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REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA | Rio d e Jan ei ro 54(4):663-677, jul. - ago. 2020
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ISSN: 1982-3134
Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso
de descoordenação intergovernamental
Fernando Luiz Abrucio ¹
Eduardo José Grin ¹
Cibele Franzese ¹
Catarina Ianni Segatto ²
Claúdio Gonçalves Couto ¹
¹ Fundação Getulio Vargas / Escola de Administração de Empresas de São Paulo, São Paulo / SP – Brasil
² Universidade Federal do ABC / Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, São Bernardo / SP – Brasil
Este artigo analisa como o federalismo brasileiro tem afetado o combate à COVID-19. Tendo por base uma análise
histórico-institucional do caso brasileiro, busca-se compreender como o modelo federativo construído pelo governo
Bolsonaro inuenciou as respostas ao combate da pandemia no país, bem como os resultados do confronto de dois
modelos federativos nesse processo. De um lado, o ideário e as estruturas institucionais da Constituição de 1988
com características cooperativas e forte coordenação federal. De outro, o federalismo bolsonarista baseia-se numa
visão dualista de relações intergovernamentais, com menor participação da União na redução de desigualdades
territoriais e no apoio a governos subnacionais, além da postura centralizadora e hierárquica nas questões de impacto
nacional. O estudo mostra que o federalismo bolsonarista aumentou o conito com governos subnacionais e tem
descoordenado políticas públicas de enfrentamento à pandemia. Conclui-se que as crises sanitária e federativa
caminham juntas e trazem à tona uma questão chave: a importância da coordenação governamental nas políticas
públicas de enfrentamento à pandemia.
Palavras-chave: COVID-19; federalismo; relações intergovernamentais; políticas públicas; governo Bolsonaro.
Lucha contra la COVID-19 bajo el federalismo bolsonarista: un caso de descoordinación
intergubernamental
Este artículo analiza cómo el federalismo brasileño ha afectado la lucha contra la COVID-19. A partir de un
análisis histórico-institucional del caso brasileño, buscamos comprender cómo el modelo federativo construido
por el gobierno de Bolsonaro inuyó en las respuestas para combatir la pandemia en el país, así como los
resultados de la confrontación de dos modelos federativos en este proceso. Por un lado, el ideario y las estructuras
institucionales de la Constitución de 1988 con características cooperativas y una fuerte coordinación federal. Por
otro, el federalismo bolsonarista que se basa en una visión dualista de las relaciones intergubernamentales, con
menos participación del Gobierno Federal en la reducción de las desigualdades territoriales y en el apoyo a los
gobiernos subnacionales, además de la postura centralizadora y jerárquica en materias de impacto nacional. El
estudio muestra que el federalismo bolsonarista ha aumentado el conicto con los gobiernos subnacionales y ha
descoordinado las políticas públicas de combate a la pandemia. Se concluye que las crisis sanitaria y federativa
van juntas y plantean una cuestión clave: la importancia de la coordinación gubernamental en la implementación
de políticas públicas de enfrentamiento a la pandemia y sus efectos sociales y económicos.
Palabras clave: COVID-19; federalismo; relaciones intergubernamentales; políticas públicas; gobierno Bolsonaro.
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-761220200354
Artigo recebido em 01 maio 2020 e aceito em 24 jul. 2020.
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Combating COVID-19 under Bolsonaro’s federalism: a case of intergovernmental incoordination
is article analyzes how federalism has aected policy responses to the COVID-19 pandemic in Brazil. rough
historical-institutional analysis, the study examines how the model of federalism adopted by President Bolsonaro’s
government inuenced policy responses to the pandemic in the country. In addition, the research points out the
existence of two models of federalism in the case analyzed, addressing the outcomes of the confrontation between
them. e rst model refers to ideas and institutional structures that have emerged since the 1988 Brazilian Federal
Constitution with cooperative features and strong federal coordination. e second, named “Bolsonaro’s federalism,”
is based on a dualistic view of intergovernmental relations with little participation of the federal government in
reducing territorial inequalities and supporting subnational governments, while centralizing issues of national
importance and adopting a hierarchical stance. e study shows that Bolsonaro’s government increased the conict
with subnational governments and jeopardized the coordination of policy responses to the COVID-19 pandemic.
We conclude that healthcare and federative crises go together and raise a key question: what is the importance of
governmental coordination to implement policies to respond to the pandemic and its social and economic eects?
Keywords: COVID-19; federalism; intergovernmental relations; public policies; Bolsonaro’s government.
1. INTRODUÇÃO
O combate à atual pandemia tem sido afetado por diversos fatores. Um deles é o efeito da interligação
entre atores políticos e o funcionamento institucional das políticas públicas. Neste campo, um aspecto
recorrente na crise epidemiológica é a dimensão da territorial politics (Broscheck, Petersohn, & Toubeau,
2017), que afeta federações e países com mecanismos federalizados (Baldi, 1999; Swenden, 2006).
O efeito da territorial politics ocorre em vários países, como Estados Unidos, Itália, Espanha,
Alemanha, Índia, México e Brasil. Nestes países as relações de conito e cooperação entre a esfera
nacional e os governos subnacionais moldaram em boa medida políticas recentes de Saúde pública
contra a COVID-19. Em algumas dessas experiências, soluções federativas bem-sucedidas explicam
parte do êxito no combate à pandemia, como no caso alemão (Pleitgen, 2020). Nos casos norte-
americano e brasileiro, ao contrário, houve diculdades na luta contra a COVID-19, especialmente
por conitos e descoordenação intergovernamental.
Este artigo analisa como o federalismo afetou o combate à COVID-19 no Brasil sob a presidência de
Bolsonaro. Busca-se mostrar que as relações intergovernamentais já estavam em processo de mudança
antes desta crise, porém seus efeitos se intensicaram durante a pandemia, quando a necessidade
de um papel coordenador da União cou mais evidente. Isso porque crises sanitárias exigem forte
coordenação governamental, sobretudo em países federativos, como mostra o trabalho de Paquet e
Schertzer (2020), por meio do conceito de complex intergovernamental problem. Por esta razão, vem
surgindo uma literatura que analisa como a questão territorial afeta as políticas de combate ao novo
coronavírus (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico [OCDE], 2020; Ramirez
de la Cruz, Grin, Sanabria‐Pulido, Cravacuore, & Orellana, 2020; Tulich, Rizzi, & McGaughey, 2020).
O marco analítico apoia-se na relação entre atores, instituições, políticas públicas e federalismo
(Pierson, 1995; Benz & Broschek, 2013). Baseando-se nesse parâmetro geral, a análise da
coordenação federativa no Governo Bolsonaro aponta que, no combate à COVID-19 no Brasil, houve
um confronto de dois modelos federativos. De um lado, o ideário e as estruturas da Constituição
de 1988 (CF/88), baseados em características cooperativas e forte coordenação federal. De outro,
a concepção bolsonarista de federalismo, norteada por uma visão fortemente centralizadora e
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hierárquica sobre questões com impacto nacional e dualista em relações intergovernamentais, o
que diminui a participação da União na redução de desigualdades territoriais e na ajuda a governos
subnacionais.
Do exposto, três questões chave emergem: quais as propostas e as efetivas mudanças do federalismo
sob Bolsonaro que foram intensicadas pela pandemia? Diante disso, quais as continuidades federativas
e novas estratégias adotadas por governos subnacionais – especialmente estados – que fazem diferença
no jogo federativo? Por m, qual o impacto dessas relações intergovernamentais sobre as políticas
públicas contra a COVID-19? Este último ponto é a principal contribuição do artigo ao campo da
Administração Pública.
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este estudo baseia-se numa análise qualitativa e histórico-institucional que lida com duas
temporalidades. A primeira refere-se aos trinta anos de relações intergovernamentais pós-1988 e
tem como ponto de partida a sistematização da literatura já consolidada sobre o tema. A outra diz
respeito ao processo em curso, no qual se busca mudar o padrão de distribuição do poder territorial
nas políticas públicas e sua concretização especíca no combate à COVID-19. Para compreender
esse fenômeno inconcluso, selecionamos ideários e eventos críticos (Capoccia & Kelemen, 2007)
representativos da tentativa bolsonarista de alterar o federalismo brasileiro, bem como as reações a
este modelo.
A discussão sobre a COVID-19 como evento crítico é a “linha de chegada” de uma análise segundo
a qual o governo Bolsonaro tem buscado, desde o início, mudar relações intergovernamentais, processo
que na pandemia tem sua forma mais intensa. Em termos contrafactuais: inexistindo a pandemia, não
existiria esse confronto? Nossa resposta é não, pois ele já vem ocorrendo desde 2019, foi escalando o
nível de enfrentamento e, com o surgimento da pandemia, esse acelera um processo em curso. Dada
a complexidade do fenômeno sanitário, as consequências negativas do padrão intergovernamental
bolsonarista se ampliam.
Realizou-se uma análise histórico-narrativa para embasar a leitura longitudinal, pois só é possível
discutir o federalismo bolsonarista em contraste com o desenho institucional pós-1988, baseado no
modelo cooperativo. Na análise da coordenação federativa durante a pandemia, optou-se pelo uso do
process tracing, método qualitativo capaz de reconstruir uma sequência de eventos ainda em andamento
(Beach & Pederson, 2013). Assim, a narrativa de “falas conjunturais” e documentos constituem o
recurso possível e necessário para analisar um fenômeno em curso, pois permite compreender o jogo
federativo adotado pelos entes subnacionais e pelo governo federal.
Nessa linha, realizou-se uma análise documental (legislação e declarações de representantes do
governo federal, de estados, municípios, do Congresso Nacional, Judiciário) e da cobertura da mídia,
acompanhando os passos do governo Bolsonaro desde seu início, com um recorte especial para os
primeiros meses da pandemia (fevereiro a junho de 2020). A referência aos conteúdos abordados
na imprensa perderia fôlego analítico e capacidade explicativa sem a referência histórico-narrativa
apresentada no Quadro 1, que apresenta a trajetória de medidas do governo federal antes e durante
a pandemia. Todas as iniciativas são guiadas por uma mesma lógica de revisão do federalismo
cooperativo derivado da CF/1988.
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QUADRO 1 EVENTOS CRÍTICOS NA TRAJETÓRIA DO FEDERALISMO BOLSONARISTA
(ATÉ JUNHO DE 2020)
Pré-pandemia Criação do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares.
Renovação do Fundeb (PEC 15/15).
Mudanças nos programas federais de Educação.
Mudanças no Suas (extinção do Ministério, alterações no BPC).
Criação do Consórcio do Nordeste.
PEC do pacto federativo (PEC 188/2019).
Demanda presidencial para zerar ICMS sobre combustíveis.
Securitização das dívidas estaduais.
Fundo de Segurança Pública.
Mudança na composição do Conselho Nacional da Amazônia Legal sem representantes dos governos
subnacionais.
Durante a pandemia Criação do Comitê de Crise da COVID-19 sem representação subnacional.
Recursos do SUS não chegam aos estados.
Decisão de inconstitucionalidade sobre a Medida Provisória 926/2020.
Ações judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF) de estados.
Promulgada PEC do Orçamento de Guerra (EC 106/2020).
Adiamento do ENEM.
Medidas originárias da PEC do Orçamento de Guerra.
Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus (LC 173/2020).
Mudança na metodologia de informações sobre a COVID-19 fornecidas pelo Ministério da Saúde.
Fonte: Elaborado pelos autores.
3. MODELOS DE FEDERALISMO E COORDENAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL
No estudo das políticas públicas no federalismo, a coordenação intergovernamental é fundamental,
pois não é fácil compatibilizar a convivência entre autonomia e interdependência, que marca as
federações e seu processo decisório (Pierson, 1995). Aqui, há dois tipos ideais em confronto: os
modelos dual e cooperativo.
No federalismo dual, supõe-se que cada ente possua autonomia constitucional estrita sobre
diferentes áreas para impedir a centralização do poder (Loughlin, Kincaid, & Sweden, 2013). Seu
pressuposto é que governos locais gastam mais ecientemente, são mais accountable para suas
populações e políticas públicas, respondem melhor a particularidades locais. A coordenação federativa
seria contingente, circunstancial e, no limite, desnecessária, por ser prejudicial à eciência decisória
e à alocação de recursos.
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Hoje, o caso paradigmático de federalismo dual são os EUA. Após décadas de crescimento
de um modelo mais colaborativo (1930 a 1980), o presidente Reagan mudou a rota federativa,
descentralizando funções dos estados (devolution powers), bem como reduzindo a participação da
União no apoio e na articulação federativa. Esse padrão dualista tornou-se hegemônico, gerando
aumento da desigualdade e da competição interestadual (Kettl, 2020).
No modelo cooperativo, a autoridade compartilhada combina autonomia subnacional com
coordenação nacional. Sua disseminação ocorreu com a expansão do Welfare State após a Segunda
Guerra Mundial (Obinger, Leibfried, & Castles, 2005). Para garantir direitos universais, federações
combinaram processos centralizados (como financiamento, normatização e indução) com
implementação descentralizada e autônoma de políticas públicas. Assim, o modelo cooperativo não
contrapõe centralização e descentralização, trata-as como combinação e não como oposição (Broschek,
Petersohn, & Toubeau, 2017).
Em vez de dualismo, o que se exige é coordenação para compartilhar objetivos, de modo a reduzir
duplicação, sobreposição e desigualdades territoriais. Esse processo envolve muitas vezes formas
de participação e proteção dos governos subnacionais perante decisões federais, especialmente
mediante fóruns intergovernamentais que minimizam e/ou impedem ações unilaterais atuando como
federal safeguards(Schnabel, 2015). A crise da COVID-19 evidenciou a importância da coordenação
intergovernamental para combater a pandemia (OCDE, 2020; Tulich, Rizzi, & McGaughey, 2020).
Porém, nos Estados Unidos, o governo Trump radicalizou o modelo dualista ao responsabilizar
totalmente os estados, ou disputar protagonismo com eles. O avanço da doença foi avassalador. Essa
atuação suscitou a ideia do “federalismo darwinista”, que coloca entes uns contra os outros (Cook &
Diamond, 2020; Geltzer, 2020). Neste contexto, uma liderança nacional é essencial porque, conforme
disse o governador de Nova York, Andrew Cuomo, “state boundaries mean very little to the vírus”.
No Brasil, o enfrentamento à COVID-19 evidencia o confronto dessas duas concepções de
federalismo. Opõem-se o modelo cooperativo, construído a partir da CF/88, e o projeto bolsonarista,
similar ao dualismo trumpista, baseado no slogan “Mais Brasil, Menos Brasília”, isto é, menos ação
da União em políticas públicas.
4. O FEDERALISMO BRASILEIRO PÓS-1988: COMBINAÇÃO DE COORDENAÇÃO E AUTONOMIA
A Federação brasileira, originariamente, inspirou-se no dualismo norte-americano. O desenho
constitucional de 1891 propunha grande autonomia estadual, pouca intervenção da União e ausência
de coordenação federativa (Abrucio, 1998). Com a chegada de Vargas ao poder, iniciou-se uma
trajetória de grande transformação do federalismo, quando o papel da União cresceu continuamente,
especialmente nos períodos autoritários do Estado Novo e do Regime Militar (Arretche, 2012). Esta
centralização de poder enfraqueceu o federalismo e não redundou em cooperação, dado que os
governos subnacionais foram afastados das principais decisões políticas e de políticas públicas.
A redemocratização alterou o modelo federativo anterior, dando maior autonomia política,
administrativa e nanceira a estados e municípios. Contudo, essa descentralização foi contrabalançada
por políticas nacionais em prol da expansão de políticas públicas e do combate à desigualdade.
Assim, coube à União importante papel de coordenação federativa, mediante normatização, indução
e nanciamento (Abrucio, 2005; Arretche, 2012). A implementação cou a cargo dos governos
subnacionais, tornando-os centrais na expansão das políticas de welfare (Grin & Abrucio, 2018).
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O arranjo federativo pós-1988 exigiu equilibrar objetivos nacionais de welfare com sua
implementação descentralizada e autônoma. Para tanto, a criação de sistemas de políticas públicas
garantiu também a participação dos governos subnacionais no processo decisório federativo (Franzese,
2010). A cooperação federativa originada da CF/88 avançou incrementalmente, mas não teve trajetórias
nem resultados similares em todas as áreas. Neste processo, todos os presidentes dialogaram com
estados e municípios para fortalecer o pacto federativo e expandir políticas sociais.
Na área da Saúde, o caso mais paradigmático, o Sistema Único de Saúde (SUS), foi construído
na década de 1990. O modelo apoiou-se em diretrizes nacionais relacionadas a normatização
e redistribuição de recursos, implementação descentralizada e espaços institucionalizados de
participação social e negociação intergovernamental (Franzese & Abrucio, 2013). O SUS inspirou a
construção do Sistema Único de Assistência Social (Suas) em 2005, também ancorado na participação
social, redistribuição de recursos, fóruns federativos e serviços descentralizados e hierarquizados
(Bichir, Simoni, & Pereira, 2020).
Na Educação Básica, a CF/88 criou o conceito de regime de colaboração para lidar com a dualidade
de provisão dos serviços e baixa cooperação intergovernamental (Abrucio, 2010). Mas a coordenação
intergovernamental não ocorreu de imediato porque o apoio da União a governos subnacionais só
ganhou força a partir de 1996, quando se estabeleceram parâmetros mínimos nacionais, redistribuição
de recursos, monitoramento e avaliação de resultados (Segatto & Abrucio, 2018). Todavia, a falta de
fóruns federativos formais resultou num sistema de articulação mais frágil comparativamente ao
da Saúde e da Assistência Social. Ainda assim, todas as gestões federais conversaram com a União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Conselho dos Secretários Estaduais
de Educação (Consed).
A Federação brasileira ainda tem problemas de fragmentação, sobreposição, competição e
fragilidade de cooperação em alguns setores e no plano territorial (Grin & Abrucio, 2017). Só
que, mesmo com esses problemas, ela vinha avançando no reforço da coordenação e cooperação
intergovernamentais na provisão das políticas públicas. Esta transformação incremental e incompleta
do federalismo brasileiro foi contestada pelo presidente Bolsonaro, que, desde a posse, visa instaurar
um federalismo dualista similar ao vigente nos EUA. A eclosão da pandemia escancarou a proposta
bolsonarista e exacerbou conitos entre União e municípios e, principalmente, estados, aumentando
a descoordenação intergovernamental.
5. O SENTIDO DO FEDERALISMO BOLSONARISTA: MARCHA E CONTRAMARCHA
Bolsonaro foi eleito presidente com um discurso contra o sistema político e a “velha política”. Como
parlamentar colocou-se contra a redemocratização do país ao constantemente defender o regime
militar, mesmo após eleito (Campos, 2019). Seu governo tem como principal adversário os ideais da
CF/88, principalmente a expansão da atividade governamental gerada pelo crescimento dos direitos
de cidadania e os checks and balances reforçados pelo novo arcabouço constitucional. Seu projeto
neopopulista defende uma democracia sem mediações ou scalização institucional das relações entre
governante e povo (Urbinati, 2019).
O federalismo cooperativo, central na CF-88, também foi atingido pela visão bolsonarista com
o slogan “Mais Brasil, Menos Brasília”. Aparentemente vinculado à transferência de poder a quem o
deve ter de direito, esse bordão alicerça uma visão de Estado que combina ultraliberalismo econômico
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com antiliberalismo político. O primeiro propõe redução drástica da intervenção governamental,
secundarizando até mesmo a desigualdade; o segundo busca debilitar controles institucionais em
nome de um presidencialismo imperial, aliado a uma postura schmittiana da política, que considera
opositores inimigos a serem destruídos (Schmitt, 1992).
Baseado nesses fundamentos, Bolsonaro atuou segundo a lógica de um tripé federativo. O primeiro
suporte diz respeito à divisão rígida de funções entre níveis de governo. Responsabilidades deveriam
ser repassadas a estados e municípios concomitantemente à diminuição drástica de participação da
União no nanciamento e apoio à redução das desigualdades territoriais. O pressuposto é de que
estados e municípios são mais ecientes nas decisões de alocação de recursos, assim a União deveria
intervir minimamente. O resultado seria aumentar a desigualdade entre governos subnacionais na
provisão de serviços.
O segundo pilar reforça o dualismo pelo lado da concentração autocrática nas mãos da União
em decisões que afetam entes subnacionais. Há pouquíssimo espaço para diálogo, negociação ou
participação subnacional em programas federais. Os exemplos são vários, mas o pior ocorre em
relação à região amazônica: o conselho criado para cuidar desta questão excluiu governadores da
região da estrutura de governança.
A concepção de federalismo bolsonarista também contempla, como último pilar, o confronto
intergovernamental e a luta constante contra adversários reais ou imaginados. Mobiliza a lógica de
guerra para atiçar seu eleitorado e marcar posição antissistema. Os maiores inimigos são as instituições
e suas lideranças, pois sua visão do presidencialismo repudia a negociação institucional e os checks
and balances do Estado brasileiro, entre os quais está o federalismo.
Seguindo essa lógica política, Bolsonaro confrontou a Federação por dois motivos. Primeiro, a
recusa dos entes subnacionais a políticas do bolsonarismo. Como estados e municípios são os principais
responsáveis pela implementação na área social, podem mudar o rumo das decisões tomadas em
Brasília. Soma-se a isso a disputa da Presidência com prefeitos e, sobretudo, governadores, vistos
como atores que podem mobilizar a opinião pública, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal
Federal (STF) em disputas federativas, além de poderem se tornar competidores ou aliados dos maiores
adversários eleitorais do presidente. Ao longo da pandemia, esse confronto federativo disseminou-se
e os governos subnacionais produziram cartas de repúdio a decisões do governo federal.
A combinação de lógica federativa compartimentalizada, autocrática e confrontadora evidenciou-
se com a pandemia. Porém eventos críticos anteriores já realçavam essa lógica do federalismo
bolsonarista em quatro importantes agendas. A primeira delas ocorre no campo das políticas públicas,
nas quais se tentou desmantelar a dinâmica cooperativa formal e informal. Um exemplo contundente
foi na educação, visto que o MEC desconsiderou posições dos entes subnacionais em temas como
expansão das escolas cívico-militares, alfabetização ou ações em relação à COVID-19. Como resposta,
prefeitos e governadores tomaram decisões desprezando propostas do governo federal.
Esse tipo de conito federativo também ocorreu em outros setores. Na política ambiental
da Amazônia, os governadores foram rechaçados. Na segurança pública, o Ministério da Justiça
abandonou o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), reduzindo a cooperação com estados (Lima
& Bueno, 2020). Na experiência mais dramática, o combate à pandemia da COVID-19, chocaram-se
o modelo bolsonarista e o SUS.
O segundo evento crítico concerne à agenda legislativa, particularmente à “PEC do pacto
federativo” (PEC 188, 2019). Ela se orienta pela tríade “desobrigar, desindexar e desvincular”, e busca
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exibilizar o orçamento devolvendo ao Congresso Nacional o protagonismo sobre decisões alocativas
dos entes federativos. No entanto, a concepção de “Mais Brasil, Menos Brasília” reduz a importância
da coordenação federativa e tende a ampliar a desigualdade regional. Trata-se de uma nova agenda,
em que a junção entre federalismo e nação perde propósito.
Um terceiro evento crítico consistiu na mudança no posicionamento do STF ao julgar conitos
de competência entre União e governos subnacionais. Historicamente, a tendência é decidir em favor
da União (Halberstam, 2008). Canello (2017) aponta que, da CF/88 até 2015, de 920 processos sobre
conitos intergovernamentais, 81% foram favoráveis à União e 13% favoráveis aos estados. Com
Bolsonaro, entretanto, o STF tem decidido claramente em favor dos entes subnacionais. Na mais
importante dessas decisões, o Supremo decidiu que União, estados e municípios têm competência
concorrente para atuar em questões sanitárias e podem estabelecer medidas restritivas para combater
a pandemia sem aval do governo federal.
Por m, como elemento marcante de reação ao federalismo bolsonarista, o Fórum de Governadores
e o Consórcio do Nordeste fortaleceram a cooperação horizontal e supriram lacunas deixadas pela
União. A crise gerada pela pandemia da COVID-19 evidenciou a necessidade de maior colaboração
e transformou essas arenas em contrapontos às iniciativas presidenciais, sobretudo porque os
governadores foram mais aderentes ao isolamento social, em contraposição à omissão presidencial.
6. COMBATE À COVID-19 E FEDERALISMO BOLSONARISTA: PARADIGMA DE DESCOORDENAÇÃO
INTERGOVERNAMENTAL
No combate à COVID-19, a lógica federativa bolsonarista ganhou feição mais dramática,
pois a pandemia é um complex intergovernmental problem, exige ainda mais coordenação
intergovernamental que políticas corriqueiras. Em vez de mudar de rota, o presidente Bolsonaro
radicalizou sua proposta federativa. O modelo compartimentalizado, autocrático e de confronto se
robusteceu, enquanto governos subnacionais, especialmente governadores, reagiram rearmando
a cooperação e a ativação do SUS como paradigma de governança sanitária. Contudo imperou a
lógica de reduzir a coordenação federal.
O primeiro ponto a destacar é a divergência entre presidente da República e o Ministério da Saúde,
culminando na exoneração do ministro Henrique Mandetta. Após o início da crise, o então titular
da pasta imbuiu-se do papel de dirigente do SUS, enaltecendo-o. Demitido, escreveu o seguinte tuíte:
Acabo de ouvir do Presidente Jair Bolsonaro o aviso da minha demissão do Ministério da Saúde.
Quero agradecer a oportunidade que me foi dada, de ser gerente do nosso SUS, de pôr de pé
o projeto de melhoria da saúde dos brasileiros e de planejar o enfrentamento da pandemia do
coronavírus, o grande desao que o nosso sistema de saúde está por enfrentar [...]” (Grifo nosso).
O elogio de Mandetta ao SUS, por duas vezes, é signicativo, pois o ex-ministro provém do
setor privado da Saúde. Isso mostra como a polarização no governo pode ser vista não apenas em
torno da dicotomia isolamento social versus retomada da economia, mas como resiliência dos
arranjos institucionais criados com a CF/88 versus a nova dinâmica bolsonarista de federalismo. Na
polarização entre Bolsonaro e Mandetta, evidenciaram-se duas visões de federalismo: a da CF/88,
representada no SUS, e a nova visão, que combina devolution powers e autocratismo ao lidar com
demandas subnacionais.
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Houve resiliência institucional, pois arranjos federativos ainda pesam, embora atualmente
funcionem de maneira menos pactuada. O presidente do Conselho Estadual dos Secretários de Saúde
(Conass) tem sido apartado das decisões do Ministério da Saúde. O protagonismo de Mandetta e
o isolamento de seu sucessor, Nelson Teich, foram absolutos em um sistema baseado na pactuação
intergovernamental. No início da pandemia, governadores e prefeitos armaram que recursos não
chegavam, algo anormal para o SUS, considerando a longa trajetória de funcionamento da transferência
fundo a fundo (Bertoni, 2020). A desarticulação federativa piorou com a chegada do ministro Teich.
O representante do Conass, principal estrutura do SUS de diálogo e negociação federativa, sequer
foi convidado a participar de sua posse (Conass, 2020).
A descoordenação intergovernamental no enfrentamento da COVID-19 aumentou com o
conito entre presidente e governadores, o que cou explícito na decisão sobre o estabelecimento do
isolamento social. Nesta questão, três fatores conuíram: 1) opção do projeto federativo bolsonarista
pelos devolution powers; 2) arcabouço de regras da CF/88 e seu blend de cooperação e autonomia;
3) legado prévio de políticas públicas. Numa federação como a brasileira, com seu sistema político
altamente consensual, tal discussão chegou ao STF.
Quanto à opção pelos devolution powers, Bolsonaro se desobrigou da ação de combate à COVID-19
e demorou a se pronunciar sobre o vírus. Desde o início preocupado com a economia, minimizou a
gravidade da situação ao ver superdimensionado o poder destruidor do vírus (Vasconcelos, 2020).
No caso de federações, essa omissão pode gerar preempção de políticas públicas: ação subnacional
pioneira em determinada área que provocaria diculdades de posterior ação federal em virtude
da institucionalização da política no tempo (Pierson, 1995). Foi exatamente o que ocorreu na
determinação do isolamento social, que acabou liderada pelos governadores.
A ação dos estados aumentou o tom de confronto no discurso do presidente, que disse “tem
certos governadores que estão tomando medidas extremas, que não competem a eles, como
fechar aeroportos, rodovias, shoppings e feiras”. E segue provocativamente numa entrevista coletiva:
“Tem um governo de Estado que só faltou declarar independência”. Como reação, os governadores
criticaram fortemente a postura centralizadora e sem diálogo do governo federal em documentos
assinados quase unanimemente (Soares, 2020).
Optando pelo confronto, Bolsonaro ameaçou exibilizar as medidas de isolamento adotadas
pelos governadores, mas foi desautorizado pelo STF em medida cautelar proposta pela Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB). A decisão baseou-se nas competências compartilhadas em Saúde (artigo 23
da CF/88), presentes no federalismo cooperativo subjacente à Constituição.
Quanto ao legado da política pública, a pandemia contrapôs dois modelos de federalismo. A
Saúde é a área que melhor representa o arranjo institucional desejado pela CF/88 na articulação entre
política pública e federalismo: cooperação, transferência de recursos fundo a fundo, universalização
da atenção e gratuidade. Este legado é posto à prova pelo projeto bolsonarista de federalismo.
O Comitê de Crise da COVID-19, sem representação estadual e municipal, ilustra essa concepção
de um federalismo dualista radicalizado com comando centralizado. Ao mesmo tempo, a reação
dos governadores para sustentar suas iniciativas e defender o SUS é positiva para o federalismo. A
pandemia acelerou e desnudou um jogo federativo que já estava em curso, cuja disputa organiza-se
em torno dos modelos dualista e cooperativo.
O exemplo que melhor ilustra essa situação é a edição da LC 173 (2020), que “estabelece o Programa
Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus”. O principal ponto da lei é exibilizar alguns limites da
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Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), acrescidos àqueles já exibilizados pelo próprio art. 65 da LRF
para calamidade pública, e estabelecer critérios de distribuição de R$ 60 bilhões em transferências
federais para estados e municípios (40% por taxa de incidência da doença e 60% por população). Dois
pontos chamam atenção: a lei é de 27 de maio e apresenta um dispositivo que menciona impedimento
ao auxílio pelo município ou estado que não renunciar à ação ajuizada contra a União solicitando
auxílio nanceiro relacionado ao coronavírus.
A data impressiona, pois apenas no nal de maio a União decidiu organizar a distribuição de
recursos. A demora se explica, pois foi necessário, primeiro, viabilizar a possibilidade de recursos
extras – o que foi feito com a aprovação da Emenda Constitucional 106, de 07 de maio de 2020, a
qual instituiu o chamado “orçamento de guerra”. Fazê-lo por lei é outra surpresa, pois o SUS costuma
decidir por meio de fóruns federativos compostos por membros do Executivo.
As Comissões Intergestores, desde a década de 1990, decidem sobre a distribuição de recursos
por meio das normas operacionais básicas, emitidas pelo Ministério da Saúde. A aprovação por lei
mostra o protagonismo do Congresso Nacional, uma vez que estados e municípios têm conseguido
melhor comunicação no cenário atual. Outro ponto sobre as ações judiciais é que este fato revela não
apenas a forma hierárquica com que a União enxerga as relações intergovernamentais, mas também
evidencia como os repasses fundo a fundo do SUS realmente não estavam funcionando na lógica
bolsonarista de devolution powers.
A redução conjuntural do papel da União aumentou a descoordenação intergovernamental e a
desigualdade entre estados e municípios. O conito intergovernamental dicultou a tomada de decisões
nacionais, como normas sobre isolamento social, distribuição de recursos e equipamentos médicos.
Nessa situação, o Consórcio do Nordeste e estados como São Paulo e Maranhão tomaram decisões que
geram competição horizontal e vertical por escassos insumos para o combate à COVID-19. Mesmo
no que se refere a outras políticas, como a econômica e a educacional, não ocorreram articulações
federativas para atuar contra a pandemia.
7. CONCLUSÃO
O federalismo brasileiro mudou substancialmente nas últimas décadas. O nal do Regime Militar e
a CF/88 permitiram assentar as bases de uma federação democrática, descentralizada, participativa
e mais cooperativa, que alteraram o padrão anterior autoritário e centralizado.
Porém, o caminho aberto pela lógica federativa bolsonarista desequilibrou os pilares da engenharia
institucional que emergiram após 1988, com sua aposta num modelo dualista, autocrático e de
confronto intergovernamental. As disputas entre o presidente e os governadores relacionadas à
autoridade para determinar o isolamento social, por exemplo, evidenciam essa questão.
Como decorrência do projeto federalista bolsonarista, os efeitos negativos no combate à COVID-19
revelaram-se signicativos. O ápice desse processo ocorreu quando o Ministério da Saúde acusou
os estados de mentirem sobre o número de mortos pela pandemia, deixando de informar com a
periodicidade anterior o número de vítimas e infectados, colocando sob suspeição todo o modelo
cooperativo do SUS.
O confronto e a descoordenação intergovernamentais, provocados pela falta de liderança da União,
geraram desperdício de recursos, sobreposição de ações, redução dos ganhos de escala oriundos
da coordenação federativa e prejuízos à garantia dos direitos sociais construída ao longo dos anos.
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O fato é que esse desarranjo federativo foi uma das principais causas para os péssimos resultados
alcançados em relação ao número de doentes e de mortos. São dados que colocam o país numa posição
desconfortável no cenário internacional.
Entretanto, um cenário diferente pode emergir da crise sanitária: o aprendizado sobre a
importância do federalismo cooperativo no país, não só no funcionamento cotidiano das políticas
públicas, mas, sobretudo, nos momentos em que predominam situações de complex intergovernmental
problem. O período pós-pandemia deve gerar situações muito complexas em termos de crise social
e econômica, tendendo a reforçar ainda mais a importância da cooperação intergovernamental na
Saúde, além de outras áreas, como Educação e Assistência Social, mobilizando-as na reconstrução
da sociedade brasileira.
Se o país realmente aprenderá que preservar um federalismo cooperativo é essencial para evitar
novos fracassos, ainda é uma questão em aberto. Mas o exemplo da descoordenação intergovernamental
no enfrentamento da COVID-19 cará registrado como uma triste página de nossa história.
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Fernando Luiz Abrucio
https://orcid.org/0000-0002-3883-9915
Doutor em Ciência Política; Professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação
Getulio Vargas (FGV EAESP). E-mail: fernando.abrucio@fgv.br
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Doutora em Administração Pública e Governo; Professora na Escola de Administração de Empresas de São
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Catarina Ianni Segatto
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Doutora em Administração Pública e Governo; Professora visitante no Programa de Pós-Graduação em Políticas
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Cláudio Gonçalves Couto
https://orcid.org/0000-0003-0153-1877
Doutor em Ciência Política; Professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação
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