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Bredekamp, Horst.
Teoria do acto icónico.
Recensão
A verdadeira natureza da imagem
Paulo Tiago Cabeça
Doutorando CHAIA – Centro de História de arte e investigação artística; IIFA - Instituto de
Investigação e Formação Avançada da Universidade de Évora – 2020
A verdadeira natureza da imagem
Keywords: Horst Bredekamp; Imagem; Acto icónico; Historia da arte; Criatividade.
Autor: Paulo Tiago Cabeça. tgcabeca@uevora.pt
Orientador: Paulo Simões Rodrigues. psr@uevora.pt
Coorientador: Mariana Carrolo. marianacarrolo@gmail.com
Abstract
Esta recensão sobre a obra “Teoria do acto icónico” de Horst Bredekamp (n.1947),
Historiador de arte, Professor na Universidade Humboldt, de Berlin, com formação que
abarca a arqueologia, a filosofia e a sociologia, pretende refletir sobre a natureza da imagem.
Neste livro
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, o autor faz uma abordagem filosófica transdisciplinar a essa natureza da
imagem, desde o que considera a sua génese nas primeiras manifestações de objetos criados
pelo ser humano - como utensílios de pedra e pontas de lanças - até às imagens atuais dos
desenhos do arquiteto Norte Americano Frank O. Gehry (n.1929), prémio Prémio Pritzker em
1989. Mas admitindo que ela é uma construção e teorizando sobre esta encontrará a sua
verdadeira natureza?
Bredekamp refuta o entendimento das imagens como meros duplos da linguagem
considerando-as como actos de enunciação que possuem a capacidade de “reconfigurar o
sensível e intervir sobre o real” produzindo efeitos concretos. Parte da definição de imagem
enquanto acto, do filósofo Marxista Francês Henry Lefebvre (1901-1991) e do discurso-acto
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do filósofo Norte americano J. R. Searle (n.1932) para esta investigação na história da arte
onde, cobrindo e interpretando uma cronologia - em que define o homem como animal
symbolicum
3
- que se estende da pré-história até à contemporaneidade, pretende estabelecer
uma tipologia destes actos de imagem, dividindo-os em três categorias, ou mais
elaboradamente esquemas, do acto icónico.
Reconhecendo o caráter inorgânico do objeto imagem, como algo factualmente sem vida ou
consciência, o autor parte para a descoberta da vida e consciência projetada das imagens. Na
interpretação de Leonardo da Vinci sobre uma pintura coberta com panejamentos e da
interpelação que esta faria ao observador: “não me descubras, se a liberdade te é cara, porque
a minha face é cárcere do amor”. Esta “consciência do objeto” que de certa forma “aprisiona”
o observador encerra a noção de reconfigurar e intervir. A vida e a consciência da imagem
poder-se-ia dizer que existem para além do material inorgânico e esse paralelo Bredekamp
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Bredekamp, Horst. 2015. Teoria do acto icónico. Edição com acompanhamento do Instituto de História de
arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. KKYM
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Algo expresso por um indivíduo que não só apresenta informações, mas realiza uma ação também.
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Bredekamp, Horst. 2015. Teoria do acto icónico. Edição com acompanhamento do Instituto de História de
arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. KKYM.p.p.252
encontra-o também na teoria linguística antiga: a enárgeia é um conceito que na Poética
Aristóteles via como o vivo “pôr diante dos olhos”, uma apresentação seria arrebatadora se
despertasse a sensação de se presenciar algo vivo. Aristóteles relacionou-o com o
“representar uma ação”. Este tipo de força retórica que se ateia nas imagens linguísticas vivas
e atuantes tem, segundo Horst, uma “afinidade natural e espontânea com a imagem na sua
emergência material”. Esta noção de vida do objeto Horst confirma-a também com o trabalho
do psicólogo Jacques Lacan (1901 – 1981), com o filósofo Martin Heidegger (1889 – 1976),
com Platão (428/427-348/347 AC) entre outros. Portanto a imagem pode ter vida própria,
afirma Horst. Ato continuo influencia o meio. E sugerindo prova-o estabelecendo relações
que são mais filosóficas e estéticas que propriamente psicológicas ou materiais, em saltos
temporais e contextuais de milhares de anos na história da arte.
Mas Horst tem um conceito de imagem abrangente e não apenas figurativo. O homo habilis
trabalhava pedaços de basalto, conferindo-lhes forma com diversas utilizações possíveis, há
mais de dois milhões de anos. Ora esta síntese de função e consciência de forma, que
gradualmente incluíram uma vertente estética, revela para o autor uma conexão elementar
entre criação de imagens e a evolução do homem. Afirma também que as imagens só podem
ser reconhecidas como tal se existirem sequencias comparáveis que excluam a formação
aleatória. Referindo-se àquela que designa como a idade do marfim e às imagens femininas e
animais pré históricas, estas a grande maioria das recentemente encontradas como refere,
reforça que não eram apenas “acrescento estético” antes “um verdadeiro fermento das
culturas primordiais” (…) “determinação essencial da espécie humana”. Aqui aproxima-se da
verdade, que a imagem talvez não seja apenas construção. Mas logo se afasta porque a
realidade é para Bredekamp reforçada com o que designa as ”elocuções das obras”, por
exemplo na idade média e no renascimento. A “forma-eu”, a assinatura como auto-expressão,
as ”obras falantes” são confirmações do objeto consciente e a rampa de lançamento da sua
teoria que darão força ao esquematizar e sintetizar do acto icónico.
Afirmando que a quintessência da sua teoria será o facto de as imagens não consentirem,
antes produzirem experiências percetivas e ações, o autor esquematiza a sua visão do
problema afirmando que cada acto icónico terá uma categoria, um meio de expressão e uma
forma concretizada.
Primeira categoria. Acto icónico esquemático: A Vida:
Imagens vivas, tableaux vivants, réplicas vivas, autómatos, as danças “transumanas” de
Michael Jackson, o Comendador de Mozart ou mesmo o “centauro binário”, a junção homem
e automóvel, que a partir do manifesto futurista Horst relaciona à figura da deusa da vitória.
O acto icónico esquemático tem como pressuposto as diversas formas da configuração do
corpo. Onde encontramos exemplos que o autor obtém da figura humana, do autómato e do
homem máquina, associando-lhe o mito de Pigmalião e Galateia, o homem apaixonado pelo
ideal de mulher na forma de uma estátua, da boneca na arte no século XX, da estética
futurista e do jogo das formas orgânicas na arte trangénica. O acto icónico esquemático tem,
afirma, como pressuposto as diversas formas da configuração do corpo.
Categoria: Animação vital; movimento; infusão de uma alma; Biotécnica.
Meio: Pose corporal; Máquina; Escultura; Organismo.
Forma: Tableau vivant; autómato; figura; bioartefacto (biofactos).
Segunda categoria. Acto icónico substitutivo: permuta
Neste o autor afirma que se dá a permutabilidade efetiva das duas entidades. Na substituição
os corpos são tratados como imagens e as imagens como corpos. A substituição do corpo, o
procedimento do decalque, a santa Verónica com o sudário de Cristo, a fotografia, as imagens
infamantes, de celebração, a iconoclastia. Horst exemplifica com o piloto do helicóptero
Apache que não hesita em disparar para alvos em movimento num ecrã eletrónico, dir-se-ia
despojados de existência como seus semelhantes.
Categoria: Autenticidade; presença simbólica; punição; iconoclasmo; guerra.
Meio: Impressão corporal; comunidade; Punição icónica; destruição; violência.
Forma: Verdadeira imagem (ou ícone); símbolos coletivos; imagem difamatória; ruina
icónica; ferida.
Terceira categoria. Acto icónico intrínseco: forma.
A força intrínseca das imagens: o mito de Medusa a que se junta a potencia do ponto, da
linha, da cor, da mancha e do desenho e a consolidação da “imagem autónoma”.
Categoria: Olhar da imagem; agilidade da forma; construção de modelos; dinâmica
expressiva; evolução.
Meio: Espaço visual; meio configurador; pequena forma; fórmula de pathos; atração.
Forma: Quiasma de olhares; do ponto ao edifício; modelo; inversão dos motivos; variação.
Esta perspetiva tipológica/temática sobretudo filosófica pós contemporânea do autor,
suficientemente abrangente para não excluir nenhuma realidade ou interpretação, pretende
ultrapassar as habituais periodizações (pré-história, Renascimento, Modernidade…) e géneros
(pintura, arquitetura, fotografia…) assim como a própria distinção entre arte e não arte,
colocando a “imagem no centro da investigação”. Horst afirma justamente que todos estes
diagramas e modelos “possuem um duplo caráter de delimitação e de abertura”
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e reforça que
o próprio acto icónico nas suas três principais (e, portanto, porventura não únicas) categorias
é “ambivalente”. O acto icónico esquemático, segundo o autor, fornece aos modelos de
pensamento e conduta imagens capazes de ganhar vida corpórea. O substitutivo efetua a troca
entre corpo e imagem com manifestações destrutivas. O intrínseco, enquanto forma liberta de
contextos e nexos é a manifestação mais pura de acto icónico. O eu, afirma também, torna-se
mais forte ao relativizar-se perante a atividade da imagem. As imagens não podem colocar-se
à frente ou atrás da realidade porque contribuem para a constituir. Não são um desvio ou
derivação da realidade, garante Bredekamp, mas uma das suas condições. Horst percorre com
profundo e fascinante conhecimento a história da arte, milhares de anos de expressão humana
num jogo de relações e ligações entre objetos, movimentos, mitos, lendas, contextos e
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Bredekamp, Horst. 2015. Teoria do acto icónico. Edição com acompanhamento do Instituto de História de
arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. KKYM.p.p.253
descontextos, que têm tanto de genial como de arbitrário ou até, dir-se-ia, de compulsivo e
demente.
Conclusão
O acto icónico foi classificado assim, mas o autor confessa que poderia ser diferente. Explicar
a imagem pela imagem é especular sobre a especulação. Construir castelos de cartas sobre
castelos de areia. Bredekamp não procura respostas senão na forma e a forma é sempre uma
construção, queiramos ou não, consciente e racional. A imagem para ser imagem tem de ser
reconhecida como tal, afirma o autor. “Reconfigurar o sensível e intervir sobre o real” é uma
consequência, uma intervenção do “objeto consciente”, afirma Horst. Mas esta consciência
do objeto é projeção porque é sempre construção nossa. Logo somos de facto nós que
reconfiguramos o sensível e intervimos no real, não o objeto. Para encontrarmos a verdadeira
natureza (e não a sua natureza especulativa) da imagem há que ir a montante da construção
do seu conceito. Temos de ir onde as imagens germinam, onde nascem. O ser humano é mais
que forma construída. Ele é também biológico. E as regras da biologia não se compadecem
com a nossa vontade. Na sua aparente aleatoriedade são de facto vetores perfeitamente
alinhados e assertivos. A verdadeira natureza da imagem parece ser biológica
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e estará no
subconsciente, como afirmo na minha tese
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, e não se raciocina. Sente-se.
Referencias:
Bredekamp, Horst. 2015. Teoria do acto icónico. Edição com acompanhamento do Instituto
de História de arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.
KKYM.p.p.253
Cabeça, Paulo, et al. 2020. A criatividade como processo do consciente e subconsciente na
Arte. A Barrística como caso de estudo. Antologia de Ensaios LABORATORIO
COLABORATIVO: Dinâmicas Urbanas, Património, Artes. VI Seminário de Investigação,
Ensino e Difusão. Publisher: DINÂMIA’CET-ISCTE. P.p.295
Cabeça, Paulo, et al. 2020. O segredo de Vénus. DOI:
10.13140/RG.2.2.25218.50887.Disponivel em
https://www.researchgate.net/publication/344869212_O_segredo_de_Venus
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Cabeça, Paulo, et al. 2020. O segredo de Vénus. DOI: 10.13140/RG.2.2.25218.50887.Disponivel em
https://www.researchgate.net/publication/344869212_O_segredo_de_Venus
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Cabeça, Paulo, et al. 2020. A criatividade como processo do consciente e subconsciente na Arte. A Barrística
como caso de estudo. Antologia de Ensaios LABORATORIO COLABORATIVO: Dinâmicas Urbanas, Património,
Artes. VI Seminário de Investigação, Ensino e Difusão. Publisher: DINÂMIA’CET-ISCTE. P.p.295