuados de visões esperançosas com relação
ao futuro branqueamento da população por meio da imigração de colonos
europeus. Note-se que as políticas legitimadas por essa visão da história
nacional têm tido efeitos gravíssimos para a violência racial no Brasil desde
a época da Abolição (VARNHAGEN, 1870).
No tratamento da diversidade brasileira em seu próprio tempo,
Varnhagen (1870) foi um propagandista explícito do extermínio indígena
24 André Nicacio Lima
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
e da escravização dos africanos. Em suas palavras, “uma longa experiência
ensina que a sujeição é necessária aos que, quando privados de senhores e
tutores, voltam a seus antigos usos e idolatrias” (VARNHAGEN, 1870, p.
214). Varnhagen (1870) acreditava que o Brasil se encaminhava para uma
campanha de extermínio contra os indígenas, e conclamava os leitores a
apoiarem essa iniciativa como um passo positivo para a construção da
nacionalidade, dado que “em geral, a guerra tem sido um grande meio
civilizador entre os homens” (VARNHAGEN, 1870, p. XXII). “Exemplo
recente”, segundo ele, era a “Argélia, submetida ao domínio civilizador
da cristianíssima França” (VARNHAGEN, 1870, p. XXII). Percebe-se,
portanto, que seu nacionalismo incorporava plenamente os termos do
imperialismo europeu da mesma época para caracterizar a tarefa dos
brancos brasileiros com relação aos descendentes de indígenas e africanos.
Como assinalou o historiador Victor Leonardi (1996), nada disso impediu
que Varnhagen fosse reverenciado durante boa parte do século XX.
A obra de Varnhagen moldou muito do imaginário a respeito do
passado brasileiro que vemos em livros e produções audiovisuais até hoje.
Após a queda da Monarquia, em 1889, a formação histórica oferecida aos
brasileiros, seja pela educação escolar, seja por outros meios, continuou
seguindo a história dos “grandes homens” numa trilha cujo traçado inicial
foi feito pelos historiadores do Império, com destaque para Varnhagen.
A República apenas acrescentou à lista alguns novos acontecimentos e
personagens, com destaque para o Tiradentes. A valorização da gesta
civilizatória da colonização portuguesa permaneceu intocada.
Segundo Elza Nadai (1993), após a Proclamação da República, os
processos de identicação da história do Brasil com a história da Europa
foram, na verdade, aprofundados. Na primeira metade do século XX, o
“o condutor do processo histórico centralizou-se, assim, no colonizador
português e, depois, no imigrante europeu e nas contribuições paritárias
de africanos e indígenas” (NADAI, 1993, p. 147). Tratava-se de uma
“história da civilização” que dedicava a maior parte do currículo à história
da Europa Ocidental e não tinha qualquer espaço para a história do
continente onde está situado o Brasil, a América do Sul. Nos manuais de
história de São Paulo na primeira metade do século XX, o imigrantismo
25A nação brasileira entre a cruz e a espada:...
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
europeu aparecia como capítulo nal de uma história de construção de
uma civilização brasileira digna dos padrões europeus.
Esta história com horizontes supremacistas era também uma
história enaltecedora da guerra e da eliminação do outro, como signos de
uma “conquista”. Longe de ser um fenômeno exclusivamente brasileiro, a
valorização de ideais de heroísmo vinculados à guerra foi expressão típica
dos nacionalismos agressivos que se tornaram predominantes na Europa
desde ns do século XIX até chegarem ao extremo do nazifascismo.
Em 1935, Murilo Mendes, atento às catástrofes que o nacionalismo e o
militarismo provocavam na Europa, criticou o ensino de história no Brasil
por imitar “um ensino que visava claramente a preparar na criança de hoje
o soldado de amanhã” (NADAI, 1993, p. 150).
Foi apenas a partir da década de 1950 que o ensino de história
no Brasil começou a passar por revisões críticas no sentido de uma
compreensão do passado como uma construção de toda a sociedade e
não apenas de reis, generais, bispos e outros “grandes homens” (NADAI,
1993). Era a chegada ao sistema escolar das interpretações críticas sobre a
nacionalidade nas décadas anteriores. Contudo, a partir de 1964, a ditadura
militar atuou no sentido de deter essas críticas e rearmar a história dos
“heróis nacionais” e do “progresso da civilização”. Prosseguiu propagando
o mito da “democracia racial”, mas também foi mais longe, recuperando
do século XIX a “tese das três raças” de von Martius e a obra de Francisco
Adolfo de Varnhagen, dentre outros autores.
Por m, desde os anos 1980, reformas curriculares e outras políticas
públicas no sentido da promoção da igualdade racial foram arrancadas do
Estado brasileiro pela pressão de movimentos antirracistas e democráticos.
Mal consolidados estes avanços, assistimos hoje a uma ofensiva que
pretende restaurar narrativas oitocentistas sobre o que é o Brasil e quem
são os brasileiros.
A democracia de 1988 permitiu que uma pluralidade de concepções
renovadas de história do Brasil ganhasse expressão, mas as formulações
supremacistas do século XIX nunca deixaram de estar presentes nos
discursos promovidos pelo poder público. As contradições da “história
ocial” caram patentes nos festejos dos “500 Anos”, em 2000, quando
26 André Nicacio Lima
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
o governo brasileiro celebrou o mito fundador do desembarque de
Cabral. Naquela ocasião, tropas policiais militares atacaram brutalmente
manifestações por direitos indígenas, que questionavam a celebração de
uma narrativa supremacista que a Constituinte tinha prometido enterrar.
Também são dignas de nota as resistências para a inclusão da história
indígena e da história negra nos currículos, bem como o eterno caráter
“polêmico” da inclusão de Zumbi dos Palmares e de outros personagens
históricos negros, indígenas e mulheres no panteão dos heróis nacionais.
Incluídos desde os anos 90, estes novos heróis nacionais são hoje uma
pequena minoria que se soma a um cortejo de generais e políticos brancos.
A minoria atacada nos livros de Narloch e desprezada na série Brasil
Paralelo (2017).
A CRUZ E A ESPADA
A origem da nacionalidade brasileira foi objeto da série de vídeos
“Brasil - A Última Cruzada” (2017) da organização Brasil Paralelo. O
objetivo da série é, segundo seus realizadores, “reverter as mazelas feitas
na nossa cultura nos últimos anos”. Vista como um todo, a série organiza
o passado brasileiro como continuidade da gesta grandiosa e heroica
dos “descobrimentos portugueses”, culminando numa conclamação em
defesa da civilização ocidental. Seu horizonte é o de uma “cruzada”, como
informa o título. E como em toda cruzada que se preze, o ódio ao “inel”
é fartamente alimentado.
A narrativa básica sobre a origem e a ancestralidade do Brasil é
anunciada já na abertura do primeiro vídeo, intitulado “A Cruz e a
Espada”. Enquanto são mostradas imagens da bandeira portuguesa, de
monarcas portugueses e de paisagens portuguesas, a narração, em tom
suave, introduz a história que será contada:
Assim como a biograa de um homem começa na
história de seus ancestrais, nossa pátria não pode ser
compreendida apartada daquela que a concebeu e gestou. E
a nossa identidade terá de ser buscada em acontecimentos
27A nação brasileira entre a cruz e a espada:...
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
enterrados por muitos anos, a milhares de quilômetros, no
Velho Mundo, e nas profundezas do Oceano. [...] Esta é a
história que vamos contar: de um povo que ultrapassou os
limites impostos pelo oceano e disputou palmo a palmo,
contra o vento, os rumos do seu próprio destino, que,
assim, fez dele o caminho para um Novo Mundo (BRASIL
PARALELO, 2017).
O vídeo, que conta atualmente com 500 mil visualizações no
Youtube, inclui falas de uma minoria de entrevistados com experiência
em pesquisa histórica e uma grande maioria de personagens alheios a este
universo. No primeiro perl, temos como gura mais ilustre o diplomata
e historiador Alberto da Costa e Silva; no segundo o astrólogo, ideólogo e,
mais recentemente, conselheiro da família presidencial, Olavo de Carvalho.
Em sua primeira fala, Carvalho lamenta que não possam mais ser
celebrados os heróis nacionais, interdição que segundo ele se deve ao
argumento de que esses heróis servem à ideologia dominante. Ele prossegue
dizendo que a consequência de não se poder mais cultuar esses heróis é que a
história se ocupa atualmente com a apologia “do território, dos bichos e dos
índios”. Como se percebe, “índios”, tanto quanto “bichos”, não cabem no
panteão nacional. Na sequência de sua fala, Carvalho se mostra consciente
de que a compreensão que as pessoas têm de sua história informa suas
ações no presente e seus horizontes de futuro. Numa fala que coloca o
tempo todo em conexão o passado, o presente e o futuro, não são apenas
no panteão que os “índios” são excluídos e equiparados aos “bichos”.
A defesa da herança de uma civilização ameaçada é o núcleo central
da argumentação do vídeo. Tal legado é denido como sendo composto
pela losoa grega, pelo direito romano, pela moral judaico-cristã e pela
“experiência acumulada de nossos ancestrais”. De acordo com a voz sempre
suave e tranquila do narrador, “esta é a herança que chamamos de civilização
ocidental.” Quem estaria ameaçando tal herança, desde a Idade Média até
os dias atuais, seria o Islã, apresentado como inimigo a ser combatido.
A história das navegações portuguesas é contada como era
contada pelo salazarismo, regime próximo ao nazifascismo que vigorou
28 André Nicacio Lima
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
em Portugal e que se recusou até as últimas consequências a permitir a
autodeterminação dos povos da África. Tal como na propaganda salazarista,
a expansão portuguesa é apresentada como um movimento grandioso e
heroico de expansão da fé cristã contra o inel muçulmano, que culmina
na armação harmoniosa e pacíca de uma civilização superior, europeia
e cristã, sobre povos da África, da Ásia e da América. Como prenunciava
o título, a palavra-chave da explicação para a formação nacional brasileira
é a “cruzada” lançada contra os inéis.
Por m, o vídeo culmina com uma conclamação à ação, em nome
da memória dos ancestrais (brancos, europeus e cristãos) sacricados na
gesta dos descobrimentos. Imagens europeias e brasileiras de templos
católicos são acompanhados pela seguinte narração:
Em algum lugar, sempre haverá o panteão daqueles que
nos trouxeram até aqui. Lá estão as paixões, os méritos, os
sacrifícios e todo o heroísmo da humanidade. Não foi fácil.
A preservação deste lugar cabe a nós. Não podemos deixar
que roubem os degraus da nossa civilização. Sempre que
estivermos perdidos e sem saber para onde ir, eles estarão
lá, de braços abertos, para nos contar tudo que sacricaram
para dar um passo além do que parecia possível. Não se
trata apenas de não esquecer de onde viemos, se trata de
não esquecer para onde estamos indo. Nos momentos mais
difíceis, a história deve ser lembrada (Brasil Paralelo, 2017).
Assim como no caso do episódio “Vila Rica”, analisado por Roldão
Pires Carvalho e Mara Rovida (2018), a narrativa básica de “Entre a Cruz e a
Espada” é dada pela historiograa nacionalista brasileira anterior às sucessivas
autocríticas do ofício. Trata-se de uma historiograa que se tornou não só
ultrapassada, mas “politicamente incorreta” no decorrer do século XX -
ou mesmo antes, desde a Abolição e a proclamação da República. Como
lembram Carvalho e Rovida (2018), o autor mais inuente do nacionalismo
historiográco oitocentista foi Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878).
Também neste caso, é a ele que remete a narrativa “paralela” do Brasil.
No mesmo sentido que a obra de Varnhagen (1870), as narrativas
“paralelas” do Brasil atual querem convencer seu público de que tanto
29A nação brasileira entre a cruz e a espada:...
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
em sua origem, quanto em seu devir, o Brasil é culturalmente europeu,
branco e cristão. A diferença é que, de lá para cá, o mundo já viveu e
reviveu diversas vezes os resultados catastrócos do supremacismo e do
nacionalismo exclusivista. Entre o tempo de Varnhagen e o do “Brasil
Paralelo” passamos por mais de um século de exigência global de que
a história não pertence exclusivamente às ancestralidades e horizontes
dos colonizadores europeus, brancos e cristãos. De Aimé Césaire (1950)
a Chimamanda Adichie (2009), o “perigo de uma única história” foi
insistentemente apontado por intelectuais negros de diversas partes do
mundo como uma das causas do ódio racial que os atinge.
Nesse sentido, importa destacar que o revisionismo tem contado
com a colaboração de historiadores prossionais - e não apenas na
condição de entrevistados do Brasil Paralelo (2017). Um caso bastante
grave é o do Prof. Dr. Marco Antonio Villa. Dentre outras coisas, o
atual comentarista de diferentes veículos de mídia tem atacado colegas e
instituições cujas linhas de pesquisa e ensino adotam horizontes históricos
e culturais afrocentrados ou perspectivas teóricas atlânticas. Segundo
o Prof. Dr. Villa, nada disso é legítimo dentro de uma universidade.
Ao menos dois programas na Jovem Pan, em outubro de 2016, foram
integralmente dedicados a esses ataques (VILLA, 2016a; 2016b). Neles, o
historiador ridiculariza diversos cursos e eventos ligados à história negra.
Por exemplo, debocha do fato de que uma universidade oferece um curso
de dois semestres sobre as teorias da diáspora africana. Em suas palavras,
tal disciplina não aborda nada além do “tráco negreiro” e não mereceria
tanto espaço no currículo. Em seguida, com expressão de indignação, o
historiador questiona o que poderia ser ensinado num curso dedicado
à “História da construção do Ocidente”. Note-se que, em geral, é em
disciplinas como esta que os historiadores prossionais aprendem a não
serem supremacistas ao escreverem sobre o passado.
Seria tentador atribuir a fala do Prof. Dr. Villa à ignorância ou a
deciências de formação, mas como respondeu, em carta aberta, o reitor
da Unilab (uma das universidades atacadas por Villa), a fala do professor “é
fruto do racismo mais puro”. Complementa o reitor: “É claro que o senhor
participou dessas discussões e sabe que, ao dizer que somos ocidentais,
30 André Nicacio Lima
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
exclui inclusive toda a África ocidental e remete à Europa como os países
desenvolvidos” (FERREIRA JUNIOR, 2016). De fato, não é verossímil que
o Prof. Dr. Villa nunca tenha tido contato com a ideia de que o Ocidente é
uma construção e tem, portanto, uma história. Ou ainda, que não tenha tido
acesso à informação de que as culturas africanas possuem fundamentos
losócos (outro assunto que desperta no acadêmico expressões de
desprezo e escárnio).
Em consonância com esse tipo de discurso, tornam-se corriqueiros
ataques aos personagens negros da história do Brasil, em especial Zumbi
dos Palmares, assunto que já ocupou desde Narloch ao Prof. Dr. Villa.
Mas enquanto Narloch (2016) considera as universidades “clubinhos
ideológicos irrelevantes”, o historiador desfere seus golpes legitimado
por títulos acadêmicos. É do alto desses títulos que ele busca invalidar
a obra de investigação histórica e compreensão teórica da experiência
negra no Brasil num horizonte atlântico, empreendida por pesquisadores e
movimentos antirracistas, desde pelo menos Beatriz Nascimento (RATTS,
2006; NASCIMENTO, 2018).
Outro caso grave, recorrente principalmente nas falas de Narloch,
diz respeito ao negacionismo do genocídio indígena e a estigmatização
desses povos como “bêbados” e “vagabundos”, bastante difundido em
livros, séries e vídeos de grande sucesso atualmente, em especial a franquia
“politicamente incorreta”, lançada pelo autor. Mas talvez a mais ultrajante
narrativa supremacista dessa leva seja aquela que atribui aos negros africanos
- e não aos colonizadores europeus - a iniciativa de construir o maior
sistema de escravização e tráco de pessoas da história moderna. Elaborada
ao longo do debate em torno das políticas de promoção da igualdade racial
nas últimas décadas, esta fraude histórica tem sido repetida à exaustão por
ideólogos e políticos da “nova direita”. Ela também remonta a uma tradição
secular de justicação da escravidão, que durante o século XIX serviu aos
propósitos de líderes políticos favoráveis à continuação do tráco negreiro.
Discursos como o de que “o português nem pisava África, eram os
negros que entregavam os escravos” (Jair Bolsonaro, Roda Viva, outubro
de 2018), ou de que os indígenas foram responsáveis pelo seu próprio
genocídio - “Quem mais matou índios foram os índios” (NARLOCH,
31A nação brasileira entre a cruz e a espada:...
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
2011a) - têm em comum o fato de que desvinculam da história europeia
a barbárie que sua expansão colonial produziu, atribuindo-a aos povos
já vitimados pelo escravismo, pelo genocídio e pela perpetuação do
supremacismo racial em suas múltiplas variantes. O alvo não é o passado,
são os embates do presente. Mais precisamente, as reivindicações de
igualdade e de direito à diferença e à autonomia por parte de movimentos
negros e indígenas.
A INDEPENDÊNCIA E O SANGUE DERRAMADO
Uma vez situado o supremacismo no discurso histórico sobre a
origem do Brasil presente em narrativas revisionistas, importa analisar
como a história da Independência do Brasil é contada nessa versão
“paralela” da identidade nacional.
Primeiramente, importa notar que, ao conceber a nacionalidade
brasileira numa continuidade linear com relação à ancestralidade portuguesa
e ocidental, a série “Brasil Paralelo” não entende a Independência como
momento fundador mais importante do Brasil. A festa de fundação mais
adequada à visão da história que o grupo propaga é a celebração do
“Descobrimento”. Contudo, a Independência tem um papel importante
na narrativa, já que de alguma maneira é preciso explicar a separação entre
a porção europeia e a porção americana da nação portuguesa, que dá
origem ao Brasil.
No episódio “Independência ou Morte!”, quarto da série, o tom
do discurso prossegue, tranquilo e sereno. A narrativa não usa linguagem
violenta senão para se referir a experiências históricas revolucionárias
ocorridas em outras partes do mundo, como a Revolução Francesa e as
Independências hispano-americanas. Ao contrário da pregação que Olavo
de Carvalho e seus seguidores geralmente fazem a respeito do presente
brasileiro, repleta de acusações agressivas, gritaria e palavrões, a história da
fundação do Estado nacional brasileiro é contada placidamente.
A crer na versão “paralela”, a Independência do Brasil é explicável
por meio de uma biograa de D. Pedro I, complementada com referências
a outros personagens pertencentes à família real ou à elite imperial. A
32 André Nicacio Lima
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
tônica é a de uma origem pacíca da nacionalidade, garantida pela presença
de uma família real europeia, que trouxe com ela a “civilização”. Nesta
narrativa, também herdeira de Varnhagen, a história é conduzida por
elites dotadas de uma consciência histórica superior. Consequentemente,
basta conhecer as experiências, os dilemas e as decisões tomadas pelos
“grandes homens” para compreender as transformações da sociedade ao
longo do tempo. Tal visão de história (tão lha do século XIX quanto o
nacionalismo e o supremacismo racial moderno) vem sendo desacreditada
pelos historiadores prossionais há mais de um século, mas nunca deixou
de compor a imaginação histórica do Brasil e de outros países. É esta
perspectiva que está, por exemplo, na maioria dos lmes, novelas e séries
televisivas que representam a história do Brasil. Não é outra a perspectiva
de obras que satirizam os grandes personagens, como o lme “Carlota
Joaquina - Rainha do Brasil”, a série “Quinto dos Infernos”, da Rede
Globo, ou os livros de Laurentino Gomes sobre a história monárquica
brasileira. Porém, ideólogos como Narloch e os responsáveis pelo “Brasil
Paralelo” ultrapassam o limite do entretenimento e pretendem estabelecer
sua narrativa como leitura acreditada sobre o passado brasileiro.
Outra diferença fundamental é que os ideólogos do “Brasil Paralelo”
buscam apresentar D. Pedro na chave do heroísmo, e não da sátira. O
resultado não deixa de ser cômico, já que os doze trabalhos deste nosso
Hércules foram a solidão na infância dentro de um palácio, os conitos
com o irmão e a dolorosa decisão de car no Brasil quando uma revolução
obrigou seus pais a regressarem à Portugal. O heroísmo e o sacrifício das
guerras, que encontram farto material quando se trata das navegações
portuguesas, reduzem-se a breves comentários quando o assunto é a
Independência. O Dois de Julho, data da Independência celebrada na
Bahia desde 1823 até os dias de hoje, não é sequer abordado.
Neste ponto, importa notar que as narrativas históricas nacionalistas
costumam se fundar numa imagem de sacrifício que o povo viveu no
passado. Por exemplo, durante o século XIX, diversas nações americanas
construíram seu imaginário nacional em torno das batalhas da Guerra
de Independência - como foi o caso dos Estados Unidos, do México, da
Venezuela e da Colômbia, por exemplo. No caso de algumas nações hispano-
americanas, a construção de um imaginário nacional foi acompanhada por
33A nação brasileira entre a cruz e a espada:...
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
uma guerra de extermínio contra os espanhóis, conhecida como “Guerra
de Razas”. Nesses casos, a violência contra os europeus foi exaltada pelos
nacionalismos como um momento fundador da nação (THIBAUD, 2011).
Ao apresentar a Independência como uma transição tranquila e sem
traumas, em oposição aos países hispano-americanos, o vídeo promove
um mito sobre a origem da nacionalidade brasileira formulado ainda na
época do Império, mas que há muito tempo se tornou insustentável à luz
da historiograa.
Nesta visão, a monarquia teria garantido ao Brasil uma passagem da
situação colonial à Independência sem que para isso o país mergulhasse
na guerra civil, como ocorreu nos demais países do continente americano.
Este excepcionalismo da “revolução ordeira” atribui à experiência brasileira
o caráter singular de uma construção não-traumática da nacionalidade.
Graças ao rei D. João VI, que carregou a “civilização” ao Brasil, e ao
príncipe português, que num ato de heroísmo abraçou a o Brasil como
sua pátria, a formação de uma identidade brasileira teria acontecido num
processo natural de amadurecimento. A pátria-mãe, vendo que o rebento
Brasil já estava maduro para se autogovernar, o preparou para a maioridade
nacional e assinou sua emancipação com o grito de “Independência ou
Morte!”. Nesta narrativa, a fundação do Brasil seria fruto de uma dádiva
pessoal de D. Pedro I, o “Defensor Perpétuo do Brasil”, e de alguns de
seus ministros, com destaque para José Bonifácio de Andrada e Silva, o
“Patriarca da Independência” (PIMENTA, 2009).
Mas a realidade é que a Independência foi uma guerra, que
só resultou na fundação de um Estado nacional porque soldados e
mercenários venceram as tropas leais a Portugal em diversas regiões
do país. Nesta guerra, tropas majoritariamente compostas por homens
pretos, pardos e indígenas tiveram protagonismo nos enfrentamentos com
tropas europeias em diversos pontos do Brasil. Quem se sacricou pela
Independência do Brasil (muito mais do que o príncipe D. Pedro, ao sofrer
com desarranjos intestinais às margens do Ipiranga) foram aqueles que
viveram cercos militares, guerras de guerrilhas, repressões sangrentas e
outros episódios que compõem a história da Independência do Brasil.
Longe de uma separação amigável entra a pátria-mãe e um jovem país
que se emancipa, a Independência teve muitos episódios de guerra civil, e
34 André Nicacio Lima
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
também de ódio aos europeus. Nesta guerra, a população civil nascida em
Portugal foi frequentemente alvo de ataques por parte de forças favoráveis
à Independência. Em cidades como Salvador, Recife e Belém, populações
portuguesas foram massacradas ou deportadas durante os conitos
políticos da época. Nessas regiões, a “pátria-mãe” não se despediu de
seu lho com um abraço carinhoso e recomendações de moderação: ela
foi trucidada ou embarcada à força por multidões cheias de ódio. (REIS,
1989; JANCSÓ, 2005; MACHADO, 2010).
Tanto as guerras civis, quanto as manifestações de ódio antilusitano
perduraram por cerca de três décadas após a proclamação de Independência.
Dentre as mais expressivas dessas guerras, importa destacar a Confederação
do Equador (Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará,
1824), os motins em diversas partes do império no contexto da Abdicação
de D. Pedro I (1831), a Guerra dos Cabanos (Pernambuco e Alagoas,
1832-1835), a Rusga (Mato Grosso, 1834), a Cabanagem (Grão-Pará,
1835-1840), a Guerra dos Farrapos (Rio Grande do Sul e Santa Catarina,
1835-1845), a Sabinada (Bahia, 1837), a Balaiada (Maranhão e Piauí, 1838-
1840) e a Praieira (Pernambuco e Alagoas, 1848-1850).
Ao que parece, a narrativa paralela do Brasil não pode reivindicar a
Guerra de Independência como momento fundador do Brasil porque para
isso precisaria reconhecer que o sangue derramado pela pátria não vinha
apenas de corpos brancos. E, também, que nossa violência fundadora
incluiu décadas de conitos internos, no decorrer dos quais a discriminação
de cor foi frequentemente contestada. Talvez seja esta explicação para que
o “sacrifício” fundador da nação remeta mais a Carlos Martel e Afonso
Henriques (europeus que nunca pisaram no Brasil) do que aos soldados da
Guerra de Independência.
O bicentenário da Independência pode ser uma oportunidade de
nos reencontrarmos com os caboclos do Dois de Julho e demais vozes
dissonantes de nosso processo formador. Talvez assim estejamos mais
fortes para enfrentar as práticas que as narrativas supremacistas pretendem
legitimar.3
3 Agradeço a Léa Tosold pelos comentários críticos aos originais deste artigo.
35A nação brasileira entre a cruz e a espada:...
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. São Paulo: Companhia
das Letras, 2008.
BALAKRISHNAN, Gopal (Org.). Um mapa da questão nacional. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2000.
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro:
Editora Zahar, 2001.
CARVALHO, Roldão Pires; MARTINI, Mara Rovida. Escravidão
e racismo: Análise sobre uma das abordagens dos grupos
conservadores-liberais. REGIT, [S.l.], v. 10, n. 2, pp. 39-57, dez. 2018.
CÉSAIRE, Aimé. “Discours sur le colonialisme”. Paris, Présence africaine,
1950.
FERREIRA JUNIOR, Fernando Afonso. Carta aberta ao professor
Marco Antonio Villa. Conteúdo disponível em https://www.geledes.
org.br/ (publicação em 27/10/2016).
HOBSBAWM, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e
realidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
HOBSBAWM, Eric J. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.
JANCSÓ, István (Org.). Independência: História e Historiograa. 1ª ed. São
Paulo: Hucitec / FAPESP, 2005.
JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo G. Peças de um mosaico: ou
apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional
brasileira. Revista de História das Ideias, v. 21, pp. 389-440, 2000.
LEONARDI, Victor. Entre Árvores e Esquecimentos: História Social nos
Sertões do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília e Editora
Paralelo 15, 1996.
36 André Nicacio Lima
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
MACHADO, André Roberto de A. A quebra da mola real das sociedades: a
crise política do antigo regime português na província do Grão-Pará
(1821-1825). São Paulo: Hucitec / FAPESP, 2010.
MALERBA, Jurandir. Acadêmicos na berlinda ou como cada um escreve a
História?: uma reexão sobre o embate entre historiadores acadêmicos
e não acadêmicos no Brasil à luz dos debates sobre Public History.
História da Historiograa, Ouro Preto, v. 7, n. 15, pp. 27-50, ago. 2014.
NASCIMENTO, Beatriz. Quilombola e Intelectual: Possibilidade nos dias da
destruição. Editora Filhos da África, 2018.
NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. São
Paulo: Leya, 2011a.
NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da América Latina. São
Paulo: Leya, 2011b.
NARLOCH, Leandro. Universidades estão se tornando clubinhos
ideológicos irrelevantes. Folha de São Paulo, 28 fev. 2018.
PIMENTA, João Paulo G. A independência do Brasil como uma revolução:
história e atualidade de um tema clássico. História da historiograa,
Ouro Preto, n. 03, pp. 53-82, set. 2009.
PRADO, Maria Lígia Coelho. Lombroso oculto: livro sobre ‘falsos
heróis latino-americanos’ usa simplicações oportunas, omissões e
interpretações discutíveis, avalia professora. Estadão, 25 set. 2011
RATTS, Alex. Eu Sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento.
São Paulo: Imprensa Ocial, 2006.
REIS, João José. O jogo duro do Dois de Julho: o partido negro na
Independência da Bahia. In: REIS, J. J.; SILVA, E. (Orgs.). Negociação
e conito: resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989, pp. 79-98.
37A nação brasileira entre a cruz e a espada:...
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
RODRIGUES, Aldair. Fake History, “revisionismo” conservador e
criminalização do professor de História. Medium, 31 out. 2018.
Disponível em: https://medium.com/@professoraldairrodrigues/
fake-history-revisionismo-conservador-e-ataques-ao-professor-de-
hist%C3%B3ria-2278f7dbd8e2.
SMITH, Anthony D. “O nacionalismo e os historiadores”. In:
BALAKRISHNAN, Gopal. Um mapa da questão nacional. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2000, pp. 185-208
THIBAUD, Clément. La ley y la sangre. La “guerra de razas” y la
constitución en la América Bolivariana. Almanack [online], n. 1, pp.
5-23, jun. 2011.
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brazil antes da
sua separação e independência de Portugal. 2 v., Rio de Janeiro: E. & H.
Laemmert, 1870.
VILAR, Pierre. Hidalgos, amotinados y guerrilleros. Barcelona: Editorial
Crítica, 1982.
VÍDEOS
VILLA, Marco Antonio. Vídeo (4 min e 31 seg). Dinheiro público para
sustentar curso de “pretagogia” não dá. Publicado pelo Canal
Jovem Pan, 2016a. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=M2UaAEWKE-s.
VILLA, Marco Antonio. Vídeo (4 min e 47 seg). MEC deve explicar
tudo sobre a Universidade Federal da Integração Latino-Americana.
Publicado pelo Canal Jovem Pan, 2016b. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=sOxjFxj0DgY.
BRASIL PARALELO. Série. Brasil - A Última Cruzada. Publicado pelo
Canal Brasil Paralelo, 2017.
38 André Nicacio Lima
Temáticas, Campinas, 27, (54): 15-38, ago./dez. 2019
ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS. Roda Viva. TV Cultura, 30 de julho de
2018.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. “The danger of a single story”.
TEDGlobal2009.https://www.ted.com/talks/chimamanda_
adichie_the_danger_of_a_single_story
Texto recebido em 15/05/2019 e aprovado em 18/11/2019
... A história do Brasil, nesta narrativa, seria a continuação da história da "civilização europeia" ou "ocidental", e a outros povos caberiam papeis secundários e subalternos. A base da formação nacional seria a "cruzada" contra os "infiéis", e os ancestrais a serem homenageadosconstituindo o passado e o futuro do Brasil -seriam brancos, europeus e cristãos, os ditos vencedores destas guerras medievais (Lima, 2019). ...
Article
Full-text available
A partir da análise crítica de textos que discutem fascismo, populismo, e o cenário político contemporâneo de Brasil e Índia, busca-se, com este artigo, demonstrar como ideologias e movimentos fascistas proliferam-se e enraizam-se na periferia do mundo. Argumentamos que populismo, termo geralmente empregado para caracterizar a política de Jair Bolsonaro e Narendra Modi, é insuficiente para descrever seus projetos, cuja efetivação não se limita a tais ultradireitistas. O caráter ditatorial do fascismo, elemento que costuma defini-lo, é plenamente assumido em apenas uma das fases de processos que, nos contextos brasileiro e indiano, desenvolvem-se desde o século passado. Os casos de Brasil e Índia demonstram como o fascismo é um projeto transnacional, gradualmente cultivado, nutrido por diferentes grupos políticos e por múltiplos referenciais, como liberais, nacionalistas religiosos e neonazistas. (Almanaque de Ciência Política, v. 6, n. 1)
Article
Full-text available
Neste artigo, apresentamos resultados parciais da pesquisa que estamos desenvolvendo acerca dos temas e abordagens elencados em materiais produzidos pela empresa Brasil Paralelo sobre educação e sobre o golpe de 1964 e a ditadura militar. Compreendemos as produções da empresa como representativas da atuação político-ideológica da extrema direita no país, ressaltando a crescente projeção dos seus produtos para a formação e disseminação de valores ultraliberais e conservadores no ambiente virtual. Nos atemos, neste texto, em situar as primeiras discussões que estamos realizando acerca das relações entre educação e a memória e história da ditadura militar em produções da Brasil Paralelo tomando como principal aporte teórico o campo de estudos da memória social. Discutimos, de forma aproximada, como estas produções se apropriam de materiais e métodos típicos da chamada história pública para produzir narrativas legitimadoras do golpe de 1964 e da ditadura militar calcadas principalmente na contraposição a historiografia crítica e a educação escolar.
Article
Full-text available
Article
Full-text available
Apresentamos, neste texto, resultados da pesquisa que realizamos sobre o documentário “1964 - O Brasil entre armas e livros” (BRASIL PARALELO, 2019) e o episódio “Ditadura à brasileira”, da série “Guia Politicamente Incorreto” (THE HISTORY CHANNEL BRASIL, 2017), além de comentários de usuários(as) do Youtube a respeito desses vídeos. Tomamos como base contribuições teóricas do campo de estudos da memória social e da chamada história pública, ressaltando o papel da internet na produção, na difusão e na recuperação de narrativas sobre a ditadura militar no Brasil que se contrapõem à historiografia crítica e ao ensino de história. Discutimos, de forma aproximada, como produções de tal natureza se apropriam de recursos midiáticos e de interesses de uma história para consumo público, visando produzir ou legitimar narrativas que despertam memórias individuais-coletivas que se baseiam em quadros sociais de vivências legitimadoras da ditadura e de seus usos ideológicos, educativos.
Article
Full-text available
This article tries to describe the kind of war that experienced Venezuela and New Granada during their emancipation, arguing that it can be qualified as a "race war" by using Michel Foucault's concept of historicism. The "war to the death" that Bolivar declared to the Spaniards in 1813 confronted two races in a cruel fight that was supposed to give way to a new temporality for the patriots. This work tries to link the emergence of new historicist discourses on colonialism and freedom and the dynamics of war that characterized Tierra Firme during its independence.
Article
Full-text available
Different indicators suggest an increasing demand for history by the lay audience in the recent years, a demand that has been supplied by authors without formal academic training. The objectives of this paper are to think the concept of public history and its applicability in Brazil, and to analyze the contributions of three lay authors who have become best sellers as writers of history in Brazil. Our argument is that the mass dissemination of these works has implications both from a technical and ethical standpoint, and that it is a task of university-trained historians to have a position in regard to them.
Article
Full-text available
Este artigo retoma e problematiza o tema classico da Independencia do Brasil como um movimento revolucionario. Primeiramente, discute o conceito revolucao em meio ao proprio processo de ruptura entre Brasil e Portugal; em seguida, analisa sinteticamente aspectos da historiografia desse problema nos seculos XIX e XX; por fim, reorganiza a questao de acordo com contribuicoes historiograficas que, nas ultimas decadas, tem avancado no entendimento do processo historico em si a partir da premissa de seu carater revolucionario.
Um mapa da questão nacional
  • Gopal Balakrishnan
BALAKRISHNAN, Gopal (Org.). Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.
Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Editora Zahar
  • Marc Bloch
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.
Escravidão e racismo: Análise sobre uma das abordagens dos grupos conservadores-liberais. REGIT
  • Mara Martini
  • Rovida
MARTINI, Mara Rovida. Escravidão e racismo: Análise sobre uma das abordagens dos grupos conservadores-liberais. REGIT, [S.l.], v. 10, n. 2, pp. 39-57, dez. 2018.
Carta aberta ao professor Marco Antonio Villa
  • Fernando Ferreira Junior
  • Afonso
FERREIRA JUNIOR, Fernando Afonso. Carta aberta ao professor Marco Antonio Villa. Conteúdo disponível em https://www.geledes. org.br/ (publicação em 27/10/2016).
Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade
  • Eric J Hobsbawm
HOBSBAWM, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
Entre Árvores e Esquecimentos: História Social nos Sertões do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília e Editora Paralelo 15
  • Victor Leonardi
LEONARDI, Victor. Entre Árvores e Esquecimentos: História Social nos Sertões do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília e Editora Paralelo 15, 1996.